sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Uma das razões para a queda do Império Romano do Ocidente Perda de Cartago



A INVASÃO DOS BÁRBAROS:

A incursão de povos bárbaros pelo interior do Império Romano do Ocidente não chegava a ser uma novidade. 

O Império Romano do Ocidente lidava com as incursões dos povos bárbaros criando políticas para absorvê-los. 

Essa absorção podia ser feita de várias formas. O exército romano atuava para absorvê-los. Havia ainda políticas de assentamento, como por exemplo o caso dos visigodos, que foram assentados na região de Toulouse, na atual França. Os Borgonheses foram assentados nas proximidades de Genebra, na atual Suíça.

O que importa dizer é que algo aconteceu no século V que esgotou a capacidade do Império Romano do Ocidente em lidar com essas incursões bárbaras, resultando na sua desintegração política.

A PERDA DA PROVÍNCIA NA ÁFRICA DO NORTE:

A hipótese levantada por este livro para explicar esse esgotamento está na perda de Cartago, onde hoje se localiza a Tunísia. Cartago era a fonte de cereais e de azeite do Império Romano do Ocidente. 

Cartago caiu no ano 439 para os vândalos. 

"O problema eram os vândalos, cuja confederação havia entrado no império a partir do norte, atravessando o Reno em 407, deslocando-se através da Gália para Espanha, na década seguinte. Embora estivessem parcialmente esmagados em 417, não estavam dominados e invadiram o norte da África, em 429, sob a liderança de Genserico (✝477), o seu novo rei. O seu assentamento em 435 não foi de maneira alguma acompanhado de uma derrota militar e o seu novo território, não muito fértil em si mesmo, situava-se nos limites das principais fontes de cereais e de azeite do império ocidental - as terras ricas em redor da cidade romana de Cartago, na atual Tunísia. Por que razão não quereriam eles controlar este território e por que motivo não o compreenderiam os romanos e não defenderiam melhor Cartago? Mas Aécio (✝454), o supremo chefe militar e político no Ocidente à época, não o fez e Cartago, por conseguinte, caiu em 439. Esta opção - um erro - constituiu um dos pontos de viragem mais importantes na capacidade dos romanos controlarem os tempos da mudança política no Ocidente." (página 57/58)

"Sem a riqueza da África, o Império Romano do Ocidente começou a esgotar os recursos tributários. Sem receitas tributárias, era mais difícil pagar exércitos regulares, cada vez mais necessários na situação política complexa naquele período. Sem exército regular, era cada vez mais necessário utilizar exércitos de bárbaros, como aliados, mas era também cada vez mais difícil controlá-los." (página 58) 

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "EUROPA MEDIEVAL", DE CHRIS WICKHAM, EDITORA EDIÇÕES 70

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Muhammad Ali Paxá O Modernizador do Egito


Muhammad Ali ou Mehmet Ali


ORIGEM:

Antes de tudo, é preciso esclarecer sobre a grafia do nome de Muhammad Ali. O livro "Os árabes", de Eugene Rogan, grafa o nome como Muhammad Ali. Já o livro "Uma História Concisa do Oriente Média, de Arthur Goldschmidt Júnior e Ibrahim Al-Marashi, grafa o nome como Mehmet Ali.

Muhammad Ali ou Mehmet Ali era de etnia albanesa. Nasceu em 1770, na cidade de Kavala, na Macedônia, que na época fazia parte do Império Otomano. Muhammad Ali era então um comandante a serviço do Império Otomano. Comandava um contingente de 6 mil albaneses. 

A modéstia não era uma característica da personalidade de Muhammad Ali, que dizia: nasci no mesmo ano que Napoleão Bonaparte e na terra de Alexandre, o Grande. 

Na condição de comandante a serviço do sultão otomano, Muhammad Ali foi escalado para debelar o caos que havia tomado conta do Egito, então uma província otomana, na esteira da saída das tropas napoleônicas em 1801. 

Quatro anos depois de chegar ao Egito, com a situação local apaziguada, como recompensa de seu bom trabalho, Muhammad Ali foi alçado pelo sultão otomano para a posição de Paxá, que o credenciava a servir como governador em qualquer província otomana. Num primeiro momento, Muhammad Ali foi nomeado governador na província otomana do Hejaz, na qual se localizava a cidade sagrada de Meca. Mas Muhammad Ali queria mesmo era ser governador do Egito, que tornou-se realidade somente em junho de 1805. 

GOVERNADOR DO EGITO:

Muhammad Ali Paxá, na condição de governador da província otomana do Egito, passou a colocar seu plano em marcha, consubstanciado no desejo de fazer do Egito um trampolim a partir do qual buscaria derrubar o sultão otomano, tornando-se então ele próprio o líder do Império Otomano. O Egito, apesar de ser uma província otomano, era dotado de autonomia, cuja obrigação com o Império Otomano consistia no pagamento de um tributo a Istambul. Isso dava a Muhammad Ali, que no papel era somente um vice-rei do sultão otomano,  uma grande liberdade de ação, podendo governar o Egito da forma mais independente possível.  

"...Muhammad Ali era um otomano e buscava dominar o Império Otomano." (página 101)

Para conseguir dominar o Império Otomano, antes de tudo Muhammad Ali passou a modernizar e a fortalecer o Egito. Muhammad buscou a tecnologia industrial europeia para produzir armas e têxteis para o seu exército. Para pagar por essa tecnologia, o Egito investiu na sua agricultura.

"Mehmet Ali foi ainda o primeiro governante não ocidental a compreender a importância da revolução industrial." (página 185, Uma História Concisa do Oriente Médio).

"O Egito se tornou o primeiro país do Oriente Média a fazer a transição da agricultura de subsistência (na qual os produtores cultivavam o que consumiam, mais o que tinham de pagar em arrendamento e impostos) para o cultivo agrícola comercial (no qual cultivavam produtos para serem vendidos). Tabaco, açúcar, índigo e algodão se tornaram os principais produtos agrícolas. Usando as receitas do que produziam, Mehmet Ali financiava seus esquemas para o desenvolvimento industrial e militar." (página 185 - Uma História Concisa do Oriente Médio).

A autonomia que o Império Otomano concedia à sua província egípcia permitia que Muhammad Ali negociasse diretamente com outros países, como se o Egito fosse um país soberano.

"Ele apreciava ter relações diretas com as grandes potências da Europa, que o tratavam mais como um soberano independente do que como um vice-rei do sultão otomano." (página 101)

CONSOLIDAÇÃO DO PODER NO EGITO:

Muhammad Ali levou 6 anos para consolidar seu poder no Egito. Internamente não enfrentava nenhum desafio. 

A primeira campanha militar empreendida pelo Egito de Muhammad Ali foi feita para atender a uma ordem emanada do sultão otomano. A campanha (1812-1818) foi para debelar uma revolta na península arábica, encabeçada pela seita wahabita. O wahabismo foi um movimento que pretendia uma reforma do islamismo, que se opunha ao sultão otomano, por ver no Império Otomano a representação de um islamismo degradado. As forças egípcias, então comandadas por Ibrahim, filho de Muhammad Ali, derrotaram os wahabitas em 1818. 

Em reconhecimento aos serviços prestados, o Império Otomano deu a Ibrahim o título de Paxá (governador), nomeando-o governador da província do Hejaz. A província otomana do Hejaz fica no oeste da península arábica, na qual ficam as cidades de Meca, Medina e Jidá (Jedah). Pelo porto de Jidá, milhares de peregrinos chegam, indo depois para a cidade de Meca, na qual realiza-se a peregrinação sagrada que todo muçulmano deve fazer pelo menos uma vez em sua vida (Hajj). Essa peregrinação anual rendia um bom dinheiro para o governador do Hejaz. 

Com seu filho no cargo de governador da província Hejaz, na prática Muhammad Ali a adicionou ao seu Egito.

CONQUISTA DO SUDÃO (1820/1824):

Depois da campanha na península arábica, os egípcios sob o comando de Muhammad Ali partiu para o sul, conquistando o Sudão, dominando assim o litoral do Mar Vermelho, conseguindo o monopólio do comércio local, ajudando a enriquecer ainda mais o Egito.

INDEPENDÊNCIA DA GRÉCIA E INTERVENÇÃO EGÍPCIA:

Com a eclosão do movimento de independência na Grécia, o sultão otomano teve que mais uma vez se socorrer do exército de Muhammad Ali. 

O exército egípcio de Muhammad Ali foi bem sucedido na contenção da rebelião grega. Como prêmio, a família de Muhammad Ali foi premiado pelo governo otomano com províncias na Grécia e no Mar Egeu. 

"Os egípcios estavam conseguindo sufocar rebeliões que haviam resistido aos otomanos e expandindo o território sob controle do Cairo. Se Muhammad Ali se rebelasse, não estava claro se os otomanos seriam capazes de resistir a suas tropas." (página 110)

Resumo da história: O Império Otomano, nos anos 1812/1818, não conseguiu conter a rebelião da seita Wahabita na península arábica. Precisaram então se socorrer do exército egípcio de Muhammad Ali. Na sequência, com a rebelião na Grécia, os otomanos mais uma vez se viram obrigados a se socorrer com o exército de Muhammad Ali. O Império Otomano não conseguia mais resolver os problemas que eclodiam em suas províncias, dependendo cada vez mais do exército egípcio de Muhammad Ali. E a cada serviço prestado ao Império Otomano, a família de Muhammad Ali ganhava mais e mais províncias, aumentando ainda mais o seu poder. 

