sexta-feira, 31 de maio de 2024

Dicionário da Idade Média Europa Ocidental Jacque Le Goff Liberdade Feudalismo Servidão Marginais Nobreza Feudalismo Cavaleiro



1) MARGINAIS NA IDADE MÉDIA:

Sujeito Marginalizado é alguém situado à margem da vida social. Cada época contitui a sua margem, fora da qual indivíduos e grupos sociais serão vistos como inadequados e perniciosos à ordem estabelecida.

Quem eram os marginais, os excluídos elegidos pelas instituições da ordem (ex.: Igreja Católica) durante a Idade Média?

a) Banidos: O banimento era a morte em vida. O banido tinha todos seus laços de parentesco e amizade rompidos. Ninguém tinha o direito de alimentá-lo e alojá-lo. Nenhuma pessoa da comunidade poderia prestar solidariedade a ele. O banido estava condenado a vagar sozinho pelas florestas. Seus bens eram confiscados em proveito do lesado pelo seu crime ou em proveito do Tesouro (forma de entidade estatal existente). Como não havia vida fora da comunidade, o banido era dado como se falecido fosse. Sua mulher era agora viúva e, seus filhos, órfãos de pai. Vagando pela floresta, a lei não iria protegê-lo, de forma que qualquer um poderia matá-lo impunemente. 

Mas a coisa ia além. Não era só o mundo dos vivos que estava fechado para ele. O mundo dos mortos também. Era negado a ele o direito a uma sepultura. Ele não dinheiro direito a um enterro cristão. Seus despojos ficariam expostos, à disposição dos animais. No imaginário/imagético medieval, o banido sofria um processo de perda de sua humanidade, sendo comparado a um lobo. O lobo representava a floresta (natureza), o mundo natural, em oposição à cidade, à comunidade e à cultura. A natureza estava fora do controle do homem, fora de seu alcance. Já a segunda realidade, constituída pela cidade, pela comunidade, fora construída pelo homem. 

"Em outras palavras, a época opunha ao mundo humano, quer dizer comunitário, o universo da solidão." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le  Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 143).

"A Idade Média possuía sua própria visão do que viria a ser a oposição entre cidade e campo, reflexo da oposição entre cultura e natureza: colocava de um lado o que havia sido erguido ou construído pela mão do homem, e de outro os elementos selvagens e fora do alcance. Em outras palavras, a época opunha ao mundo humano, quer dizer comunitário, o universo da solidão." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval, Jacques Le Goff e Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 143)

O banido, assim como o lobo, tinha deixado de pertencer à comunidade. E assim como o lobo, o banido estava condenado a vagar pelas florestas solitariamente.

"A impunidade do assassinato de um banido fazia dele, aos olhos da lei, alguém igual ao lobo." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 144)

A figura do banido ajudou a estigmatizar certos grupos sociais. Sua condição de condenado a vagar por aí sem destino, a ser um errante, fez com que certos grupos sociais fossem comparados com eles. Podemos citar como exemplo os ciganos. A população de uma comunidade, vendo a chegada de um grupo de ciganos, acabaria por atribuir a eles características negativas. Essas caracteristicas eram vistas de forma negativa porque elas podiam ser encontradas na figura do banido: vagar sem destino certo, errantes percorrendo a terra.

b) O herético: 

Segundo Santo Agostinho, os heréticos pertenciam à civitas diaboli. O herético representava um perigo para a coesão comunidade cristã, de forma que a Igreja Católica buscava formas para segregá-lo do convívio social. Os heréticos eram opositores internos da ordem estabelecida pela Igreja Católica.

"Eles não contestavam o dogma, mas interpretavam-no à sua maneira." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 146)

Os heréticos então deviam portar um sinal na roupa que os distinguisse dos demais membros da comunidade, de modo a erguer barreiras protetoras tangíveis, deixando os fiéis separados deles. Era imperioso impedir o contato entre o fiel devoto da Igreja Católica com um herético. O herético podia fazer com que o fiel se desviasse para o lado da heresia.

c) O judeu:

No século XIII (ano 1215), no Concílio de Latrão, ficou decidido que os judeus deveriam usar roupas que os distinguissem dos cristãos. A Igreja Católica temia que, se não houvesse essa distinção visível, judeus e cristãos poderiam manter um relacionamento, em alguns casos até uma relação amorosa, sexual. O uso de roupas diferentes ou um sinal distintivo qualquer "...parece ter-se tratado não tanto de marcá-los nem de colocar sobre eles um selo infamente, mas de separar dos cristãos uma categoria humana (os judeus) que lhes era semelhante e com a qual podiam ser confundidos." ((Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 146)

Dessa forma, a Igreja Católica manteria a comunidade cristã coesa/uniforme, impedindo relações amorosas/sexuais entre católicos e judeus. 

d) O leproso:

A lepra provinha da conduta pecaminosa da pessoa. O contato com o mal tinha o condão de produzir estigmas nos corpos das pessoas.

