quinta-feira, 26 de agosto de 2021

A Ideologia por trás das Guerras do Afeganistão e do Iraque






POLÍTICAS DE CONTENÇÃO E DE INTERVENÇÃO:

Até o fim da Guerra Fria, no final dos anos 80 do século XX, os EUA praticavam a política da contenção. Contenção significava, na medida do possível, evitar interferir militarmente para ter influência na política interna de outros países.

Com o fim da Guerra Fria, com o fim do fantasma do império soviético. os EUA, como a única potência sobrevivente, passaram a se arvorar como a polícia do mundo, construtores e propagadores das democracias liberais de mercado pelo mundo. Os EUA passaram a se ver como construtores de nações democráticas que fossem soberanas, estáveis e autossuficientes, verdadeiros baluartes da democracia e da economia liberal.

"...a estratégia de contenção da Guerra Fria seria substituída por uma estratégia de transformação messiânica mundial gerida num espírito do que Norman Podhoretz (um neoconservador destacado) descreveu como <<incandescente de clareza moral>>..." (página 24)

Essa ideologia messiânica foi abraçada por pensadores que foram rotulados como os neoconservadores. De acordo com esses neoconservadores, os EUA seriam, a partir de agora, atores que, atuando no mundo, iriam criar sua própria realidade, levando seus valores e instituição para outras partes do mundo.

NEOCONSERVADORES:

Grupo de pensadores que não tinha ficado satisfeito com o fim do comunismo, com o fim da URSS em dezembro de 1991, tampouco com a abordagem mercantilista à China comunista, antes e depois do Massacre da Paz Celestial, em 1989.
Os neoconservadores também atacam qualquer política de apaziguamento. Segundo eles, qualquer ação de apaziguamento deveria sempre ser vista como <<outra Munique>>, em referência ao acordo de Hitler com a Grã-Bretanha e com a França, em 1938, que resultou na destruição da Tchecoslováquia. Os neoconservadores, ainda nessa linha, buscavam comparar, por exemplo, figuras como Saddam Hussein, com Hitler, de forma a demonizá-lo, a ponto de inviabilizar por completo qualquer tentativa de se buscar uma solução diplomática e pacífica de crises. E foi justamente esse comportamento intransigente dos neoconservadores que levou à guerra contra o Iraque, em 2003. 

"A diplomacia torna-se <<apaziguamento>> ou <<outra Munique>>, como se o mundo estivesse parado em 1938." (página 21)

Os neoconservadores, como dito acima, defendem  uma estratégia de transformação messiânica mundial, por meio do uso benigno do poder militar dos EUA, de forma a transformar tiranias, como era o Iraque de Saddam Hussein, numa democracia liberal. 
Mas os neoconservadores, no início dos anos 90 do século XX, não estavam sozinhos nessa cruzada, pois com o fim da União da Repúblicas Socialistas Soviéticas, em dezembro de 1991, todos os grupos políticos passaram a defender o alargamento das democracias no mundo. 

"Quer quisessem quer não, outras sociedades seriam transformadas desde que se conseguisse descobrir um grupo local, mesmo que pequeno, para apoiar essa transformação, normalmente exilados sem grandes contatos com o país natal." (página 25)

Esse messianismo pretendia então levar os valores ocidentais da democracia e dos direitos universais para locais como Somália, Balcãs (conflito entre a Sérvia e a Bósnia, depois Kosovo), Iraque, Afeganistão, etc.

O governo de Bill Clinton, de 1993 a 2000 interviu na Somália e nos conflitos nos Balcãs (desintegração da Iugoslávia). Mas nada fez durante o genocídio em Ruanda, em 1994. Os neoconservadores rotularam Bill Clinton como <<meio imperialista>> (página 24). Já George H.W. Bush, o sucessor de Ronald Reagan na Casa Branca, foi criticado pelos neoconservadores, por não ter acabado de vez com Saddam Hussein, quando teve a chance, durante o conflito de 1991 (Operação Tempestade no Deserto - Primeira Guerra do Iraque). 

A GRANDE OPORTUNIDADE PARA SE COLOCAR EM PRÁTICA A IDEOLOGIA DOS NEOCONSERVADORES:

A oportunidade para os neoconservadores surgiu com os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Nesse dia, terroristas da Alcaida (Al Qaeda) organizaram um ataque terrorista aos EUA, usando aviões comerciais como mísseis, atacando a cidade de Nova York e o Pentágono, em Washington. Esse ataque foi a melhor coisa que poderia ter acontecido para os neoconservadores. 
O presidente americano na época dos ataques terroristas era George W. Bush, eleito no ano de 2000.

