segunda-feira, 10 de maio de 2021

Como que a Guerra entre a Itália e a Abissínia ajudou Hitler e enterrou a Liga das Nações



INVASÃO ITALIANA À ABISSÍNIA:

Em 3 de outubro de 1935, a Itália, sob a condução de Benito Mussolini, invadiu a Abissínia, atual Etiópia. A Abissínia era um país independente, situado na África Oriental, governado pelo Imperador Hailé Selassié. 

LIGA DAS NAÇÕES:

Organismo criado após o fim da Primeira Guerra Mundial. Tinha o objetivo de reunir as nações do mundo para que elas pudessem resolver pacificamente seus conflitos. 

"Das cinzas da Primeira Guerra Mundial, contudo, emergiu um novo conjunto de princípios internacionais, cristalizado pela Liga das Nações. A época do imperialismo descarado e da diplomacia na ponta da faca já deveria ter acabado, e a era do direito internacional, tido início." (página 93)

O artigo 16 do instrumento que criou a Liga das Nações dizia que um ataque a qualquer membro constituía um ataque a toda a Liga. 

Itália, Grã-Bretanha, Itália e Abissínia faziam parte da Liga das Nações.

MEDO DE JOGAR A ITÁLIA NO COLO DE HITLER:

Com a invasão italiana na Abissínia, surgiu o dilema: 

França e Grã-Bretanha deveriam intervir para obstar a agressão italiana na África Oriental? 

Pela letra fria da lei, que tinha criado a Liga das Nações, o ataque a qualquer membro constituía um ataque a todos os membros da Liga das Nações. A maioria dos países membros da Liga não tinham condições de acudir a Abissínia, mas França e Grã-Bretanha tinham os meios para fazê-lo. Mas não fizeram nada de relevante, a não ser algumas sanções econômicas, que não afetavam o produto mais necessário para o esforço de guerra italiano, o Petróleo. 

A conduta de ingleses e franceses pode ser entendida pelo medo de, ao ajudarem militarmente a Abissínia, ou se pressionassem demais a Itália, impondo-lhe sanções que lhe obstassem o acesso ao Petróleo, acarretariam um acordo dela com a Alemanha de Hitler.  

Além disso, havia vozes importantes na Grã-Bretanha que eram contrárias à guerra contra a Itália, por causa da Abíssinia, um país que, segundo um político inglês, era "um país bárbaro, que ainda praticava o comércio de escravos." (página 96)

O rei inglês, Jorge V, disse para Lloyd George, ex-Primeiro-Ministro inglês durante a Primeira Guerra Mundial, "Não vou entrar em outra guerra, Não vou, gritava um rei George V claramente transtornado para Lloyd George." (página 96)

O parlamentar conservador Henry Chips Channon, "que indagava por que deveria o Reino Unido lançar-se à guerra pela Abissínia, 'quando grande parte dos recantos mais remotos do nosso Império (Império Britânico) foi ganha por meio da conquista." (página 96)

Não obstante a Marinha da Grã-Bretanha ser superior numa comparação com a da Itália, havia o receio de que o Japão se aproveitasse de um conflito entre Grã-Bretanha e Itália para iniciar um ataque no Extremo Oriente. 

SE A ABISSÍNIA NÃO FOSSE SOCORRIDA, A LIGA DAS NAÇÕES ESTARIA DESTRUÍDA:

Se a Abissínia não fosse socorrida, a autoridade da Liga das Nações iria perecer. Seria o fim de fato dessa instituição criada para fazer valer o Direito Internacional sobre o uso da força.

"...o Reino Unido precisa fazer valer o Pacto da Liga e apoiar sanções contra a Itália. Se não o fizesse, a autoridade da Liga, já abalada pela invasão japonesa da Manchúria, implodiria, e o mundo perderia um instrumento de contenção de agressores, em particular da Alemanha. Era essa a visão de Churchill, apesar de também enxergar com bastante simpatia a noção de que a ação firma contra a Itália só faria destruir a Frente de Stresa e jogar Mussolini nos braços de Hitler." (página 96)

ACORDO PARA ACABAR COM A GUERRA. A AGRESSÃO IMPERIALISTA DE MUSSOLINI FOI PREMIADA:

Grã-Bretanha, França e Itália acertaram-se então para por um fim à guerra. O acordo foi tão vergonhoso, que o Secretário das Relações Exteriores da Grã-Bretanha, Hoare, foi obrigado a renunciar. O Acordo estabelecia que a Abissínia teria que ceder 2/3 de seu território para a Itália, recebendo como compensação uma fina faixa territorial na Eritreia. 