Constava de um Código de Leis (Código de Rotário da Lombardia), no ano 635, século VII, acerca dos leprosos: O citado Código autorizava também "...a abandonar uma noiva que ficasse cega, louca ou leprosa, 'pois isso provém de seus pesados pecados e da doença que deles resulta' " (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval, Jacques Le Goff e Jean Claude Schmitt, volume 2, editora Unesp, página 149)

e) A imundície:

O cheiro ruim exalado de um corpo poderia ser o sinal de que aquela pessoa tinha relação com algo ruim. A cultura cristã associava a sujeira aos vícios, à vida desregrada, que era sua origem ou  consequência. Um pecado podia ser associado à sujeira, ao mau cheiro. Essa sujeira era inerente ao pecador. Essa sujeira poderia ser passada adiante, caso o portador dessa imundície tocassa em alguém, daí a necessidade de se segregar os judeus. 

Os judeus, vistos como os culpados pela crucificação de Jesus, possuíam essa impureza, razão pela qual "...o Papa Inocêncio III considerava escandaloso que cristãos dessem aos judeus seu gado para abater e seu vinho para prensar." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 149)

Leis então passaram a proibir que judeus e cristãos sentassem-se à mesma mesa, frequentassem os mesmos albergues, etc.

f) Certas profissões:

As pessoas que exercessem determinadas profissões também podiam se ver marginalizados. Os usurários, os carrascos, as prostitutas, etc

"O comerciante que cobrava juros vendendo o tempo que pertencia apenas a Deus, o mestre escola que vendia conhecimento, outra propriedade de Deus, só foram lentamente reconhecidos pelo seu trabalho. O carrasco, pelo ofício infame, também suscitava medo." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval, Jacques Le Goff e Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 151)

2) LIBERDADE E SERVIDÃO NA IDADE MÉDIA:

a) Introdução:

A decadência do Estado, com o subsequente desmoronamento do Império Romano do Ocidente, no século V, acabou por jogar muitos dos humildes da época no colo dos poderosos, numa relação de dependência. A relação se dava da seguinte forma: de um lado o Senhor, que disponibilizava proteção a alguém, contra a agressão de algum outro potentado local. Como contraprestação a essa proteção, esse alguém trabalhava para o Senhor que o protegia. Era trabalho em troca de segurança.

Se um camponês fosse atacado, ele não teria a quem recorrer. Não existia um Estado, uma polícia/poder Judiciário a quem recorrer, que pudesse vir em seu socorro. Ele só podia pedir ajudar ao seu Senhor. 

b) Séculos VI e VIII:

Entre os séculos VI e VIII na Europa Medieval, a separação entre liberdade e servidão é bem nítida. Era uma repetição do que acontecia na Antiguidade. Ao sujeito livre estava aberta a possibilidade de ir a qualquer lugar que desejasse. Sua capacidade jurídica de ir e vir não conhece limites. Ele pode celebrar contratos, transmitir herança, etc. Ele ainda não pode ser arbitrariamente castigado, posto que está submetido a tribunais públicos. A essas liberdades somam-se outras vindas do costume germânico: homem livre é aquele que anda armado, participa de guerras e da distribuição do butim proveniente delas. 

Já o escravo não tem um ordenamento jurídico que o resguarde. Um escravo não tem estatuto. A escravidão não é uma condição, mas um estado. 

"...inteiramente submetido ao poder se seu Senhor, o escravo (servus, ancilla, mancipium), não possui recurso algum contra aquele que pode castigá-lo impunemente." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp página 73)

Ademais, os frutos do trabalho do escravo não lhe pertencem. O escravo não pode possuir!

O escravo ainda não pode escolher seu cônjuge e seu senhor pode dispor de seus filhos. Não tem vínculo familiar. Um escravo equivale a um animal, de forma que ele é posto de fora da sociedade. 