"...novo presidente que prometera ser humilde e contido no uso do poder americano e que não gostava dos papéis de polícia do mundo e construtor de nações teve que assumir o espírito do momento. Bush nunca foi um grande pensador e era intelectualmente preguiçoso. Isso deu grande margem de manobra a homens mais velhos à sua volta que lidavam com certezas de um modo mais convincente." (página 25)

Eram então os neoconservadores que passaram a influenciar as políticas de Bush. Assim, com o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 estava aberto o caminho para uma intervenção militar dos EUA. Criou-se a ideia do Eixo do Mal, que seria composto pelo Iraque, pelo Irã e pela Coreia do Norte. 

A primeira ação intervencionista americana foi no Afeganistão. Ali os americanos queriam expulsar o Talibã, que tinha dado abrigo à rede terrorista da Alcaida (Al Qaeda), a mentora e executora dos atentados de 11 de setembro. Mas o Afeganistão, era um alvo pequeno demais para os neoconservadores, que queriam ir além, incluindo em sua cruzada o Iraque de Saddam Hussein. 

Como pretextos a um ataque ao Iraque, o governo os americanos tentaram vincular Saddam Hussein aos ataques terroristas de 11 de setembro. Depois começaram com a história de que o regime iraquiano colocava a segurança do mundo em perigo, em razão de possuir armas de destruição em massa. Armas essas que nunca foram encontradas. E toda essa narrativa vinha sempre dourada pela pílula da liberdade. Era sempre a ideia de que os EUA estavam intervindo para levar seus valores democráticos a outras partes do mundo, transformando tiranias em democracias estáveis. 

No fim dessas aventuras, os americanos se mostraram eficientes no campo de batalha, no qual derrotaram seus inimigos. De início, no Afeganistão, o Talibã foi contido e, no Iraque, a tirania de Saddam Hussein foi derrubada. Saddam Hussein, capturado pelos americanos, foi enforcado em 2006.

Por outro lado, os americanos não foram eficazes na construção de nações democráticas. Tanto Afeganistão quanto o Iraque afundaram em conflitos internos. O Iraque, um país artificial criado pela Grã-Bretanha, depois da Primeira Guerra Mundial, a partir de três províncias do antigo Império Otomano, nunca conseguiu ser uma nação verdadeiramente democrática, com valores ocidentais. A divisão interna, entre curdos, muçulmanos xiitas e sunitas, perdura até hoje. O Iraque continua sendo um país instável. E para piorar ainda mais as coisas, a intervenção americana no Iraque resultou na criação de mais um grupo islâmico radical, o Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS). 

"Havia um abismo entre o ódio ao despotismo - simbolizado pela derrubada das estátuas de Saddam - e os recursos culturais mais profundos necessários para criar uma democracia funcional em qualquer lugar no Oriente Médio." (página 28)

No Afeganistão, os esforços americanos na construção de uma nação liberal e democrática também resultaram num retumbante fracasso. O Talibã, derrotado em 2001, voltou mais forte agora em 2021.

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "UMA HISTÓRIA DO PRESENTE, O MELHOR E O PIOR DOS MUNDOS", MICHAEL BURLEIGH, EDIÇÕES 70, PÁGINA 21/35


domingo, 22 de agosto de 2021

Uzbequistão Mar de Aral Rio Amu Daria Oxus Desastre Ambiental



RIO AMU DARIA - OXUS:

"Assim que deixamos Nukus deparamos com uma grande ponte. Só quando estávamos pelo meio da travessia foi que o rio apareceu sob nossos pés; uma faixa estreita e prateada de água quase estagnada. Isso é tudo que resta do Amu Daria (Amu Darya), chamado pelos gregos de Oxus, o Nilo da Ásia Central, a artéria de vida que pulsa no deserto. Semanas antes, eu estava sentada às margens do mesmo rio no vale do Wakhan, no Tadjiquistão, na fronteira com o Afeganistão. Ainda era um rio, largo e vivo. Desde Pamir, ele corre pelo Turcomenistão e, finalmente, pelo Uzbequistão, onde, através de uma rede de riachos menores, costumava desembocar no Mar de Aral. Os nativos ainda se referem ao Amu Daria com reverência, mas o rio hoje é uma pálida sombra do que foi no passado.  (página 425)

A cidade de Nukus, referida pela autora, é a capital do Caracalpaquistão, no oeste do Uzbequistão, localizada no meio do deserto. 

