domingo, 5 de abril de 2020

Império Romano tardio Século IV Violência Estatal Patronato Mar Mediterrâneo Roma Constantinopla Annona Curia Civilitas Senado Coloni Servi Bárbaros


IMPÉRIO ROMANO TARDIO. INÍCIO DO SÉCULO IV:

⏩ VIOLÊNCIA:

"O mundo romano era habituado à violência e à injustiça."
(página 61)

Exemplos dessa violência que estava entranhada na sociedade romana:

Na administração da Justiça havia o emprego da tortura.

"A violência judicial era corriqueira, certamente merecida (de fato, mesmo testemunhas eram rotineiramente torturadas, a menos que pertencessem às elites), e os ricos escapavam."
(página 61)

"Fazem entrar o ladrão a quem acusam e interrogam-no da maneira que merece. Tortura-se-o. Com os golpes, seu peito fica todo machucado; dependuram-no...espancam-no com varas, açoitam-no; enfrenta todo tipo de torturas, e ele nega. Mas ele tem de ser punido, levam-no à espada. Então fazem entrar outro homem, desta vez inocente, que vem acompanhado por uma vasta rede de padrinhos, todos homens influentes. Este tem boa sorte. Absolvem-no." (Excerto de uma Cartilha Grego-Romana para crianças - início do século IV)
(página 61)

Eventualmente ricos e poderosos também podiam se ver em apuros, vítimas da violência e da injustiça estatal romana. Mas era algo raro, pois suas redes clientelares poderiam vir em seu socorro.
Um exemplo de um poderoso alcançado pela violência estatal romana é extraída de uma história contada pelo Bispo Sinésio, que morava em Ptolemais, na Cirenaica, atual leste da Líbia. De acordo com Sinésio, o governador local, um sujeito chamado Andronikos, era brutal e violento até com os Senadores locais, chegando inclusiva a provocar a morte de um deles por supostas infrações fiscais. 
Sinésio conseguiu que ele fosse demitido, o que mostra que somente um bispo com boas conexões em Constantinopla poderia confrontar o abuso de poder. Nesse relato de Sinésio, além da violência estatal, entra uma outra característica do Império romano, que será vista em seguida: o Patronato.

Gladiadores: Apesar de proibido  pelo Imperador Constantino em 326 d.C., a barbárie representada pelas lutas de gladiadores ainda permanecia na parte ocidental do Império Romano.

"Agostinho (Agostinho de Hipona) um homem intransigente, mas não ingênuo, tinha por certo que essa sede de sangue era normal, porém pecaminosa aos olhos cristãos."
(página 62)

Agostinho nasceu em Tagaste, atual Souk Ahras, no Leste da Argélia. Tornar-se-ia uma figura de destaque na Igreja Católica.

A Sociedade Romana emprestava legitimidade pública à crueldade:
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De fato a violência não era, não foi e não é exclusividade da sociedade romana, mas nela "A CRUELDADE TINHA LEGITIMIDADE PÚBLICA."
(página 61)

Depois que os jogos de Gladiadores finalmente foram encerrados, a sede por violência romana os substituiu por espetáculos com animais selvagens. Havia nessa violência legitimada publicamente "algo de visceral para o poderio romano."
(página 61)

"Na verdade, todas as sociedades pós-romanas, pagãs, cristãs ou muçulmanas, eram igualmente habituadas à violência, principalmente os poderosos; entretanto, no Império Romano, a crueldade tinha legitimidade pública, um elemento do espetáculo semanal, que superava até mesmo a cultura de execução pública na Europa do século XVIII."
(página 62)

"Havia nisso algo de visceral para o poderio romano, pois ainda que os espetáculos de gladiadores tenham terminado no início do século V, a matança pública de animais selvagens prosseguiu por cem anos ou mais."
(página 62)

⏩ PATRONATO:

Os ricos romanos usavam de seu poder para criar uma rede de clientes (apaniguados/clientela). Um rico não existia sozinho; em torno dele uma rede de pessoas se reunia, com boas conexões governamentais ou eclesiásticas. Era preciso ter conexões para sobreviver em Roma. Num mundo injusto, violento e corrupto, como era em Roma, não se poderia viver sem um Patrono.