BATALHA DE NAVARINO. INDEPENDÊNCIA GREGA E INSUBORDINAÇÃO DE MUHAMMAD ALI:

Mesmo depois da intervenção egípcia na Grécia, a rebelião não foi totalmente debelada. E para piorar a situação do Império Otomano, as potências ocidentais França e Grã-Bretanha passaram a apoiar a independência da Grécia. Em 1827, na batalha naval de Navarino, França e Grã-Bretanha derrotaram as forças combinadas de egípcios e otomanos. No ano de 1832, um reino independente grego seria estabelecido na Conferência de Londres.

Num ato de insubordinação explícita, Muhammad Ali negociou um tratado em separado com a Grã-Bretanha. Era uma afronta ao sultão otomanos que, um vassalo seu, Muhammad Ali, negociasse com os europeus sem consultá-lo. E o pior de tudo é que o sultão otomano não tinha força militar para obstar a insubordinação de Muhammad Ali. 

A CONQUISTA DA SÍRIA:

Muhammad Ali era um insubordinado. Não prestava contas para o sultão otomano, que nominalmente era seu superior. Negociou em separado com os europeus, numa afronta ao sultão otomano. Mas o pior, para o Império Otomano, estava por vir. Muhammad agora visava conquistar militarmente a província otomana da Síria. Agora o exército egípcio estava em guerra contra o Império Otomano. Em 1831, Ibrahim Paxá, o filho de Muhammad Ali, a frente de um exército egípcio bem treinado, nos moldes de um exército europeu, partir para conquistar a Síria. 

No caminho para conquistar a Síria, o exército egípcio conquistou a cidade de Acre e a Palestina (1832). Damasco caiu para os egípcios. Agora o exército egípcio partiu para conquistar as cidades de Alepo e Homs. Em outubro de 1832 os egípcios entraram na Anatólia, Na batalha de Konya, em dezembro de 1832, o exército egípcio conseguiu uma grande vitória sobre os otomanos. Os egípcios estavam então a uma distância de 200 quilômetros de Istambul, a capital otomana. O sultão otomano então se viu obrigado a negociar com Muhammad Ali, concedendo a ele as províncias do Hejaz, Creta, Acre, Damasco, Trípoli e Alepo. Muhammad Ali ainda foi reconduzido à posição de Governador do Egito, que tinha perdido quando seu filho Ibrahim Paxá invadiu a Síria (Paz de Kutahya - 1833)

DOMÍNIO EGÍPCIO NA SÍRIA:

O domínio egípcio na Síria causou descontentamento entre a população local. Aumento de impostos e recrutamento para o exército fizeram com que os sírios passassem a odiar a presença egípcia. Rebeliões então eclodiram na Palestina e no Líbano,  que faziam parte da Grande Síria (a Grande Síria do século XIX abrangia os atuais Líbano, Síria, Jordânia, Israel, Cisjordânia, Faixa de Gaza). 

Muhammad Ali não se deixou amedrontar pela rebelião. Ele estava tão confiante de seu poder que passou a trabalhar pelo desmembramento definitivo da Síria e do Egito do Império Otomano, buscando até uma forma de indenizar o sultão otomano. 

O problema para Muhammad Ali era que a França e a Grã-Bretanha não iriam aceitar o desmembramento do Império Otomano. Então, quando tudo parecia perdido para o Império Otomano, ele foi socorrido por uma coalização europeia, constituída por Grã-Bretanha, Áustria, Prússia e Rússia. 

Em janeiro de 1841, acossado por rebeliões e pela coalização europeia, os egípcios saíram da Síria. 

CAPITULAÇÃO DE MUHAMMAD ALI:

Um acordo intermediado pelos britânicos estabeleceu que Muhammad Ali teria o governo hereditário do Egito e do Sudão. Em troca, Muhammad Ali, além de abandonar a Síria, reconheceu o sultão otomano como seu suserano, concordando ainda a fazer um pagamento anual ao Império Otomano. Enfim, pelo menos nominalmente, o Egito voltava a ser uma província otomana. 

"O Egito teria o seu próprio governo e faria suas próprias leis, mas permaneceria vinculado à política externa do Império Otomano." (página 121)

MORTE DE MUHAMMAD ALI:

Muhammad Ali morreu em agosto de 1849. Foi sucedido pelo seu neto Abbas. 

A dinastia inaugurada por Muhammad Ali governaria o Egito até que a revolução de 1952 a derrubasse. 

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DAS LEITURAS DOS LIVROS "UMA HISTÓRIA CONCISA DO ORIENTE MÉDIO, DE ARTHUR GOLDSCHMIDT JUNIOR E DE IBRAHIM MARASHI, EDITORA VOZES E "OS ÁRABES", DE EUGENE ROGAN, EDITORA ZAHAR




domingo, 24 de outubro de 2021

IMPÉRIO OTOMANO COMO SUCESSOR DO IMPÉRIO ROMANO CHRIS WICKHAM



É CERTO DIZER QUE O IMPÉRIO ROMANO DUROU ATE À PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL, QUANDO O ESTADO OTOMANO COLAPSOU?

Sim, da leitura do presente livro é possível dizer que, em certo sentido, o Império Romano durou até o colapso o Império Otomano, em 1918, no final da Primeira Guerra Mundial.

Por que o autor afirma isso?

A afirmação se baseia no fato de que o Império Otomano utilizou algumas das estruturas fiscais e administrativas básicas do passado romano/bizantino na construção do seu próprio Estado. A própria capital do Império Otomano, Istambul, foi erigida sobre a antiga capital do Império Romano do Oriente (Império Bizantino), Constantinopla. 

O que colapsou, portanto, no século V, foi o Império Romano do Ocidente. O Império Romano do Oriente, com base na sua capital em Constantinopla, iria durar ainda quase mil anos, sob o nome de Império Bizantino, ",,,embora os seus habitantes se chamassem a si próprios romanos até ao seu fim.." (página 53)

"Por que razão caiu o Império Romano? A resposta curta é dizer que não caiu. Metade do império, a sua metade oriental (os atuais Bálcãs, Turquia, Levante, Egito), governada a partir de Constantinopla, continuou a existir sem problemas durante o período de desagregação imperial e da conquista por forasteiros da metade ocidental (correspondente ao atual território da França, Espanha, Itália, norte da África e Bretanha), ocorrida no século V." (página 53)

O autor justifica a ideia de que o Império Romano sobreviveu até o século XX dizendo que não pretende "evocar a imagem de um passado que nunca muda. Existem sempre elementos do passado no presente, mas tal não significa que não tenha havido grandes mudanças." (página 53)

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "EUROPA MEDIEVAL", CHRIS WICKHAM, EDITORA EDIÇÕES 70

terça-feira, 19 de outubro de 2021

A Decisão da Alemanha Nazista de romper o Pacto Ribbentrop Molotov e preparar uma Guerra contra a União Soviética


Encontro de Hitler com Molotov, Novembro de 1940

NEGOCIAÇÕES ENTRE A ALEMANHA NAZISTA E A UNIÃO SOVIÉTICA. 12 DE NOVEMBRO DE 1940. MOLOTOV VAI A BERLIM PARA SE ENCONTRAR COM HITLER E RIBBENTROP. NEGOCIAÇÕES PARA A CONTINUIDADE DO ACORDO NAZI-SOVIÉTICO, ASSINADO EM 23 DE AGOSTO DE 1939. DIRETIVA N°21 A DECISÃO DE HITLER DE ATACAR A UNIÃO SOVIÉTICA, DEZEMBRO DE 1940.

MOLOTOV VAI A BERLIM:

Em 12 de novembro de 1940, Molotov, o Ministro das Relações Exteriores da União Soviética, vai a Berlim para negociar a continuidade do Pacto Ribbentrop/Molotov, o acordo Nazi-Soviético assinado em 23 de agosto de 1939. 

"O tempo não ofereceu um bom presságio na chegada de Molotov a Berlim. Céus de chumbo e chuva fustigante receberam o Ministro do Exterior soviético na capital de Hitler." (página 224)

Nessa viagem, Molotov se encontrou com Ribbentrop, Ministro das Relações Exteriores da Alemanha Nazista e com o próprio Hitler.

Nesse momento, tanto a Alemanha quanto a União Soviética desejavam manter o acordo. Mas esse era o único ponto em comum entre as duas ditaduras, pois de resto não havia pontos de convergência. 

A POSIÇÃO ALEMÃ:

Os alemães estavam desgostosos com o comportamento da União Soviética. A Alemanha se via como a única parte do acordo que tinha se arriscado, entrando em guerra contra a Polônia, a Grã-Bretanha e a França. Enquanto isso, a União Soviética anexou territórios nos países Bálticos (Letônia, Lituânia, Estônia), no leste da Polônia e na Bessárabia e na Bucovina, sem precisar disparar um tiro sequer. 

A parte econômica do acordo, consistente no envio de matéria-prima soviética para a indústria alemã, também não estava sendo vantajosa para a Alemanha.

