segunda-feira, 22 de agosto de 2011
Justiça
JUSTIÇA
O que a lei
não redime
é o crime
com defeito.
Se bem-feito
ou bonito,
o delito
talvez rime
com direito.
Se perfeito,
ora, o crime
é a lei.
Eugênio Bucci
Ilustríssima, Domingo, 21 de agosto de 2011, Folha de São Paulo, página 10.
segunda-feira, 13 de junho de 2011
Erros e um final feliz
Erros e um final feliz
No dia a dia do Fórum nos deparamos com erros alheios que podem nos prejudicar
O exemplo abaixo é elucidativo aconteceu comigo.
Na imagem 1 temos o despacho do Juízo designando data e hora de uma audiência de instrução, debates de julgamento para o dia 11 de janeiro de 2011. Esse despacho consta da folha 53 do processo.
Muito bem, até aqui tudo bem.
O problema vai aparecer agora.
No documento aqui numerado como nº 2, vemos a folha 57 na qual há dois atos praticados por um serventuário da Justiça: No primeiro, ele diz que o despacho que marcava a audiência do dia 11 de janeiro teria sido remetido para a publicação no Diário Oficial no dia 17 de dezembro de 2010. Abaixo, ele volta a carga para dizer que aquilo que ele teria remetido em 17 de dezembro de 2010 fora publicado nesse mesmo dia! Eu não consigo imaginar como isso foi feito. Que celeridade! Nunca imaginei que um jornal fosse impresso tão rápido assim. Mesmo que fosse uma publicação apenas virtual, desconfio que não seria factível fazê-la com ao ponto da remessa de algo coincidir com a sua publicação.
Mas enfim, há mais.
Não vamos entrar no mérito da celeridade improvável da publicação.
De fato, algo foi publicado em meu nome naquele dia. Mas não era nada sobre a referida audiência para a qual eu deveria ter sido intimado, inclusive, pessoalmente, e não via diário oficial.
Na publicação do dia 17/12/2010 há um despacho que nada tem a ver com a audiência, pois nele há menção a um outro fato do processo, como se vê na imagem de número 3. Tratava-se de uma intimação de um apenso que dizia respeito ao pedido de restituição de uma motocicleta que teria sido usada pelo assaltante num roubo.
Qual foi o resultado disso tudo?
A audiência aconteceu no dia 11 de janeiro de 2011. Eu, como não tinha conhecimento dela, a ela não compareci. Todavia, fui dado como ausente e o Juízo determinou que se oficiasse à OAB local comunicando que eu não havia cumprido com as minhas obrigações.
Sobre essa audiência, veja a imagem número 4
Mas o final da história foi feliz.
A respeito do feliz deslinde dela, eis que tudo ficou esclarecido. E tudo isso acontecendo e eu não sabendo de nada.
Na imagem 5 vemos o serventuário se corrigindo em parte
Na imagem 6, o Juízo, ao tomar ciência da Certidão do seu serventuário, pede que se desconsidere o envio daquele oficio à OAB local no qual constaria a minha ausência de uma audiência que eu sequer fora intimado, nem pessoalmente, nem via diário oficial.
Imagens mencionadas acima e relacionadas abaixo. Para melhor visualização, clique sobre elas (botão esquerdo do seu mouse - um clique ou duplo clique):
Imagem 1:
Imagem 3:
Imagem 5:
Imagem 6:
quinta-feira, 9 de junho de 2011
Poema
PREPARANDO A CREMAÇÃO
Levanto-me. Vou ao cartório
autorizar minha cremação. Autorizar
que transformem
minhas vísceras, sonhos e sangue
em ficção.
O que pode haver
de mais radical?
Assinar este papel
tão simples
tão fatal.
Autorizar a solução final
de todos os poemas.
Faz um belo dia. Do terraço
vejo o mar:
pescadores cercam um cardume
banhistas seguem
se expondo à vida, ao sol.
Olho a trepadeira de jasmim
os vasos de begônia e gerânios
margaridas brancas e a azaleia:
