sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Demócrito Aristóteles e o homem que previu a existência de Deus Uma Causa não causada






O que mais desejo é que Aristóteles tenha razão. Que Deus (uma causa não causada) exista e que, por essa razão, eu possa reencontrar a minha mãe. E que todo o sofrimento que vivenciamos, eu, ela e meu irmão mais velho, não tinha sido em vão.


Imagine que você esta segurando um grão de areia entre as pontas dos seus dedos. É difícil discernir detalhes a olho nu, mas logicamente o grão teria duas metades: um hemisfério esquerdo e um hemisfério direito. Você pode imaginar uma faca pequena o suficiente para cortar o grão ao meio, dividindo-o em dois. Em seguida, uma vez que tivesse essas metades de grão, você poderia repetir o processo, cortando-os em quartos de grão e assim por diante.

Teoricamente, poderíamos fazer isso para sempre. Não importa quão pequeno o fragmento de grão, sempre seríamos capazes de aumentar o zoom e dividi-lo ao meio novamente. A alternativa não faria sentido. Imagine-se cortando um grão tão pequeno que ele não teria mais uma metade esquerda ou direita. Um pedaço tão pequeno que não tivesse nenhum lado e simplesmente fosse

Para um objeto como esse, o próprio conceito de dividir em dois seria sem sentido. Seria como tentar dividir por dois numa máquina de calcular e a máquina responder: "Sinto muito, você atingiu a menor das coisas, não pode dividir mais". Você teria de estar louco para sugerir a existência de um objeto menor. Hora de Demócrito entrar em cena. 

Demócrito foi um filósofo/comediante de stand-up que viveu no século V a.C., e ele levou a ideia de substâncias elementares muito a sério. Acreditava que tudo era feito de pedaços microscópicos indivisíveis (átomos) que se combinavam para fazer o mundo à nossa volta. Digamos que você tem um pacote de M&M's. Em vez de comê-los em punhados misturados, todo ser humano sensato os divide em pilhas organizadas por cor e come uma pilha de cada vez. Não confie em ninguém que faça diferente. (Minha nota: o autor está sendo irônico aqui. E também é uma forma de se fazer mais didático).

Esse peneiramento de uma mistura para obter pureza é o que estamos realmente fazendo quando decompomos uma substância em seus elementos; estamos agrupando os átomos segundo o tipo. Isso explicaria também de onde vêm os alótropos. Diamante, carvão e hiperdiamante poderiam todos ser feitos de átomos de Carbono empilhados e arranjados de maneira diferente, levando-nos a várias propriedades. 

E, como se a hipótese do átomo não fosse suficientemente estranha, Aristóteles mais tarde usou a ideia de Demócrito para provar a existência de Deus. Como os átomos estavam constantemente em movimento, quicando uns contra os outros e voando através do vazio entre eles, o movimento de cada átomo podia ser retraçado a uma colisão com um átomo anterior, cujo movimento podia ser explicado como uma colisão com um ainda mais anterior. Causa levava a efeito e todo efeito tinha uma causa anterior. 

Se você recuasse o suficiente, devia ter havido um primeiro movimento, que causou tudo, mas que não teve causa ele mesmo. Tal coisa (uma causa não causada) estaria fora das leis normais da natureza embora sendo ainda capaz de influenciá-las. Em outras palavras, Deus. Faça dessa ideia o uso que bem entender. 

O texto acima foi integralmente copiado (ipsis litteris) de um trecho do livro/ebook  "Elementar, Como a Tabela Períodica pode explicar quase tudo", Editora Zahar, Tim James. 



Minha nota: Os filósofos da antiguidades buscavam substâncias elementares a partir das quais toda a realidade era elaborada/construída. Essa substância elementar recebia o nome de Arché. Arché, portanto, seria o princípio originador de todas as coisas. Os filósofos se dividiam sobre esse tema. Havia os monistas, que diziam que a Arché era uma coisa só. Tales de Mileto, por exemplo, dizia que o princípio originador de todas as coisas era a água (tudo o que tem vida é úmido). Anaxímenes dizia que era o ar. Pitágoras dizia que a Arché era um número, pois tudo pode ser objeto de cálculo. Os pluralistas, por sua vez, como Empédocles, via vários princípios originadores de todas as coisas. No caso ele, ele citava a água, a terra, o fogo e o ar. 