A Alemanha queria que a União Soviética se abstivesse da Europa. A Alemanha não via com bons olhos o desejo da União Soviética de se imiscuir em assuntos europeus. A URSS já tinha anexado os países bálticos, uma parte da Finlândia, o leste da Polônia, a Bessarária e a Bucovina. Para a Alemanha seria melhor que a União Soviética se concentrasse na expansão territorial para o sul, na direção do Golfo Pérsico/Oceano Índico, onde iria se chocar com os interesses da Grã-Bretanha. Esse seria o melhor dos mundos para a Alemanha nazista: 

Ver a URSS esquecer a Europa, deixando-a para a Alemanha, expandindo-se para a região do Golfo Pérsico e do Oceano Índico, chocando-se com os interesses do Império Britânico. 

"Hitler claramente queria a União Soviética de Stalin fora da Europa, incapaz de intrometer-se em assuntos balcânicos, ou do mar Báltico e do Bósforo. Ao tentar empurrar a URSS para o sul, canalizando suas ambições para o Oceano Índico e o 'falido' Raj britânico, ele não só queria alcançar esse objetivo mas também levar a União Soviética a um conflito com os britânicos, o que desestabilizaria a URSS e impossibilitaria qualquer suposta reaproximação anglo-soviética." (página 242)

Para conseguir convencer a URSS de seu plano, Ribbentrop e Hitler, em novembro de 1940, tentaram convencer Molotov de que a guerra já tinha praticamente acabado, com a Grã-Bretanha em vias de se render, de forma que o Império Britânico poderia então ser dividido entre a Alemanha e a União Soviética. A ironia da história é que, durante a estada de Molotov em Berlim, em meados de novembro de 1940, aviões britânicos bombardearam a cidade, mostrando que a Grã-Bretanha estava longe de uma rendição.

Num desses bombardeios, Molotov e Ribbentrop foram se refugiar num abrigo, num bunker.

"Enquanto Molotov e Ribbentrop discutiam como dividir o mundo fora do bunker, portanto, ouviram sem dúvida a cacofonia do ataque aéreo (britânico), particularmente o gemido ondulante das sirenes e os sustentados disparos das baterias antiaéreas de Berlim. Naquelas circunstâncias, as reiteradas afirmações de Ribbentrop de que os britânicos estavam acabados e a guerra contra a Grã-Bretanha 'ja estava ganha' devem ter soado um pouco prematuras. De acordo com Stalin, Molotov conteve as presunções de Ribbentrop com uma estocada certeira, perguntando 'por que estamos neste abrigo e de quem são essas bombas que caem', se a Grã-Bretanha tinha sito derrotada. Ribbentrop finalmente calou-se, tinha tinha o que responder." (páginas 239/240)

A POSIÇÃO DA UNIÃO SOVIÉTICA:

A União Soviética via-se em ótima situação. Tinha tido ganhos territoriais sem precisar entrar em guerra. Estava em paz, enquanto via Alemanha e Grã-Bretanha brigando entre si. Stálin tinha o desejo de manter o acordo Ribbentrop-Molotov. 

"No que dizia respeito a Moscou, as negociações deveriam continuar. As conversações de Berlim tinham sido apenas a abertura do processo." (página 240)

A União Soviética, no encontro de novembro de 1940, deixou claro sua posição:

- A Finlândia deveria fazer parte de sua esfera de influência, não aceitando qualquer ingerência alemã ali

- A União Soviética queria ter alguma forma de controle sobre os estreitos de Dardanelos e Bósforo. A União Soviética queria uma garantia de que suas bases no Mar Negro não seriam atacadas por meio desses estreitos pertencentes à Turquia. 

- Queria que a Alemanha explicasse as razões do acordo Tripartite entre esta, a Itália e o Japão. 

- A União Soviética tinha interesse na expansão para o sul do Cáucaso, na direção do Golfo Pérsico

- A União Soviética também tinha interesse no status dos estreitos de Kattegat e Skagerrak , que ligam o Mar Báltico ao Mar do Norte, e depois ao Oceano Atlântico.

- A União Soviética queria discutir a neutralidade da Suécia.

- A União Soviética ainda queria discutir assuntos relacionados à Hungria e à Iugoslávia.

Como vemos então, a União Soviética, ao contrário do que desejava a Alemanha, tinha interesses na Europa. Não se contentaria apenas com uma expansão para o sul, em direção ao Golfo Pérsico e Oceano Índico. A União Soviética também tinha interesses na Europa.

A DECISÃO DA ALEMANHA NAZISTA DE ATACAR A UNIÃO SOVIÉTICA - UMA DECISÃO ESTRATÉGICA, NÃO IDEOLÓGICA:

Em novembro de 1940, a Hitler ainda não tinha batido o martelo no sentido de ordenar um ataque à União Soviética. O encontro de novembro de 1940 entre Hitler e Molotov não tinha a intenção de enrolar os soviéticos. Ainda havia, por parte dos nazistas, a intenção de manter o acordo Nazi-Soviético. Os alemães, na realidade, naquela altura dos acontecimentos, mantinham todas as possibilidades em aberto: solução diplomática e solução militar. Uma solução militar contra a URSS já tinha sido aventada por Hitler em julhos de 1940, mas sem maiores consequências. 

A decisão concreta de realmente  travar uma guerra contra a União Soviética só veio em dezembro de 1940, por meio da Diretiva número 21. O que desencadeou essa decisão extrema foi o comportamento da União Soviética durante a Conferência do Danúbio - Comissão Internacional do Danúbio (outubro/dezembro de 1940). 

"A Comissão Internacional do Danúbio pertencia a esse tipo de organização regional cujas atividades raramente afetam os negócios internacionais (...) fazia reuniões periódicas, e em várias iterações, para regulamentar o tráfego no Danúbio e servir de fórum para as potências vizinhas resolverem suas diferenças. Mas, em 1940, aquilo que até então tinha sido uma questão bastante provinciana já se tornara o joguete das ditaduras totalitárias europeias, com a Alemanha e a União Soviética - esta  ultima uma 'Potência Danubiana' - disputando a supremacia." (página 244)

Mais uma vez, para desgosto dos alemães, a União Soviética resolver se meter em assuntos europeus, agora sobre a regulação da navegação no Rio Danúbio. Esse comportamento soviético foi a gota d'água que fez o copo alemão transbordar. Estava claro para a Alemanha que a URSS não iria deixar a Europa somente para a Alemanha. Diante disso, Hitler resolveu emitir ordens para o planejamento de um ataque à União Soviética. 

Tudo o que acima foi dito comprova que o que levou Hitler a preparar uma guerra contra a URSS foi a questão estratégica, nada tendo a ver com ideologia.

"A maior queixa do Fuhrer contra Moscou, portanto, não era ideológica, mas estratégica. A virada contra a União Soviética costuma ser descrita quase exclusivamente em termos ideológicos, como expressão de um preconceito antibolchevique que vinha de longa data e nunca foi suprimido por completo. Há qualquer coisa de verdade nisso, claro. (...) Mas preocupações estratégicas e geopolíticas  ainda tinham mais influência do que a ideologia (...) Consequentemente, só em dezembro, quando Moscou insistiu mais uma vez em seu papel europeu durante a conferência da Comissão Danubiana, quando a resposta soviética às propostas de Ribbentrop em Berlim foram recebidas e as perspectivas de uma solução negociada pareciam esgotadas, é que Hitler tomou a decisão irrevogável de atacar Stalin. Esse nexo fica mais claro quando se leva em conta o momento escolhido. A conferência da Comissão Danubiana finalmente entrou em colapso em 17 de dezembro, com as delegações italiana e soviética trocando socos. Na manhã seguinte, Hitler baixou sua Diretiva número 21, ordenando às forças alemãs que preparassem para 'esmagar a Rússia soviética numa campanha fulminante'. Com isso, a sentença de morte do Pacto Nazi-Soviético foi decretada - e nasceu a Operação Barbarossa." (página 246)

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "O PACTO DO DIABO, A ALIANÇA DE HITLER COM STALIN, 1939-1941", ROGER MOORHOUSE, EDITORA OBJETIVA



segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Um Príncipe árabe traído pela Grã-Bretanha Nascimento da Arábia Saudita


No centro da foto, Emir (Príncipe) Faisal, filho do Xarife de Meca Hussein. Ele iria se tornar, pelas mãos dos Britânicos, Rei do Iraque

UM PRÍNCIPE ÁRABE TRAÍDO PELA GRÃ-BRETANHA. DOIS PRÍNCIPES ÁRABES LUTANDO PELO DOMÍNIO DA PENÍNSULA ARÁBICA. QUEDA DO IMPÉRIO OTOMANO. SURGIMENTO DA ARÁBIA SAUDITA.


UM PRÍNCIPE ÁRABE TRAÍDO PELA GRÃ-BRETANHA:

O príncipe árabe traído pela Grã-Bretanha foi o Xarife Hussein Ibn Ali de Meca. 

Hussein era da tribo Hachemita, a mesma de Maomé. Era o xarife de Meca, a cidade sagrada do islã. Xarife era o título dado ao descendente de Maomé (Muhammad). Era ainda senhor da província de Hejaz, localizada no oeste da península arábica, na costa do mar vermelho. Hussein era vassalo do Império Otomano. Meca e o Hejaz faziam parte do Império Otomano

Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914, a Grã-Bretanha passou a negociar com Hussein. O Império Otomano tinha entrado na guerra ao lado da Alemanha. A Grã-Bretanha viu em Hussein um possível aliado contra o Império Otomano. 