– a vida continua viva dentro
e ao redor de mim.
Poetas antes e depois de Homero
tentaram cantar a morte.
(Nos consolaram).
Hamlet (cioso)
dialogou com uma caveira
de antemão.
Olho cada parte de meu corpo
que vai se desintegrar:
mexo os dedos, vejo as veias
e no espelho esse olhar
que nada mais verá.
Irei à praia daqui a pouco
mas antes passarei pelo cartório.
Há muito venho me preparando
me despedindo do sorriso da mulher, das filhas
da rua onde diariamente passo
me despregando dos livros
vizinhos e paisagens.
Não sou só eu. Minha mulher
antes de mim no mesmo cartório foi
e ainda mostrou-me o documento.
Olho-a neste terraço: lá está ela, viva!
ligada nas plantas e planos. Olho-a:
acabou de fazer um vestido novo.
Como imaginá-la no jamais?
Ao lado, o barulho de um túnel que estão cavando:
– é a nova estação do metrô.
Há um alarido de crianças na escola vizinha
e eu saio
numa esplêndida manhã de sol
para cuidar de minhas cinzas.
Tenho muito que dialogar com a morte
e a vida ainda.
O AUTOR
Nome: Affonso Romano de Sant’Anna
Idade: 74. Nascimento: Belo Horizonte
SITE OFICIAL:
http://www.affonsoromano.com.br/
Levanto-me. Vou ao cartório
autorizar minha cremação. Autorizar
que transformem
minhas vísceras, sonhos e sangue
em ficção.
O que pode haver
de mais radical?
Assinar este papel
tão simples
tão fatal.
Autorizar a solução final
de todos os poemas.
Faz um belo dia. Do terraço
vejo o mar:
pescadores cercam um cardume
banhistas seguem
se expondo à vida, ao sol.
Olho a trepadeira de jasmim
os vasos de begônia e gerânios
margaridas brancas e a azaleia:
– a vida continua viva dentro
e ao redor de mim.
Poetas antes e depois de Homero
tentaram cantar a morte.
(Nos consolaram).
Hamlet (cioso)
dialogou com uma caveira
de antemão.
Olho cada parte de meu corpo
que vai se desintegrar:
mexo os dedos, vejo as veias
e no espelho esse olhar
que nada mais verá.
Irei à praia daqui a pouco
mas antes passarei pelo cartório.
Há muito venho me preparando
me despedindo do sorriso da mulher, das filhas
da rua onde diariamente passo
me despregando dos livros
vizinhos e paisagens.
Não sou só eu. Minha mulher
antes de mim no mesmo cartório foi
e ainda mostrou-me o documento.
Olho-a neste terraço: lá está ela, viva!
ligada nas plantas e planos. Olho-a:
acabou de fazer um vestido novo.
Como imaginá-la no jamais?
Ao lado, o barulho de um túnel que estão cavando:
– é a nova estação do metrô.
Há um alarido de crianças na escola vizinha
e eu saio
numa esplêndida manhã de sol
para cuidar de minhas cinzas.
Tenho muito que dialogar com a morte
e a vida ainda.
O AUTOR
Nome: Affonso Romano de Sant’Anna
Idade: 74. Nascimento: Belo Horizonte
SITE OFICIAL:
http://www.affonsoromano.com.br/
sábado, 5 de março de 2011
Jura dizer a verdade, somente a verdade, nada mais do que a verdade?
O Juramento caiu em desuso.
Alguém pode ver esse ato apenas como uma mera formalidade.
Em Juízo, num processo judicial, o juramento ainda é usado. É crime mentir em juízo como já escrevi:
http://direitomaisdireito.blogspot.com/search/label/Falso%20Testemunho
Mas quando a Religião era mais presente no dia a dia das pessoas, essa conduta de jurar em nome de Deus tinha muita importância. As pessoas juravam por temer à Deus e não à Lei Criminal
Trecho de um filme que descreve bem a ideia moral do Juramento:
"Deus aprecia mais os pensamentos do coração do que as palavras da boca?
Mas o que é o juramento senão palavras que dizemos a Deus?
Quando um homem presta juramento, está a colocar-se nas suas próprias mãos, como água.
