quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Capitu traiu Bentinho na Obra Dom Casmurro de Machado de Assis? Otto Lara Resende e Paulo Francis Parte 1

INOCENTE OU CULPADA 

"Eu sei que tu sabes o que eu nem sei se tu sabes. Isto é a epígrafe de uma novela que começa assim: 'Ultimamente ando de novo intrigado com o enigma de Capitu. Teria ela traído mesmo o marido, ou tudo não passou de inspiração dele, como narrador? Reli mais uma vez o romance e não cheguei a nenhuma conclusão. Um mistério que o autor deixou para a posteridade.' É o primeiro parágrafo de 'O bom ladrão', de Fernando Sabino.

Se não se trata de simples truque do narrador, por aí se pode concluir que o Fernando talvez esteja entre os que entendem que existe mesmo o tal enigma de Capitu. Nem por isto o Dalton Trevisan e eu vamos deixá-lo de cumprimentá-lo. Antes, se diverge de nós, é mais um motivo para mantermos o diálogo. Trocar uma gravata vermelha por uma gravata vermelha não tem a menor graça. Até o escambo pede mercadorias distintas. 

Eugênio Gomes era um machadiano de verdade. Em 1939, ano do centenário do Machado, publicou um livro pioneiro sobre as influências inglesas em Machado de Assis. 'O enigma de Capitu', que pouca gente leu, apareceu em 1967. Capitu era inocente ou culpada? A pergunta está na orelha do livro. Em 1958, o criminalista Aloysio de Carvalho Filho tentou o processo de Capitu. Conheci-o senador e guardo boa lembrança dos nossos bate-papos sobre esse 'julgamento'.

Dizem que da discussão nasce a luz. Moço, disse que da discussão nascem os perdigotos. Depois passei a ver polêmica no quadro do humorismo. Sem 'fairplay', é uma chatice. Desaforo não tem graça. Carlos de Laet, Camilo Castelo Branco, Oswald de Andrade, Nelson Rodrigues - todos os bons polemistas são homoristas. Até o Antônio Torres da lusofobia tem piada. O José Guilherme Merquior, que adorava uma polêmica e que póstumo continua polêmico, gostou da minha tese. Um dia conto esta história, de que faz parte o Hélio Pellegrino. 

Data de 1933 o ensaio de Mario Casasanta sobre 'Machado de Assis e o tédio à controvérsia". Machado nunca respondeu ao Sílvio Romero ou a quem quer que seja. Tinha horror aos chatos. Nem precisa lê-lo para saber disto. Basta ler o Eugênio Gomes no 'Enigma'. A obra machadiana é toda repassada de finura, de espírito. De 'wit'. O Daltan Trevisan e eu recusamos o cinto de castidade que impuseram à Capitu. Só ela tem de ser fiel nesta época de permissividade. Dá pra discutir com quem leu o Machado. Ou discretear, mas com estilo e graça. Machadianamente."

(OTTO LARA RESENDE, FOLHA DE SÃO PAULO, 13 DE JANEIRO DE 1992, SEGUNDA-FEIRA, PÁGINA 2, CADERNO OPINIÃO.)


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