No caso do filósofo Demócrito, citado no texto do livro Elementar, o princípio originador de todas as coisas era o átomo. Para Demócrito, a Arché eram os átomos, indivisíveis, que só poderiam ser captados pelo intelecto. Esses átomos se agregavam e se desagregavam na formação das coisas.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Sêneca e a questão do Suicídio Remédio Soberano e do Estoicismo


👉se conseguiu ver claramente que, em si mesma, a morte não é um mal e que, antes, põe fim a nossos múltiplos infortúnios;.."


Sêneca nasceu na província da Andaluzia, na atual Espanha, no ano 1 d.C. Ela pertencia então ao Império Romano. Foi célebre na política e na literatura. Tornou-se Senador romano e sobreviveu ao governo tirânico de Calígula. 

"Calígula tinha muito sangue nas mãos, e todo Senador era um condenado em potencial; a desculpa desse Cesar era que ficara louco, louco de pedra." (página 15)

Na Antiguidade, não havia Estado de Direito, Separação de Poderes, Direitos Humanos. Se um governante ficasse louco, tornando-se tirânico e sem freios, só havia uma forma de contê-lo, assassinando-o por meio de um regicídio. E foi exatamente isso que aconteceu com Calígula. Ele foi sucedido por Cláudio que, por não ter simpatias por Sêneca, mandou exilá-lo na ilha de Córsega. 

Depois de alguns anos no exílio, Sêneca, graças à intermediação da Imperatriz Agripina, viu-se libertado e pôde voltar a Roma. Agripina tinha um filho, Nero, que seria o futuro imperador Romano. Sêneca tornou-se preceptor, o professor de Nero. Sêneca, ainda após o seu regresso, iria se tornar um homem rico e famoso pelos seus livros e pela sua filosofia, o estoicismo. 

No ano 54 d.C, Nero, com 17 anos de idade, torna-se Imperador Romano. Sêneca escreve um livro dedicado a Nero, "Sobre a Clemência". Sêneca assim procedeu porque esperava que, lendo esse livro, Nero viesse a se tornar um governante sábio, sabendo autolimitar-se na condução do seu governo, não ultrapassando os rigores necessários da lei, não punindo de forma desnecessária. 

"Na Antiguidade, o que limitava a arbitrariedade do governante não era um Estado de Direito, e sim exclusivamente o respeito do governante pela dignidade e a vida de seus pares. A palavra "clemência" enchia tanto a boca como hoje fazem "democracia" ou "direitos humanos." (página 29)

Por alguns anos, Nero seguiu os conselhos de Sêneca, portando-se de forma equilibrada no condução de seu governo. Mas, depois de algum tempo, Nero deixa a autolimitação e a clemência de lado e passa a governar de forma tirânica. A primeira vítima foi sua mãe, Agripina. Acreditando que sua mãe participava de um complô para tirá-lo do poder, Nero mata a própria mãe. Sênera fracassara. Em vista disso, Sêneca busca sair da vida pública. Mas não era fácil fazê-lo. Sêneca era um conselheiro próximo de Nero e, nesse tempo, você não poderia simplesmente dizer tchau ao seu Imperador e ir embora. As pessoas poderiam pensar que Sêneca estaria a caminho de se tornar um opositor, um traidor. Mas Sêneca, assim mesmo, retira-se da vida pública, mesmo sabendo que isso poderia colocar sua vida em risco. No ano 65 d.C, Nero descobre mais um complô que pretendia tirá-lo do poder. A tentativa de golpe é desbaratada. Nero desconfia de Sêneca, que por sua vez não tinha participado da trama golpista. Mas isso não importava. O que importava era o que o Imperador pensava. Nero manda ordens para que Sêneca se matasse. O suicídio, naquela oportunidade, era uma saída menos dolorosa. Se a pessoa insistisse na sua defesa, poderia ser submetido a tortura e, ao ser executada, perderia seus bens. O suicídio era uma forma de evitar esses dissabores. A pessoa não seria torturada e sua família não ficaria na miséria. Sêneca então comete suicídio no ano 65 d.C. Três anos depois, Nero finalmente encontraria seu fim, sendo assassinado e deposto de seu trono imperial. 