Se abre os dedos, nega-se a esperar que se encontre consigo mesmo novamente."
Trecho retirado do filme: A Man for All Seasons (O Homem que não vendeu sua alma ou Um homem para a eternidade)
http://cinema.uol.com.br/resenha/o-homem-que-nao-vendeu-sua-alma-1966.jhtm
Pelo que eu compreendi, abrir os dedos significa deixar de cumprir com aquilo que jurou e dessa forma deixar de se encontrar consigo mesmo
Alguém pode ver esse ato apenas como uma mera formalidade.
Em Juízo, num processo judicial, o juramento ainda é usado. É crime mentir em juízo como já escrevi:
http://direitomaisdireito.blogspot.com/search/label/Falso%20Testemunho
Mas quando a Religião era mais presente no dia a dia das pessoas, essa conduta de jurar em nome de Deus tinha muita importância. As pessoas juravam por temer à Deus e não à Lei Criminal
Trecho de um filme que descreve bem a ideia moral do Juramento:
"Deus aprecia mais os pensamentos do coração do que as palavras da boca?
Mas o que é o juramento senão palavras que dizemos a Deus?
Quando um homem presta juramento, está a colocar-se nas suas próprias mãos, como água.
Se abre os dedos, nega-se a esperar que se encontre consigo mesmo novamente."
Trecho retirado do filme: A Man for All Seasons (O Homem que não vendeu sua alma ou Um homem para a eternidade)
http://cinema.uol.com.br/resenha/o-homem-que-nao-vendeu-sua-alma-1966.jhtm
Pelo que eu compreendi, abrir os dedos significa deixar de cumprir com aquilo que jurou e dessa forma deixar de se encontrar consigo mesmo
quarta-feira, 5 de janeiro de 2011
As artérias da pedra
AS ARTÉRIAS DA PEDRA
A pedra não filosofa.
Ela bloqueia no seu bloco
de pedra o pensamento
e a sua corda.
A pedra não acorda as coisas
nem dá corda
para metafísicas plangentes.
No seu bloco bloqueado,
a pedra dispensa a ânima
e o ânimo do fluxo líquido
das correntes.
A pedra não corre.
Ela se estaca
e se adensa
no lugar em que se assenta.
Quieta,
a pedra é menos lição
e mais experiência.
Contra ela batem coisas,
batem ventos
e batem outras pedras
diversas.
Mas ela não se move
nem se dispersa
em sua imóvel
siesta.
Nem no sono de sua siesta,
a pedra regurgita por dentro
algum pétreo
som de estômago.
Ou algum flúor
indômito
de qualquer ânsia
de vômito.
A pedra não metaboliza
nem expulsa seus alimentos
nos íntimos arcanos
de seu templo.
Ela concentra nos intestinos
de sua natureza
a cúpula fechada
e a argamassa espessa
de sua igreja.
Isto porque a pedra
mais dorme
do que come.
E o sono dela não é nem sonso
nem elétrico.
Seu sono de pedra
não é o sono épico
ou lírico
de um homem que sonha leve
e aceso.
Bem ao inverso,
seu sono,
de chumbo eterno,
é um sonho paralítico
e paquidérmico.
Tanto que,
silêncio calmo,
as artérias da pedra
são átomos
que, dentro dela,
não se explodem,
compactos que são
em seus ásperos
conformes.
Pois esta é a ciência
de seu nome: - a pedra
não tem as artérias
das árvores,
nem as artérias de nosso corpo
plantado nas veias
de nossa carne.
Dessa ciência,
a diferença nasce,
magna e plena,
entre a pedra
(com o minério esquivo
do seu todo exposto)
e a nossa carne
(com o mistério vivo
no peso de nosso corpo).
Por isso,
a diferença da ciência
da pedra
está no confronto
pronto de suas artérias.
E a diferença é esta:
- As artérias da pedra
só se fixam no todo
dos seus átomos exangues
e impávidos.
Assim inerte,
a pedra inscreve
o império
de seu monólogo fechado.
- As artérias do corpo,
ao contrário,
só se movem na carne
do nosso sangue
e seus intrépidos coágulos.
Assim ativa,
a carne aviva
o espelho
de seu diálogo sangrado.
Autor:
Mario Chamie
sábado, 18 de dezembro de 2010
AUSÊNCIA CHEIA
A CHÍCARA
Chícara posta sobre a mesa.
Ela traz em sua alça
a nostalgia dos dedos.
É preciso muita mão
para alçar
a chícara à altura dos
seus penedos.
Não que o penedo seja
alguma
montanha que se busca.
A questão não é assim
difusa.
Antes de tudo,
há a chícara em si:
é porcelana, é louça?
É plataforma de formas
sobre o pires?
É a borra de café que
pousa para a leitura
dos elixires
de alguma sorte
sem rumo?
A chícara em si é e não é
o dado bruto de um
vácuo, cujo núcleo
não é o mundo
vago de uma sede vaga
e seca.
O oco da chícara dita
outra regra
sobre a mesa:-
a regra da ausência cheia
que, vazia, se preenche
por si mesma.
Autor:
Mário Chamie.
terça-feira, 16 de novembro de 2010
Quando a existência torna-se expiação
"O país perdeu a inteligência e a consciência moral. Não há princípio que não seja desmentido nem instituição que não seja escarnecida. Já se não crê na honestidade dos homens públicos. A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria. Os serviços públicos abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta a cada dia. A agiotagem explora o juro. A IGNORÂNCIA PESA SOBRE O POVO COMO UM NEVOEIRO. O número das escolas é dramático. A intriga política alastra-se por sobre a sonolência enfastiada do país. NÃO É UMA EXISTÊNCIA; É UMA EXPIAÇÃO. Diz-se por toda a parte: O país está perdido. Por isso, começamos a apontar o que podemos chamar de o progresso da decadência."
José Maria de Eça de Queiroz, 1871 (Esse texto foi extraído de uma crônica de Arnaldo Jabor, publicada no jornal O ESTADO DE SÃO PAULO, em 16.11.2010, CADERNO 2, página D10
________________________________
Trata-se de um texto escrito por Eça de Queiroz no qual ele traça um panorama do que era Portugal no século XIX. Acredito que essa descrição se coaduna com o que é o Brasil de hoje.
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
Passarinho
Sabe que uma vez vi no chão um passarinho doente.
Estava frio e, para aquecê-lo, peguei um punhado de esterco que estava no jardim e o cobri com ela.
O passarinho melhorou e ficou tão quente e feliz que começou piar.
Então, eis que surge um gavião...que ouviu os pios e deu um rasante e abocanhou o passarinho.
Moral da estória:
Nem sempre quem te põe na merda é seu inimigo e nem sempre quem o tira é seu amigo.
E o mais importante de tudo:
Passarinho que está na merda não dá um pio.
segunda-feira, 31 de maio de 2010
Destino
O longo vôo das aves no inverno ultrapassa todas as dificuldades, porque as aves conhecem seu destino.
Mahatma Ghandi
Líder pacifista indiano
Líder pacifista indiano
sábado, 22 de maio de 2010
Profecia
Os Irmãos Karamazov, de Dostoievski, Profecias de Ivan Fiodorovich:
Quando a humanidade, sem exceção, tiver renegado Deus, então cairá por si só, sem antropofagia, toda a velha concepção de mundo e, principalmente, toda a velha moral, e começará o inteiramente novo. Os homens se juntarão para tomar da vida tudo o que ela pode dar, mas visando unicamente à felicidade e alegria neste mundo. O homem alcançará sua grandeza imbuindo- se do espírito de uma divina e titânica altivez, e surgirá o homem deus.Vencendo,a cada hora, com sua vontade e ciência, uma natureza já sem limites, o homem sentirá assim e a cada hora um gozo tão elevado que este lhe substituirá todas as antigas esperanças no gozo celestial. Cada um saberá que é plenamente mortal, não tem ressurreição, e aceitará a morte com altivez e tranquilidade...”
quarta-feira, 31 de março de 2010
DA HUMANA CONDIÇÃO