Em 5 de maio de 1936, tropas italianas entraram em Adis Adeba. Quatro dias depois, Mussolini decretou a anexação da Abissínia e a criação do Império Fascista. Hailé Selassié, Imperador da Abissínia, fugiu para a Grã-Bretanha. 

Hailé Selassié ainda discursou na Suíça, onde pediu que a Liga das Nações impusesse sanções à Itália:

"Trata-se da confiança depositada por cada Estado nos tratados internacionais. Trata-se do valor das promessas feitas às pequenas nações de que lhe serão respeitadas e garantidas a integridade e a independência. Trata-se do princípio da igualdade dos Estados, por um lado, ou então a obrigação depositada sobre os pequenos de aceitarem elos de vassalagem. Numa palavra, é a moralidade internacional que está em jogo." (Hailé Selassié, junho de 1936 - página 101)

O esperneio de Hailé Selassié de nada serviu. A Liga das Nações decidiu suspender as sanções contra a Itália.

CONSEQUÊNCIAS DA GUERRA ENTRE ITÁLIA E ABISSÍNIA E A DESMORALIZAÇÃO DA LIGA DAS NAÇÕES:

"Mais até do que Mussolini, o vitorioso da guerra entre Itália e Abissínia foi Hitler." (página 101)

Primeiro de tudo, Hitler viu o fim da Frente de Strese, uma união entre Grã-Bretanha, França e Itália, estabelecida em abril de 1935, num encontro na cidade de Strese, na Itália, que tinha como objetivo conter a Alemanha. 

Hitler ainda viu ingleses e franceses comportarem-se de forma ignominiosa, abandonada a Abissínia à própria sorte. 

A autoridade da Liga das Nações, que poderia ser usada para conter os abusos da Alemanha Nazista, não existia mais. A Liga estava desmoralizada. Se ela não podia proteger a Manchúria, a Abissínia, não poderia proteger ninguém mais.

"Mussolini mostrara tudo o que se podia obter por meio da agressividade pura e simples. e as potências ocidentais haviam se mostrado incapazes de contê-lo. Hitler registrou a mensagem e acelerou seus planos." (página 102)

E Hitler acelerou mesmo. Acelerou na Renânia, acabando com a desmilitarização da região que tinha sido determinada pelo Tratado de Versalhes. E não parou por aí: vieram a anexação da Áustria (Auschluss), da Boêmia, da Morávia (atual República Tcheca)...


ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "NEGOCIANDO COM HITLER, A DESASTROSA DIPLOMACIA QUE LEVOU À GUERRA", DE TIM BOUVERIE, EDITORA CRÍTICA.



Por que a Grã-Bretanha não deteve Hitler tão logo ele assumiu o Poder?



PERÍODO ENTREGUERRAS - PACIFISMO:

O Período compreendido entre o final da Primeira Guerra Mundial e o início da Segunda Guerra Mundial foi caracterizado, na Grã-Bretanha, por um espírito pacifista. 

Com efeito, entre 1933 e 1934, havia na Grã-Bretanha um espírito pacifista maior que em qualquer outra época desde o fim da Primeira Guerra, em 1918. Filmes e livros sobre os horrores da Primeira Guerra Mundial foram lançados entre os anos de 1920 e 1930, ajudando a criar na opinião pública um sentimento de repulsa sobre qualquer iniciativa que levasse a uma nova guerra. Um dos livros de maior sucesso foi a obra de Erich Maria Remarque, "Nada de novo no front." 

A QUIMERA DO DESARMAMENTO E A GUERRA AÉREA:

Havia o desejo pelo desarmamento, pois foi a armamento desenfreado que levou à Primeira Guerra Mundial. Houve uma Conferência de Desarmamento, na Suíça. 

A opinião pública, na Grã-Bretanha, era a favor do desarmamento. 

Havia ainda o medo das novas armas, notadamente o uso de aviões para bombardear cidades. O surgimento dos bombardeios aéreos tinha esfarelado a noção de fronteiras. Segundo um político britânico, então no cargo de Primeiro Ministro, Baldwin, as fronteiras da Grã-Bretanha não estavam mais estabelecidas pelos "...penhascos de giz de Dover, mas pelo Rio Reno." (página 52)

Havia a noção segundo a qual não havia poder na terra capaz de deter um bombardeamento aéreo.