"não se podia ser bem-sucedido sem patrono. O mundo romano era realmente corrupto e muito violento. O, que para nós, parece ser corrupção nem sempre era assim considerado pelos romanos, a menos para aqueles que compunham a elite; esta tinha suas próprias regras, justificativas e etiquetas. Mas a corrupção e seus análogos privilegiavam os privilegiados,..."
(página 62)

Patronato é o nome que se dava à relação existente entre um Patrono e um Cliente. Na Idade Média esse tipo de relacionamento era visto no liame entre o Senhor e o seu Vassalo.

"Era normal buscar ajuda de um patrono junto aos canais oficiais. Isso podia ser estigmatizado como corrupção, como pensavam frequentemente os moralistas extremos, ou, então, as vítimas; a maioria das pessoas, no entanto, aceitava sua lógica cotidiana. Na verdade, mesmo os canais oficiais eram muitas vezes expressos em termos de patrono-cliente, na forma de apelos pessoais ou coletivos ao Imperador, coisa corriqueira, ou com intermináveis, e legais, pagamentos pessoais (sportulae), que eram esperados pelos burocratas de baixo e médio escalão, que podiam tanto facilitar quanto obstruir um registro fiscal ou um processo judicial. A questão que se punha em um sistema de patronato desse tipo é que, no final, ele envolvia todos, e todos podiam sentir que, de alguma forma, tinham uma participação no sistema social. Eles, muitas vezes, não ganhavam nada com isso, como acontecia com o camponês comum, mas sentiam que podiam auferir alguma proteção dos patronos, - se não fosse daquela vez, seria, então, da próxima. Todas, exceto o Imperador e seus mais poderosos subordinados, precisavam de um patrono, ou, algumas vezes, de vários."
(páginas 84/85)

Para você ser um patrono, bastava usufruir de algum tipo de poder. Até um soldado poderia ter clientes. Exemplo:

"Abinnaios, um soldado de nível médio, destacado no sul do Egito, na década de 340 d.C., cujos arquivos também sobrevivem, preservou pedidos por favores especiais de seus subordinados, mas também de amigos e clientes que eram conselheiros citadinos, padres, artesãos ou camponeses. Ele era solicitado a arbitrar disputas e prender ladrões; pouco disso estava em suas competências oficiais, mas era totalmente normal."
(página 85)

Segundo escreve o autor desse livro, era essa rede de favores que fazia o Império Romano funcionar.

"Os problemas tiveram início quando o patronato começou a não dar mais certo. Quando os camponeses, na África, sentiam que o patronato da Igreja Católica na estava disponível para eles, podiam se voltar para o donatismo."
(página 86)

"Acima de tudo, talvez, quando as elites locais no Ocidente do século V deixaram de acreditar que seus tradicionais patronos nos governos central e provincial eram capazes de ajudá-las, elas podiam, em vez disso, voltar-se para novos líderes militares de tribos 'bárbaras' em suas localidades, e disso resultou uma importante mudança política."
(página 86)

⏩ MAR MEDITERRÂNEO - O NOSSO MAR:

O Império Romano gravitava em torno do Mar Mediterrâneo, que era chamado de 'o nosso mar'.

"...eles (romanos) são o único poder na história que dominou todo o seu litoral (do Mediterrâneo)"
(página 63)

O Mar Mediterrâneo conectava as Províncias Romanas por meio do transporte marítimo.

⏩ ROMA E CONSTANTINOPLA:

Roma, no seu auge (início do Império), tinha um milhão de habitantes. Já no ano 400, sua população caiu para metade. Já não era a capital administrativa do Império, pois tinha sido substituída no século IV por Trier, no norte da Gália, e em 402, por Ravena, no norte da Itália.
Constantinopla tinha 500 mil habitantes no final do século V.