Os habitantes originais do Caracalpaquistão são chamados de Caracalpaque, que significa "chapéu preto". O seu idioma lembra mais o dos habitantes do Cazaquistão (cazaque) do que o uzbeque. 

Vivendo no deserto, os Caracalpaques dependiam do Rio Amu Daria. Uma das fontes do Rio Amu Daria é o Panj (Piandj), que serve de fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão. Foi exatamente esse rio, o Panj, que delimitou a expansão do Império Russo na Ásia Central. Os russos não passariam das terras que hoje compõem o Tadjiquistão. Do outro lado da fronteira fica o Afeganistão, que a URSS tentou invadir no início da década de 80 do século XX, sem sucesso.  

O Rio Amu Daria então, recebendo as águas do Panj na região do Pamir, corre para o oeste, atravessando desertos, na direção do Mar de Aral. Pelo menos era assim no passado, pois hoje o rio Amu Daria não alcança mais o leito do Mar de Aral, morrendo antes nas areias do deserto.

"O Amu Daria não deságua mais num lago, mas vai se esvaindo aos poucos, cada vez mais estreito e sem vida, para desaparecer na areia." (página 425)

O DESASTRE AMBIENTAL:

Em meados do século XX, as autoridades soviéticas, sediadas em Moscou, resolveram transformar o deserto da Ásia Central no maior produtor de algodão do mundo. Para tanto, os soviéticos passaram a usar as águas do Amu Daria (Amu Darya) nesse colossal empreendimento.

"Havia muito que os comunistas sonhavam em transformar as extensas áreas desérticas em lavouras de algodão, e, sob Leonid Brezhnev, (...) esse processo foi acelerado. Milhares de quilômetros de canais foram construídos com a ajuda de tratores, escavadeiras e trabalho braçal." (página 427)

"A natureza deveria obedecer aos comunistas e não o contrário. Na década de 1950, os primeiros tratores e escavadeiras começaram as obras às margens do Amu Daria. Ao mesmo tempo, milhares de pessoas receberam ordens de cavar, cada uma munida da própria pá. Na nova ordem mundial, essas pessoas já não viviam para si e para suas famílias; a partir de agora, viveriam para o partido, para a sociedade, extensão da família. Elas foram obrigadas a dedicar a vida e, não menos importante, a força de trabalho para ajudar a construir o império socialista." (página 426)

O resultado da exploração do Amu Daria e de outros rios da região foi o recuo do Mar de Aral. Imagens de satélite mostraram como o Mar de Aral, que era o quarto maior lado do mundo, acabou minguando até se dividir em dois. A sua parte sul, no Uzbequistão, viu suas águas recuarem de forma dramática. A cidade de Moynaq era a única cidade portuária do Uzbequistão. Moynaq vivia da pesca e do seu processamento. Atualmente, o que sobrou do Mar de Aral está a 200 quilômetros de distância. 

"Demarcando os dias de glória de outrora, uma placa com o desenho de um grande peixe azul ainda dá as boas-vindas aos visitantes de Moynaq. Até a década de 70, Moynaq, que fica a três horas de estrada de Nukus, era a única cidade portuária do Uzbequistão e dispunha de praias, ondas e de uma frota pesqueira ativa. Agora, o mar está a 200 quilômetros de distância." (página 429)

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "SOVIETISTÃO", A HISTÓRIA DO CAZAQUISTÃO, DO UZBEQUISTÃO, DO QUIRGUISTÃO, DO TADJIQUISTÃO E DO TURCOMENISTÃO, DE ERIKA FATLAND, EDITORA ÂYINÉ

domingo, 15 de agosto de 2021

Afeganistão O Estado-tampão entre os Impérios Russo e Britânico Século XIX



VIAJANDO PARA A FRONTEIRA COM O AFEGANISTÃO:

Partindo da capitão do Tadjiquistão (ex-república soviética), Duchambe, o helicóptero nos levará à cidade de Khorog, a capital regional do Pamir, ainda no Tadjiquistão. O Pamir é a  região conhecida como o Teto do Mundo.