A guerra aérea na década de 30 era encarada da mesma forma como nós encaramos hoje um conflito nuclear. (página 55)

"A versão cinematográfica de "Daqui a cem anos", de H.G. Wells, lançada em 1936, imaginava a destruição completa de Londres após um ataque aéreo ..." (página 55)

Cidades seriam totalmente destruídas, daí a necessidade de lutar por um consenso em favor do desarmamento.

"....grandes armamentos levam inevitavelmente à guerra." (página 42)

O temos de que a destruição viesse de cima, por meio de ataques aéreos, obrigou a Grã-Bretanha a gastar mais dinheiro com sua Força Aérea do que com seu exército e marinha. E isso se fez necessário, diante do fracasso da Conferência de Desarmamento e diante do rearmamento alemão. 

O investimento da Grã-Bretanha em sua Força Aérea atendia ao conceito da Dissuasão Aérea. 

Dissuasão Aérea:

A ideia da Dissuasão Aérea nasceu da visão apocalíptica de uma guerra aérea. A única forma então de se defender de um bombardeio inimigo era o ataque, "...o que significa termos que matar mais mulheres e crianças com mais celeridade do que o inimigo se quisermos salvar nossas peles." (página 49)

A ESTRATÉGIA BRITÂNICA NO ENTREGUERRAS:

A estratégia britânica quando da ascensão do nazismo na Alemanha visava a "Limitação de Vulnerabilidades." Tinha por objetivo reforçar a Força Aérea para bombardear os Alemães em sua casa, reduzindo assim a sua força de combate. O britânicos queriam evitar o envio de grandes forças terrestres para o continente, pois ainda estavam vivas na memória as tragédias dos combates da Primeira Guerra Mundial. As lembranças do Somme e de Passchandaele, onde milhares de soldados britânicos morreram em combate, ainda estavam vivas. Na visão dos britânicos, o exército francês teria uma força terrestre capaz de obstar uma avanço alemão. Os franceses ainda contavam defesas terrestres formidáveis, como a Linha Maginot. 

Além do uso da Força Aérea, a Grã-Bretanha também se valeria do uso de seus navios para estabelecer um bloqueio naval.

FALTAVA DINHEIRO PARA A GRÃ-BRETANHA FORTALECER SUAS FORÇAS ARMADAS:

Vigorava na Grã-Bretanha, desde o ano de 1919, a "Regra dos Dez Anos", que presumia que o Império Britânico não se engajaria numa grande guerra durante os dez anos seguintes, de forma que o orçamento militar poderia ser diminuído nesse período.

Essa regra foi renovada em 1929. Mas essa política teve que ser abandonada em razão da invasão do Japão à província chinesa da Manchuria, no ano de 1931. Mas mesmo assim, os efeitos da Grande Depressão, somado ao espírito de desarmamento vigente então na Grã-Bretanha, atuaram para manter dilapidado o sistema de defesa britânico entre 1932 e 1935. (página 44)

CHURCHILL, A VOZ PELA GUERRA CONTRA HITLER:

Em novembro de 1934, Winston Churchill discursou no Parlamento Inglês para alertar os ingleses sobre o rearmamento alemão. Mas Churchill, naquela ocasião, não encontrou apoio. A resposta do governo inglês, por meio de seu Primeiro Ministro, Baldwin, foi no sentido de desmerecer o discurso de Churchill, dizendo:

"No que se referia à comparação, a Força Aérea alemã correspondia a apenas 50% da RAF (Força Aérea inglesa)." (página 56)

No geral, naquele final de ano de 1934, a política da Grã-Bretanha era a de tentar apaziguar Hitler, pois a alternativa a isto seria uma corrida armamentista que provavelmente levaria a outra guerra. E o governo inglês, naquela altura, não estava disposto a pagar esse preço. Nem a opinião pública aceitaria o rearmamento, que também era atacado pelo Partido Trabalhista inglês, sob o comando de Clement Attlee. O rearmamento era visto como uma das causas da Primeira Guerra Mundial (1914-1918).

OS APAZIGUADORES:

A tentativa de apaziguar Hitler, de tentar achar uma forma de negociar com ele, nasceu de um sentimento de culpa que acometia membros da elite britânica e do governo inglês. Esse sentimento de culpa foi causado pela constatação que o Tratado de Versalhes tinha sido duro demais com a Alemanha, "...fornecendo todas as mágoas que o coração de um nacionalista alemão poderia desejar." (página 64)

A noção de que a culpa pelo nazismo pertencia aos aliados (França e Grã-Bretanha - Tratado de Versalhes) era fundamental à mentalidade a partir da qual se desenvolveu o apaziguamento.