"Cidades desse tamanho, no mundo antigo e medieval, eram mantidas assim tão grandes pelos governos, que desejavam uma grande cidade como seu coração político ou simbólico, por razões ideológicas."
(página 64)

"A importância simbólica dessas cidades era tanta que quando os visigodos saquearam Roma em 410, os   atingiram todo o Império..."
(página 64)

Para facilitar a administração do Império, a partir de 324, havia

"duas capitais permanentes, Roma e Constantinopla."
(página 63)

"O Império teve, desde então, na maior do tempo, uma metade oriental (majoritariamente de língua grega) e uma ocidental (majoritariamente de língua latina), cada uma com seu próprio Imperador e sua própria administração. Mas as duas metades mantiveram-se intimamente conectadas e o latim continuou sendo a língua oficial legal e militar do Oriente até meados do século VI."
(página 63)

Os pobres dessas cidades eram mantidos por meio de subsídios bancados pelo Estado. Dessa forma, Roma e Constantinopla forneciam subsídios para os pobres urbanos que as habitavam. Assim as cidades eram mantidas artificialmente populosas. Eram subsidiados grãos e azeite de oliva, importados da Tunísia, Egito e Síria.

Annona: palavra latina que significava suprimentos alimentares gratuitos. Constituía uma despesa par ao Estado, na ordem de 1/4 ou mais de seu orçamento.

Como dito acima, o uso desses subsídios mantinha as cidades artificialmente grandes, e sua população obviamente aprovava isso, tendo o seu pão e o seu circo, embora no caso do circo, este entretenimento era na maioria dos casos pago com dinheiro privado.

"África e Egito eram as maiores regiões exportadoras de todo o Império."
(página 64)

VIDA NAS CIDADES DO IMPÉRIO ROMANO:

O Império Romano promovia as cidades, a vida nas cidades. As cidades tinham um poder simbólico para o detentor do poder imperial.

"O conjunto do mundo da cultura era associado à civilidade, civilitas em latim - de onde vieram nossas palavras 'civilizado' e 'civilização' -, que precisamente implicava a habitação citadina para os romanos. O Império era, em um sentido, a união de todas as suas cidades.."
(página 64)

Uma cidade romana deveria ter:
-uma assembleia citadina: Curia, em latim. Era autônoma.
-edifícios urbanos (fórum, teatro, termas, templos e, depois do século IV, catedrais e igrejas).
-em algumas cidades havia muralhas.
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"Essas eram as marcas da civilidade."
(página 64)

Civilização para os romanos significava viver nas cidades que continham todos os elementos elencados acima (fórum, teatro, igrejas, etc).

"É possível ver a rede de cidades como o maior elemento da sociedade romana, mais importante ainda que o governo imperial central."
(página 66)

As cidades romanas com suas edificações faziam parte do imagético romano. O poeta gaulês (350 d.C.) Ausônio escrevia sobre as cidades romanas que ele via como ilustres, começando por Roma e chegando à sua cidade natal, Bordeaux. A ligação afetiva pelas cidades era tal que Ausônio usava a palavra pátria, significando terra natal, lugar onde você nasceu, para se referir não só a Bordeaux, onde ele efetivamente havia nascido, mas também a Roma.

A sociedade política no Império Romano tinha suas bases nas cidades. Elas eram, num primeiro momento, autônomas e ser um Conselheiro (curialis) numa delas "era o máximo da ambição local." (página 65)
Mas com a centralização cada vez maior do poder (século IV) imperial, as decisões (maioria delas) saiam do âmbito local e iam para o topo da administração imperial.Com essa centralização do poder, as pessoas importantes localmente não ambicionavam mais a posição de curialis (conselheiros municipais). Agora elas queriam posições de destaque no centro do poder imperial. 

"Os conselheiros municipais tornaram-se, acima de tudo, responsáveis por aumentar e subscrever os impostos, uma função remunerada, mas arriscada. Lentamente, as estruturas formais de tais conselhos enfraqueceram, sobretudo no século V, e, já pelo século VI, a arrecadação de impostos passou a ser responsabilidade dos funcionários do governo central."
(página 65)