CUSTA O RICO A ENTRAR NO CÉU
(AFIRMA O POVO E NÃO ERRA).
PORÉM MUITO MAIS DIFÍCIL
É UM POBRE FICAR NA TERRA.
Mario Quintana.
Amigo

DO AMIGO
Olha! É como um vaso
De porcelana rara o teu amigo.
Nunca te sirvas dele...Que perigo!
Quebrar-se-ia, acaso...
Mario Quintana
Coleção Melhores Poemas, Seleção Fausto Cunha, http://www.globaleditora.com.br/
2005, 17º edição
sábado, 27 de março de 2010
DO ETERNO MISTÉRIO

"UM OUTRO MUNDO EXISTE...UMA OUTRA VIDA..."
MAS DE QUE SERVE IRES PARA LÁ?
BEM COMO AQUI, TUA ALMA ATÔNITA E PERDIDA
NADA COMPREENDERÁ
Mario Quintana
Coleção Melhores Poemas, seleção Fausto Cunha, editora global editora, 17º edição, São Paulo, 2005, página 78.
sábado, 13 de março de 2010
Buliçosas.............................................................................................................

"Eu vi duas borboletas amarelas pousadas no muro da tarde.
A borboleta maior enfiou numa coisa fininha que nem tripa de lambari
na borboleta menor.
Ambas tremeram de amor durante.
Depois voaram buliçosas pelas ruas do jardim."
Manoel de Barros.
Cuiabá(MT)
Livros:
Menino do Mato
Poesia Completa
(Editora Leya)
terça-feira, 2 de março de 2010
Amor

O amor é uma demanda da terra, para que possamos atingir a calma felicidade dos animais.
(John Donne e João Cabral de Mello Neto)
"O que chamamos de amor é uma fome "celular", entranhada no DNA, no fundo da matéria. É uma pulsão inevitável, uma reprodução ampliada da cópula primitiva entre o espermatozóide e o óvulo. Somos grandes células que querem se reunir, separadas pelo sexo que as dividiu. O resto é literatura."
(Arnaldo Jabor, trecho de texto publicado no Jornal O Estado de São Paulo, terça-feira, 2 de março de 2010, Caderno 2, página D12. O título do texto era: "Acabou o tempo do "happy end")
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010
Da vez primeira em que me assassinaram

Da vez primeira em que me assassinaram
Perdi um jeito de sorrir que eu tinha...
Depois, de cada vez que me mataram...
Foram levando qualquer coisa minha...
E hoje, dos meus cadáveres, eu sou
O mais desnudo, o que não tem mais nada...
Arde um toco de vela, amarelada...
Como o único bem que me ficou!
Vinde, corvos, chacais, ladrões da estrada!
Ah! desta mão, avaramente adunca,
ninguém há de arrancar-me a luz sagrada!
Aves da Noite! Asas do Horror! Voejai!
Que a luz, trêmula e triste com um ai,
A luz do morto não se apaga nunca!
Mario Quintana
Coleção Melhores Poemas, Seleção Fausto Cunha.
Editora Global Editora, 17º edição, São Paulo, 2005, p. 26
sábado, 20 de fevereiro de 2010
Dorme, meu filho.

Vamos, não chores...
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não ser perdeu.
O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.
Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuís casa, navio, terra.
Mas tens um cão.
Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humour?
A injustiça não se resolve.
A sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.
Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.
Carlos Drummond de Andrade.
A Rosa do Povo. Editora Record, 10º edição, 1991, Rio de Janeiro.
21.02.2010, 00:02
Preciso atrasar o relógio em 1 hora, pois hoje acaba o horário de verão. Mas queria atrasá-lo uns 37 anos.
ERRADOS RUMOS

A caminhada....
Amassando a terra.
Carreando pedras.
Construindo com as mãos
sangrando
a minha vida.
Deserta a longa estrada.
Mortas as mãos viris
que se estendiam às minhas.
Dentro da mata bruta
leiteando imensos vegetais,
cavalgando o negro corcel da febre,
desmontado para sempre.
Passa a falange dos mortos...
Silêncio! Os namorados dormem.
Os poetas cobriram as liras.
Flutuam véus roxos
no espaço.
Na esquina do tempo morto,
a sombra dos velhos seresteiros.
A flauta. O violão. O bandolim.
Alertas as vigilantes
barroando portas e janelas
cerradas.
Cantava de amor a mocidade.
A estrada está deserta.
Alguma sombra escassa.
Buscando o pássaro perdido
morro acima, serra abaixo.
Ninho vazio de pedras.
Eu avante na busca fatigante
de um mundo impreciso,
todo meu,
feito de sonho incorpóreo
e terra crua.
Bandeiras rotas.
Desfraldadas.
Despedaçadas.
Quebrado o mastro
na luta desigual.
Sozinha...
Nua. Espoliada. Assexuada.
Sempre caminheira.
Morro acima. Serra abaixo.
Carreando pedras.
Longa procura
de uma furna escura
fugitiva me esconder,
escondida no meu mundo.
Longe...longe...
Indefinido longe.
Nem sei onde.
O tardio encontro...
Passado o tempo
de semear o vale
de colher o fruto.
O desencontro.
Da que veio cedo e do que veio tarde.
A candeia está apagada.
E na noite gélida
eu me vesti de cinzas.
Restos, Restolhos.
Renegados os mitos.
Quebrados os ícones.
Desfeitos os altares.
Meus olhos estão cansados.
Meus olhos estão cegos.
Os caminhos estão fechados.
Perdida e só...
No clamor da noite
escuto a maldição das pedras.
Meus errados rumos.
Apagada a lâmpada votiva,
tão inútil.
Cora Coralina.
Anna Lins dos Guimarães Peixoto Brêtas nasceu na cidade de Goiás, a 20 de agosto de 1889, na "Casa da Ponte". Hoje, sob o nome de Museu Casa de Cora Coralina, recebe turistas de todo o Brasil e do exterior. Morreu em Goiânia, a 10 de abril de 1985.
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
Preparação para a morte