"Se o nacional-socialismo (nazismo) fora 'criado' por Inglaterra e França, seria apenas lógico que coubesse aos dois países apaziguá-lo com a reparação das mágoas, por meio das quais havia prosperado." (página 64)

Os defensores do apaziguamento acreditavam que poderiam alterar o Regime Nazista, até reformá-lo, desde que os aliados se mostrassem dispostos a fazer justiça à Alemanha, leia-se, reformando o Tratado de Versalhes. 

David Lloyd George, ex-Primeiro Ministro inglês durante a Primeira Guerra, alertou que o Tratado de Versalhes tinha transformado a Alemanha num pária. Havia chegado a hora de corrigir os erros do passado, isto é, os duros termos do Tratado de Versalhes teriam que ser revistos, de forma a trazer a Alemanha de volta para a comunidade das nações. 

O MEDO DO COMUNISMO:

A elite inglesa via o nazismo como algo menos ruim do que o comunismo. Era o mal menor. Se tivessem que escolher entre Hitler e Stalin, escolheriam o primeiro. Nesse sentido, o diretor do Banco da Inglaterra, Montagu Norman, "...descrevia Hitler e o Ministro da Economia da Alemanha, Hjalmar Schacht, como baluartes da civilização engajados em uma guerra em nome do nosso modelo de sociedade." (página 69)

Essas pessoas viam em Hitler uma barreira que iria conter a expansão do comunismo. A lembrança da revolução bolchevique ainda estava bem viva na mente da elite inglesa. Não dava para esquecer o assassinato do Czar Nicolau II e de sua família. Não dava para esquecer que o comunismo pregava o fim da propriedade privada. 

ACORDO NAVAL ANGLO-GERMÂNICO DE 18 DE JUNHO DE 1935:

Em março de 1935, John Simon, Secretário das Relações Exteriores da Grã-Bretanha, e Anthony Eden, Lorde do Selo Privado inglês, tiveram um encontro com Adolf Hitler, em Berlim.

Seria mais uma tentativa para amansar Hitler. Mas Hitler deixou uma péssima impressão. Hitler mantinha-se irredutível em sua ambição de recuperar as colônias que a Alemanha tinha perdido depois do fim da Primeira Guerra. Hitler já havia violado o Tratado de Versalhes, ao criar uma Força Aérea, a Luftwaffe. Hitler ainda pretendia expandir suas forças terrestres para 300 mil homens, outra violação do Tratado de Versalhes. Hitler ainda dava sinais de que pretendia acabar com a desmilitarização da Renânia. 

Diante disso, Sir John Simon reconheceu para o seu governo que, mais cedo ou mais tarde, as pretensões alemãs teriam que ser obstadas com o uso da força. (página 87)

Os ingleses finalmente tinham acordado para o perigo representado pelo regime nazista.

Todavia, os alemães voltaram a pôr os ingleses para dormir, por meio de uma jogada de Hitler. A jogada de Hitler consistia num acordo naval com a Grã-Bretanha. A proposta alemã atendia a um desejo antigo da política de defesa da Grã-Bretanha. Ela estabelecia a frota naval alemã com 35% do tamanho da Marinha inglesa. 

E essa proposta veio num momento em que a Marinha inglesa via-se ameaçada pela expansão japonesa. O Japão tinham sinalizado, em dezembro de 1934, que não iriam renovar o Tratado Naval de Washington, que concedeu tanto à Grã-Bretanha quando aos Estados Unidos da América superioridade naval sobre os japoneses da ordem de 5 para 3. 

"Aquele era um presságio de uma disputa naval com o Japão, e o Reino Unido já havia concluído que não tinha como arcar com ela. Deparar-se com o desafio dos alemães ao mesmo tempo era impensável." (página 88)

E a Grã-Bretanha ainda tinha a lembrança da tentativa alemã de superá-la na produção de navios de guerra, às vésperas da eclosão da Primeira Guerra Mundial. 

A jogada de Hitler acabou surtindo o efeito esperado. O Almirantado inglês, responsável pela Força Naval da Grã-Bretanha, "...alertara o Gabinete (o governo inglês) para agarrar com as duas mãos a oferta de Hitler." (página 88) 

Em 18 de junho de 1935, Alemanha e Grã-Bretanha então assinando o Acordo Naval Anglo-Germânico.