Ademais, os curialis, eles mesmos, já se sentiam incomodados com seus encargos fiscais, e que, os mais pobres entre eles, tentavam fugir da função, sendo impedidos pela ação do Estado, que os mantinha na posição. No fim, essa fuga ia acontecendo de qualquer forma, levando-os a abandonar as cidades. 
Com o passar do tempo, a governação das cidades tornou-se mais informal. não suportadas por instituições específicas. As pessoas importantes dessas cidades, como exemplo, senadores e bispos, tomavam para si a responsabilidade pela administração local, formando um grupo ad hoc de elite, "geralmente chamado de proteuontes (os dirigentes). Esses homens patrocinavam as igrejas citadinas, tomavam decisões sobre o reparo de edifícios, festivais e, se necessário, organizavam a defesa do local, sem a necessidade de um papel formal. As cidades tampouco perderam com isso; os séculos V e VI viram os mais grandiosos edifícios construídos em várias cidades  orientais. Depois de depararmos com essa estabilidade pós-curial no Oriente, torna-se mais fácil também encontrá-la no Ocidente. Sidônio Apolinário (viveu c. 430-485),...era de uma das famílias mais ricas de Clermont, na Gália, filho e neto de prefeitos do Pretório e genro do Imperador Epárcio Ávito (455-456). Ele não precisava ser um curiali e dedicou-se principalmente a uma carreira no governo central. Entretanto, acabou por se tornar Bispo de Clermont, prestando entusiástico apoio, em suas cartas, às lealdades locais, inclusive às que residiam na cidade; e seu cunhado, Ecdício, filho de Ávito, defendeu a cidade com um exército particular. Portanto, esse tipo de comprometimento com políticas urbanas não dependia da estrutura tradicional da cúria citadina. Essencialmente, isso continuou enquanto os valores romanos sobreviveram; essas coisas podiam variar, mas, em diversas partes do Império, se mantiveram por um longo tempo, mesmo depois que o próprio Império caiu. Os pressupostos da civilitas alcançaram isso por si mesmos."
(página 65/66)

Civilitas: Era o conjunto do mundo da cultura, encontrada somente nas cidades, com tudo que se relacionava a elas (os edifícios, os jogos)

ADMINISTRAÇÃO DO IMPÉRIO ROMANO:

Mesmo com poucos funcionários para cuidar de todo o Império, ele se manteve unido por vários séculos.

"Segundo os padrões modernos, de fato, o Império Romano era governado superficialmente, com cerca de 30 mil funcionários civis no governo central, que se concentravam nas capitais imperiais e provinciais."
(página 66)

Apesar dessa deficiência, o Império Romano se manteve íntegro, graças ao seu sistema fiscal conseguindo manter um:
-exército
-um Senado
-uma administração civil
-um sistema legal

Havia ainda valores e rituais que davam a sustentação ideológica a tudo isso, e no futuro viria a estrutura da Igreja (cristianismo), que ajudaria a manter o Império.
Ao Imperador, como autocrata que era, cabia administrar cada metade do Império.

"O Império, em certo sentido, era regido por amadores.Mas ao menos o grupo de amadores tinha valores compartilhados e, em muitos casos, também experiências familiares  particularmente no Ocidente, onde havia mais famílias senatoriais antigas e ricas, que eram frequentemente ativas na política nos séculos IV e V. Os seus subordinados eram verdadeiros funcionários de carreira, que se comprometiam com a administração pela vida toda. É essa rede de detentores de cargos que deu coerência ao governo"
(página 68)

Imperadores que podiam apenas viver suas vidas, cumprindo formalmente suas funções públicas. Políticos e burocratas que cumpriam suas funções em caráter intermitente. Mesmo imperadores que se mostrassem ativos poderiam ver suas ações obstadas pela burocracia incompetente e pela ausência de dados. Abaixo desses amadores, vindos de ricas famílias senatoriais, havia aqueles que efetivamente trabalhavam pelo Império (os funcionários de carreira).

Alguns imperadores do Império Romano Tardio dignos de nota:

- Constantino (306-337)
- Valentiniano I ( 364-375- no Ocidente)
- Juliano (360-363): Foi malsucedido em sua tentativa de reverter a cristianização de Constantino.
- Justiniano (Século VI) - 527-565 no Oriente.