"No âmbito da sociedade civil, o escravo é deliberadamente rebaixado ao nível de uma animal. Nas leis dos séculos VI a VIII, as cláusulas relativas à venda de escravos encontram-se em meio àquelas que se referem ao comércio do gado." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval, Jacques Le Goff e Jean Claude Schmitt, volume 2, editora Unesp, página 73)

Trata-se de um processo de dessocialização. Essa dessocialização, fundamental em qualquer regime escravista, perderá força conforme haja um nivelamento social, que aproximou escravos e pobres livres (pauperes). 

"O direito de vida e morte do senhor sobre o escravo foi abolido apenas no reino visigótico da Espanha, mas mesmo lá a situação dele não melhorou: os senhores privados do direito de matar seus escravos recalcitrantes submetem-nos com frequência a terríveis mutilações." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 173)

c) Distinções entre os escravos:

Havia os escravos bons ou idôneos (idonei). Eram a minoria. Possuíam alguma especialidade técnica. Podiam ser ferreiros, carpinteiros, etc. Alguns, trabalhando na corte, podiam ser concubinas, escrivães, etc. Havia os escravos vis, vilíssimos (vilissimi). Constituíam a grande massa dos trabalhadores rurais. Esses escravos vis podiam surgir na forma de bandos que labutavam nos grandes domínios ou aqueles instalados numa terra concedida e recebida precariamente, sob certas condições, desfrutando de uma precária vida familiar. 

d) Sociedade dos livres:

Era composta pelos

d.1) Poderosos/Potentes: Constituíam uma riquíssima aristocracia. Eles são os primeiros (proceres, primates). Por delegação régia, eles detêm o quase monopólio das funções públicas. Em princípio, sua vocação é comandar e sua liberdade quase não conhece limites. 

d.2) Pobres (Pauperes): Os pauperes são aqueles que trabalham e obedecem. Em alguns casos, podem até não serem pobres, indigentes ou paupérrimos. Alguns eram donos de várias propriedades agrícolas. O que os caracterizava de verdade era a sua submissão. Submissão em graus variados a um poder. Aqueles que realmente caíam na miséria, buscavam o auxílio e a proteção de algum poderoso local, dando em contrapartida sua obediência e serviço. Outros ainda, sendo ainda mais pobres, vendiam-se a si próprios como escravos. A lei dos visigodos dizia sobre esses contratos de alienação pessoal:

"Qualquer um que pense em vender-se não é digno de ser livre." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página  75)

e) Início da Mudança nas concepções de Liberdade e Servidão:

A velha escravidão, aquela importada da Antiguidade, vai desaparecendo aos poucos. Aos poucos os escravos ascenderam para a classe livre dos pauperes. Progressos técnicos (uso da energia hidráulica, por exemplo) levaram à redução da necessidade do uso de mão-de-obra maciça. 

"...a multiplicação de moinhos à água libera as mulheres escravas da obrigação de passar uma grande parte do dia e da noite movendo as mós com seus próprios braços." ( Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 76)

"Mas seria equivocado imaginar que a libertação dos escravos rurais decorre apenas de progressos técnicos ou de transformações econômicas. A conquista da liberdade foi uma luta, ardente e obstinada, que se desenrolou por séculos (...) Ela foi marcada, certamente, por rebeliões, muitas vezes sangrentas (no século III, no V e ainda em fins do século VIII, no reino das Astúrias), mas sobretudo por uma resistência surda e por fugas maciças (na Espanha e na Itália, nos fins das monarquias visigótica e lombarda)." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 77)

"Em princípios do século XI, a escravidão de tradição antiga é apenas um vestígio anacrônico." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 77)

Mas é preciso ter em mente que tipo de liberdade irá substituir a escravidão, a partir do século XI. O humilde que agora é livre verá sua liberdade desidratada. Ele não terá aquela liberdade de quem anda armado, participa de uma expedição guerreira, usufruindo o butim que dela resulta. Ele também se verá em desvantagem nos âmbitos judiciário e econômico. A evolução do armamento e dos métodos de combate torna insignificante as armas simples das pessoas comuns. A guerra é atributo de especialistas que combatem a cavalo, os milites (cavaleiros). 

O pobre livre é reduzido à condição de alguém que, por si só, não tinha como se defender (inermis).