ITÁLIA E FRANÇA SENTEM-SE TRAÍDOS PELA GRÃ-BRETANHA:

Itália a França se sentiram traídos pelo Acordo Naval Anglo-Germânico. Isso porque, em abril de 1935, na cidade italiana de Stresa, os primeiros ministros da Inglaterra e da França se encontraram com o Duce Mussolini. Nesse encontro ficou acertado uma frente comum para deter o rearmamento alemão e a violação alemã dos termos do Tratado de Versalhes. Acertaram ainda que iriam se opor através de todos os meios práticos (sanções, guerra) a qualquer desrespeito unilateral que possa por em perigo a paz na Europa.

Mas com o posterior acordo naval entre Inglaterra e Alemanha, os termos acordados em Stresa não tinham mais eficácia, para jubilo de Hitler. Franceses e italianos ficaram furiosos com o comportamento da Inglaterra. 

"A segurança francesa havia sido sacrificada no altar dos interesses britânicos." (página 89)

"Em Roma, Mussolini, igualmente irritado, chegou a duas conclusões importantes: o Reino Unido não era amigo da segurança coletiva e vacilava quando confrontado por meio da força. Estava armado o palco para a aventura do próprio Duce na África oriental." (página 89)

Com efeito, em 3 de outubro de 1935, encorajado demonstração de fraqueza da Grã-Bretanha, a Itália invadiu a Abissínia, atual Etiópia. 


ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "NEGOCIANDO COM HITLER, A DESASTROSA DIPLOMACIA QUE LEVOU À GUERRA", DE TIM BOUVERIE, EDITORA CRÍTICA.



domingo, 2 de maio de 2021

1939/1940 Dilema da Grã-Bretanha Declarar ou não Guerra à URSS





DILEMA INGLÊS:

Diante do Pacto Ribbentrop-Molotov (Nazi-Soviético) de 23 de agosto de 1939 e da invasão russa à Finlândia (final de novembro de 1939 até março de 1940), a Grã-Bretanha se viu diante de um dilema: declarar ou não guerra à URSS.

Naquele momento, a Grã-Bretanha se via em meio a sentimentos que iam do medo dos motivos ocultos que tinham animado a URSS a fazer um acordo com a Alemanha nazista ao receio de jogar a Stalin de vez no colo de Hitler.

ALEMANHA NAZISTA E URSS, DUAS DITADURAS SEDENTAS POR CONQUISTAS, QUE NÃO RESPEITAVAM A SOBERANIA DOS PAÍSES QUE LHE FAZIAM FRONTEIRA:

1/09/1939: A Alemanha invade a porção oeste da Polônia

17/09/1939: A URSS invade a parte leste da Polônia

Novembro de 1939: A URSS invade a Finlândia, naquilo que ficaria conhecido como a Guerra de Inverno

O QUE DEVERIA FAZER A GRÃ-BRETANHA DIANTE DAS INVASÕES DA URSS À POLÔNIA E À FINLÂNDIA?

Diante da invasão russa à Polônia e à Finlândia, deveria a Grã-Bretanha declarar guerra à URSS, como fizera em relação à Alemanha, quando esta invadiu a Polônia?

OS INGLESES TINHAM SE PRECAVIDO QUANTO A UMA INVASÃO RUSSA À POLÔNIA:

Com o Pacto Nazi-Soviético os ingleses já conjecturavam uma invasão russa à Polônia. Com isso em mente, os britânicos, quando celebraram o Tratado de Mútua Assistência com a Polônia, em agosto de 1939, ficou estabelecido que a Grã-Bretanha socorreria a Polônia caso esta fosse atacada por uma Potência Estrangeira. A pegadinha inglesa foi consignada por meio de um protocolo secreto, que definia essa Potência Estrangeira como sendo unicamente a Alemanha Nazista. Assim, a Polônia só seria socorrida pela Grã-Bretanha no caso de um ataque alemão, o que de fato aconteceu, quando os ingleses declararam guerra à Alemanha em 3 de setembro de 1939. Com relação a uma agressão da URSS à Polônia, a Grã-Bretanha não tinha nenhuma obrigação a cumprir. Neste caso haveria somente uma mútua consulta para se definir qual resposta seria dada. (página 172) 

Como a história mostrou, nenhuma resposta foi dada e a URSS pôde tranquilamente anexar o leste da Polônia ao seu território. 

