quinta-feira, 19 de março de 2020

Os paradoxos da Liberdade Senhores e Servos



SENHORES E SERVOS:

O Sistema da Servidão: 
Imposições e Obrigações impostas ao Camponês. 
Exemplo trazido pelo autor de um Servo russo, que vivia numa aldeia russa durante o Século XIX
Sayva Dmitrievich vivia numa aldeia na Rússia central. A aldeia pertencia a uma pequena propriedade de um tenente-coronel. A propriedade tinha terra arável, uma floresta e prado e pasto.
O proprietário não ia à aldeia. Esta ficava sob as ordens de um administrador, que pegava para si grandes partes dos rendimentos. A maioria dos camponeses da Aldeia era composta por analfabetos. Havia 1300 aldeões que pagavam uma renda anual ao senhor. O dinheiro para pagar essa renda anual vinha do cultivo do linho e de outros produtos, que depois eram vendidos no mercado. O aldeão também trabalhava para cultivar produtos que serviriam para a sua subsistência. As pessoas viviam de aveia, nabos e ervilhas. Leite, ovos, carne de vaca eram vendidos por necessidade. Também faziam artesanatos. 
Numa ocasião, o proprietário emitiu uma ordem, que foi lida na Assembleia da Aldeia. Ele queria 4 homens, jovens e altos, para ficarem de pé na traseira de sua carruagem. Queria ainda 4 belas moças de 18 anos sem especificar os fins para que se destinavam. O proprietário faleceu em 1817. Sua filha herda a propriedade e exige 200 mil rublos como adiantamento da renda dos próximos 10 anos. Os camponeses recusaram pagar essa soma. A proprietária então hipoteca a aldeia como garantia de um empréstimo por 25 anos. E os juros teriam que ser pagos pelos camponeses: 30 mil rublos ao ano mais a renda anual de 20 mil rublos. Quem não pagasse sua parte seria conscrito no exército ou levado para a Sibéria para trabalhar na propriedade de seus senhores. Os aldeões se sentiram impotentes diante dessa exigência senhorial.
Um novo administrador alemão foi contratado e se revelou mais severo que o anterior. Açoitava quem lhe desobedecia; interferia nos casamentos e obrigava os aldeões a trabalharem na fábrica têxtil dos senhores. Se os aldeões se queixavam, o administrador pedia ajuda de tropas do governo.
Entre os anos de 1800 e 1868, a Rússia contava com o maior contingente de servos na Europa. Naquela altura já havia Estados que, influenciados pela Revolução Francesa, não tinha mais servidão: Baden, Baviera, Dinamarca, França, Países Baixos, Schleswig/Holstein, Suíça e Pomerânia Sueca.
Na Prússia, a servidão durou, numa forma debilitada, até 1848. Na Rússia e na Polônia a servidão durou até 1860.

"Os servos não eram escravos (ainda que houvesse escravos na Europa, nomeadamente os ciganos da Romênia, que eram tratados como bens móveis e vendidos no mercado até à sua emancipação pela Igreja Católica em 1848; os servos tinham direitos e deveres, mas não eram agentes livres."
(página 137)

A servidão dependia dos costumes locais onde era adotada, razão pela qual havia muitos tipos de servidão. Em termos gerais, a Servidão pode ser descrita dessa forma:
-o camponês era obrigado a trabalhar, sem pagamento, em certas tarefas e por alguns dias da semana na propriedade do aristocrata local, o senhor, e a cumprir em outros deveres, como ajudar nas caças, etc.
Em alguns lugares, o Estado impunha outras obrigações aos servos, como a manutenção de estradas e pontes locais, fornecer cavalos aos mensageiros e aos mais jovens prestar serviço militar. A mulher do servo poderia trabalhar na casa do Senhor, assim como seus filhos.
Na Aldeia de Velikoe, onde trabalhava Sayva Dmitrievich, muitas das obrigações foram convertidas para o pagamento de uma renda anual. Mas eram obrigados a trabalhar na fábrica têxtil da propriedade e estavam sujeitos a castigos corporais, a terem que pedir permissão ao administrador para casar com determinada pessoa.
No leste da Europa, o camponês precisava de autorização do seu senhor para sair da aldeia e, se quisessem se mudar, teria que pagar uma taxa.
Na Europa Ocidental o serviço era geralmente pago em dinheiro. A terra passava para os filhos mas era preciso pagar taxas (dinheiro ou taxas) nas transmissões da propriedade por venda ou herança.
Alguns Senhores impunham outros deveres aos servos, que só podiam comprar certos produtos (sal, tabaco, álcool) com seus senhores. Em alguns lugares os servos só podiam moer seus grãos no moinho do Senhor, numa espécie de monopólio. 
Só o senhor poderia caçar. Isso causava prejuízos para o servo, que se via privado de carne e couro, e peles para seu vestuário.
Em alguns lugares da Europa, o senhor detinha o monopólio da pesca nos rios e ribeirões que passavam no interior da propriedade.
Se o Senhor vende a sua terra, os servos vão juntos com a Terra.
Na Rússia no ano de 1841, era possível vender o servo desacompanhado da terra. Mas havia condições: não podia ser separado de filhos não casados.

SERVIDÃO NO IMPÉRIO HABSBURGO:

Um servo retirava de seus rendimentos para pagar:
-17% ao Estado
-24% ao Senhor Local, na forma de dinheiro, produtos, trabalho ou cedendo cavalos para arar o campo do Senhor.
Uma família de camponeses na silésia austríaca funcionava da seguinte forma: Servos com 17 hectares de terra devia fornecer ao senhor local anualmente 2 animais durante 144 dias para arar o campo.

TRIBUNAIS SENHORIAIS:

Eram sancionados pelo Estado. A polícia era formada por servos do senhor. Nesses tribunais eram julgados casos envolvendo servos e senhores. 

"Como se pode esperar que o camponês obtenha justiça quando só dá ao juiz um ovo, enquanto nós (senhores aristocratas) lhe damos um rublo de prata?" (declaração de um rico aristocrata russo em 1840)
(página 140)

O SERVO TINHA DIREITOS:

Tinha o direito de ser julgado num Tribunal Senhorial, por mais pequenas que fossem a sua chance de vitória. O Senhor deveria cuidar do servo nos tempos difíceis. Trataria os doentes. Trataria os idosos e os débeis, na hipótese da família não puder cuidar deles. Alimentar animais dos servos, enquanto trabalhassem para ele, para o senhor. O servo ainda podia colher o restolho das terras do Senhor.


ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "A LUTA PELO PODER, EUROPA 1815-1914, RICHARD J. EVANS, EDITORA EDIÇÕES 70.




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