"Os judeus simbolizavam a incompreensibilidade da sociedade pós-feudal, sem o revolucionário da história moderna, sem-teto, orientado para o capital e o lucro. O nitidamente formulado antijudaísmo é, em sua base, a antimodernidade." (página 31, Ewald Frie)
Na era feudal, a posse da terra era o elemento estável. Edmund Burke, o liberal inglês, glorificava os grande proprietários de terras. Para Burke, enquanto a terra era estável, os juros provenientes do dinheiro emprestado eram instáveis e desenfreados, colocando em risco a forma como a sociedade estava organizada. Enquanto o dinheiro passou a fluir para todos os lugares, a terra tornou-se uma mera commodity, um simples objeto de troca, deixando de ser a base de uma sociedade estável, constituída por um rei e pelos nobres proprietários de terra que o ajudavam na administração do país. A especulação com o dinheiro volatiza a terra. A terra, que antes estava nas mãos de grandes senhores, dispersa-se nas mãos dos especuladores.
"A terra deixa de ser uma identidade e se transforma em uma commodity. Quem ganha são os judeus: A próxima geração da nobreza se assemelhará aos artífices e palhaços, e aos comerciantes de dinheiro, agiotas e judeus, que sempre serão seus parceiros, por vezes seus mentores." (página 26, Edmund Burke).
Os melhores leitores de Edmund Burke foram os proprietários de terras conservadores da Prússia, chamados de Junkers (jovens senhores). Eram praticamente senhores feudais, pequenos monarcas em suas terras. Eram a base do Estado Prussiano. Quando o rei da Prússia ia à guerra, todos os seus oficiais eram oriundos dessa classe de proprietários. Esses Junkers nutriam ódio a tudo o que era novo, como o mercado livre, a especulação financeira, cidades, mercados de ações e, é claro, os judeus, que representavam, em grande parte esse novo mundo capitalista. Os judeus, alguns deles, por não poderem adquirir terras, acabaram por se concentrar em outras atividades, como o comércio. E nessa atividade, acumularam capital. Capital esse que, no século XIX, iria volatizar as propriedades, atingindo a forma como a sociedade feudal se organizava. Por essa razão, os judeus passaram a ser odiados.
O antissemitismo nasceu dessa forma então: O Estado Prussiano estruturava-se nos grandes proprietários de terras, os Junkes. Com a ascensão do capitalismo, no século XIX, essas grandes propriedades se tornaram meras commoditys. O poder, no regime feudal, estava com o sujeito que era proprietário de terras. No século XIX, o poder estava com o detentor do capital, que poderia ser um judeu ou não. Mas o judeu ficou mais marcado porque ele já trazia contra si o preconceito religioso. Com a volatização das propriedades, elas começaram a abandonar as grandes famílias de nobres, tradicionais, e foram adquiridas por estranhos. E como o Estado prussiano era baseado nos proprietários de terras, isso colocava em risco, na cabeça de alguns, a existência do próprio Estado Prussiano.
Um pensador prussiano, Ludwig Von Der Marwitz, passa a defender o pensamento de Edmund Burke, quando se articula a defesa dos proprietários de terras prussianos e a articulação do antissemitismo estrutural que forma uma linha contínua no ódio que prussianos e alemães iriam nutrir pelos judeus.
"Os judeus são inimigos do Estado prussiano precisamente no sentido descrito por Burke: ele 'volatizam' a terra/propriedade e representam o domínio do dinheiro sobre o real valor."
"Portanto, assim que o valor da posse da terra afundar até alcançar um ponto no qual eles possam adquiri-la com lucro, ela acabará nas mãos deles (judeus). Como proprietários de terras, tornar-se-ão principais representantes do Estado (estado prussiano). E, assim, nosso antigo e venerável Brandemburgo-Prússia irá se tornar um recém-formado Estado judeu (judenstaat). (página 31)
Anotações extraídas da leitura do livro Bismarck, uma vida, de Jonathan Steinberg, editora Amarilys
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