Sêneca deixou importantes ensinamentos de como se comportar diante da vida. O estoicismo de Sêneca fez com que ele escrevesse, por exemplo, esse trecho, retirado de seu livro "Tratado sobre Benefícios"(livro VII):

""SE NOSSO ESPÍRITO SENTE NÃO MAIS QUE DESPREZO POR TUDO QUE ADVÉM DA BOA OU DA MÁ SORTE; SE ELEVOU-SE ACIMA DAS APREENSÕES; SE, EM SUA AVIDEZ, NÃO ALMEJA MAIS PERSPECTIVAS SEM LIMITES, SABENDO PROCURAR RIQUEZAS APENAS EM SI MESMO...se não teme mais nada dos deuses nem dos homens, consciente de ter pouco a temer do homem e nada de deus; se desdenha tudo o que faz o esplendor de nossa existência e que também é seu tormento; se conseguiu ver claramente que, em si mesma, a morte não é um mal e que, antes, põe fim a nossos múltiplos infortúnios;..." (página 47)

De acordo ainda com o estoicismo de Sêneca, "quando nossa situação parece desesperadora, temos sempre à mão um remédio soberano, o suicídio, que Sêneca (que iria, com efeito, morrer pelas próprias mãos um ou dois anos após escrever essas linhas) considera com nítida boa vontade." (página 48).


Anotações extraídas da leitura do Livro Sêneca e o Estoicismo, de Paul Veyne, Editora Três Estrela, 1º Edição, 2015.

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Depressão Visão Realista do Mundo Pensamentos Depressivos Ilusões Positivas Saúde Mental


Pessoas deprimidas possuem uma capacidade mais acurada para analisar a realidade? 

É a depressão que possibilita uma visão mais realista da vida ou é uma visão mais realista que faz com que a pessoa passe a ter pensamentos depressivos?

O que vem primeiro? A visão realista do mundo ou a depressão?

O excesso de realismo faz mal à saúde mental? E, por outro lado, são as ilusões positivas que trazem bem estar para a pessoa, resultando numa boa saúde mental?

É a depressão que possibilida uma  apreciação objetiva do mundo que nos cerca ou é essa mesma apreciação objetiva do mundo, divorciada de qualquer ilusão, que faz com que a pessoa tenha pensamentos negativos?

Nunca tive ilusões. Acredito que, na maioria das vezes, sempre me conduzi comandando por pensamentos realistas.

A morte de minha mãe foi a pá de cal em qualquer ilusão positiva que pudesse me alcançar. Ver a doença de minha mãe. Vê-la morrer nos meus braços. Vê-la num caixão. Sim, aquela pessoa ali foi a sua mãe. O rosto. As mãos dela sobre o peito. Mas tudo inerte. As palavras dela, o olhar dela, o toque dela, tudo somente existindo nas minhas lembranças, vendo-a ali. Das 9:00 da manhã de uma quinta-feira, dia 21 de dezembro de 2023, até às 16:30, você ao lado daquele corpo, sua mãe, que não interagia mais contigo. Uma verdadeira tortura. 

Seria a minha depressão (eu já seria, portanto, uma pessoa clinicamente doente, depressiva) que fazia encarar tudo aquilo da forma como acima foi descrito, ou eram meus pensamentos divorciados de qualquer consolo espiritual ("essa vida é só uma passagem"; "Deus tem seus planos"; "ela está olhando por você e Deus lhe dará forças para superar tudo isso", etc) que me faziam sentir ter aqueles pensamentos ruins?

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Por que o mal existe? Georges Minois




Por que o mal existe?

Por que sou tão infeliz?

Quem nunca se fez essas perguntas?

Possíveis respostas: 

Acaso? 

A existência de um Deus perverso? 

Destino? 

Por nosso própria culpa, uma culpa coletiva, nascida do pecado de Adão, que teria legado a degradação ao homem. Essa falta original seria então o legado de toda a humanidade.

A história do pecado original:

O autor da narrativa do Pecado Original, que está na Bíblia, se valeu de várias tradições existentes em sua época, para compor uma história que visava justificar a existência do mal, do sofrimento do mundo. Buscava ainda solucionar o seguinte dilema: SE DEUS É INFINITAMENTE BOM, ELE NÃO É TODO PODEROSO, CASO CONTRÁRIO NÃO DEIXARIA ACONTECER TANTA COISA RUIM NO MUNDO. E SE DEUS É TODO PODEROSO, ENTÃO ELE NÃO É INFINITAMENTE BOM, CASO CONTRÁRIO AGIRIA PRONTAMENTE PARA ERRADICAR O SOFRIMENTO DO MUNDO.