"O estado romano não era particularmente esclarecido, nem tampouco estava condenado ao colapso por volta do ano 400. Sua violência (seja publica ou privada), sua corrupção e sua injustiça eram partes de uma estrutura muito estável, que perdurara por séculos, e que possuía algumas óbvias falhas internas. A metade ocidental do Império colapsou no século V, como resultado de uma má condução de eventos imprevistos; o Império, contudo, sobreviveu sem dificuldades no Oriente e provavelmente atingiu seu auge no início do século VI."
(página 62/63)

SENADO ROMANO:

Senadores "viam-se como a melhor parte da raça humano." (página 70)

"O nascimento era importante (Sidônio pôde desdenhar de um rival poderoso, Peônio, o prefeito do Pretório da Gália, porque ele era de origem municipal, ou seja, de uma família curial, não senatorial),.."
(página 70)

"O Senado tinha sua própria identidade, parcialmente separada da burocracia imperial; de fato, no Ocidente, a separação era até mesmo física, uma vez que o governo não estava mais em Roma. Teoricamente, o Senado era o órgão governante do Império, assim como havia sido na época da República Romana, quatro séculos antes, e, mesmo que, pouco tempo depois, o Senado tenha deixado de ser uma realidade, naquele momento ele ainda representava o ápice da aspiração para qualquer cidadão."
(página 69)

Um Senador tinha vários privilégios. Mas era caro entrar no Senado e depois se manter nele, tendo que pagar por cerimônias, jogos, etc. O Senado estava ligado ao governo, mas tinha suas próprias hierarquias e rituais. O Senado era quase uma aristocracia hereditária. A depender do poder de um Senador (illustris), seu filho já teria garantido um lugar ali.

"A existência dessa aristocracia hereditária, de fato, foi uma característica-chave do Império."
(página 70)

O Senado não tinha uma função governamental formal, mas ele controlava o tom do governo. A maioria era de civis. Sua preeminência não vinha de feitos militares, mas da riqueza pessoal, da cultura (compartilhada) e do nascimento.

"Precisava-se de riqueza para ir a qualquer lugar na administração civil, visto que os subornos para nomeações e a manutenção de uma rede custavam dinheiro."
(página 70)

"O Império Romano foi pouco usual na história antiga e medieval visto que sua classe dirigente  era composta por civis, e não (ou não apenas) por figuras militares."
(página 70)

O EXÉRCITO ROMANO:

O Exército romano era muito maior do que a administração civil. O exército sempre foi a maior despesa do Império Romano. Os exércitos eram normalmente mandados para as fronteiras dos Rios Reno e Danúbio, e na fronteira com a Pérsia. Um Imperador vivia mais perto dos militares do que dos administradores civis

MANUTENÇÃO DO IMPÉRIO ROMANO: ARRECADAÇÃO DE TRIBUTOS:

Para manter a máquina do Império Romano funcionando era necessário arrecadar tributos para sustentá-la. O principal desses tributos era um imposto que incidia sobre a propriedade da terra. Algumas fontes falam de 1/4 dos rendimentos da terra recolhidas na forma de impostos.

"Esse é um valor elevado para uma sociedade pré-capitalista  e agrária, com tecnologia relativamente simples."
(página 76)

Cobrar impostos sobre a terra não era uma atividade simples, pois demandava a existência de uma burocracia que iria verificar os registros de propriedade. Os registros deviam ser atualizados, mantê-los organizados para consultas, etc.

"demanda um considerável número de funcionários e intrusiva coleta de informações."
(página 76)

Quem mais sofria com a carga tributária eram os pobres, o campesinato. Por esse motivo, alguns camponeses, para dificultar o trabalha dos coletores de impostos, saiam de suas terras e iam para outros lugares.

"Eles reagiam fugindo das terras. E daí as leis para detê-los."
(página 77)

Para impedir isso, Roma, após o século IV, emitiu leis para reter o campesinato em seu lugar de origem, determinando que os camponeses não poderiam abandonar a terra ou se mudarem dela. Essa lei vinha para facilitar a cobrança dos impostos sobre o campesinato. E esse tipo de lei pegava outras categorias profissionais, para também melhorar a organização do aparato estatal de arrecadação de impostos. Esses outros trabalhadores também teriam que ficar em seu local de origem.

