quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Sêneca e a questão do Suicídio Remédio Soberano e do Estoicismo


👉se conseguiu ver claramente que, em si mesma, a morte não é um mal e que, antes, põe fim a nossos múltiplos infortúnios;.."


Sêneca nasceu na província da Andaluzia, na atual Espanha, no ano 1 d.C. Ela pertencia então ao Império Romano. Foi célebre na política e na literatura. Tornou-se Senador romano e sobreviveu ao governo tirânico de Calígula. 

"Calígula tinha muito sangue nas mãos, e todo Senador era um condenado em potencial; a desculpa desse Cesar era que ficara louco, louco de pedra." (página 15)

Na Antiguidade, não havia Estado de Direito, Separação de Poderes, Direitos Humanos. Se um governante ficasse louco, tornando-se tirânico e sem freios, só havia uma forma de contê-lo, assassinando-o por meio de um regicídio. E foi exatamente isso que aconteceu com Calígula. Ele foi sucedido por Cláudio que, por não ter simpatias por Sêneca, mandou exilá-lo na ilha de Córsega. 

Depois de alguns anos no exílio, Sêneca, graças à intermediação da Imperatriz Agripina, viu-se libertado e pôde voltar a Roma. Agripina tinha um filho, Nero, que seria o futuro imperador Romano. Sêneca tornou-se preceptor, o professor de Nero. Sêneca, ainda após o seu regresso, iria se tornar um homem rico e famoso pelos seus livros e pela sua filosofia, o estoicismo. 

No ano 54 d.C, Nero, com 17 anos de idade, torna-se Imperador Romano. Sêneca escreve um livro dedicado a Nero, "Sobre a Clemência". Sêneca assim procedeu porque esperava que, lendo esse livro, Nero viesse a se tornar um governante sábio, sabendo autolimitar-se na condução do seu governo, não ultrapassando os rigores necessários da lei, não punindo de forma desnecessária. 

"Na Antiguidade, o que limitava a arbitrariedade do governante não era um Estado de Direito, e sim exclusivamente o respeito do governante pela dignidade e a vida de seus pares. A palavra "clemência" enchia tanto a boca como hoje fazem "democracia" ou "direitos humanos." (página 29)

Por alguns anos, Nero seguiu os conselhos de Sêneca, portando-se de forma equilibrada no condução de seu governo. Mas, depois de algum tempo, Nero deixa a autolimitação e a clemência de lado e passa a governar de forma tirânica. A primeira vítima foi sua mãe, Agripina. Acreditando que sua mãe participava de um complô para tirá-lo do poder, Nero mata a própria mãe. Sênera fracassara. Em vista disso, Sêneca busca sair da vida pública. Mas não era fácil fazê-lo. Sêneca era um conselheiro próximo de Nero e, nesse tempo, você não poderia simplesmente dizer tchau ao seu Imperador e ir embora. As pessoas poderiam pensar que Sêneca estaria a caminho de se tornar um opositor, um traidor. Mas Sêneca, assim mesmo, retira-se da vida pública, mesmo sabendo que isso poderia colocar sua vida em risco. No ano 65 d.C, Nero descobre mais um complô que pretendia tirá-lo do poder. A tentativa de golpe é desbaratada. Nero desconfia de Sêneca, que por sua vez não tinha participado da trama golpista. Mas isso não importava. O que importava era o que o Imperador pensava. Nero manda ordens para que Sêneca se matasse. O suicídio, naquela oportunidade, era uma saída menos dolorosa. Se a pessoa insistisse na sua defesa, poderia ser submetido a tortura e, ao ser executada, perderia seus bens. O suicídio era uma forma de evitar esses dissabores. A pessoa não seria torturada e sua família não ficaria na miséria. Sêneca então comete suicídio no ano 65 d.C. Três anos depois, Nero finalmente encontraria seu fim, sendo assassinado e deposto de seu trono imperial. 

Sêneca deixou importantes ensinamentos de como se comportar diante da vida. O estoicismo de Sêneca fez com que ele escrevesse, por exemplo, esse trecho, retirado de seu livro "Tratado sobre Benefícios"(livro VII):

""SE NOSSO ESPÍRITO SENTE NÃO MAIS QUE DESPREZO POR TUDO QUE ADVÉM DA BOA OU DA MÁ SORTE; SE ELEVOU-SE ACIMA DAS APREENSÕES; SE, EM SUA AVIDEZ, NÃO ALMEJA MAIS PERSPECTIVAS SEM LIMITES, SABENDO PROCURAR RIQUEZAS APENAS EM SI MESMO...se não teme mais nada dos deuses nem dos homens, consciente de ter pouco a temer do homem e nada de deus; se desdenha tudo o que faz o esplendor de nossa existência e que também é seu tormento; se conseguiu ver claramente que, em si mesma, a morte não é um mal e que, antes, põe fim a nossos múltiplos infortúnios;..." (página 47)

De acordo ainda com o estoicismo de Sêneca, "quando nossa situação parece desesperadora, temos sempre à mão um remédio soberano, o suicídio, que Sêneca (que iria, com efeito, morrer pelas próprias mãos um ou dois anos após escrever essas linhas) considera com nítida boa vontade." (página 48).


Anotações extraídas da leitura do Livro Sêneca e o Estoicismo, de Paul Veyne, Editora Três Estrela, 1º Edição, 2015.

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