segunda-feira, 13 de maio de 2024

Fontes do Direito Costumes Direito Consuetudinário Introdução Histórica ao Direito Fundação Calouste Gulbenkian



 Costumes:

"Define-se geralmente o costume como sendo um conjunto de usos de ordem jurídica que adquiriram força obrigatória um dado grupo social, pela repetição de atos públicos e pacíficos durante um lapso de tempo relativamente longo." (página 250)

"O costume é um direito não escrito, introduzido pelos usos e pelos atos continuamente repetidos dos membros da comunidade e os quais foram praticados publicamente, sem contradição da maioria do povo, o tempo necessário para o impor." (Philippe Wielant, Practijke Civile - citado na página 250)

Características do Costume:

Trata-se de um Direito não escrito. No seu início do seu uso, o costume é essencialmente não escrito. Num primeiro momento, nem é oralmente transmitido. Somente a partir do momento que as pessoas se dão conta de sua existência, que ele é transmitido oralmente pelos mais velhos aos mais jovens. 

Quando o uso de um costume está suficientemente estabelecido, ele poderá ser escrito. Na Europa dos séculos XIII e XIV, autoridades ordenavam oficialmente a redação de alguns costumes. O costume assim virava lei. 

O Costume é criado pelos usos e atos continuamente repetidos. 

"O uso nasce da repetição de comportamentos humanos, isto é, de certas maneiras de agir num dado grupo social (página 251)

Nem todo uso é um costume, mas todo costume é. É necessário também que esse uso repetido nasça voluntariamente. Os atos repetidos devem ser voluntários. 

Os usos não podem ser clandestinos. Os comportamentos humanos repetidos que criam costumes devem ser públicos. 

"...um uso que se revelou exteriormente tem, em princípio, toda a sua eficácia, mesmo que permaneça desconhecido de um ou outro membro do grupo social." (página 252)

Para que um costume seja aceito, é necessário que ele conte com a aceitação que a grande maioria do grupo social, isto é, quase a sua unanimidade, o aceite. 

O tempo necessário para que um costume seja aceito. 

"Wielant põe a tônica na necessidade duma longa duração: o costume apenas existe se o povo se serviu dele durante o tempo necessário para atingir a prescrição. O que Wielant visa falando da prescrição, é que é necessário que o costume tenha sido aplicado durante um tempo suficientemente longo para que a sua existência não possa ser posta em dúvida. A duração desse tempo necessário é uma questão de fato. Determinado costume, resultante de um uso frequentemente repetido, poderá ser considerado como estabelecido depois de alguns anos, ou mesmo alguns meses ou alguns dias; outro costume, relativo a fatos que não se reproduzem senão raramente (por exemplo, as regras relativas à sucessão ao trono), não será considerado como estabelecido senão depois de vários anos." (página 252)

Na Baixa Idade Média, exigia-se em geral que o costume fosse imemorial, isto é, que ninguém se lembrasse da existência se um costume contrário. (página 252)

No fim da idade média, com o uso do Direito Romano, começou a ser admitido alguns prazos de prescrição, conforme o costume fosse ou não conforme o direito romano. 

- costume contrário ao direito romano (contra ius) 30 ou 40 anos

- costume desconhecido no direito romano (praeter ius) 10 ou 20 anos 

- costume conforme ao direito romano 5 ou 10 anos

(páginas 252/253)

O Costume deve ser razoável. Razoável, isto é, de acordo com a razão. Um costume poderia ser contrário à razão quando ele conflitasse com o interesse geral. Poderia ser visto como contrária à razão se colocasse em perigo a ordem pública. 

"Philippe Wielant, na sua Practijke Civile, considera como maus os costumes que são ou causa de pecado, ou causa de mau exemplo, ou introduzidos por maus hábitos; esses costumes não se prescrevem; é necessário matá-los, diz Wielant, porque <<corruptele>>." (página 253)

O costume é espontâneo, ao contrário do que acontece hoje, com o direito escrito, que é abra da vontade de um Deputado estadual ou federal, de um Senador ou, num munícipio, de um Vereador. 

"não se faz o costume, ele faz-se por si próprio." (página 253)

O costume evolui constantemente, adaptando-se sem parar ao meio social no qual está inserido. Por não estar estabelecido num escrito, torna-se mais maleável.

Sua elaboração, ao contrário de uma lei escrita, que pode ser feita rapidamente, demanda tempo. Pode demorar até que seja aceita. 

O costume é ainda instável, está num perpétuo devir, numa evolução constante. O costume é ainda incerto, em alguns casos, demandando prova de sua existência em caso de contestação. Nasce daí uma insegurança jurídica. O costume é, finalmente, variável, flutuando ao sabor das mudanças sociais. 

Locais dos costumes:

Num primeiro momento, os costumes eram étnicos. Cada grupo tinha o seu. Francos, Burgúndios, Bávaros, etc, cada grupo tinha o seu costume. Posteriormente, o costume passou a ser territorial, isto é, um costume era aplicado à população que residia num determinado território (séculos X-XII na Europa).