"Os curiales eram presos aos seus cargos, como já vimos, do mesmo modo que os soldados, os trabalhadores das fábricas estatais, os armadores, os padeiros, os açougueiros de Roma, que eram necessários para a annona da capital."
(página 76)

Essas leis serviam para estabilizar a estrutura fiscal do império.

"Some-se a isso a própria coleta de impostos - que poderia ser uma tensa e violenta ação certamente realizada por homens armados - e vemos que o impacto do sistema fiscal imperial era continuo, capital e potencialmente coercitivo para quase todas as pessoas do Império."
(página 77)



"A Tributação, dessa forma, sustentava a própria unidade imperial, pois era o mais evidente elemento de impacto do Estado sobre a população em geral, assim como o alicerce do exército, da administração, do sistema legal e do transporte de bens através do Mediterrâneo e por outros lugares - todos os elementos que mantinham integrado o vasto território. Se falhasse, o Império simplesmente quebraria."
(página 77)

E havia igualmente corrupção no sistema fiscal romana:

"Os ricos podiam comprar imunidade mediante corrupção; assessores e coletores, se dúvida, tornavam-se ricos através da corrupção. As vítimas eram quase sempre os pobres. Eles reagiam fugindo das terras (daí a lei para detê-los), ou procurando proteção (patronato) junto aos poderosos para não pagar impostos ao Estado."
(página 77)

POPULAÇÃO DO IMPÉRIO:

Maioria composta por campesinos. Podiam ter sua terra ou arrendavam uma área para nela trabalharem. Viviam dos alimentos que produziam; excedente, quando havia, ia para os senhores de terras (caso houvesse), para pagar o aluguel do arrendamento e como tributo para o Estado.

"Vários deles eram servi, não livres, sem direitos legais, particularmente em algumas partes do Ocidente, mas a escravidão nas plantações das antigas Itália e Grécia Imperiais tinha quase desaparecido ao final do Império, e campesinos livres e não livres viviam, agora, suas vidas de maneiras semelhantes (este livro, em consequência, não usa a palavra 'escravo' para camponeses não livres, pois o termo comporta mal-entendidos; essa palavra será usada somente para os servos domésticos não livres, que eram alimentados e mantidos por seus senhores, como haviam sido os escravos de plantações). No início da Idade Média, os camponeses constituíam 90% ou mais da população; a proporção deve ter sido menor ao final do Império, uma vez que mais pessoas viviam nas cidades - no Egito, excepcionalmente, até um terço do total da população -, mas poderia ter atingido 80%, uma proporção ainda muito alta."
(página 78)

ARRENDAMENTO DAS TERRAS:

Os camponeses que arrendavam terras eram em maior número. O 'coloni" era o arrendatário. Do lado de quem arrendava a terra, estavam os Proprietários de Terras: o Imperador; os Senadores; as elites Provinciais e Curiais. Havia portante milhares de arrendatários (coloni) que pagavam aluguel aos grandes proprietários pelo uso da terra.
Havia poucos casos nos quais os camponeses eram donos de suas próprias terras. Exemplo: Aldeia de Aphrodite, atual Kom Ishqaw, no Egito. Com efeito, havia mais camponeses proprietários no Oriente do que no Ocidente. No Ocidente, os proprietários de terra tinham grandes quantidades de terra, nada comparado com o que acontece hoje. A diferença entre ricos e pobres era maior no Ocidente do que no Oriente romanos. E quanto maior o distanciamento entre ricos e pobres, maior era a hostilidade reinante.

PRODUÇÃO ARTESANAL E COMÉRCIO:

Tecidos: Itália, Gália, Egito e Síria se destacavam nesse segmento, sendo os maiores exportadores. Escavações arqueológicas que encontram ânforas indicam a existência de comércio de vinho, azeite e molho de peixe. O azeite poderia ser oriundo de ilhas na Mar Egeu, da Síria, do sul da Itália ou Palestino.