A GRÃ-BRETANHA NÃO ESTAVA DISPOSTA A ENTRAR NUMA GUERRA CONTRA A URSS:

Os ingleses ficaram chocados com o Pacto Nazi-Soviético, mas tinham a esperança que ele fosse de curto prazo. A Grã-Bretanha via no Pacto Nazi-Soviético um arranjo cínico, de curto prazo, entre inimigos ideologicamente opostos. Seria um arranjo antinatural. de forma que seria temporário.

A Grã-Bretanha via a necessidade de manter um canal de diálogo aberto com a URSS. A Grã-Bretanha não estava "disposta a desfazer um vínculo potencialmente vital com a União Soviética, transformando-a de forma prematura em inimiga." (página 168)

MANEIRA ENCONTRADA PELA GRÃ-BRETANHA PARA MANTER ABERTA UM CANAL DE DIÁLOGO COM A URSS:

A Grã-Bretanha viu no comércio uma forma de manter um canal de diálogo aberto com a URSS.

"Na primeira semana de outubro (1939), firmou-se um acordo para trocar madeira soviética no valor de um milhão de libras esterlinas por borracha e estanho." (página 172)

Até Churchill procurou minimizar o fato da URSS ter violado da soberania da Polônia. Churchill disse que atitude da URSS se justificava pelo fato dela ter agido para se proteger diante da expansão nazista pelo oeste da Polônia. (página 173)

"Longe de ser criticas, Churchill foi conciliatório, tão tolerante com seu potencial aliado soviético como contundente com seu inimigo alemão. " (página 173)

A Rússia, concluiu então Churchill, era "uma charada, envolta em mistério, dentro de um enigma." (página 173)

ALTERNATIVA À DECLARAÇÃO DE UMA GUERRA CONTRA A URSS:

A Grã-Bretanha não iria declarar guerra à URSS, mas nem por isso ficaria totalmente passiva. A Grã-Bretanha passou então a trabalhar para estorvar o comércio internacional soviético. Essa política tinha dois objetivos: 

A) Pressionar a URSS, mostrando que seu acordo com a Alemanha iria lhe trazer problemas

B) impedir que matérias-primas vitais chegassem à Alemanha via URSS. 

"Foi assim que autoridades britânicas começaram a interceptar e deter navios soviéticos, como o Selenga, parado em Hong Kong, em janeiro de 1940 com um carregamento de tungstênio, antimônio e estanho a caminho de Vladivostok." (página 174)

INVASÃO DA URSS À FINLÂNDIA (GUERRA DE INVERNO: NOVEMBRO DE 1939 A MARÇO DE 1940)

Com a invasão da URSS à Finlândia, voltou-se a especular sobre os méritos e deméritos de uma declaração de guerra da Grã-Bretanha à URSS. 

A Grã-Bretanha estava realmente diante de um dilema que a atormentava: declarar ou não guerra à URSS. O caso da Polônia tinha sido resolvido. Mas agora os ingleses de deparavam com uma nova agressão soviética, contra um país pequeno, a Finlândia. 

E não se tratava apenas da URSS. Buscava-se também, por meio de uma ataque à URSS, atingir a sua aliada, a Alemanha Nazista.

Cogitou-se de um ataque a Baku (Operação Pike), localizada no Cáucaso, que era responsável por 75% do petróleo produzido pela URSS. França e Grã-Bretanha estavam de acordo. Um avião britânico chegou a sobrevoar o Cáucaso russo para mapear a área que deveria ser bombardeada. 

"No fim de 1939, a ideia de bombardear Baku já circulava pelos governos britânicos e francês havia algum tempo, mas, com a vitória soviética contra os finlandeses na Guerra de Inverno em março de 1940, ganhou novo impulso. No começo do ano, um relatório do Estado-Maior da Força Aérea Britânica sugeriu que bastava um punhado de bombardeiros para mutilar a indústria petrolífera soviética, atingindo, dessa forma, a produção militar de Hitler. No início de 1940, o Gabinete de Guerra aprovou devidamente a construção dos necessários campos de aviação na Turquia e, dentro de um mês, um Lockheed Electra modificado, pertencente à Unidade de Processamento Fotográfico da RAF em Heston, fez duas incursões, a partir de Habbaniya no Iraque, para realizar voos de reconhecimento fotográfico de alvos." (página 176)

No fim, tudo ficou no plano da cogitação. Com a invasão alemã à França em maio de 1940, o plano foi abandonado. 