A vida é um milagre.
Cada flor,
Com sua forma, sua cor, seu aroma,
Cada flor é um milagre.
Cada pássaro,
Com sua plumagem, seu vôo, seu canto,
Cada pássaro é um milagre.
O espaço, infinito,
O espaço é um milagre.
A memória é um milagre.
A consciência é um milagre.
Tudo é milagre.
Tudo, menos a morte.
_ Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres.
Manuel Bandeira
quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010
Mario Quintana

ENVELHECER
Antes, todos os caminhos iam.
Agora todos os caminhos vêm.
A casa é acolhedora, os livros poucos.
E eu mesmo preparo o chá para os fantasmas
SEMPRE
Sou o dono dos tesouros perdidos no fundo do mar.
Só o que está perdido é nosso para sempre.
Nós só amamos os amigos mortos
E só as amadas mortas amam eternamente.
INSCRIÇÃO PARA UMA LAREIRA
A vida é um incêndio: nela
dançamos, salamandras mágicas
Que importa restarem cinzas
se a chama foi bela e alta?
Em meios aos toros que desabam,
cantemos a canção das chamas!
Cantemos a canção da vida,
na própria luz consumida...
Mario Quintana
Coleção Melhores Poemas, Seleção Fausto Cunha, global editora, 17º edição, São Paulo, 2005, páginas 115, 101 e 69.
http://www.globaleditora.com.br/
Mario (de Miranda) Quintana nasceu em Alegrete/RS, a 30 de julho de 1906. O poeta faleceu em 1 de maio de 1994. É detentor de vários prêmios literários. Seu primeiro livro de poesia surgiu em 1940, A Rua dos Cataventos.
ESTE QUARTO

ESTE QUARTO
Para Guilhermino Cesar
Este quarto de enfermo, tão deserto
de tudo, pois nem livros eu já leio
e a própria vida eu a deixei no meio
como um romance que ficasse aberto...
que me importa este quarto, em que desperto
como se despertasse em quarto alheio?
Eu olho é o céu! imensamente perto,
o céu que me descansa como um seio.
Pois só o céu é que está perto, sim,
tão perto e tão amigo que parece
um grande olhar azul pousando em mim.
A morte deveria ser assim:
um céu que pouco a pouco anoitesse
e a gente nem soubesse que era o fim...
Mario Quintana
Coleção Melhores Poemas, Seleção Fausto Cunha, global editora, 17º edição, São Paulo, 2005, página 53.
domingo, 14 de fevereiro de 2010
O DIA SEGUINTE AO DO AMOR

O DIA SEGUINTE AO DO AMOR
Quando a luz estender a roupa nos telhados
E for todo o horizonte um frêmito de palmas
E junto ao leite fundo de nossas duas almas
Chamarem nossos corpos nus, entrelaçados,
Seremos, na manhã, duas máscaras calmas
E felizes, de grandes olhos claros e rasgados...
Depois, volvendo ao sol as nossas quatro palmas,
Encheremos o céu de vôos encantados!...
E as rosas da Cidade inda serão mais rosas,
Serão todos felizes, sem saber por quê...
Até os cegos, os entrevadinhos...E
Vestidos, contra o azul, de tons vibrantes e violentos,
Nós improvisaremos danças espantosas
Sobre os telhados altos, entre o fumo e os cataventos!
Mario Quintana.
Fonte:
http://www.globaleditora.com.br/Loader.aspx?ucontrol=bWVudUhvbWUsZmljaGFMaXZybw==&livroID=3581
Quando a luz estender a roupa nos telhados
E for todo o horizonte um frêmito de palmas
E junto ao leite fundo de nossas duas almas
Chamarem nossos corpos nus, entrelaçados,
Seremos, na manhã, duas máscaras calmas
E felizes, de grandes olhos claros e rasgados...
Depois, volvendo ao sol as nossas quatro palmas,
Encheremos o céu de vôos encantados!...
E as rosas da Cidade inda serão mais rosas,
Serão todos felizes, sem saber por quê...
Até os cegos, os entrevadinhos...E
Vestidos, contra o azul, de tons vibrantes e violentos,
Nós improvisaremos danças espantosas
Sobre os telhados altos, entre o fumo e os cataventos!
Mario Quintana.
Fonte:
http://www.globaleditora.com.br/Loader.aspx?ucontrol=bWVudUhvbWUsZmljaGFMaXZybw==&livroID=3581
página 62.
sábado, 6 de fevereiro de 2010
Prefiro Rosas