"Navios zarpavam da África para a Itália a cada outono, levando grãos e azeites estatais para Roma como "annona"; indubitavelmente, eles também levavam bens comerciais, cerâmicas e, novamente, azeite, cujo custo de transporte era pago, assim, pelo Estado; tais produtos podiam ser vendidos do outro lado do Mediterrâneo a preços mais competitivos, quer seja em Roma ou em outros portos."
(página 83)

A DUPLA FACE DO IMPÉRIO ROMANO:

O mundo romano tardio tinha duas caras:

Uma cara Local
Uma cara Imperial

Muitas línguas eram faladas: latim, grego, Proto-Galês (na Britânia), Basco (partes da Hispânia), Berbere (África), Copta (Egito), Hebreu, árabe, aramaico/siríaco (Levante), Gaulês (Gália), Isaurio e armênio (Anatólia). E havia muito mais.
Mesmo com todas essas diferenças, Roma conseguiu impor um certo grau de homogeneização.

"As pessoas sentiam-se parte de um único mundo romano, uma consciência que se estendeu não apenas às elites citadinas, mas também às aldeias."
(página 84)

Esse sentimento de pertencimento a uma mesma comunidade era reforçado pela prática do Patronato.

OS OUTROS:

O mundo romano era cercado pelos outros.
Os romanos costumavam desprezá-los e não conseguiam ter a exata compreensão sobre eles. Mas mesmo assim havia alguma interação entre os romanos e os outros.
Quem eram esses outros que cercavam o Império Romano:

👉PERSAS: No leste, havia o Império Persa, governado pela dinastia Sassânida (220-640). Localizava-se na Eurásia Centro-Ocidental. A tensão com a Pérsia era constante. Em 363, o Imperador Juliano invadiu o que hoje é o atual Iraque e que em 363 d.C. pertencia ao Império Persa. A invasão romana foi obstada e repelida. Nos anos de 614-628, foi a vez do Império Persa passar para a ofensiva, conquistando o oriente romano, mesmo que temporariamente.

"...era quase tão grande quanto o Império Romano, estendendo-se a leste para a Ásia Central e para o atual Afeganistão."
(página 86).

A religião do Império Persa era o Zoroastrismo. Tinha ainda minorias cristãs e judaicas.

👉 BERBERES: Os outros 'barbari' (bárbaros) estavam no sul do Império Romano, na África. Eram tribos nômades e seminômades que falavam a língua berbere.

👉BRITÂNIA: Na Bretanha, os romanos se viam cercados pelos Pictos no Norte e pelos irlandeses no Oeste

👉GERMANI: Os romanos viam os povos que ficavam nas fronteiras dos rios Reno e Danúbio como um bloco único, denominando-os de Germani. Mas não eram um bloco único. Os povos que ficavam nas fronteiras dos rios Reno e Danúbio eram:

- Francos: baixo Reno (século IV)
- Alamanos: centro e baixo Reno (século IV)
- Godos: baixo Danúbio e noroeste das estepes do que hoje é a Ucrânia (século IV)
- Frísios: moderna Holanda
- Saxões: norte da Moderna Alemanha
- Vândalos ou Lombardos: leste
- Quados: viviam no que hoje são Eslováquia e Hungria. Prováveis descendentes: Suevos e Rúgios

"A transformação dos Quados é apenas um exemplo, dentre vários, de uma característica crucial de todas essas comunidades tribais: elas eram muito mutáveis."
(página 88)

nenhuma delas era constituída de grupos étnicos unidos, todas consistiam em tribos menores, cada uma com um líder específico
numa guerra, esses líderes podiam unir suas forças, criando uma confederação

"Isso encaixa na descrição dos alamanos das décadas de 350 a 370, segundo Amiano, cujos 7 reis (reges) se uniram para combater Juliano, em 357, sob o comando de Conodomário e seu sobrinho Serápio, os quais também eram apoiados por 10 líderes menores, 'regales', além de aristocratas de várias 'nationes'. Será que todas essas 'nationes' sequer pensavam em si como alamanos, ou será esse, assim como germânicos, apenas um termo romano para uma realidade muito mais incipiente?"
(página )

Esses 'outros' formavam sociedades de camponeses, vivendo da agricultura, exceto os nômades Berberes do Saara), vivendo em Vilas, com a elite geralmente vivendo ao lado dos agricultores. Eram sociedades assentadas e estáveis; normalmente não se deslocavam. O contato dessas tribos com os romanos pode ter levado ao enriquecimento de seus líderes. Achados arqueológicos encontraram líderes bárbaros enterrados ricamente, ao lado de manufaturas romanas. Os ricos entre os bárbaros estavam se tornando mais ricos.