Voando a 4.200 metros de altitude numa área cujas montanhas atingem a marca de 5 mil metros de altitude, o helicóptero voará por entre os picos e não acima deles.

"As montanhas se tornavam cada vez mais íngremes e pontiagudas, e não havia nenhuma construção feita pelo homem à vista, apenas as escarpas marrons e os picos nevados da Cordilheira." (página 288)

De Khorog partimos para o sul, para a cidade de Ishkashim, localizada no extremo sul do Tadjiquistão, na fronteira com o Afeganistão. Somente um rio, de águas rasas e correnteza forte, o Panj (Piandj), separa o Tadjiquistão do Afeganistão.

"A fronteira entre o Tadjiquistão e o Afeganistão é permeável como uma peneira: toneladas de cigarros e ópio são contrabandeados através do rio todos os anos, e depois transportados pelo Quirguistão e Cazaquistão para a Rússia e possivelmente para a Europa." (página 291)

Essa fronteira entre o Tadjiquistão e o Afeganistão foi estabelecida no final do século XIX, em meio à disputa entre dois impérios: o russo e o britânico. Essa disputa foi denominada "O Grande Jogo".

O GRANDE JOGO:

Aquilo que ficou conhecido como "O Grande Jogo" constituiu na disputa entre os Impérios Russo e Britânico pelo controle da Ásia Central. Quem viesse a controlar essa área iria ter a chave para a Índia britânica, então constituída pelo atual Paquistão, pela atual Índia e pelo atual Bangladesh. O termo "O Grande Jogo" foi usado pela primeira vez pelo tenente britânico Arthur Conolly. 

A primeira tentativa russa de penetrar na Ásia Central ocorreu ainda no século XVIII, na época do Czar Pedro, o Grande. Essa primeira expedição militar mirou o Canato de Khiva, localizado ao sul do Mar de Aral e atravessado pelo rio Amu-Daria. Essa primeira iniciativa russa resultou num tremendo fracasso. 

A segunda investida russa na Ásia Central só voltaria a acontecer no ano de 1839, Sob o pretexto de libertar russos aprisionados no Canato de Khiva, para lá se dirigiu um exército composto por 5.200 homens e 20 mil camelos. Mais uma vez os russos fracassaram. A travessia do Deserto de Karakum, somado a um inverno rigoroso, acarretou o fracasso da expedição antes mesmo de ser disparado um tiro. 

Os ingleses, por sua vez, acompanhavam essas ações russas com agonia crescente, pois temiam que um sucesso do Império Russo na Ásia Central o fizesse se aproximar ainda mais da Índia britânica.

A AVENTURA BRITÂNICA NO AFEGANISTÃO:

Em meio a sua disputa com os russos pelo controle da Ásia Central, os britânicos tentaram instalar um governo amigo em Cabul, no Afeganistão. Tudo começou no ano de 1838, quando chegaram aos britânicos rumores de uma aproximação entre a Rússia e o governo do Afeganistão, sob o comando do Emir Dost Mohammad Khan. Os ingleses temiam que a Rússia usasse o território do Afeganistão como passagem numa invasão da Índia, de forma que era inadmissível qualquer influência russa naquele território. Então, em dezembro de 1838, mais de 20 mil soldados britânicos e indianos marcharam para Cabul. Ao chegarem lá, Dost Mohammad Khan se viu forçado a fugir. Em seu lugar assumiu Shah Shojah, um aliado dos britânicos.

Na sequência, tudo correu mal para o britânicos. Shojah era um líder fraco e a presença dos britânicos em Cabul irritava os afegãos. Em dezembro de 1841 distúrbios eclodiram em Cabul e os britânicos e seus aliados tiveram que bater em retirada. No caminho para Jalalabad, cidade na qual ficava uma fortaleza britânica, os ingleses e seus aliados foram emboscados por tropas afegãs. O resultado foi desastroso para os britânicos. Quem não morreu acabou virando prisioneiro. A aventura britânica no Afeganistão chegava ao fim. Shah Shojah foi morto e Dost Mohammad reassumiu o poder em Cabul. 

Após os fracassos britânico e russo na Ásia Central, houve um período de trégua. 

A RETOMADA DO IMPÉRIO RUSSO NO CAMINHO DA ÁSIA CENTRAL:

Em 1865 a Rússia voltou a acelerar no caminho da Ásia Central. Ainda em 1865, a Rússia anexou a cidade de Tashkent, atualmente situada no moderno Estado do Usbequistão. 