NO FIM OS INGLESES SE DERAM CONTA DE QUE NÃO IRIAM AUFERIR NENHUMA VANTAGEM DECLARANDO GUERRA À URSS:

Definitivamente não seria vantajoso para a Grã-Bretanha declarar uma guerra à URSS. No caso da declaração de uma guerra, a Grã-Bretanha poderia reforçar ainda mais a aliança entre a URSS e a Alemanha. 

"Em geral, dava-se ao proposto ataque à União Soviética a justificativa mais ampla de interromper as relações de Stalin com Hitler, mas a ideia de que esse ataque pudesse ter o efeito contrário, e na verdade viesse a fortalecer a conexão Berlim-Moscou, parece não ter sido levantada." (página 179)

Ou poderia ocorrer um cenário mais tenebroso: 

Um ataque inglês à União Soviética (Operação Pike, o bombardeamento do campo petrolífero em Baku) acabaria por enfraquecê-la, abrindo caminho então para uma invasão alemã à URSS. O leste então estaria aberto para o avanço alemão. 👉👉 "Nesse caso, o mais provável beneficiário teria sido, não as Potências Ocidentais, mais Hitler, que ficaria livre para marchar para o leste sem encontrar resistência, e assumir ele próprio o controle daqueles mesmos campos petrolíferos do Cáucaso." (página 179)

Os ingleses fizeram bem em esperar desenrolar dos acontecimentos. Em 22 de junho de 1941, com a invasão alemã à URSS (Operação Barborossa), os soviéticos foram em busca de uma aliança com a Grã-Bretanha. 

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "O PACTO DO DIABO, A ALIANÇA DE HITLER COM STALIN, 1939-1941, DE ROGER MOORHOUSE, EDITORA OBJETIVA.



sábado, 1 de maio de 2021

Richard Sorge o Espião de Stalin



FAMÍLIA E LOCAL DE NASCIMENTO:

Richard Sorge nasceu em 1895, em Baku, então uma cidade pertencente ao Império Russo. Atualmente Baku, às margens do Mar Cáspio, é a capital do Azerbaijão.

Filho de Wilhelm Richard Sorge, um alemão natural da Saxônia, Alemanha, que veio a Baku para trabalhar no setor petrolífero. A mãe de Richard Sorge atendia pelo nome de Nina e era natural de Kiev, atual capital da Ucrânia. 

Baku tinha sua riqueza baseada na exploração do petróleo. Mas a riqueza produzida pela sua exploração não era compartilhada pelos habitantes de Baku. Havia muita pobreza. Os operários das empresas petrolíferas (dos Nobel e dos Rothschilds) viviam em precárias condições, habitando bairros "...pejados de lixo putrefato, cães esventrados, carne podre e fezes." (página 22)

Mas também havia riqueza. Havia bairros bem localizados, nos quais residiam a burguesia abastada. E a família de Richard Sorge fazia parte dessa burguesia abastada.

RETORNO À ALEMANHA:

Quando Richard Sorge tinha 4 anos de idade, sua família voltou a residir na Alemanha. Na Alemanha, a família de Richard Sorge manteve seu status social, com seu pai indo trabalhar num Banco em Berlim.

ECLOSÃO DA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL:

Quando eclodiu a Primeira Guerra Mundial, Richard Sorge, então um patriota alemão, correu para se alistar no exército alemão. 

KINDERMORD - MASSACRE DE INOCENTES:

Richard Sorge, então praça do exército alemão, foi mandado para a Bélgica. Ali teve contato com a realidade nua e crua da guerra, vindo a testemunhar aquilo que viria ser denominado como Kindermord, o massacre de inocentes. 

NASCIMENTO DE UM REVOLUCIONÁRIO:

A experiência da guerra transformou Richard Sorge. Ele passou a ser um contestador, vendo na guerra um evento inútil, no qual vidas eram sacrificadas inutilmente. 

Richard Sorge tinha até então vivido numa vida burguesa. Mas nas trincheiras do front ocidental, Richard passou a ter contato com o proletariado alemão. Para sua surpresa, seus amigos soldados proletários "...não estavam aparentemente interessados em debruçarem-se sobre as causas de uma guerra na qual eram carne para canhão." (página 26)

A guerra, portanto, como já afirmado acima, acabou por despertar a consciência revolucionária em Richard Sorge. Ali ele se encontrou pela primeira vez com dois soldados que eram comunistas, que lhe ensinaram que somente o socialismo seria capaz acabar com as guerras.