Em troca do apoio de Hussein na guerra contra os Otomanos, a Grã-Bretanha prometeu a criação de um Reino Árabe independente, que abrangeria as atuais Síria, Líbano, Iraque, Israel, Jordânia, Cisjordânia, Faixa de Gaza e o Hejaz. Esse Reino Árabe seria então dado a Hussein e aos seus filhos, Faisal e Abdullah.

Hussein então, ao lado de seus filhos, deu início a uma rebelião contra os Otomanos. Em julho de 1917, Faisal tomou a fortaleza otomana de Ácaba, localizada atualmente na Jordânia. Com a ajuda dos britânicos, os árabes as forças otomanas na Síria, tomando a cidade de Damasco.

Terminada a Primeira Guerra Mundial, Hussein foi traído pelos britânicos e pelos franceses. As atuais Síria e Líbano foram dadas para a França. A Palestina (atuais Israel, Jordânia, Faixa de Gaza, Cisjordânia) e o Iraque ficaram com a Grã-Bretanha. No fim, Hussein teve que se contentar com a província do Hejaz, com suas cidades de Meca, Medina e Jidá (Jedah). 

DOIS PRÍNCIPES ÁRABES LUTANDO PELO DOMÍNIO DA PENÍNSULA ARÁBICA:

O Xarife de Meca, Hussein, além de ter sido traído pela Grã-Bretanha, se deparou com outro problema: a ascensão de Ibn Saud, um governante árabe cujo centro de poder localizava-se no centro da península arábica, num oásis próximo da cidade de Diriyah. 

O poder de Ibn Saud foi resultado da união de seus antepassados com um movimento reformista islâmico, o Wahabismo. O Wahabismo foi criado por Muhammad Ibn Abd al-Wahab. O Wahabismo defendia um retorno ao islã puro do profeta e seus sucessores, os califas. O Wahabismo defendia que o islã que voltasse no tempo, englobando os três primeiros séculos do islã após a revelação do Alcorão. Tudo o que tinha vindo depois deveria ser descartado.

Num primeiro momento, os antepassados de Ibn Saud e os seguidores do Wahabismo foram contidos pelo Império Otomano, por meio dos exércitos de Muhammad Ali, o senhor do Egito.

Mas no século XIX o movimento reformista do Wahabismo retornou, mais uma vez com o patrocínio da família saudita. A expansão dos sauditas, sob o comando de Ibn Saud, foi rápida. Partindo do coração da península arábica (Najd), os sauditas conquistaram áreas da península arábica na costa do Golfo Pérsico. Enquanto o Xarife de Meca, Hussein, lutava contra os Otomanos, os sauditas se expandiam pela península arábica, chegando nas proximidades do Hejaz. 

Com o fim da Primeira Guerra Mundial, as forças de Ibn Saud partiram de Riad (atual capital da Árabia Saudita) para conquistar o Hejaz de Hussein. Os ingleses nada fizeram para socorrer seu antigo aliado Hussein, Sozinho, Hussein foi derrotado pelos sauditas e teve que abandonar a sua terra.

Ibn Saud, depois de derrotar Hussein, unificou grande parte da península arábica sob o seu governo. Ibn Saud então renomeou seu reino, criando o moderno estado da Arábia Saudita. 

PRÊMIO DE CONSOLAÇÃO:

Hussein ajudou os ingleses a derrotar o Império Otomano. Hussein foi traído pelos ingleses, que não o ajudaram na luta contra os sauditas. Os ingleses ainda não entregaram o prometido Reino Árabe. 

Mas os ingleses deram dois prêmios de consolação a Hussein:

Faisal, um dos filhos de Hussein, foi premiado com o Reino do Iraque.

Abdullah, outro filho de Hussein, foi premiado com o Reino da Transjordânia (atual Jordânia)

Esses dois prêmios de consolação dados aos filhos de Hussein foram denominados de Solução Xarifiana.

"Como Secretário das Colônias, Winston Churchill, explicou à Câmara dos Comuns em junho de 1921: 'Estamos cada vez mais inclinados para o que eu chamaria de solução xarifiana, tanto na Mesopotâmia, para onde se encaminha agora o emir Faisal, como para a Transjordânia sob o atual comando do emir Abdullah.' Ao pôr no trono dos mandatos britânicos os filhos de Hussein, Churchill esperava de alguma forma redimir as promessas quebradas da Grã-Bretanha aos hachemitas, ao mesmo tempo que assegurava ao Reino Unido governantes leais e dependentes em suas possessões árabes." (página 262/263)

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "OS ÁRABES, UMA HISTÓRIA" EUGENE ROGAN, EDITORA ZAHAR



terça-feira, 28 de setembro de 2021

Clientelismo Patronato no Império Romano





CLIENTELISMO NO IMPÉRIO ROMANO

> PATRONATO

Quem tem padrinho não morre pagão. Essa máxima se aplicava ao dia a dia do Império Romano. 

Em Roma, quem tinha poder tinha uma rede de clientes, na qual podia buscar ajuda. Essas redes clientelares significavam que alguém tinha boas conexões eclesiásticas ou governamentais. Em Roma, você não podia ser bem sucedido sem um padrinho, sem um patrono. 

"Sinésio, bispo de Ptolemais, na Cirenaica (atual leste da Líbia), entre 411 e 413, enfrentou um governador brutal, Andronikos, na sua chegada como bispo. Andronikos, como reclama Sinésio em suas cartas, era particularmente violento com os senadores, causando a morte de um deles por supostas infrações fiscais. Sinésio conseguiu que ele fosse demitido, o que mostra que somente um bispo determinado e com boas conexões em Constantinopla poderia confrontar o abuso de poder - ou então que um oficial local, fosse ele bom ou mau, poderia não sobreviver a um ataque frontal de um determinado oponente político com suas próprias redes clientelares, eclesiásticas ou governamentais." (página 62)

Na administração civil era necessário ter dinheiro para buscar nomeações e para manter uma rede de patronato. O suborno era algo comum.

"No exército acontecia a mesma coisa; embora ele fosse mais aberto ao mérito, todos os generais de sucesso tornaram-se ricos." (página 70)


ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "O LEGADO DE ROMA, ILUMINANDO A IDADE DAS TREVAS, 400-1000", CHRIS WICKHAM, EDITORA UNICAMP

sábado, 25 de setembro de 2021

Os Vizinhos do Mundo Romano



OS OUTROS:

O mundo romano tinha seus vizinhos. Eram então os "outros". Esses outros despertavam nos romanos sentimentos de incompreensão e de desprezo. Esses "outros" podiam receber o nome de 'barbari", os bárbaros. 

VIZINHO DO LESTE:

A leste havia a Pérsia, então governada pela dinastia Sassânida (220/640 d.C). 

"O estado persa era quase tão grande quanto o Império Romano, estendendo-se a leste para a Ásia Central e para o atual Afeganistão; (...) manteve-se unido por um complexo sistema fiscal, apesar de ter tido uma poderosa aristocracia militar também, ao contrário de Roma." (página 86)

"A Pérsia era uma ameaça contínua, porém estável: as guerras aconteciam apenas nas fronteiras, no máximo estendiam-se até a Síria, pelos 250 anos entre a desastrosa invasão de Juliano ao território que hoje é o Iraque (então o coração econômico e político da Pérsia), em 363, e a temporária conquista persa do Oriente romano, em 614-628, que culminou no cerco de Constantinopla, em 626." (página 86)

A maior parte dos persas adotava o zoroastrismo. Havia ainda minorias cristãs e judaicas. 

"O Zoroastrismo certamente contribuiu para a 'estranheza' persa aos olhos romano; por exemplo, seus sacerdotes, chamados 'magoi', em grego, ou 'magi', em latim, deram seu nome à mágica em ambas as línguas, mesmo que a religião zoroastriana favorecesse uma teologia abstrata e rituais públicos, como fazia o cristianismo." (página 87)

VIZINHOS DO SUL:

Na África os romanos tinham que lidar com os Berberes, que constituíam tribos nômades e seminômades do Saara e de suas margens. 

"...por muito tempo essas (tribos berberes) não foram levadas a sério como ameaças militares, porém tais grupos estavam ganhando em coerência social e militar, em grande parte como resultado da influência romana." (página 87)

VIZINHOS NA BRITÂNIA:

A Britânia corresponde hoje à Inglaterra, Escócia, Irlanda e Irlanda do Norte. Nos tempos romanos, os vizinhos da Britânia romana eram os Pictos a norte e os irlandeses a oeste. 

VIZINHOS DAS FRONTEIRAS DOS RIOS DANÚBIO E RENO:

Francos, Frísios, Saxões, Godos, Alamanos, Longobardos, Lombardos, Quados e muitos mais. 

"A longa fronteira do Reno e do Danúbio voltava-se para comunidades tribais, em sua maioria falantes de línguas germânicas, que os historiadores, desde Tácito, no século I, tinham visto como um bloco, os 'germani', apesar de não haver qualquer evidência de que essas pessoas reconhecessem algum vínculo comum. Os principais grupos ao longo da fronteira eram, por volta do século IV, os francos, no Baixo Reno, os alamanos, no centro e no Baixo Reno, e os godos, no Baixo Danúbio e no noroeste das estepes do que é hoje a Ucrânia. Mais para trás estavam os frísios, na moderna Holanda, os saxões, ao norte da moderna Alemanha, os vândalos e longobardos e lombardos , a leste. Esses eram os principais grupos, porém havia dúzias de outros. Os quados, que se localizavam no que são agora a Eslováquia e a Hungria, são dignos de menção, talvez apenas porque, depois de travarem uma pequena guerra contra Valentiniano I, em 374/375, reuniram-se com o imperador e argumentaram (corretamente, de fato) que seus próprios ataques eram uma justificada e, em grande parte, defensiva resposta à agressão romana: isso foi visto por Valentiniano como algo tão insolente que ele teve um ataque apoplético e morreu." (página 88/87)

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "O LEGADO DE ROMA, ILUMINANDO A IDADE DAS TREVAS, 400-1000", CHRIS WICKHAM, EDITORA UNICAMP.



terça-feira, 21 de setembro de 2021

Idade Média Séculos XI XII Desagregação do Poder Político



CARACTERÍSTICA GERAL DA IDADE MÉDIA NOS SÉCULOS XI E XII:

"Os poderes políticos tornaram-se mais locais e mais cuidadosamente delimitados." (página 187)

Os poderes políticos (de maior escala) centralizados no Império Romano do Ocidente e do Império Carolíngio deram lugar, nos séculos XI e XII, a uma estrutura celular de poder, representada por senhores locais (entidades políticas baseadas nos senhorios, de escala mais reduzida e personalizada).

Além de ser uma entidade política mais reduzida, ela dependia de relações pessoais. Eras as relações pessoais entre seu senhor e seu vassalo. 

"Estamos, pois, perante uma estrutura política dependente de relações pessoais." (página 160)

Nessa época, só havia dois estados europeus com sistemas políticos de maior escala: O Império Bizantino, no sudeste europeu e, no sudoeste europeu, o estado Al Andalus. 

Havia ainda a Inglaterra e o Reino de Castela, nos quais o rei sempre conseguiu manter em suas mãos uma quantidade considerável de poder. Na Inglaterra, por exemplo, os senhores locais, em seus castelos, não tinham poder suficiente que os habilitasse a prescindir do poder real, pois ele era de tal ordem que, brigar com ele seria uma opção perdedora. Assim, o estado inglês organizava-se em torno de seu rei. 

DESAGREGAÇÃO DOS PODERES POLÍTICOS NOS SÉCULOS XI E XII:

A desagregação do poder político foi um efeito, cuja causa residia nas políticas fundiárias num mundo no qual o Estado não era separadamente sustentado por uma política tributária. 

FRANÇA, EXEMPLO DE DESAGREGAÇÃO DO PODER POLÍTICO:

Na França dos séculos XI e XII o poder era descentralizado. O rei francês dominava um território que abrangia Paris, estendendo-se então 120 km até Orleães, no rio Loire. O resto do território era dividido entre vários senhores (duques, condes).

Nos séculos XI e XII o rei francês não era visto como a figura de mais destaque em seu próprio reino. 

O RETORNO DA CONCENTRAÇÃO DO PODER NAS MÃOS DO MONARCA:

A descentralização do poder visto nos séculos XI e XII seria revertida nos séculos seguintes, com uma reconstrução de reinos poderosos.

"Porém, quando este poder foi reconstruído por esses governantes, e outros, baseou-se nesta estrutura celular de poderes de fato e não - ou em apenas pequena escala - nas práticas e ideologias reais do passado. O mundo público que os Carolíngios e Otonianos herdaram do Império Romano tinha desaparecido por quase toda a Europa e foi necessário reconstruí-lo em outros moldes." (página 183)

Governantes mencionados acima:

Filipe II da França (1200-1210 século XIII)

Rogério II da Sicília ( 1120 1140)

Henrique II da Inglaterra

Frederico Barba Ruiva na Alemanha, com menos sucesso

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "EUROPA MEDIEVAL", DE Chris Wickham, Editora Edições 70

https://www.almedina.com.br/produto/europa-medieval-8094

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Não Chore Agora Você é Minha Esposa Rapto de Esposas Quirguistão



UM HOMEM ABORDA UMA MULHER E LHE DIZ:

Em algum lugar do Quirguistão, uma ex-república soviética, localizada na Ásia Central, um homem aborda uma mulher, com a qual nunca teve nenhum relacionamento, e lhe diz: 

"Não chore, agora você é minha esposa"

São com essas palavras que geralmente começa o sequestro de uma mulher no Quirguistão. 

Feito o sequestro, o sequestrador e provável futuro marido da sequestrada a leva para um local previamente acertado. Ali, geralmente a família de ambos, do sequestrador e da sequestrada, estão esperando por eles. 

Quando a mulher sequestrada chega ao local uma cerimônia é realizada, consistente na colocação de um xale branco em sua cabeça. Se a sequestrada aceitar o xale branco, é o sinal de que ele anuiu ao casamento.

Em alguns casos, o sequestro é tão bem planejado que o sequestrador e a sequestrada são recebidos com uma festa, na qual, por vezes, a própria família da mulher sequestrada se faz presente, anuindo a tudo. 

AGARRE E CORRA:

No Quirguistão o sequestro de esposas é chamado de Ala Kuchuu, que significa "Agarre e Corra". 

Agarre a mulher que lhe interessa para ser sua esposa e corra com ela.

"As pessoas acham que esse costume (sequestro de esposas) é mencionado no Manas (poema épico quirguiz), um mal-entendido que se espalhou porque quase ninguém leu o poema de cabo a rabo. O Ala Kuchuu nem é mencionado no Manas. No passado, as mulheres eram raptadas durante a guerra, ou quando os dois noivos queriam fugir dos pais que se opunham ao casamento, ou quando o noivo não queria pagar o kalym, o dote nupcial." (página 346)

No Quirguistão, 1/3 dos casamentos são originados por meio desses sequestros. 

"Anteriormente, os sequestradores podiam ser multados em cerca de 100 mil somes, algo em torno de 1.300 dólares, e arriscavam pegar 3 anos de reclusão. A pena era mais severa para que roubava uma ovelha." (página 346)

A punição passou a ser de 7 anos de prisão incondicional, mas o risco de algum sequestrador de noivas ser punido é mínimo. Um em cada 1500 homens é condenado pelo sequestro de uma mulher para se casar com ela. 

POR QUE UMA MULHER ACEITA SE CASAR COM O SEU SEQUESTRADOR?

Geralmente, uma mulher sequestrada aceita se casar com o seu sequestrador por pressão da própria família. 

"As mulheres mais velhas fazem pressão psicológica: << Nós também fomos raptadas, choramos mas tivemos filhos e esquecemos de tudo. Olhe para nós agora. Temos filhos e moramos numa bela casa>>"(página 347)

Essas mulheres mais velhas são da família do sequestrador e podem ser até da família da sequestrada.

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "SOVIETISTÃO, UMA HISTÓRIA DO CAZAQUISTÃO, DO TADJIQUISTÃO, DO USBEQUISTÃO, DO QUIRGUISTÃO E DO TURCOMENISTÃO", ERICA FATLAND, EDITORA ÂYINÉ

domingo, 5 de setembro de 2021

A desunião da Umma A Comunidade Muçulmana Xiitas Sunitas Abássidas Omíadas


 

ISLÃ:

"Islam" = Islã, o nome da religião.  Ato de Submissão

"Muslim" = Muçulmano = É aquele que se submente à vontade de Deus (Allah)

"Muhammad" (Maomé) = Profeta, legislador, árbitro e líder espiritual e comandante militar. Muhammad foi o mensageiro de Deus, por meio do anjo Gabriel.

Profeta: É o mensageiro de Deus. É o homem ao qual Deus havia falado. Maomé, na visão da religião islâmica, foi o último profeta. Houve outros, como Jesus, Jó, Abraão, Noé, Jonas. 

Alcorão: Registro das mensagens de Deus via anjo Gabriel a Muhammad (Maomé). 

"Umma" = Comunidade Muçulmana.

Califa = Khalifat Rasul Allah = Sucessor do Mensageiro de Deus. 

Caaba: Abraão e seu filho Ismael encontraram a pedra negra e erigiram a Caaba em torno dela.

UMMA:

A Umma é a comunidade muçulmana criada por Muhammad (Maomé), o profeta que viveu no século VII d.C. Por meio de um anjo, o islã foi revelado a Muhammad. 

Sob o lema de que não existe deus algum além de Allah e que Muhammad é o seu mensageiro, o Islã foi criado, reunindo-se em torno dele um grupo de devotos, que formou uma comunidade, a qual foi denominada Umma.

No início, essa comunidade foi coesa. Maomé, na cidade de Meca, no Hijaz, oeste da atual Arábia Saudita, reuniu em torno de si um grupo de seguidores, que vinham de diversas tribos árabes. Maomé e seu grupo sofreram perseguição por parte dos pagãos árabes, que originalmente eram politeístas e tinham na Caaba, um ponto de peregrinação, na qual veneravam seus inúmeros deuses. 

Em 622, o ano inaugural do calendário muçulmano, Maomé e seus seguidores partiram de Meca e foram para a cidade de Medina, localizada no oeste da península arábica. Esse evento passaria para a história com o nome de Hijira (Hijra)

Nos anos que se seguiram, Maomé e o seu islã conquistaram a cidade de Meca e tribos árabes espalhadas pela península arábica. O território dominado pelo Islã abrangia o Hijaz, algumas outras tribos árabes espalhadas pela península arábica. Nessa época, com Maomé no comando da Umma, não havia dissidências. Mas tão logo Maomé morreu, no ano de 632 (século VII), a comunidade muçulmana criada por ele, a Umma, passou a apresentar dissidências. 

O primeiro problema a ser resolvido consistia em achar um substituto para Maomé. A escolha recaiu sobre seu amigo Abu Bakr. Abu Bakr não seria um novo profeta, mas seria um Califa, o sucessor do Profeta. Tão logo assumir a posição de califa, Abu Bakr  precisou agir rapidamente para impedir que a Umma se desintegrasse. De fato, com a morte de Maomé, vários tribos árabes não se viram mais obrigadas a pagar o tributo que viabilizava a existência de uma comunidade muçulmana. Abu Bakr teve que ir à guerra para demovê-las disso. Mas não foi só o medo de uma retaliação que manteve as tribos árabes unidas em torno da Umma. Abu Bakr ofereceu a elas a chance de enriquecimento, por meio de guerras contra os Impérios Sassânida (Pérsia) e Bizantino. Essas guerras resultavam em grandes pilhagens que, depois que 1/5 delas era reservado para a Umma, o restante era distribuído entre os guerreiros das tribos árabes que delas participavam.

Abu Bukr morreu em 634. No lugar dele assumiu Umar (634/644). Após Umar, assumiu o califado um membro do clã Omíada, Uthmann (644/656).

XIITAS VERSUS SUNITAS:

1) ALI, O PRIMEIRO MÁRTIR:

Com a morte de Uthmann, Ali, o primo e genro de Muhammad, assumiu o califado. Ali era filho de Abu Talib, tio e protetor de Muhammad. Ali foi a primeira pessoa que Muhammad conseguiu converter ao islamismo. Muhammad era órfão e foi criado pelo seu tio Abu Talib, que o protegeu dos pagãos de Meca enquanto seu sobrinho defendia o islamismo. Ali casou-se com Fátima, a filha de Muhammad. 

Ali daria início a uma nova divisão na Umma, entre xiitas e sunitas. 

Sunitas basicamente são os muçulmanos que reconhecem como legítimos os califas Abu Bukr, Umar e Uthmann. Também iriam reconhecer como legítimos os califados Omíada e Abássida. 

Os xiitas (O partido de Ali - Shi'at Ali), por sua vez, só reconheciam como um legítimo governante da Umma islâmica a pessoa que fosse descendente de Muhammad (Maomé). E o único descendente de Maomé que havia era Ali, que era seu primo e genro. E havia ainda os filhos de Ali, Hasan e Husayn.

Ali, como dissemos, foi feito califa. Mas seu califado foi tumultuado. Teve que enfrentar a oposição de Aisha, a ex-esposa de Muhammad e de dois aliados deste, naquilo que fico conhecida como a Batalha do Camelo, o primeiro confronto no qual dois exércitos muçulmanos se enfrentaram. Ali saiu vitorioso dessa batalha, mas acabaria enfrentando uma outra rebelião, comandada por Mu'awiya, que era governador da Síria. Em meio à rebelião, Ali acabaria sendo assassinado em 661, daí ter passado para a história como mártir. Mu'awiya então assumiu o califado e, por ser da tribo Omíada, seu período e dos seus sucessores passaria a ser denominado como Califado Omíada, com sua capital na cidade de Damasco.  

2) HUSAYN, O SEGUNDO MÁRTIR:

Os xiitas voltaram à carga com Husayn, o filho de Ali. Em 680, Husayn e seus 72 guerreiros, na cidade de Carbala, atual Iraque, enfrentaram 10 mil soldados do califado Omíada. O resultado foi a morte de Husayn, que passou para a história como o segundo mártir.

Husayn e Ali passariam para a história como os martirizados e seus partidários passariam para a história como xiitas, o Partido de Ali, contrapondo-se aos sunitas.

ABÁSSIDAS VERSUS OMÍADAS:

O califado Omíada levaria o islã para a Península Ibérica (atuais Portugal e Espanha) e para além do rio Oxus (Amu Daria), na Ásia Central. Mas esse sucesso não fez com que o califado Omíada fosse aceito por todos os muçulmanos. O califado Omíada acabaria por ser derrubado e, no seu lugar, surgiria o Califado Abássida. 

O líder dos Abássidas era Abbas, que dizia descender de um tio de Maomé. Com os Abássidas, o centro do poder islâmico passou de Damasco para Bagdá, no Iraque. 

Mas nem o califado Abássida conseguiria fazer da Umma um todo coeso. O império islâmico era extenso e os califas abássidas não davam conta de torná-lo uniforme e unido. Governadores nomeados para áreas distantes descolavam-se de Bagdá e criavam eles próprios estados independentes. Um governador nomeado no ano 800 para Túnis, na atual Tunísia, fundou sua própria dinastia, a Aglábida. 

UMMA DESUNIDA:

A Umma, a Comunidade Muçulmana, começou como algo coeso, formado apenas pelas tribos árabes que habitavam a península arábica. Com a expansão do século VII, a Umma passou a conter diversos membros de diversas etnias, culturas, religiões, etc. Foram incluídos na Umma os persas, os turcos, os habitantes da península ibérica, os berberes do norte da África, etc. Essa miríade de povos e a extensão do império islâmico, que abarcava o norte da África, a península ibérica, o oriente médio e a Ásia Central, tornou impossível manter a Umma unida sob um só poder. Enfim, apesar de todos esses povos testemunharem que não há deus algum além de Allah e que Muhammad (Maomé) é o seu mensageiro, eles nunca conseguiram se unir de forma a criar um todo coeso, que buscasse andar numa só direção, sob um só comando. 

E foi sempre assim. Durante a Primeira Guerra Mundial, quando o Império Otomano levantou a bandeira da Guerra Santa contra ingleses e franceses, obteve pouco ou nenhum sucesso. As tribos árabes acabaram se unindo com os cristãos ingleses na luta contra o sultão muçulmano líder do Império Otomano.

E mais recentemente, quando Saddam Hussein apelou para uma guerra santa contra os ocidentais, nos anos de 1991 e 2003, igualmente não obteve êxito, vendo-se sozinho na luta contra americanos, ingleses, etc. Os muçulmanos da Síria, da Arábia, do Egito, da Jordânia não vieram em seu socorro, pelo contrário, alguns desses países forneceram bases militares para os exércitos dos EUA. 

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "UMA HISTÓRIA CONCISA DO ORIENTE MÉDIO", DE ARTHUR GOLDSCHMIDT JR, E IBRAHIM AL-MARASHI, EDITORA VOZES



quinta-feira, 26 de agosto de 2021

A Ideologia por trás das Guerras do Afeganistão e do Iraque






POLÍTICAS DE CONTENÇÃO E DE INTERVENÇÃO:

Até o fim da Guerra Fria, no final dos anos 80 do século XX, os EUA praticavam a política da contenção. Contenção significava, na medida do possível, evitar interferir militarmente para ter influência na política interna de outros países.

Com o fim da Guerra Fria, com o fim do fantasma do império soviético. os EUA, como a única potência sobrevivente, passaram a se arvorar como a polícia do mundo, construtores e propagadores das democracias liberais de mercado pelo mundo. Os EUA passaram a se ver como construtores de nações democráticas que fossem soberanas, estáveis e autossuficientes, verdadeiros baluartes da democracia e da economia liberal.

"...a estratégia de contenção da Guerra Fria seria substituída por uma estratégia de transformação messiânica mundial gerida num espírito do que Norman Podhoretz (um neoconservador destacado) descreveu como <<incandescente de clareza moral>>..." (página 24)

Essa ideologia messiânica foi abraçada por pensadores que foram rotulados como os neoconservadores. De acordo com esses neoconservadores, os EUA seriam, a partir de agora, atores que, atuando no mundo, iriam criar sua própria realidade, levando seus valores e instituição para outras partes do mundo.

NEOCONSERVADORES:

Grupo de pensadores que não tinha ficado satisfeito com o fim do comunismo, com o fim da URSS em dezembro de 1991, tampouco com a abordagem mercantilista à China comunista, antes e depois do Massacre da Paz Celestial, em 1989.
Os neoconservadores também atacam qualquer política de apaziguamento. Segundo eles, qualquer ação de apaziguamento deveria sempre ser vista como <<outra Munique>>, em referência ao acordo de Hitler com a Grã-Bretanha e com a França, em 1938, que resultou na destruição da Tchecoslováquia. Os neoconservadores, ainda nessa linha, buscavam comparar, por exemplo, figuras como Saddam Hussein, com Hitler, de forma a demonizá-lo, a ponto de inviabilizar por completo qualquer tentativa de se buscar uma solução diplomática e pacífica de crises. E foi justamente esse comportamento intransigente dos neoconservadores que levou à guerra contra o Iraque, em 2003. 

"A diplomacia torna-se <<apaziguamento>> ou <<outra Munique>>, como se o mundo estivesse parado em 1938." (página 21)

Os neoconservadores, como dito acima, defendem  uma estratégia de transformação messiânica mundial, por meio do uso benigno do poder militar dos EUA, de forma a transformar tiranias, como era o Iraque de Saddam Hussein, numa democracia liberal. 
Mas os neoconservadores, no início dos anos 90 do século XX, não estavam sozinhos nessa cruzada, pois com o fim da União da Repúblicas Socialistas Soviéticas, em dezembro de 1991, todos os grupos políticos passaram a defender o alargamento das democracias no mundo. 

"Quer quisessem quer não, outras sociedades seriam transformadas desde que se conseguisse descobrir um grupo local, mesmo que pequeno, para apoiar essa transformação, normalmente exilados sem grandes contatos com o país natal." (página 25)

Esse messianismo pretendia então levar os valores ocidentais da democracia e dos direitos universais para locais como Somália, Balcãs (conflito entre a Sérvia e a Bósnia, depois Kosovo), Iraque, Afeganistão, etc.

O governo de Bill Clinton, de 1993 a 2000 interviu na Somália e nos conflitos nos Balcãs (desintegração da Iugoslávia). Mas nada fez durante o genocídio em Ruanda, em 1994. Os neoconservadores rotularam Bill Clinton como <<meio imperialista>> (página 24). Já George H.W. Bush, o sucessor de Ronald Reagan na Casa Branca, foi criticado pelos neoconservadores, por não ter acabado de vez com Saddam Hussein, quando teve a chance, durante o conflito de 1991 (Operação Tempestade no Deserto - Primeira Guerra do Iraque). 

A GRANDE OPORTUNIDADE PARA SE COLOCAR EM PRÁTICA A IDEOLOGIA DOS NEOCONSERVADORES:

A oportunidade para os neoconservadores surgiu com os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Nesse dia, terroristas da Alcaida (Al Qaeda) organizaram um ataque terrorista aos EUA, usando aviões comerciais como mísseis, atacando a cidade de Nova York e o Pentágono, em Washington. Esse ataque foi a melhor coisa que poderia ter acontecido para os neoconservadores. 
O presidente americano na época dos ataques terroristas era George W. Bush, eleito no ano de 2000.

"...novo presidente que prometera ser humilde e contido no uso do poder americano e que não gostava dos papéis de polícia do mundo e construtor de nações teve que assumir o espírito do momento. Bush nunca foi um grande pensador e era intelectualmente preguiçoso. Isso deu grande margem de manobra a homens mais velhos à sua volta que lidavam com certezas de um modo mais convincente." (página 25)

Eram então os neoconservadores que passaram a influenciar as políticas de Bush. Assim, com o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 estava aberto o caminho para uma intervenção militar dos EUA. Criou-se a ideia do Eixo do Mal, que seria composto pelo Iraque, pelo Irã e pela Coreia do Norte. 

A primeira ação intervencionista americana foi no Afeganistão. Ali os americanos queriam expulsar o Talibã, que tinha dado abrigo à rede terrorista da Alcaida (Al Qaeda), a mentora e executora dos atentados de 11 de setembro. Mas o Afeganistão, era um alvo pequeno demais para os neoconservadores, que queriam ir além, incluindo em sua cruzada o Iraque de Saddam Hussein. 

Como pretextos a um ataque ao Iraque, o governo os americanos tentaram vincular Saddam Hussein aos ataques terroristas de 11 de setembro. Depois começaram com a história de que o regime iraquiano colocava a segurança do mundo em perigo, em razão de possuir armas de destruição em massa. Armas essas que nunca foram encontradas. E toda essa narrativa vinha sempre dourada pela pílula da liberdade. Era sempre a ideia de que os EUA estavam intervindo para levar seus valores democráticos a outras partes do mundo, transformando tiranias em democracias estáveis. 

No fim dessas aventuras, os americanos se mostraram eficientes no campo de batalha, no qual derrotaram seus inimigos. De início, no Afeganistão, o Talibã foi contido e, no Iraque, a tirania de Saddam Hussein foi derrubada. Saddam Hussein, capturado pelos americanos, foi enforcado em 2006.

Por outro lado, os americanos não foram eficazes na construção de nações democráticas. Tanto Afeganistão quanto o Iraque afundaram em conflitos internos. O Iraque, um país artificial criado pela Grã-Bretanha, depois da Primeira Guerra Mundial, a partir de três províncias do antigo Império Otomano, nunca conseguiu ser uma nação verdadeiramente democrática, com valores ocidentais. A divisão interna, entre curdos, muçulmanos xiitas e sunitas, perdura até hoje. O Iraque continua sendo um país instável. E para piorar ainda mais as coisas, a intervenção americana no Iraque resultou na criação de mais um grupo islâmico radical, o Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS). 

"Havia um abismo entre o ódio ao despotismo - simbolizado pela derrubada das estátuas de Saddam - e os recursos culturais mais profundos necessários para criar uma democracia funcional em qualquer lugar no Oriente Médio." (página 28)

No Afeganistão, os esforços americanos na construção de uma nação liberal e democrática também resultaram num retumbante fracasso. O Talibã, derrotado em 2001, voltou mais forte agora em 2021.

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "UMA HISTÓRIA DO PRESENTE, O MELHOR E O PIOR DOS MUNDOS", MICHAEL BURLEIGH, EDIÇÕES 70, PÁGINA 21/35


domingo, 22 de agosto de 2021

Uzbequistão Mar de Aral Rio Amu Daria Oxus Desastre Ambiental



RIO AMU DARIA - OXUS:

"Assim que deixamos Nukus deparamos com uma grande ponte. Só quando estávamos pelo meio da travessia foi que o rio apareceu sob nossos pés; uma faixa estreita e prateada de água quase estagnada. Isso é tudo que resta do Amu Daria (Amu Darya), chamado pelos gregos de Oxus, o Nilo da Ásia Central, a artéria de vida que pulsa no deserto. Semanas antes, eu estava sentada às margens do mesmo rio no vale do Wakhan, no Tadjiquistão, na fronteira com o Afeganistão. Ainda era um rio, largo e vivo. Desde Pamir, ele corre pelo Turcomenistão e, finalmente, pelo Uzbequistão, onde, através de uma rede de riachos menores, costumava desembocar no Mar de Aral. Os nativos ainda se referem ao Amu Daria com reverência, mas o rio hoje é uma pálida sombra do que foi no passado.  (página 425)

A cidade de Nukus, referida pela autora, é a capital do Caracalpaquistão, no oeste do Uzbequistão, localizada no meio do deserto. 

Os habitantes originais do Caracalpaquistão são chamados de Caracalpaque, que significa "chapéu preto". O seu idioma lembra mais o dos habitantes do Cazaquistão (cazaque) do que o uzbeque. 

Vivendo no deserto, os Caracalpaques dependiam do Rio Amu Daria. Uma das fontes do Rio Amu Daria é o Panj (Piandj), que serve de fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão. Foi exatamente esse rio, o Panj, que delimitou a expansão do Império Russo na Ásia Central. Os russos não passariam das terras que hoje compõem o Tadjiquistão. Do outro lado da fronteira fica o Afeganistão, que a URSS tentou invadir no início da década de 80 do século XX, sem sucesso.  

O Rio Amu Daria então, recebendo as águas do Panj na região do Pamir, corre para o oeste, atravessando desertos, na direção do Mar de Aral. Pelo menos era assim no passado, pois hoje o rio Amu Daria não alcança mais o leito do Mar de Aral, morrendo antes nas areias do deserto.

"O Amu Daria não deságua mais num lago, mas vai se esvaindo aos poucos, cada vez mais estreito e sem vida, para desaparecer na areia." (página 425)

O DESASTRE AMBIENTAL:

Em meados do século XX, as autoridades soviéticas, sediadas em Moscou, resolveram transformar o deserto da Ásia Central no maior produtor de algodão do mundo. Para tanto, os soviéticos passaram a usar as águas do Amu Daria (Amu Darya) nesse colossal empreendimento.

"Havia muito que os comunistas sonhavam em transformar as extensas áreas desérticas em lavouras de algodão, e, sob Leonid Brezhnev, (...) esse processo foi acelerado. Milhares de quilômetros de canais foram construídos com a ajuda de tratores, escavadeiras e trabalho braçal." (página 427)

"A natureza deveria obedecer aos comunistas e não o contrário. Na década de 1950, os primeiros tratores e escavadeiras começaram as obras às margens do Amu Daria. Ao mesmo tempo, milhares de pessoas receberam ordens de cavar, cada uma munida da própria pá. Na nova ordem mundial, essas pessoas já não viviam para si e para suas famílias; a partir de agora, viveriam para o partido, para a sociedade, extensão da família. Elas foram obrigadas a dedicar a vida e, não menos importante, a força de trabalho para ajudar a construir o império socialista." (página 426)

O resultado da exploração do Amu Daria e de outros rios da região foi o recuo do Mar de Aral. Imagens de satélite mostraram como o Mar de Aral, que era o quarto maior lado do mundo, acabou minguando até se dividir em dois. A sua parte sul, no Uzbequistão, viu suas águas recuarem de forma dramática. A cidade de Moynaq era a única cidade portuária do Uzbequistão. Moynaq vivia da pesca e do seu processamento. Atualmente, o que sobrou do Mar de Aral está a 200 quilômetros de distância. 