O Camponês é, portanto, o "...homem desarmado e à mercê de todas as violências." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 78)

A grande propriedade passa a ser a regra. Más colheiras e partilhas sucessórias fazem com que as pequenas propriedades desapareçam, fazendo com que haja uma concentração de terras nas mãos de poucas pessoas.

Com a ausência de um poder político centralizado (ruína do Império Carolíngio no século IX), o humilde se vê sem a garantia de uma justiça pública. Sem um poder central empoderado, o campo fica livre para a ação daqueles que possuíssem mais poder, os senhores castelães. Trata-se da aplicação da lei do mais forte. Na ausência do Estado, sob o império da anomia, o homem, mais do que nunca, torna-se o lobo do próprio homem.

"O Senhorio se estabelece." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 78)

Quem são esses senhores que se aproveitam do vácuo de poder vigente? O senhor é geralmente o chefe de uma das inumeráveis fortalezas (castelos) que se constroem por toda part. Esse senhor impõe o seu "ban", que é o poder de comandar, julgar e castigar todos os homens que vivem em torno de seu castelo. Tais prerrogativas foram recebidas dos príncipes territoriais (condes, duques), que, por sua vez, receberam-nas do próprio rei. 

Os homens ainda teoricamente livres, que habitavam nessas áreas sob o comando de um senhor castelão, tinham que se submeter a ele. 

"O castelão e seus agentes arrogam-se também o direito de requisitar a casa do camponês e de consumir suas provisões (direito de asilo ou de pousada)" (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 77)

O camponês então, mesmo sendo teoricamente livre, via-se tiranizado por esses senhores. Poderíamos fazer uma analogia com o que acontece atualmente na cidade do Rio de Janeiro, onde cidadãos livres se veem controlados por grupos de milícias e de tráfico de drogas. Bairros inteiros sob o império de traficantes ou milicianos. A ausência do Estado, em qualquer época, possibilita que grupos armados organizados tiranizem os habitantes de uma determinada área. 

O Senhor ainda podia fazer o papel de juiz, impondo multa e confisco de bens. 

Essa forma de dependência entre o senhor castelão e o camponês foi chamada de Servidão.

f) Feudalismo:

Sociedade fundada no vínculo pessoal (relação de dependência). Na ausência de um poder político central, que a todos vinculasse de forma impessoal, o que fornecia liga àquela sociedade era o vínculo entre as pessoas, entre o vassalo e o seu suserano/senhor. 

Na sociedade feudal, encontramos de um lado os senhores do "Ban" e seus auxiliares, a saber, no essencial, os barões e seus cavaleiros; de outro lado, temos aqueles que, independentemente de seu estatuto teórico, estavam submetidos às imposições do senhor castelão. 

Os senhores são os livres entre os livres, nascidos em berço nobre, que não sofrem coação de nenhum poder e, protegendo grandes e pequenos, protegem-se a si próprios. A sua liberdade pode ser traduzida pela impunidade e imunidade. Em torno dele, reúnem-se uma tropa de vassalos, que não são iguais entre si. Na verdade, há um encadeamento. Uma mesma pessoa pode ser vassalo e senhor. "A" é vassalo de "B", um senhor castelão. Ao mesmo tempo, "A" pode ser senhor de "C", que será seu vassalo. 

A liberdade no feudalismo tornou-se uma questão de classe social e não de ordem jurídica, como acontecia na Antiguidade e no início da Idade Média . 

"O fato é que a clivagem entre livres e não livres não é mais de ordem jurídica como na Antiguidade e na alta Idade Média, mas de cunho social." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacque Le Goff, Jean Claude Schmitt, volume 2, Editora Unesp, página 80)

3) CAVALARIA:

Na Cavalaria, não entra quem quer. Reis, príncipes e senhores filtram quem pode ou não pode ser um cavaleiro. De guerreiro a cavalo, o cavaleiro se torna aristocrata (nobre). São, antes de tudo, soldados. São os milites, os chevaliers. 

"...o Cavaleiro forma um todo com sua montaria e esse projétil vivo beneficia-se da potência que lhe confere o galope do cavalo." (página 213)

Há um choque frontal. O cavaleiro usa uma lança em posição horizontal fixa. 

"...a carga compacta de cavaleiros, lança estendida na horizontal, adquire terrível força de penetração, capaz de desbaratar as fileiras adversárias e provocar o medo, o pânico e a fuga do inimigo." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval, Jacques Le Goff e Jean Claude Schmitt, editora Unesp, volume 1 213). 