FERIMENTO RETIRA RICHARD SORGE DA GUERRA:

Em março de 1916, um ferimento causado por estilhaços retirou Richard Sorge da guerra. "Ficou coxo pelo resto da vida." (página 28)

Sua carreira militar estava encerrada. Então, no lugar do patriotismo alemão, Richard Sorge foi tomado pela revolta. Convenceu-se de que a Alemanha não tinha nenhuma ideia nova para dar ao mundo. Richard Sorge mergulho de cabeça no socialismo, convencendo-se de que "...a única maneira de nos libertarmos do pantanal era uma mudança política violenta." (página 28)

A PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL DESPERTOU SENTIMENTOS RADICAIS  NOS JOVENS QUE PARTICIPARAM DELA:

A participação na Primeira Guerra Mundial provocou em Richard Sorge "...um renascimento violento que o isolou do mundo interior, divorciando da sua família e da sua classe, e que pôs em dúvida as fundações da sociedade na qual ele tinha crescido." (página 28/29)

Nesse ponto, o autor Owen Matthews traça um aparelho entre a trajetória de vida de Richard Sorge com a trajetória de vida de Hitler. Ambos tinham lutada na Primeira Guerra Mundial, vivenciando seus horrores. Ambos tinham vivenciado uma revolução interior causada pela guerra. Ambos seriam empurrados para o radicalismo político. Hitler tornar-se-ia um extremista da direita, enquanto que Richard Sorge tornar-se-ia um radical da esquerda. 

"A raiva e a repugnância que empurraram uma geração de jovens veteranos de guerra para o radicalismo político de esquerda e de direita tiveram uma origem idêntica." (página 29).  

RICHARD SORGE TEM CONTATO COM OS ESCRITOS DE MARX E ENGELS:

Quando esteve internado para cuidar de seus ferimentos, Richard Sorge o primeiro contato com os escritos de Marx e Engels. A notícia do golpe bolchevista em novembro de 1917 na Rússia serviu para consolidar as convicções socialistas de Richard.

Richard Sorge via na adoção do comunismo a única forma de "...eliminar as causas econômicas e políticas da guerra e de todas as guerras futuras através da revolução mundial." (página 30)

A REVOLUÇÃO ALEMÃ:

Em janeiro de 1918, Richard Sorge partir para a cidade de Kiel, que era então o viveiro do socialismo alemão. Sorge então viu-se no epicentro da revolução socialista alemã, desencadeada na esteira do colapso do Império Alemão, que não conseguia mais manter a sua máquina de guerra funcionando. O fim da guerra se aproximava. 

A revolução alemã teve início em outubro de 1918. Na noite de 4 de novembro de 1914, na cidade de Kiel, que era o Quartel-General da Marinha Imperial Alemã, estava sublevada, tomada de assalto por 40 mil marinheiros, soldados e operários rebeldes. 

Transcorridos três meses de lutas, a revolução socialista alemã foi derrotada. Em seu lugar foi construído um governo que seria denominada de República de Weimar, sob o comando majoritário do Partido Social Democrata, com a presidência de Friedrich Ebert. 

RICHARD SORGE PROFESSOR E MEMBRO DO PARTIDO COMUNISTA ALEMÃO:

Com o fim do experimento revolucionário alemão, coube a Richard Sorge se resignar na função de professor na cidade de Aachen. Nesse meio tempo entrou no Partido Comunista Alemão, Ainda trabalhava como editor de um jornal comunista, A Voz do Povo. Casou-se em 1921. 

Em abril de 1924, foi realizada uma convenção comunista em Frankfurt. Richard Sorge foi convocado para servir de segurança dos delegados soviéticos da Internacional Comunista, o Comintern, que foram convidados para evento. 

O Comintern era o Estado-Maior Geral da Revolução Comunista, criado em 1919 por Lênin. O Comintern tinha como "...a sua verdadeira função reunir todos os radicais estrangeiros numa grande rede controlada por Moscou e servir de fachada para a propaganda soviética e para recolher informações." (página 43)

RICHARD SORGE MEMBRO DO COMINTERN:

Em outubro de 1924, Richard Sorge viajou a Moscou, para assumir uma posição no Comintern. Então, Richard Sorge, o filho de uma abastada família burguesa alemã, passaria a fazer parte do Estado-Maior Geral da Revolução Comunista mundial. 


ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO RICHARD SORGE, O ESPIÃO PERFEITO, O MELHOR AGENTE SECRETO DE ESTALINE, OWEN MATTHEWS, EDITORA EDIÇÕES 70