"Na ocasião, Tashkent contava com cem mil habitantes e era a cidade mais rica da Ásia Central, resultado da combinação dos territórios férteis com o comércio próspero que surgiu depois que os russos conquistaram o Cazaquistão, no século XVIII." (página 301)

Em 1868, Samarcanda, uma outra grande cidade da Ásia Central, localizada atualmente no Usbequistão, também caiu em mãos russas. Com ela, também caiu o Emirado de Bukhara. Em 1873, foi a vez do Canato de Khiva cair sob o domínio russo. Em 1876 foi a vez do Canato de Kokand ser dissolvido e anexado ao Turquestão russo. A partir de 1879 os russos investiram contra a fortaleza turcomana de Geok Depe e contra a cidade de Merv, ambos situadas no que hoje é o Turcomenistão. 

E os ingleses, como viam esse avanço russo na Ásia Central? 

"Os ingleses, que estoicamente assistiram aos russos conquistarem Canato após o outro, agora estavam preocupados. Merv estava estrategicamente entre Herat e Kandahar, no Afeganistão, e, portanto, muito próximo da Índia." (página 305)

O Afeganistão era visto pelos ingleses como um Estado-tampão, que impedia que o Império Russo se aproximasse da fronteira do Império Britânico, na Índia. 

O ESTABELECIMENTO DEFINITIVO DA FRONTEIRA DO AFEGANISTÃO:

Em 1887, russos e britânicos tentaram estabelecer um acordo sobre as fronteiras de seus impérios na Ásia. Um acordo foi firmado, mas ele logo foi violado pelos próprios russos que acabaram se expandindo para a região de Pamir, na fronteira do atual Tadjiquistão. 

Em 1895 russos e britânicos voltaram a se encontrar. A presença russa na região de Pamir era um fato consumado. Restou à Grã-Bretanha então elaborar um plano que pelo menos isolasse o Pamir russo da fronteira do Império Britânico, evitando assim uma coincidência entre as fronteiras dos dois impérios. 

Dessa forma, foi anexado ao Afeganistão a parte sul do Corredor de Wakham. O Corredor de Wakham era constituído por uma longa e estreita faixa de terra entre os atuais Tadjiquistão e o Paquistão. Lembre-se que o atual Paquistão, no final do século XIX, fazia parte da Índia britânica. 

Na direita da imagem, vê-se a exígua faixa de terra que separa o Tadjiquistão, uma ex-república soviética, que pertenceu também ao antigo Império Russo, do atual Paquistão, que no passado fez parte da Índia Britânica. Essa exígua faixa de terra, o Corredor Wakham, como assinalado no mapa, faz parte do território do Afeganistão. Esse arranjo, acordado entre os Impérios russo e britânico, no final do século XIX, perdura até hoje.


"Embora o lado afegão do Corredor de Wakham não tenha mais do que alguns quilômetros de largura em alguns trechos, o Afeganistão agora servia de Estado-tampão também entre o Pamir e a Índia, por menor que fosse a faixa de terra." (página 307)

Os russos conseguiram praticamente tudo o que queriam e saíram do jogo como a equipe vencedora. No início do século XIX, mais de dois mil quilômetros a Rússia da Índia britânica. Agora, no final do século XIX, em alguns trechos da fronteira essa diferença era de menos de 20 quilômetros. (página 308)

Assim então terminou o Grande Jogo entre os Impérios russo e britânico. A Ásia Central foi repartida entre eles, tendo o Afeganistão como Estado-tampão, impedindo que as fronteiras dos dois impérios se encontrassem. 

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "SOVIETISTÃO", UMA HISTÓRIA DO CAZAQUISTÃO, DO TURCOMENISTÃO, DO QUIRGUISTÃO, DO TADJIQUISTÃO E DO USBEQUISTÃO, EDITORA ÂYINÉ

sábado, 7 de agosto de 2021

Turcomenistão Sovietistão



ORIGEM DO TURCOMENISTÃO:

Tribos turcomenas chegaram ao atual Turcomenistão há pelo menos 1000 anos, junto com outros povos turcos emigrados da Sibéria oriental (página 51)

Até o século XIX, quando os russos chegaram, não havia uma Nação Turcomena. A ideia de um Turcomenistão como país não existia. Havia ali apenas tribos dispersas. 