Além de representar uma força ofensiva formidável, ainda cercava-se de muitas defesas. 

"Nos séculos XI e XII, o cavaleiro protege seu corpo graças à loriga, cota de malha flexível de uns dez quilos, reforçada no século XIII, para ceder lugar, nos séculos XIV e XV, às armaduras rígidas, mas articuladas, que transformavam o cavaleiro em verdadeira fortaleza montada, quase invulnerável se ele estivesse a cavalo, mas terrivelmente exposto e frági quando, desmontado, ele fica no chão, à mercê da adaga dos infantes (chamada, aliás, 'misericórdia'), capaz de penetrar nos interstícios da couraça e conduzir à morte ou, pelo menos, à sua ameaça para obter rendição." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval, Jacques Le Goff e Jean Claude Schmitt, editora Unesp, volume 1, página 213/214)

O cavaleiro da Idade Média era, portanto, uma espécie de carro blindado da época moderna. 

As origens dos cavaleiros datam de antes do ano 1000. Nessa época, os grandes senhores tinham se cercado de uma clientela formada por vassalos e combatentes profissionais, encarregados, logicamente, de protegê-los e ajudá-los no exercício do poder que eles encarnavam. Com o colapso do poder central, consubstanciado na ruína do Império Carolíngio no século IX, o poder se dividiu, ficando nas mãos de vários tipos de senhores, que irão se valer dos serviços desses cavaleiros, no contexto de uma sociedade feudal em crescimento. 

O Império Carolíngiou colapsou a partir de meados do século IX, sendo atingido por ataques desferidos pelos Vikings, húngaros e sarracenos. O Império acaba sendo dividido entre os filhos de Luís, o Piedoso (Tratado de Verdum de 843). O título imperial acaba por perder significado e o poder central fragmenta-se nas mãos de inúmeros senhores (condes, príncipes, etc.

"A pulverização do poder público acentua-se ainda mais nos séculos X e prossegue no século XI. O poder de mando de origem pública não desaparece, mas, despedaçado, reparte-se segundo uma hierarquia variável no seio das elites da aristocracia militar, dos príncipes aos condes, dos condes aos castelões e dos castelões aos mais poderosos senhores. Aí, esse poder encontra um outro, o do senhor rural sobre seus homens, seus dependentes. O Estado não mais se resume a uma relação privilegiada entre o Soberano e o aristocrata militar: ele está compreendido no conjunto de relações sociais que estruturam essa classe aristocrática; é exatamente isso que constitui a revolução feudal." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacques Le Goff e Jean Claude Schmitt, editora Unesp, volume 1, página 449)

O sujeito tornava-se cavaleiro por meio de um ritual, conhecido como Adubamento. Por meio do adubamento, geralmente um jovem, era admitido como cavaleiro. Armas eram entregues para ele. A Igreja também participava, abençoando-o. 

Os cavaleiros eram também conhecidos como Milites

4) NOBREZA

Tratava-se de uma sociedade dominada por uma classe superior. Vários substantivos nomeiam-na: optimates, proceres, majores, illuster, nobilis. O nobre quer escapar de todos os controles que limitam a ação do homem comum. Casa-se na sua classe. Evita se misturar com quem não é de sua classe. É uma nobreza de sangue. A nobreza justifica seus privilégios no campo de batalha, no qual derrama o seu sangue, como um tributo, que servirá como justificativa para que se veja livre de qualquer controle ou limitação. 

O conceito de Nobreza veio de dois lugares:

a) Da Antiguidade Clássica. Das Instituições romanas. Não obstante as invasões bárbaras, muita coisa do Império Romano do Ocidente foi preservada, tais como a noção de cidadão, autoridade pública, Estado, etc.

b) Tradição Germânica: Aqui a nobreza notabilizou-se pela Libertas, que era a faculdade de dispor de si e de seus bens, a capacidade de julgar, o direito de comandar, proibir, punir, proveniente do nascimento e da propriedade.

No fim, houve um amálgama entre as duas tradições, a romana e a germânica, na construção do conceito de Nobreza.

A transmissão da nobreza, de seu nome, estatuto, patrimônio poder e condição de nobre.

