"Bentinho era casmurro não por ser corno, seria irritadiço por isso, mas sim porque era ruim de cama" (Paulo Francis)
"Fico sabendo que Otto Lara Resende meteu a mão numa casa de marimbondos de leitores ao escrever que Capitu chifra Bentinho, em 'Dom Casmurro'. Acadêmicos em penca, naturalmente, arguíram por um talvez. Waaal, acho que qualquer homem com experiência social sabe quando a mulher o trai. Basta olhá-la. Quando 'Capitu e eu, involuntariamente, olhamos para a fotografia de Escobar, e depois um para o outro. Desta vez a confusão dela fez-se confissão pura.' Ou 'Momento houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunto, quais os da viúva, sem o pranto nem palavras desta, mas grandes e abertos, como a vaga do mar lá fora, como se quisesse tragar também o nadador da manhã.'
Ezequiel é a cara de Escobar. Não adianta vir com aquele argumento 'mas o que Marx queria realmente dizer'. O que Marx quis dizer está muito claro em O Capital, não interessa o que abandonou nos Manuscritos de Paris ou Grundrisse. Por que Machado iria fazer seu narrador depor em falso? Que história é essa? Literatura não é charada.
Subtexto se há só confirma os chifres. A famosa passagem em que Bentinho fala dos braços de Capitu, que tanto admira, logo chama a atenção do homem experimentado porque é a admiração de um fã, e não de quem tenha domado o potro, do homem que tenha conquistado a mulher sexualmente. Capitu em momento algum corresponde. A maneira como se compõe quando Bentinho a acusa diretamente, para mim é prova de culpa, de uma personalidade calculista. Fica lívida, segundo Bentinho, mas não emocionada, arrasada, com a acusação falsa. Bentinho é casmurro não por ser corno, seria irritadiço por isso, mas sim porque é ruim de cama. Escobar era bom. Inveja o amigo morto. Capitu continua fascinante.
A única alternativa plausível é a freudiana, da paranóia. À primeira insinuação de Iago de que Desdêmona é infiel, Otelo responde: 'Oh misery!' É rápido demais. É o que importa. Não questiona Iago. Críticos de alto porte notam que a argumentação de Iago vai muito além do lenço famoso. Desdêmona enganou o pai, Brabantio, para casar com Otelo. E fica bem claro que Brabantio morreu em consequência disso, e vemos Desdêmona alegre e fagueira, depois da morte do pai... Iago diz a Otelo que quando Desdêmona fingia ter medo dos arroubos do negrão era quando mais os desejava sexualmente. A conversa final dela com Emílio é repleta de innuendos sexuais. Auden escreveu que se Desdêmona não fosse assassinada por Otelo em anos tomaria um amante. (...).
PAULO FRANCIS, DIÁRIO DA CORTE, JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO, QUINTA-FEIRA, 22 DE FEVEREIRO DE 1992, PÁGINA 10, CADERNO 2
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