PREFIRO ROSAS, meu amor, à pátria,
E antes magnólia amo
Que a glória e a virtude.
Logo que a vida me não canse, deixo
Que a vida por mim passe
Logo que eu fique o mesmo.
Que importa àquele a quem já nada importa
Que um perca e outro vença,
Se a aurora raia sempre.
Se cada ano com a primavera
As folhas aparecem
E com o outono cessam?
E o resto, as outras coisas que os humanos
Acrescentam à vida,
Que me aumentam na alma?
Nada, salvo o desejo de indiferença
E a confiança mole
Na hora fugitiva
Fernando Pessoa
Coleção Melhores Poemas - Seleção Tereza Rita Lopes
Global editora.12º edição, São Paulo, 2004, página 137
quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
Sermos

The very fact that we are proves all.
O próprio fato de sermos prova tudo.
Fernando Pessoa, Aforismos e Afins.
Editora Companhia das Letras.
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
E lá fora o Luar, como a esperança que não tenho, é invisível pra mim


NA NOITE TERRÍVEL, substância natural de todas as noites,
Na noite da insônia, substância natural de todas as minhas noites,
Relembro, velando em modorra incômoda,
Relembro o que fiz e o que podia ter feito na vida.
Relembro, e uma angústia
Espalha-se por mim todo como um frio do corpo ou um medo.
O irreparável do meu passado - esse é que é o cadáver!
Todos os outros cadáveres pode ser que sejam ilusão.
Todos os mortos pode ser que sejam vivos noutra parte.
Todos os meus próprios momentos passados pode ser que existam algures,
Na ilusão do espaço e do tempo,
Na falsidade do decorrer.
Mas o que eu não fui, o que eu não fiz, o que nem sequer sonhei;
O que só agora vejo que deveria ter feito,
O que só agora claramente vejo que deveria ter sido -
Isso é que é morto para além de todos os Deuses,
Isso - e foi afinal o melhor de mim - é que nem os Deuses fazem viver...
Se em certa altura
Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita;
Se em certo momento
Tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim;
Se em certa conversa
Tivesse tido as frases que só agora , no meio-sono, elaboro -
Se tudo isso tivesse sido assim,
Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro
Seria insensivelmente levado a ser outro também.
Mas não virei para o lado irreparavelmente perdido,
Não virei nem pensei em virar, e só agora o percebo;
Mas não disse não ou não disse sim, e só agora vejo o que não disse;
Mas as frases que faltou dizer nesse momento surgem-me todas,
Claras, inevitáveis, naturais,
A conversa fechada concludentemente,
A matéria toda resolvida...
Mas só agora o que nunca foi, nem será para trás, me dói.
O que falhei deveras não tem esperança nenhuma
Em sistema metafísico nenhum.
Pode ser para que outro mundo eu possa levar o que sonhei,
Mas poderei eu levar para outro mundo o que me esqueci de sonhar?
Esses sim, os sonhos por haver, é que são o cadáver.
Enterro-o no meu coração para sempre, para todo o tempo, para todos os universos,
Nesta noite em que não durmo, e o sossego me cerca
Como uma verdade de que não partilho,
E lá fora o luar, como a esperança que não tenho, é invisível pra mim.
Fernando Pessoa
Coleção Melhores Poemas, global editora, páginas 113/114, São Paulo, 12º edição, 2004, Seleção Tereza Rita Lopes.
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