A nobreza era pouco numerosa. Com seus casamentos consanguíneos, ela gerava gerações de pessoas doentes. dos quais se defaz, enviando-os para conventos, mosteiros. Cegos, caolhos, pernetas, mancos, disformes em geral, todos eles nobres de nascimento. A nobreza ainda perde muitos de seus membros em guerras. Participar de guerras era o tributo que a nobreza pagava para conseguir seu estatuto de privilegiado.

Ligação entre o Rei e a Nobreza

Os carolíngios criaram uma ponte entre si e os nobres autóctones e estrangeiros. E eles iam além da nobreza de sangue. Os carolíngios criaram uma espécie de nobreza que era alcançada por meio de serviços prestados ao Soberano. 

É criada ainda uma relação de simbiose entre o Rei e a Nobreza. Uma não poderia existir sem a outra. Sem rei não há nobreza e sem nobreza não há rei. A nobreza também terá uma relação umbilical com a Igreja Católica. Vários membros da Nobreza tinham cargos na Igreja

Com a crise do Império Carolíngio, no século IX, o poder central esfarela-se. O poder que estava na mão do Imperador passará para as mãos de inúmeros senhores, detentores daquilo que era chamado de senhorio banal, proveniente do Bannum (Ban), que era o poder de comandar, proibir, punir, etc. 

Ascensão à nobreza:

Alguém podia se tornar nobre, como já dito acima, prestando serviços a algum grande senhor, que possuísse poder para fazê-lo um nobre. Em meio ao caos do século X, senhores vários (reis, príncipes, etc), cercavam-se de pessoas, de uma clientela, para ajudá-los nos mais diversos assuntos. Cercam-se, sobretudo, de Milites, os combatentes a cavalo (cavaleiros). Se prestassem bons serviços, esses Milites recebiam feudos (uma propriedade com alguma residência fortificada). Esses Milites deviam obediência ao seu senhor, deviam dar a sua vida para ele em meio a um combate, etc. Deveriam ainda combater os hereges, proteger as mulheres, os órfãos, pobres, etc. Com o passar do tempo, esse cavaleiro poderá se tornar um nobre

Um título de nobre também poderia ser concedido por um Senhor que tivesse poder para tanto, geralmente um rei, um Imperador ou um príncipe. 

Tudo isso foi um meio para "....rejuvenescer a nobreza, de preencher as lacunas e sobretudo enriquecê-la com numerosos e competentes fiéis. O Estado, que estende seu controle ratione materiae et loci, necessita cada vez mais de auxiliares de confiança." (Dicionário Analítico do Ocidente Medieval Jacques Le Goff e Jean Claude Schmitt, editora Unesp, volume 2,  página 323)

Fim da Idade Média:

Não teve o condão de acabar com a Nobreza. Houve adaptações às circunstâncias. Conservava a sua vocação militare suas ambições políticas. Continuava buscando escapar dos controles estatais que limitavam o restante de população. Alguns trocam o campo pela cidade. Continuam ocupando excelentes cargos no serviço militar e no serviço civil. 




quinta-feira, 30 de maio de 2024

A vida é um Pesadelo


 Otto Dix, artista alemão, que conheceu os horrores da 1° Guerra Mundial. 


Minha mãe morreu no dia 21 de dezembro de 2023

Durante uns 4 meses não sonhava com ela

Mas tudo mudou ultimamente

Sonho intercalado com pesadelos

E os piores pesadelos, nos quais eu a vejo sangrar outra vez, acontecem geralmente naquele momento em que, depois de acordar, você volta a dormir. É aquilo que é representado pelo botão "soneca" do despertador

A vida, definitivamente, é um pesadelo, do qual só irei acordar quando vier a morrer. 

segunda-feira, 13 de maio de 2024

Fontes do Direito Costumes Direito Consuetudinário Introdução Histórica ao Direito Fundação Calouste Gulbenkian



 Costumes:

"Define-se geralmente o costume como sendo um conjunto de usos de ordem jurídica que adquiriram força obrigatória um dado grupo social, pela repetição de atos públicos e pacíficos durante um lapso de tempo relativamente longo." (página 250)

"O costume é um direito não escrito, introduzido pelos usos e pelos atos continuamente repetidos dos membros da comunidade e os quais foram praticados publicamente, sem contradição da maioria do povo, o tempo necessário para o impor." (Philippe Wielant, Practijke Civile - citado na página 250)

Características do Costume:

Trata-se de um Direito não escrito. No seu início do seu uso, o costume é essencialmente não escrito. Num primeiro momento, nem é oralmente transmitido. Somente a partir do momento que as pessoas se dão conta de sua existência, que ele é transmitido oralmente pelos mais velhos aos mais jovens. 

Quando o uso de um costume está suficientemente estabelecido, ele poderá ser escrito. Na Europa dos séculos XIII e XIV, autoridades ordenavam oficialmente a redação de alguns costumes. O costume assim virava lei. 

O Costume é criado pelos usos e atos continuamente repetidos. 

"O uso nasce da repetição de comportamentos humanos, isto é, de certas maneiras de agir num dado grupo social (página 251)

Nem todo uso é um costume, mas todo costume é. É necessário também que esse uso repetido nasça voluntariamente. Os atos repetidos devem ser voluntários. 

Os usos não podem ser clandestinos. Os comportamentos humanos repetidos que criam costumes devem ser públicos. 

"...um uso que se revelou exteriormente tem, em princípio, toda a sua eficácia, mesmo que permaneça desconhecido de um ou outro membro do grupo social." (página 252)

Para que um costume seja aceito, é necessário que ele conte com a aceitação que a grande maioria do grupo social, isto é, quase a sua unanimidade, o aceite. 

O tempo necessário para que um costume seja aceito. 

"Wielant põe a tônica na necessidade duma longa duração: o costume apenas existe se o povo se serviu dele durante o tempo necessário para atingir a prescrição. O que Wielant visa falando da prescrição, é que é necessário que o costume tenha sido aplicado durante um tempo suficientemente longo para que a sua existência não possa ser posta em dúvida. A duração desse tempo necessário é uma questão de fato. Determinado costume, resultante de um uso frequentemente repetido, poderá ser considerado como estabelecido depois de alguns anos, ou mesmo alguns meses ou alguns dias; outro costume, relativo a fatos que não se reproduzem senão raramente (por exemplo, as regras relativas à sucessão ao trono), não será considerado como estabelecido senão depois de vários anos." (página 252)

Na Baixa Idade Média, exigia-se em geral que o costume fosse imemorial, isto é, que ninguém se lembrasse da existência se um costume contrário. (página 252)

No fim da idade média, com o uso do Direito Romano, começou a ser admitido alguns prazos de prescrição, conforme o costume fosse ou não conforme o direito romano. 

- costume contrário ao direito romano (contra ius) 30 ou 40 anos

- costume desconhecido no direito romano (praeter ius) 10 ou 20 anos 

- costume conforme ao direito romano 5 ou 10 anos

(páginas 252/253)

O Costume deve ser razoável. Razoável, isto é, de acordo com a razão. Um costume poderia ser contrário à razão quando ele conflitasse com o interesse geral. Poderia ser visto como contrária à razão se colocasse em perigo a ordem pública. 

"Philippe Wielant, na sua Practijke Civile, considera como maus os costumes que são ou causa de pecado, ou causa de mau exemplo, ou introduzidos por maus hábitos; esses costumes não se prescrevem; é necessário matá-los, diz Wielant, porque <<corruptele>>." (página 253)

O costume é espontâneo, ao contrário do que acontece hoje, com o direito escrito, que é abra da vontade de um Deputado estadual ou federal, de um Senador ou, num munícipio, de um Vereador. 

"não se faz o costume, ele faz-se por si próprio." (página 253)

O costume evolui constantemente, adaptando-se sem parar ao meio social no qual está inserido. Por não estar estabelecido num escrito, torna-se mais maleável.

Sua elaboração, ao contrário de uma lei escrita, que pode ser feita rapidamente, demanda tempo. Pode demorar até que seja aceita. 

O costume é ainda instável, está num perpétuo devir, numa evolução constante. O costume é ainda incerto, em alguns casos, demandando prova de sua existência em caso de contestação. Nasce daí uma insegurança jurídica. O costume é, finalmente, variável, flutuando ao sabor das mudanças sociais. 

Locais dos costumes:

Num primeiro momento, os costumes eram étnicos. Cada grupo tinha o seu. Francos, Burgúndios, Bávaros, etc, cada grupo tinha o seu costume. Posteriormente, o costume passou a ser territorial, isto é, um costume era aplicado à população que residia num determinado território (séculos X-XII na Europa).