"Conceitos como cultura e nacionalidade, fronteiras geográficas, até mesmo a língua turcomena, se originaram na era soviética." (página 51)

 ASHGABAT - CAPITAL DO TURCOMENISTÃO:

Uma cidade no meio do deserto. Em 1881, a Rússia czarista, fundou um quartel ali. Em 1948, um terremoto destruiu a cidade. O governo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), da qual o Turcomenistão fazia parte, reerguei a cidade.

Ruas desertas. Blocos de prédios de mármore branco. Avenidas com oito faixas de rolamento, mas com poucos carros. 

"Os carros, que podiam ser contados numa só mão, estavam impecavelmente limpos. Os Mercedes eram a absoluta maioria. Pelas largas calçadas não se viam pessoas, exceto um policial de quando em vez, ..." (página 35)

DITADURA:

Não há democracia no Turcomenistão. O Turcomenistão é uma ditadura. Desde o seu desligamento da URSS, em 1991, o Turcomenistão teve dois ditadores:

1) Saparmurat Niyasov, conhecido como Turkmenbashi, o Pai dos Turcomenos.: 

Nasceu em 1940, nos arredores de Ashgabat. Órfão, foi criado pelo tio. Adulto, estudou em Leningrado, atual São Petersburgo, onde se formou Engenheiro Elétrico. Em 1985, Gorbachev o nomeou Primeiro Secretário do Partido Comunista no Turcomenistão. 

Com a ruína da URSS, Niyasov foi eleito pelo Soviete Supremo de Ashgabat como Presidente do Turcomenistão.

"A maioria das pessoas que ocupavam posições importantes durante a era soviética se manteve em cargos equivalentes no novo Estado." (página 47)

O Turcomenistão permaneceu um Estado unipartidário. O único partido existente era o Partido Democrático do Turcomenistão, criado a partir do antigo Partido Comunista do Turcomenistão.

Niyasov tornou-se então um ditador de fato. A propaganda estatal vendia Niyasov como pai unificador do país. Em 1993, a propaganda estatal rotulou Niyasov como Pai dos Turcomenos (Turkmenbashi). 

"Escolas, ruas, vilas, mesquitas, fábricas, aeroportos, marcas de vodka, perfumes e até uma cidade inteira, Krasnovodsk, a antiga fortaleza russa à beira do mar Cáspio, agora passavam a se chamar Turkmenbashi." (página 47)

"As estátuas de Lênin e Marx foram efetivamente removidas da cena urbana e substituídas por estátuas banhadas a ouro do Turkmenbashi de terno e gravata." (página 48)

Em 1999, Niyasov foi nomeado Presidente vitalício do Turcomenistão. A megalomania de Niyasov não tinha limites. Niyasov declarou ser um profeta e descender diretamente de Alexandre, o Grande, e do próprio Maomé. 

"O poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente, observou o historiador britânico Lord Acton em seu tempo. Poucos exemplos ilustram isso melhor do que a trajetória do Turkmenbashi. Como o órfão Saparmurat Niyasov se converteu no Turkmenbashi, um ditador que proibiu desde circos até cachorros, e mandou aprisionar todos os seus opositores? Uma explicação está no sistema soviético - corrupto, autoritário e marcadamente personalista. O Turkmenbashi cresceu nesse sistema e se sentia à vontade nele. Quando a União Soviética se desintegrou, não havia mais quem pudesse detê-lo. Ele podia fazer o que bem entendesse." (página 53)

Os demais políticos estavam também acostumados à subserviência existente no sistema soviético e assim continuaram sob o governo ditatorial turcomeno. 

O país, apesar de rico em gás, não investia em educação, tampouco em saúde. Para camuflar a miséria, "...os médicos eram proibidos de fazer diagnósticos de doenças como AIDS ou tuberculose." (página 54)

Professores não podiam dar notas ruins. Enfim, tudo era feito para camuflar a realidade. E isso Turkmenbashi aprendeu com os soviéticos, fazendo com que a realidade que não correspondesse às expectativas fosse manipulada, de forma a torná-la palatável para o consumo interno.

Em 2006, Niyasov foi destronado pela única força capaz de destituir um Ditador como ele: a Biologia. Niyasov sofreu um infarto agudo e morreu aos 66 anos.