"Os romanos comercializavam para além das fronteiras; também empregavam 'bárbaros' como soldados pagos, em todos os séculos."
(página 89)

FRONTEIRAS MAIS CRÍTICAS PARA OS ROMANOS:

As fronteiras mais criticas estavam no norte da Gália e nos Balcãs. Tornaram-se regiões militarizadas. Bárbaros, como anotamos, eram usados no exército romano. Bárbaros eventualmente também podiam ser assentados no lado romano. Do outro lado da fronteira, os bárbaros começaram a emular a hierarquia romana em seus territórios. Lentamente, as sociedades romana e 'bárbara' tornavam-se semelhantes.

"Esse tipo de observação tem sido utilizado por alguns historiadores recentes  como base para o argumentos de que nada realmente mudou quando os 'bárbaros' entraram no Império Romano nos século V, e substituíram a metade ocidental com seus próprios reinos. Havia muito tempo que os imperadores se originavam, em grande parte de famílias militares das fronteiras; os estados sucessores tinham reis de um tipo similar, apenas vinham de mais além da fronteira."
(página 90)

"Esse é um argumento melhor do que o tradicional, que apela para ondas de germanos migrantes que foram dominando os enfraquecidos (porque barbarizados) exército e estado romano, mas também vai longe demais."
(página 90)

HUNOS:

Povo nômade da Ásia Central. Ancestrais dos mongóis. Dizia-se que comiam carne crua, viviam no lombo de cavalos. Eram grandes guerreiros. Em seu avanço para o oeste, os hunos empurraram outras tribos para a fronteira romana. Os Tervíngios, uma tribo gótica, empurrados pelo avanço huno, tentou entrar no Império Romano, em 376. Outras tribos ficaram ao norte do Rio Danúbio, aceitando o domínio huno.

FRONTEIRAS ROMANAS FORÇADAS POR MIGRANTES:

Dois séculos antes dos Hunos, as fronteiras romanas já eram forçadas por migrantes. Essa situação podia resultar em:
- as tribos eram derrotadas e escravizadas
- absorvidas pelo Império
- repatriadas/conduzidas de volta

Havia casos de Tribos que realmente pediam asilo aos romanos. Num caso, os Godos foram aceitos nos Balcãs. Mas eles foram maltratados pelos romanos, de forma que se revoltaram e depois derrotaram um exército romano em Edirne (Adrianópolis, atual Turquia) em 378. Valente, Imperador Oriental (364/378), comandava o exército romano que foi derrotado. Na sequência, Godos e Romanos fizeram as pazes.

Os Godos
 "Por volta de 394, estavam lutando no exército romano do Oriente, contra um usurpador ocidental colocado por Arbogasto. Todavia, eles não se tornaram romanos, e permaneceram como um agrupamento étnico separado, o primeiro grupo dentro do Império Romano a fazê-lo."
(página 92)

INTERPENETRAÇÃO:

Os romanos não souberam usar essa interpenetração a seu favor. Em 405/406, mais bárbaros empurrados pelos Hunos forçavam as fronteiras do Império Romano. Alguns conseguiam entrar. Mas os romanos não souberam lidar com esses migrantes; não conseguiram cooptá-los para a sua causa. A entrada desses elementos não tinha "que ir, de forma alguma, contra as estruturas romanas de poder e, no Oriente, não ia." (página 92)

Mas erros políticos foram cometidos pelos romanos ao lidar com essas ondas migratórias. "a inaptidão estratégica diante de uma situação política em constante mudança, por fim, contribuiu para afundar a metade Ocidental do Império Romano." (página 92)


ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "O LEGADO DE ROMA, ILUMINANDO A IDADE DAS TREVAS, 400-1000, CHRIS WICKHAM, EDITORA UNICAMP, imprensa oficial Governo do Estado de São Paulo, capítulo 1, o Peso do Império.



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