Todo mito é uma narrativa é uma narrativa fantasiosa sobre a realidade que nos cerca. Sem uma explicação científica em mãos, os antigos atribuíam todos os fenômenos da natureza pela ação de numerosos deuses. E para explicar a origem de todo o sofrimento humano, também foi necessário a criação de um mito. O mito de Adão e Eva. Adão comeu do fruto proibido, infringindo uma proibição que lhe fora imposta por Deus. O mal então que vivenciamos é o resultado dessa falta original cometida por Adão. A pena, inicialmente imposta a Adão, o ultrapassou, alcançando-nos. As dores que uma mulher sente no parto é o resultado da falta cometida por Eva, pelo fato dela ter oferecido o fruto proibido ao seu companheiro. A serpente também foi castigada por Deus, sendo condenada a viver eternamente andando sobre seu próprio ventre. O homem, por sua vez, foi condenado a ganhar o pão, o seu sustento, com o suor de seu rosto. Paulo de Tarso dizia que da mesma forma como um só homem, Jesus Cristo, fora capaz de salvar humanidade, somente um homem, Adão, fora capaz de desgraçar a humanidade. Uma falta original da qual resultará uma culpabilidade coletiva hereditária que atingirá todos os homens.

Os 4 elementos do Pecado Original

a) a mulher

b) a serpente

c) a árvore

d) a interdição que Deus impõe ao homem, consubstanciada na proibição do consumo do fruto de uma determinada árvore, sob pena de ser castigado caso transgredisse essa interdito.

A Mulher: A mulher não fazia parte do plano original de Deus. Até seu nome, Ishsha, deriva do nome dado ao homem, Ish, Da costela do homem fez-se a mulher. Apesar de derivada do homem, a mulher domina-o por meio de um poder, o desejo sexual. Esse poder de sedução sexual faz com que se veja a mulher com um olhar de suspeita. A mulher fascina, inquieta o homem, daí seu papel central na falta original cometida por Adão.

A Serpente: Símbolo do falo, do pênis, da penetração, da fecundidade, da regeneração pela mudança de pele. Penetra por buracos inacessíveis ao homem, simbolizando uma expansão por áreas desconhecidas. E Deus proibiu que Adão se aventurasse por terrenos desconhecidos, proibindo-o de obter conhecimento.

A árvore: As árvores do bem e do mal. Representam o desejo do homem pelo conhecimento. A árvore é vista por várias tradições como centro do mundo, morada de almas, etc. É nesse desejo do homem pelo conhecimento que reside a sua falta original. Adão, ao comer a maça, viola a proibição divina de consumir o fruto da árvore do conhecimento. 

A interdição divina: Deus impôs um óbice a Adão: não coma da árvore do conhecimento. Mas Adão acabou por desobedecer Deus, dando origem à falta original que, por sua vez, daria origem a todo o sofrimento do mundo.

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DO LIVRO: 

As origens do mal: Uma história do pecado original Georges Minois


sábado, 6 de janeiro de 2024

Machado de Assis Memórias Póstumas de Bras Cubas Legado da nossa Miséria e minha Mãe


Minha mãe morreu às 00:10 do dia 21 de dezembro de 2023. Dizem que esses eventos acontecem porque estão inseridos naquilo que seria um plano de Deus. Tinha chegado a hora dela. Todo mundo vai morrer um dia mesmo, como disse Jair Bolsonaro durante a Pandemia da Covid19. Dizem ainda que é o caminho natural o filho enterrar a mãe, o pai. Lugares comuns, chavões. A verdade é que não existe nada de natural, nada que um plano possa justificar, mesmo que ele seja divino, ver sua mãe morrendo nos seus braços, alguém que você ama profundamente, sufocada por uma broncoaspiração, nem conseguindo lhe reconhecer, nem conseguindo se despedir de você. Alguém que conviveu com você por 51 anos e, num instante, deixa de existir. É a exemplificação da miséria que é a nossa existência. É o legado da nossa miséria.

Hoje, no jornal da minha cidade, O Município, vi uma foto de minha mãe, quando ela era professora substituta. Ao vê-la, todos esses pensamentos me vieram à mente. Na verdade, eles não me saem da mente.  Mas me veio, aí sim pela primeira vez, a parte final do livro de Machado de Assis, Memórias Póstumas de Bras Cubas. Trecho abaixo:

Capítulo CLX Das Negativas

"................Somadas umas cousas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve mingua nem sobra, e consequentemente que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a esse outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa desse capítulo de negativas - Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria."