1) MARGINAIS NA IDADE MÉDIA:
Sujeito Marginalizado é alguém situado à margem da vida social. Cada época contitui a sua margem, fora da qual indivíduos e grupos sociais serão vistos como inadequados e perniciosos à ordem estabelecida.
Quem eram os marginais, os excluídos elegidos pelas instituições da ordem (ex.: Igreja Católica) durante a Idade Média?
a) Banidos: O banimento era a morte em vida. O banido tinha todos seus laços de parentesco e amizade rompidos. Ninguém tinha o direito de alimentá-lo e alojá-lo. Nenhuma pessoa da comunidade poderia prestar solidariedade a ele. O banido estava condenado a vagar sozinho pelas florestas. Seus bens eram confiscados em proveito do lesado pelo seu crime ou em proveito do Tesouro (forma de entidade estatal existente). Como não havia vida fora da comunidade, o banido era dado como se falecido fosse. Sua mulher era agora viúva e, seus filhos, órfãos de pai. Vagando pela floresta, a lei não iria protegê-lo, de forma que qualquer um poderia matá-lo impunemente.
Mas a coisa ia além. Não era só o mundo dos vivos que estava fechado para ele. O mundo dos mortos também. Era negado a ele o direito a uma sepultura. Ele não dinheiro direito a um enterro cristão. Seus despojos ficariam expostos, à disposição dos animais. No imaginário/imagético medieval, o banido sofria um processo de perda de sua humanidade, sendo comparado a um lobo. O lobo representava a floresta (natureza), o mundo natural, em oposição à cidade, à comunidade e à cultura. A natureza estava fora do controle do homem, fora de seu alcance. Já a segunda realidade, constituída pela cidade, pela comunidade, fora construída pelo homem.
"Em outras palavras, a época opunha ao mundo humano, quer dizer comunitário, o universo da solidão." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 143).
"A Idade Média possuía sua própria visão do que viria a ser a oposição entre cidade e campo, reflexo da oposição entre cultura e natureza: colocava de um lado o que havia sido erguido ou construído pela mão do homem, e de outro os elementos selvagens e fora do alcance. Em outras palavras, a época opunha ao mundo humano, quer dizer comunitário, o universo da solidão." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval, Jacques Le Goff e Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 143)
O banido, assim como o lobo, tinha deixado de pertencer à comunidade. E assim como o lobo, o banido estava condenado a vagar pelas florestas solitariamente.
"A impunidade do assassinato de um banido fazia dele, aos olhos da lei, alguém igual ao lobo." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 144)
A figura do banido ajudou a estigmatizar certos grupos sociais. Sua condição de condenado a vagar por aí sem destino, a ser um errante, fez com que certos grupos sociais fossem comparados com eles. Podemos citar como exemplo os ciganos. A população de uma comunidade, vendo a chegada de um grupo de ciganos, acabaria por atribuir a eles características negativas. Essas caracteristicas eram vistas de forma negativa porque elas podiam ser encontradas na figura do banido: vagar sem destino certo, errantes percorrendo a terra.
b) O herético:
Segundo Santo Agostinho, os heréticos pertenciam à civitas diaboli. O herético representava um perigo para a coesão comunidade cristã, de forma que a Igreja Católica buscava formas para segregá-lo do convívio social. Os heréticos eram opositores internos da ordem estabelecida pela Igreja Católica.
"Eles não contestavam o dogma, mas interpretavam-no à sua maneira." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 146)
Os heréticos então deviam portar um sinal na roupa que os distinguisse dos demais membros da comunidade, de modo a erguer barreiras protetoras tangíveis, deixando os fiéis separados deles. Era imperioso impedir o contato entre o fiel devoto da Igreja Católica com um herético. O herético podia fazer com que o fiel se desviasse para o lado da heresia.
c) O judeu:
No século XIII (ano 1215), no Concílio de Latrão, ficou decidido que os judeus deveriam usar roupas que os distinguissem dos cristãos. A Igreja Católica temia que, se não houvesse essa distinção visível, judeus e cristãos poderiam manter um relacionamento, em alguns casos até uma relação amorosa, sexual. O uso de roupas diferentes ou um sinal distintivo qualquer "...parece ter-se tratado não tanto de marcá-los nem de colocar sobre eles um selo infamente, mas de separar dos cristãos uma categoria humana (os judeus) que lhes era semelhante e com a qual podiam ser confundidos." ((Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 146)
Dessa forma, a Igreja Católica manteria a comunidade cristã coesa/uniforme, impedindo relações amorosas/sexuais entre católicos e judeus.
d) O leproso:
A lepra provinha da conduta pecaminosa da pessoa. O contato com o mal tinha o condão de produzir estigmas nos corpos das pessoas.
Constava de um Código de Leis (Código de Rotário da Lombardia), no ano 635, século VII, acerca dos leprosos: O citado Código autorizava também "...a abandonar uma noiva que ficasse cega, louca ou leprosa, 'pois isso provém de seus pesados pecados e da doença que deles resulta' " (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval, Jacques Le Goff e Jean Claude Schmitt, volume 2, editora Unesp, página 149)
e) A imundície:
O cheiro ruim exalado de um corpo poderia ser o sinal de que aquela pessoa tinha relação com algo ruim. A cultura cristã associava a sujeira aos vícios, à vida desregrada, que era sua origem ou consequência. Um pecado podia ser associado à sujeira, ao mau cheiro. Essa sujeira era inerente ao pecador. Essa sujeira poderia ser passada adiante, caso o portador dessa imundície tocassa em alguém, daí a necessidade de se segregar os judeus.
Os judeus, vistos como os culpados pela crucificação de Jesus, possuíam essa impureza, razão pela qual "...o Papa Inocêncio III considerava escandaloso que cristãos dessem aos judeus seu gado para abater e seu vinho para prensar." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 149)
Leis então passaram a proibir que judeus e cristãos sentassem-se à mesma mesa, frequentassem os mesmos albergues, etc.
f) Certas profissões:
As pessoas que exercessem determinadas profissões também podiam se ver marginalizados. Os usurários, os carrascos, as prostitutas, etc
"O comerciante que cobrava juros vendendo o tempo que pertencia apenas a Deus, o mestre escola que vendia conhecimento, outra propriedade de Deus, só foram lentamente reconhecidos pelo seu trabalho. O carrasco, pelo ofício infame, também suscitava medo." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval, Jacques Le Goff e Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 151)
2) LIBERDADE E SERVIDÃO NA IDADE MÉDIA:
a) Introdução:
A decadência do Estado, com o subsequente desmoronamento do Império Romano do Ocidente, no século V, acabou por jogar muitos dos humildes da época no colo dos poderosos, numa relação de dependência. A relação se dava da seguinte forma: de um lado o Senhor, que disponibilizava proteção a alguém, contra a agressão de algum outro potentado local. Como contraprestação a essa proteção, esse alguém trabalhava para o Senhor que o protegia. Era trabalho em troca de segurança.
Se um camponês fosse atacado, ele não teria a quem recorrer. Não existia um Estado, uma polícia/poder Judiciário a quem recorrer, que pudesse vir em seu socorro. Ele só podia pedir ajudar ao seu Senhor.
b) Séculos VI e VIII:
Entre os séculos VI e VIII na Europa Medieval, a separação entre liberdade e servidão é bem nítida. Era uma repetição do que acontecia na Antiguidade. Ao sujeito livre estava aberta a possibilidade de ir a qualquer lugar que desejasse. Sua capacidade jurídica de ir e vir não conhece limites. Ele pode celebrar contratos, transmitir herança, etc. Ele ainda não pode ser arbitrariamente castigado, posto que está submetido a tribunais públicos. A essas liberdades somam-se outras vindas do costume germânico: homem livre é aquele que anda armado, participa de guerras e da distribuição do butim proveniente delas.
Já o escravo não tem um ordenamento jurídico que o resguarde. Um escravo não tem estatuto. A escravidão não é uma condição, mas um estado.
"...inteiramente submetido ao poder se seu Senhor, o escravo (servus, ancilla, mancipium), não possui recurso algum contra aquele que pode castigá-lo impunemente." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp página 73)
Ademais, os frutos do trabalho do escravo não lhe pertencem. O escravo não pode possuir!
O escravo ainda não pode escolher seu cônjuge e seu senhor pode dispor de seus filhos. Não tem vínculo familiar. Um escravo equivale a um animal, de forma que ele é posto de fora da sociedade.
"No âmbito da sociedade civil, o escravo é deliberadamente rebaixado ao nível de uma animal. Nas leis dos séculos VI a VIII, as cláusulas relativas à venda de escravos encontram-se em meio àquelas que se referem ao comércio do gado." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval, Jacques Le Goff e Jean Claude Schmitt, volume 2, editora Unesp, página 73)
Trata-se de um processo de dessocialização. Essa dessocialização, fundamental em qualquer regime escravista, perderá força conforme haja um nivelamento social, que aproximou escravos e pobres livres (pauperes).
"O direito de vida e morte do senhor sobre o escravo foi abolido apenas no reino visigótico da Espanha, mas mesmo lá a situação dele não melhorou: os senhores privados do direito de matar seus escravos recalcitrantes submetem-nos com frequência a terríveis mutilações." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 173)
c) Distinções entre os escravos:
Havia os escravos bons ou idôneos (idonei). Eram a minoria. Possuíam alguma especialidade técnica. Podiam ser ferreiros, carpinteiros, etc. Alguns, trabalhando na corte, podiam ser concubinas, escrivães, etc. Havia os escravos vis, vilíssimos (vilissimi). Constituíam a grande massa dos trabalhadores rurais. Esses escravos vis podiam surgir na forma de bandos que labutavam nos grandes domínios ou aqueles instalados numa terra concedida e recebida precariamente, sob certas condições, desfrutando de uma precária vida familiar.
d) Sociedade dos livres:
Era composta pelos
d.1) Poderosos/Potentes: Constituíam uma riquíssima aristocracia. Eles são os primeiros (proceres, primates). Por delegação régia, eles detêm o quase monopólio das funções públicas. Em princípio, sua vocação é comandar e sua liberdade quase não conhece limites.
d.2) Pobres (Pauperes): Os pauperes são aqueles que trabalham e obedecem. Em alguns casos, podem até não serem pobres, indigentes ou paupérrimos. Alguns eram donos de várias propriedades agrícolas. O que os caracterizava de verdade era a sua submissão. Submissão em graus variados a um poder. Aqueles que realmente caíam na miséria, buscavam o auxílio e a proteção de algum poderoso local, dando em contrapartida sua obediência e serviço. Outros ainda, sendo ainda mais pobres, vendiam-se a si próprios como escravos. A lei dos visigodos dizia sobre esses contratos de alienação pessoal:
"Qualquer um que pense em vender-se não é digno de ser livre." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 75)
e) Início da Mudança nas concepções de Liberdade e Servidão:
A velha escravidão, aquela importada da Antiguidade, vai desaparecendo aos poucos. Aos poucos os escravos ascenderam para a classe livre dos pauperes. Progressos técnicos (uso da energia hidráulica, por exemplo) levaram à redução da necessidade do uso de mão-de-obra maciça.
"...a multiplicação de moinhos à água libera as mulheres escravas da obrigação de passar uma grande parte do dia e da noite movendo as mós com seus próprios braços." ( Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 76)
"Mas seria equivocado imaginar que a libertação dos escravos rurais decorre apenas de progressos técnicos ou de transformações econômicas. A conquista da liberdade foi uma luta, ardente e obstinada, que se desenrolou por séculos (...) Ela foi marcada, certamente, por rebeliões, muitas vezes sangrentas (no século III, no V e ainda em fins do século VIII, no reino das Astúrias), mas sobretudo por uma resistência surda e por fugas maciças (na Espanha e na Itália, nos fins das monarquias visigótica e lombarda)." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 77)
"Em princípios do século XI, a escravidão de tradição antiga é apenas um vestígio anacrônico." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 77)
Mas é preciso ter em mente que tipo de liberdade irá substituir a escravidão, a partir do século XI. O humilde que agora é livre verá sua liberdade desidratada. Ele não terá aquela liberdade de quem anda armado, participa de uma expedição guerreira, usufruindo o butim que dela resulta. Ele também se verá em desvantagem nos âmbitos judiciário e econômico. A evolução do armamento e dos métodos de combate torna insignificante as armas simples das pessoas comuns. A guerra é atributo de especialistas que combatem a cavalo, os milites (cavaleiros).
O pobre livre é reduzido à condição de alguém que, por si só, não tinha como se defender (inermis).
O Camponês é, portanto, o "...homem desarmado e à mercê de todas as violências." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 78)
A grande propriedade passa a ser a regra. Más colheiras e partilhas sucessórias fazem com que as pequenas propriedades desapareçam, fazendo com que haja uma concentração de terras nas mãos de poucas pessoas.
Com a ausência de um poder político centralizado (ruína do Império Carolíngio no século IX), o humilde se vê sem a garantia de uma justiça pública. Sem um poder central empoderado, o campo fica livre para a ação daqueles que possuíssem mais poder, os senhores castelães. Trata-se da aplicação da lei do mais forte. Na ausência do Estado, sob o império da anomia, o homem, mais do que nunca, torna-se o lobo do próprio homem.
"O Senhorio se estabelece." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 78)
Quem são esses senhores que se aproveitam do vácuo de poder vigente? O senhor é geralmente o chefe de uma das inumeráveis fortalezas (castelos) que se constroem por toda part. Esse senhor impõe o seu "ban", que é o poder de comandar, julgar e castigar todos os homens que vivem em torno de seu castelo. Tais prerrogativas foram recebidas dos príncipes territoriais (condes, duques), que, por sua vez, receberam-nas do próprio rei.
Os homens ainda teoricamente livres, que habitavam nessas áreas sob o comando de um senhor castelão, tinham que se submeter a ele.
"O castelão e seus agentes arrogam-se também o direito de requisitar a casa do camponês e de consumir suas provisões (direito de asilo ou de pousada)" (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 77)
O camponês então, mesmo sendo teoricamente livre, via-se tiranizado por esses senhores. Poderíamos fazer uma analogia com o que acontece atualmente na cidade do Rio de Janeiro, onde cidadãos livres se veem controlados por grupos de milícias e de tráfico de drogas. Bairros inteiros sob o império de traficantes ou milicianos. A ausência do Estado, em qualquer época, possibilita que grupos armados organizados tiranizem os habitantes de uma determinada área.
O Senhor ainda podia fazer o papel de juiz, impondo multa e confisco de bens.
Essa forma de dependência entre o senhor castelão e o camponês foi chamada de Servidão.
f) Feudalismo:
Sociedade fundada no vínculo pessoal (relação de dependência). Na ausência de um poder político central, que a todos vinculasse de forma impessoal, o que fornecia liga àquela sociedade era o vínculo entre as pessoas, entre o vassalo e o seu suserano/senhor.
Na sociedade feudal, encontramos de um lado os senhores do "Ban" e seus auxiliares, a saber, no essencial, os barões e seus cavaleiros; de outro lado, temos aqueles que, independentemente de seu estatuto teórico, estavam submetidos às imposições do senhor castelão.
Os senhores são os livres entre os livres, nascidos em berço nobre, que não sofrem coação de nenhum poder e, protegendo grandes e pequenos, protegem-se a si próprios. A sua liberdade pode ser traduzida pela impunidade e imunidade. Em torno dele, reúnem-se uma tropa de vassalos, que não são iguais entre si. Na verdade, há um encadeamento. Uma mesma pessoa pode ser vassalo e senhor. "A" é vassalo de "B", um senhor castelão. Ao mesmo tempo, "A" pode ser senhor de "C", que será seu vassalo.
A liberdade no feudalismo tornou-se uma questão de classe social e não de ordem jurídica, como acontecia na Antiguidade e no início da Idade Média .
"O fato é que a clivagem entre livres e não livres não é mais de ordem jurídica como na Antiguidade e na alta Idade Média, mas de cunho social." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 80)
3) CAVALARIA:
Na Cavalaria, não entra quem quer. Reis, príncipes e senhores filtram quem pode ou não pode ser um cavaleiro. De guerreiro a cavalo, o cavaleiro se torna aristocrata (nobre). São, antes de tudo, soldados. São os milites, os chevaliers.
"...o Cavaleiro forma um todo com sua montaria e esse projétil vivo beneficia-se da potência que lhe confere o galope do cavalo." (página 213)
Há um choque frontal. O cavaleiro usa uma lança em posição horizontal fixa.
"...a carga compacta de cavaleiros, lança estendida na horizontal, adquire terrível força de penetração, capaz de desbaratar as fileiras adversárias e provocar o medo, o pânico e a fuga do inimigo." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval, Jacques Le Goff e Jean Claude Schmitt, editora Unesp, volume 1 213).
Além de representar uma força ofensiva formidável, ainda cercava-se de muitas defesas.
"Nos séculos XI e XII, o cavaleiro protege seu corpo graças à loriga, cota de malha flexível de uns dez quilos, reforçada no século XIII, para ceder lugar, nos séculos XIV e XV, às armaduras rígidas, mas articuladas, que transformavam o cavaleiro em verdadeira fortaleza montada, quase invulnerável se ele estivesse a cavalo, mas terrivelmente exposto e frági quando, desmontado, ele fica no chão, à mercê da adaga dos infantes (chamada, aliás, 'misericórdia'), capaz de penetrar nos interstícios da couraça e conduzir à morte ou, pelo menos, à sua ameaça para obter rendição." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval, Jacques Le Goff e Jean Claude Schmitt, editora Unesp, volume 1, página 213/214)
O cavaleiro da Idade Média era, portanto, uma espécie de carro blindado da época moderna.
As origens dos cavaleiros datam de antes do ano 1000. Nessa época, os grandes senhores tinham se cercado de uma clientela formada por vassalos e combatentes profissionais, encarregados, logicamente, de protegê-los e ajudá-los no exercício do poder que eles encarnavam. Com o colapso do poder central, consubstanciado na ruína do Império Carolíngio no século IX, o poder se dividiu, ficando nas mãos de vários tipos de senhores, que irão se valer dos serviços desses cavaleiros, no contexto de uma sociedade feudal em crescimento.
O Império Carolíngiou colapsou a partir de meados do século IX, sendo atingido por ataques desferidos pelos Vikings, húngaros e sarracenos. O Império acaba sendo dividido entre os filhos de Luís, o Piedoso (Tratado de Verdum de 843). O título imperial acaba por perder significado e o poder central fragmenta-se nas mãos de inúmeros senhores (condes, príncipes, etc.
"A pulverização do poder público acentua-se ainda mais nos séculos X e prossegue no século XI. O poder de mando de origem pública não desaparece, mas, despedaçado, reparte-se segundo uma hierarquia variável no seio das elites da aristocracia militar, dos príncipes aos condes, dos condes aos castelões e dos castelões aos mais poderosos senhores. Aí, esse poder encontra um outro, o do senhor rural sobre seus homens, seus dependentes. O Estado não mais se resume a uma relação privilegiada entre o Soberano e o aristocrata militar: ele está compreendido no conjunto de relações sociais que estruturam essa classe aristocrática; é exatamente isso que constitui a revolução feudal." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacques Le Goff e Jean Claude Schmitt, editora Unesp, volume 1, página 449)
O sujeito tornava-se cavaleiro por meio de um ritual, conhecido como Adubamento. Por meio do adubamento, geralmente um jovem, era admitido como cavaleiro. Armas eram entregues para ele. A Igreja também participava, abençoando-o.
Os cavaleiros eram também conhecidos como Milites
4) NOBREZA
Tratava-se de uma sociedade dominada por uma classe superior. Vários substantivos nomeiam-na: optimates, proceres, majores, illuster, nobilis. O nobre quer escapar de todos os controles que limitam a ação do homem comum. Casa-se na sua classe. Evita se misturar com quem não é de sua classe. É uma nobreza de sangue. A nobreza justifica seus privilégios no campo de batalha, no qual derrama o seu sangue, como um tributo, que servirá como justificativa para que se veja livre de qualquer controle ou limitação.
O conceito de Nobreza veio de dois lugares:
a) Da Antiguidade Clássica. Das Instituições romanas. Não obstante as invasões bárbaras, muita coisa do Império Romano do Ocidente foi preservada, tais como a noção de cidadão, autoridade pública, Estado, etc.
b) Tradição Germânica: Aqui a nobreza notabilizou-se pela Libertas, que era a faculdade de dispor de si e de seus bens, a capacidade de julgar, o direito de comandar, proibir, punir, proveniente do nascimento e da propriedade.
No fim, houve um amálgama entre as duas tradições, a romana e a germânica, na construção do conceito de Nobreza.
A transmissão da nobreza, de seu nome, estatuto, patrimônio poder e condição de nobre.
A nobreza era pouco numerosa. Com seus casamentos consanguíneos, ela gerava gerações de pessoas doentes. dos quais se defaz, enviando-os para conventos, mosteiros. Cegos, caolhos, pernetas, mancos, disformes em geral, todos eles nobres de nascimento. A nobreza ainda perde muitos de seus membros em guerras. Participar de guerras era o tributo que a nobreza pagava para conseguir seu estatuto de privilegiado.
Ligação entre o Rei e a Nobreza
Os carolíngios criaram uma ponte entre si e os nobres autóctones e estrangeiros. E eles iam além da nobreza de sangue. Os carolíngios criaram uma espécie de nobreza que era alcançada por meio de serviços prestados ao Soberano.
É criada ainda uma relação de simbiose entre o Rei e a Nobreza. Uma não poderia existir sem a outra. Sem rei não há nobreza e sem nobreza não há rei. A nobreza também terá uma relação umbilical com a Igreja Católica. Vários membros da Nobreza tinham cargos na Igreja
Com a crise do Império Carolíngio, no século IX, o poder central esfarela-se. O poder que estava na mão do Imperador passará para as mãos de inúmeros senhores, detentores daquilo que era chamado de senhorio banal, proveniente do Bannum (Ban), que era o poder de comandar, proibir, punir, etc.
Ascensão à nobreza:
Alguém podia se tornar nobre, como já dito acima, prestando serviços a algum grande senhor, que possuísse poder para fazê-lo um nobre. Em meio ao caos do século X, senhores vários (reis, príncipes, etc), cercavam-se de pessoas, de uma clientela, para ajudá-los nos mais diversos assuntos. Cercam-se, sobretudo, de Milites, os combatentes a cavalo (cavaleiros). Se prestassem bons serviços, esses Milites recebiam feudos (uma propriedade com alguma residência fortificada). Esses Milites deviam obediência ao seu senhor, deviam dar a sua vida para ele em meio a um combate, etc. Deveriam ainda combater os hereges, proteger as mulheres, os órfãos, pobres, etc. Com o passar do tempo, esse cavaleiro poderá se tornar um nobre
Um título de nobre também poderia ser concedido por um Senhor que tivesse poder para tanto, geralmente um rei, um Imperador ou um príncipe.
Tudo isso foi um meio para "....rejuvenescer a nobreza, de preencher as lacunas e sobretudo enriquecê-la com numerosos e competentes fiéis. O Estado, que estende seu controle ratione materiae et loci, necessita cada vez mais de auxiliares de confiança." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacques Le Goff e Jean Claude Schmitt, editora Unesp, volume 2, página 323)
Fim da Idade Média:
Não teve o condão de acabar com a Nobreza. Houve adaptações às circunstâncias. Conservava a sua vocação militare suas ambições políticas. Continuava buscando escapar dos controles estatais que limitavam o restante de população. Alguns trocam o campo pela cidade. Continuam ocupando excelentes cargos no serviço militar e no serviço civil.
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