segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Justiça


JUSTIÇA

O que a lei

não redime

é o crime

com defeito.


Se bem-feito

ou bonito,

o delito

talvez rime

com direito.


Se perfeito,

ora, o crime

é a lei.

Eugênio Bucci
Ilustríssima, Domingo, 21 de agosto de 2011, Folha de São Paulo, página 10.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Vida longa



"Hoje, eu vejo que uma das
gratificações de uma longa
vida é poder revisitá-la."


Roberto Damatta

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

As artérias da pedra



AS ARTÉRIAS DA PEDRA


A pedra não filosofa.

Ela bloqueia no seu bloco

de pedra o pensamento

e a sua corda.

A pedra não acorda as coisas

nem dá corda

para metafísicas plangentes.

No seu bloco bloqueado,

a pedra dispensa a ânima

e o ânimo do fluxo líquido

das correntes.

A pedra não corre.

Ela se estaca

e se adensa

no lugar em que se assenta.

Quieta,

a pedra é menos lição

e mais experiência.

Contra ela batem coisas,

batem ventos

e batem outras pedras

diversas.

Mas ela não se move

nem se dispersa

em sua imóvel

siesta.

Nem no sono de sua siesta,

a pedra regurgita por dentro

algum pétreo

som de estômago.

Ou algum flúor

indômito

de qualquer ânsia

de vômito.

A pedra não metaboliza

nem expulsa seus alimentos

nos íntimos arcanos

de seu templo.

Ela concentra nos intestinos

de sua natureza

a cúpula fechada

e a argamassa espessa

de sua igreja.

Isto porque a pedra

mais dorme

do que come.

E o sono dela não é nem sonso

nem elétrico.

Seu sono de pedra

não é o sono épico

ou lírico

de um homem que sonha leve

e aceso.

Bem ao inverso,

seu sono,

de chumbo eterno,

é um sonho paralítico

e paquidérmico.

Tanto que,

silêncio calmo,

as artérias da pedra

são átomos

que, dentro dela,

não se explodem,

compactos que são

em seus ásperos

conformes.

Pois esta é a ciência

de seu nome: - a pedra

não tem as artérias

das árvores,

nem as artérias de nosso corpo

plantado nas veias

de nossa carne.

Dessa ciência,

a diferença nasce,

magna e plena,

entre a pedra

(com o minério esquivo

do seu todo exposto)

e a nossa carne

(com o mistério vivo

no peso de nosso corpo).

Por isso,

a diferença da ciência

da pedra

está no confronto

pronto de suas artérias.

E a diferença é esta:

- As artérias da pedra

só se fixam no todo

dos seus átomos exangues

e impávidos.

Assim inerte,

a pedra inscreve

o império

de seu monólogo fechado.

- As artérias do corpo,

ao contrário,

só se movem na carne

do nosso sangue

e seus intrépidos coágulos.

Assim ativa,

a carne aviva

o espelho

de seu diálogo sangrado.
 
Autor:
Mario Chamie