"Num mesmo território, no entanto, podiam coexistir vários costumes, aplicando-se a grupos sociais diferentes, sobretudo a classes sociais diferentes; por exemplo, numa mesma cidade: costumes dos nobres ou costumes feudais, costumes dos burgueses, costumes dos vilãos." (página 254)

A Prova do Costume:

Não há dificuldade em provar a existência de uma lei escrita. O nosso direito ainda supõe que as leis são conhecidas por todos, porque NEMO LEGEM IGNORARE CONSETUR (ninguém pode ignorar a lei).

O problema reside quando se pretende provar a existência de um costume. Durante a Idade Média procurava-se escolher pessoas qualificadas, as mais qualificadas do grupo social, escolhidas entre os notáveis de uma cidade e de uma aldeia, pois delas esperava-se o conhecimento sobre a existência de um determinado costume. Mas isso não impedia que, em determinada situação, alguém resolvesse contestar a existência de um determinado costume

"...só a partir do século XIII surgem processos próprios para a prova do costume: os registros de costumes, a inquirição por turba, etc." (página 259)

"Até então, o juiz não fazia distinção entre a prova da norma jurídica e a prova dos fatos, dado o caráter irracional dos meios de prova. Estes meios são, nesta época como na época franca, sobretudo os ordálios e os julgamentos de Deus, meios de prova que fazem apelo à intervenção divina: é Deus que permite ao inocente vencer, e ao culpado ser vencido na prova que lhe é imposta. O juiz contenta-se com a verificação de que o processo de prova se desenrolou regularmente e deduzir daí a conclusão indicada pela divindade. Estes meios de prova não tendem pois a provar a existência duma regra de direito consuetudinário, nem tão pouco a provar o fato invocado por uma ou outra das partes; tendem a por fim ao litígio por apelo a Deus." (página 259)

Indiretamente, o julgamento de Deus podia, contudo, estabelecer uma regra jurídica: este foi o caso, por exemplo, em 938 (século X), na região do Ruhr (atual Alemanha), onde Otão (Imperador do Sacro Império Romano Germânico) ordenou um duelo judiciário para saber se, segundo o costume do lugar, a representação sucessória na linha reta era admitida. 

Nos séculos XII e XIII, os meios de prova racionais se impôem. A verdade deveria ser estabelecida sem a intervenção de Deus. Isso era feito por meio de testemunhas, documentos, jurisprudência, etc. Também é estabelecida a diferenciação entre a prova dos fatos e a prova da regra jurídica invocada para aquele caso concreto. Uma será a prova sobre o costume invocado e a outra sobre a realidade dos fatos.

Realização da Prova do Costume:

- o costume é notório: é o que o juiz conhece. as partes não precisam prová-lo

- o costume privado: a prova dele deve ser feita diante do juiz. o ônus geralmente recai sobre aquele que o invoca

Meios de prova do Costume:

- INQUIRIÇÃO POR TURBA: É um meio de prova específico do costume. O costume invocado por uma das partes e contestado pela outra parte, era submetido para a apreciação de um grupo de pelo menos dez homens, escolhidos entre os mais qualificados pela sua experiência. Apois deliberação, eles deviam dizer, por unanimidade, se aquela regra consuetudinária era aplicável ou não naquele caso concreto. A inquirição por turba aparece no século XIII. Era a responsabilidade de "dizer o costume". 

- OS REGISTROS DE COSTUMES: Os registros de costumes existentes eram declarações orais feitas periodicamente para recordar as relações existentes entre o senhor e os habitantes do seu senhorio. Serviam para recordar os usos rurais. Lembrar das obrigações que incidiam sobre as coisas e as pessoas do senhorio. Lembrar sobre os direitos sobre o uso dos bosques e das terra incultas. Entravam também questões penais, matrimoniais, sucessórias,, etc. Eram rememorados de ano em ano. Durante os séculos XIV e XV, esses registros começaram a ser reduzidos a escrito. É sobretudo a partir do século XIII que os costumes começam a ser reduzidos a escrito. Em meados do século XV, o rei francês Carlos VII, ordenou a redação dos costumes em todo o reino. Carlos V, em 1531, deu a mesma ordem nos Países Baixos (atuais Bélgica e Holanda). 

- O RECURSO A TRIBUNAL SUPERIOR OU REENVIO: Aqui, uma determinada jurisdição perguntava a uma outra jurisdição como um determinado litígio, que lhe era submetido, deveria ser decidido. Era uma espécie de consulta. 

Os Coutumiers:

Era obras privadas na quais eram expostos as regras de direito consuetudinário de uma determinada região. Os autores desses livros de direito eram práticos do direito (oficiais de justiça, bailios, etc). Chamados a participar de alguma atividade judiciária numa região qualquer, reduziam a escrito os resultados da sua experiência. Eram juristas leigos. Não tinham formação universitária. 

Consequência da redação oficial dos costumes:

A partir desse momento, o costume passa a ser certo. Já não necessidade da parte prová-lo. A inquirição por turba é abolida. Passa a ser proibido constestar o texto do costume. Apenas o rei pode completá-lo ou interpretá-lo. Na França, o costume reduzido a escrito poderia ser revogado por desuso ou pela formação de direito novo.

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "INTRODUÇÃO HISTÓRICA AO DIREITO, 8° EDIÇÃO, FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN, JOHN GILISSEN

 


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