"Demarcando os dias de glória de outrora, uma placa com o desenho de um grande peixe azul ainda dá as boas-vindas aos visitantes de Moynaq. Até a década de 70, Moynaq, que fica a três horas de estrada de Nukus, era a única cidade portuária do Uzbequistão e dispunha de praias, ondas e de uma frota pesqueira ativa. Agora, o mar está a 200 quilômetros de distância." (página 429)

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "SOVIETISTÃO", A HISTÓRIA DO CAZAQUISTÃO, DO UZBEQUISTÃO, DO QUIRGUISTÃO, DO TADJIQUISTÃO E DO TURCOMENISTÃO, DE ERIKA FATLAND, EDITORA ÂYINÉ

domingo, 15 de agosto de 2021

Afeganistão O Estado-tampão entre os Impérios Russo e Britânico Século XIX



VIAJANDO PARA A FRONTEIRA COM O AFEGANISTÃO:

Partindo da capitão do Tadjiquistão (ex-república soviética), Duchambe, o helicóptero nos levará à cidade de Khorog, a capital regional do Pamir, ainda no Tadjiquistão. O Pamir é a  região conhecida como o Teto do Mundo.

Voando a 4.200 metros de altitude numa área cujas montanhas atingem a marca de 5 mil metros de altitude, o helicóptero voará por entre os picos e não acima deles.

"As montanhas se tornavam cada vez mais íngremes e pontiagudas, e não havia nenhuma construção feita pelo homem à vista, apenas as escarpas marrons e os picos nevados da Cordilheira." (página 288)

De Khorog partimos para o sul, para a cidade de Ishkashim, localizada no extremo sul do Tadjiquistão, na fronteira com o Afeganistão. Somente um rio, de águas rasas e correnteza forte, o Panj (Piandj), separa o Tadjiquistão do Afeganistão.

"A fronteira entre o Tadjiquistão e o Afeganistão é permeável como uma peneira: toneladas de cigarros e ópio são contrabandeados através do rio todos os anos, e depois transportados pelo Quirguistão e Cazaquistão para a Rússia e possivelmente para a Europa." (página 291)

Essa fronteira entre o Tadjiquistão e o Afeganistão foi estabelecida no final do século XIX, em meio à disputa entre dois impérios: o russo e o britânico. Essa disputa foi denominada "O Grande Jogo".

O GRANDE JOGO:

Aquilo que ficou conhecido como "O Grande Jogo" constituiu na disputa entre os Impérios Russo e Britânico pelo controle da Ásia Central. Quem viesse a controlar essa área iria ter a chave para a Índia britânica, então constituída pelo atual Paquistão, pela atual Índia e pelo atual Bangladesh. O termo "O Grande Jogo" foi usado pela primeira vez pelo tenente britânico Arthur Conolly. 

A primeira tentativa russa de penetrar na Ásia Central ocorreu ainda no século XVIII, na época do Czar Pedro, o Grande. Essa primeira expedição militar mirou o Canato de Khiva, localizado ao sul do Mar de Aral e atravessado pelo rio Amu-Daria. Essa primeira iniciativa russa resultou num tremendo fracasso. 

A segunda investida russa na Ásia Central só voltaria a acontecer no ano de 1839, Sob o pretexto de libertar russos aprisionados no Canato de Khiva, para lá se dirigiu um exército composto por 5.200 homens e 20 mil camelos. Mais uma vez os russos fracassaram. A travessia do Deserto de Karakum, somado a um inverno rigoroso, acarretou o fracasso da expedição antes mesmo de ser disparado um tiro. 

Os ingleses, por sua vez, acompanhavam essas ações russas com agonia crescente, pois temiam que um sucesso do Império Russo na Ásia Central o fizesse se aproximar ainda mais da Índia britânica.

A AVENTURA BRITÂNICA NO AFEGANISTÃO:

Em meio a sua disputa com os russos pelo controle da Ásia Central, os britânicos tentaram instalar um governo amigo em Cabul, no Afeganistão. Tudo começou no ano de 1838, quando chegaram aos britânicos rumores de uma aproximação entre a Rússia e o governo do Afeganistão, sob o comando do Emir Dost Mohammad Khan. Os ingleses temiam que a Rússia usasse o território do Afeganistão como passagem numa invasão da Índia, de forma que era inadmissível qualquer influência russa naquele território. Então, em dezembro de 1838, mais de 20 mil soldados britânicos e indianos marcharam para Cabul. Ao chegarem lá, Dost Mohammad Khan se viu forçado a fugir. Em seu lugar assumiu Shah Shojah, um aliado dos britânicos.

Na sequência, tudo correu mal para o britânicos. Shojah era um líder fraco e a presença dos britânicos em Cabul irritava os afegãos. Em dezembro de 1841 distúrbios eclodiram em Cabul e os britânicos e seus aliados tiveram que bater em retirada. No caminho para Jalalabad, cidade na qual ficava uma fortaleza britânica, os ingleses e seus aliados foram emboscados por tropas afegãs. O resultado foi desastroso para os britânicos. Quem não morreu acabou virando prisioneiro. A aventura britânica no Afeganistão chegava ao fim. Shah Shojah foi morto e Dost Mohammad reassumiu o poder em Cabul. 

Após os fracassos britânico e russo na Ásia Central, houve um período de trégua. 

A RETOMADA DO IMPÉRIO RUSSO NO CAMINHO DA ÁSIA CENTRAL:

Em 1865 a Rússia voltou a acelerar no caminho da Ásia Central. Ainda em 1865, a Rússia anexou a cidade de Tashkent, atualmente situada no moderno Estado do Usbequistão. 

"Na ocasião, Tashkent contava com cem mil habitantes e era a cidade mais rica da Ásia Central, resultado da combinação dos territórios férteis com o comércio próspero que surgiu depois que os russos conquistaram o Cazaquistão, no século XVIII." (página 301)

Em 1868, Samarcanda, uma outra grande cidade da Ásia Central, localizada atualmente no Usbequistão, também caiu em mãos russas. Com ela, também caiu o Emirado de Bukhara. Em 1873, foi a vez do Canato de Khiva cair sob o domínio russo. Em 1876 foi a vez do Canato de Kokand ser dissolvido e anexado ao Turquestão russo. A partir de 1879 os russos investiram contra a fortaleza turcomana de Geok Depe e contra a cidade de Merv, ambos situadas no que hoje é o Turcomenistão. 

E os ingleses, como viam esse avanço russo na Ásia Central? 

"Os ingleses, que estoicamente assistiram aos russos conquistarem Canato após o outro, agora estavam preocupados. Merv estava estrategicamente entre Herat e Kandahar, no Afeganistão, e, portanto, muito próximo da Índia." (página 305)

O Afeganistão era visto pelos ingleses como um Estado-tampão, que impedia que o Império Russo se aproximasse da fronteira do Império Britânico, na Índia. 

O ESTABELECIMENTO DEFINITIVO DA FRONTEIRA DO AFEGANISTÃO:

Em 1887, russos e britânicos tentaram estabelecer um acordo sobre as fronteiras de seus impérios na Ásia. Um acordo foi firmado, mas ele logo foi violado pelos próprios russos que acabaram se expandindo para a região de Pamir, na fronteira do atual Tadjiquistão. 

Em 1895 russos e britânicos voltaram a se encontrar. A presença russa na região de Pamir era um fato consumado. Restou à Grã-Bretanha então elaborar um plano que pelo menos isolasse o Pamir russo da fronteira do Império Britânico, evitando assim uma coincidência entre as fronteiras dos dois impérios. 

Dessa forma, foi anexado ao Afeganistão a parte sul do Corredor de Wakham. O Corredor de Wakham era constituído por uma longa e estreita faixa de terra entre os atuais Tadjiquistão e o Paquistão. Lembre-se que o atual Paquistão, no final do século XIX, fazia parte da Índia britânica. 

Na direita da imagem, vê-se a exígua faixa de terra que separa o Tadjiquistão, uma ex-república soviética, que pertenceu também ao antigo Império Russo, do atual Paquistão, que no passado fez parte da Índia Britânica. Essa exígua faixa de terra, o Corredor Wakham, como assinalado no mapa, faz parte do território do Afeganistão. Esse arranjo, acordado entre os Impérios russo e britânico, no final do século XIX, perdura até hoje.


"Embora o lado afegão do Corredor de Wakham não tenha mais do que alguns quilômetros de largura em alguns trechos, o Afeganistão agora servia de Estado-tampão também entre o Pamir e a Índia, por menor que fosse a faixa de terra." (página 307)

Os russos conseguiram praticamente tudo o que queriam e saíram do jogo como a equipe vencedora. No início do século XIX, mais de dois mil quilômetros a Rússia da Índia britânica. Agora, no final do século XIX, em alguns trechos da fronteira essa diferença era de menos de 20 quilômetros. (página 308)

Assim então terminou o Grande Jogo entre os Impérios russo e britânico. A Ásia Central foi repartida entre eles, tendo o Afeganistão como Estado-tampão, impedindo que as fronteiras dos dois impérios se encontrassem. 

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "SOVIETISTÃO", UMA HISTÓRIA DO CAZAQUISTÃO, DO TURCOMENISTÃO, DO QUIRGUISTÃO, DO TADJIQUISTÃO E DO USBEQUISTÃO, EDITORA ÂYINÉ