A ditadura de Niyasov durou 21 anos, sustentada por um aparelho repressor impiedoso e por algumas benesses dadas ao povo, como a gratuidade de alguns serviços (eletricidade, sal de cozinha, gás, gasolina).

"Quando uma resposta é o chicote, a outra costuma ser a cenoura." (página 56)

2) Gurbanguly Berdimuhamedov: 

Sucessor de Niyasov, manteve a ditadura de seu antecessor. Nascido em 1957. Estudou odontologia em Moscou. Em 1997, foi nomeado Ministro da Saúde. Em 2001, assumiu o segundo cargo mais importante do país, o de Vice Primeiro Ministro. Quando Niyasov morreu em 2006, Gurbanguly assumiu o poder. No poder, Gurbanguly não só manteve a mão de ferro sobre o Turcomenistão como a aperfeiçoou. 

DESERTO DE KARAKUM:

O deserto de Karakum ocupa 70% do território do Turcomenistão. Karakum significa "areia preta" (página 69)

"O deserto de Karakum era considerado um dos trechos mais perigosos da Rota da Seda." (página 69)

"Antes que navios e aviões passassem a transportar pessoas e mercadorias entre continentes, a Ásia Central era o elo entre o Oriente e o Ocidente." (página 95)

E esse elo entre o Oriente e o Ocidente era chamada de a Rota da Seda, na qual caravanas carregadas com produtos como seda, papel, cerâmica, pimenta, provenientes da Índia e da China, chegavam ao Império Romano. 

Esse comércio acabou por enriquecer várias cidade da Ásia Central, uma delas atendia pelo nome de Merv, no atual Turcomenistão Oriental. Hoje resta pouco da cidade original, pelo fato de ter sido construída com o solo argiloso local. Muralhas, por exemplo, viraram elevações na paisagem.

No ano de 1221, o exército de Gengis Khan devastou a cidade, com 90% de sua população sendo morta. Naquela época, Merv fazia parte da Corásmia, um reino que abrangia grande parte do Afeganistão, Irã, Uzbequistão e Turcomenistão. 

Tribos inamistosas habitavam Karakum e assaltavam as caravanas que faziam a rota da seda. Havia ainda verões implacáveis e, no inverno, tempestades e tormentas traiçoeiras. 

O VERDADEIRO TURCOMENISTÃO:

Mais da metade da população vive em pequenos assentamentos e aldeias no deserto, vivendo "das mãos para a boca." (página 72)

São pessoas miseráveis, que vivem com poucos utensílios, vivendo da terra, com seus camelos e cabras, apartados da economia movida a gás natural. 

"Esses agricultores pobres vivem e morrem em suas aldeias, distantes das classes mais abastadas e ignorados pelo Estado, que se concentra nas cidades, nas usinas de gás e nas residências de mármore onde vive a elite política." (página 73)

PAIXÕES DO TURCOMENOS:

Os habitantes do Turcomenistão têm duas paixões: Cavalos e Tapetes. Os turcomenos têm uma relação quase religiosa com os seus cavalos, principalmente a raça Ahal Teke, considerada como uma das mais antigas do mundo e reconhecida por sua resistência.

NUMA DITADURA, O DITADOR DECIDE QUE O QUE HAVIA ACONTECIDO NÃO ACONTECEU:

A autora do livro nos relata uma história que demonstra bem o que é viver sob uma ditadura. Ela foi convidada a assistir um evento num Hipódromo nas proximidades de Ashgabat.

Nesse evento, o ditador do país, Gurbanguly, montou num cavalo e passou a disputar uma corrida. Em dado momento, o cavalo que levava o ditador refugou, jogando-o no chão. O que se passou a seguir foi uma correria para contornar a situação, de forma a mostrar que o que havia acontecido, o que todo mundo tinha visto, isto é, a queda do Ditador, não aconteceu. Agente de segurança correram para apreender máquinas fotográficas, câmeras. Mesmo com todo esse cuidado, alguém conseguiu filmar a queda do ditador e postar no Youtube. Sorte do ditador que o Youtube é proibido no Turcomenistão.

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https://www.youtube.com/watch?v=pIkurFloebs


ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "SOVIETISTÃO", UMA VIAGEM PELO TURCOMENISTÃO, CAZAQUISTÃO, TADJIQUISTÃO, QUIRGUISTÃO E UZBEQUISTÃO, ERICA FATLAND, EDITORA ÂYINÉ