"Num mesmo território, no entanto, podiam coexistir vários costumes, aplicando-se a grupos sociais diferentes, sobretudo a classes sociais diferentes; por exemplo, numa mesma cidade: costumes dos nobres ou costumes feudais, costumes dos burgueses, costumes dos vilãos." (página 254)

A Prova do Costume:

Não há dificuldade em provar a existência de uma lei escrita. O nosso direito ainda supõe que as leis são conhecidas por todos, porque NEMO LEGEM IGNORARE CONSETUR (ninguém pode ignorar a lei).

O problema reside quando se pretende provar a existência de um costume. Durante a Idade Média procurava-se escolher pessoas qualificadas, as mais qualificadas do grupo social, escolhidas entre os notáveis de uma cidade e de uma aldeia, pois delas esperava-se o conhecimento sobre a existência de um determinado costume. Mas isso não impedia que, em determinada situação, alguém resolvesse contestar a existência de um determinado costume

"...só a partir do século XIII surgem processos próprios para a prova do costume: os registros de costumes, a inquirição por turba, etc." (página 259)

"Até então, o juiz não fazia distinção entre a prova da norma jurídica e a prova dos fatos, dado o caráter irracional dos meios de prova. Estes meios são, nesta época como na época franca, sobretudo os ordálios e os julgamentos de Deus, meios de prova que fazem apelo à intervenção divina: é Deus que permite ao inocente vencer, e ao culpado ser vencido na prova que lhe é imposta. O juiz contenta-se com a verificação de que o processo de prova se desenrolou regularmente e deduzir daí a conclusão indicada pela divindade. Estes meios de prova não tendem pois a provar a existência duma regra de direito consuetudinário, nem tão pouco a provar o fato invocado por uma ou outra das partes; tendem a por fim ao litígio por apelo a Deus." (página 259)

Indiretamente, o julgamento de Deus podia, contudo, estabelecer uma regra jurídica: este foi o caso, por exemplo, em 938 (século X), na região do Ruhr (atual Alemanha), onde Otão (Imperador do Sacro Império Romano Germânico) ordenou um duelo judiciário para saber se, segundo o costume do lugar, a representação sucessória na linha reta era admitida. 

Nos séculos XII e XIII, os meios de prova racionais se impôem. A verdade deveria ser estabelecida sem a intervenção de Deus. Isso era feito por meio de testemunhas, documentos, jurisprudência, etc. Também é estabelecida a diferenciação entre a prova dos fatos e a prova da regra jurídica invocada para aquele caso concreto. Uma será a prova sobre o costume invocado e a outra sobre a realidade dos fatos.

Realização da Prova do Costume:

- o costume é notório: é o que o juiz conhece. as partes não precisam prová-lo

- o costume privado: a prova dele deve ser feita diante do juiz. o ônus geralmente recai sobre aquele que o invoca

Meios de prova do Costume:

- INQUIRIÇÃO POR TURBA: É um meio de prova específico do costume. O costume invocado por uma das partes e contestado pela outra parte, era submetido para a apreciação de um grupo de pelo menos dez homens, escolhidos entre os mais qualificados pela sua experiência. Apois deliberação, eles deviam dizer, por unanimidade, se aquela regra consuetudinária era aplicável ou não naquele caso concreto. A inquirição por turba aparece no século XIII. Era a responsabilidade de "dizer o costume". 

- OS REGISTROS DE COSTUMES: Os registros de costumes existentes eram declarações orais feitas periodicamente para recordar as relações existentes entre o senhor e os habitantes do seu senhorio. Serviam para recordar os usos rurais. Lembrar das obrigações que incidiam sobre as coisas e as pessoas do senhorio. Lembrar sobre os direitos sobre o uso dos bosques e das terra incultas. Entravam também questões penais, matrimoniais, sucessórias,, etc. Eram rememorados de ano em ano. Durante os séculos XIV e XV, esses registros começaram a ser reduzidos a escrito. É sobretudo a partir do século XIII que os costumes começam a ser reduzidos a escrito. Em meados do século XV, o rei francês Carlos VII, ordenou a redação dos costumes em todo o reino. Carlos V, em 1531, deu a mesma ordem nos Países Baixos (atuais Bélgica e Holanda). 

- O RECURSO A TRIBUNAL SUPERIOR OU REENVIO: Aqui, uma determinada jurisdição perguntava a uma outra jurisdição como um determinado litígio, que lhe era submetido, deveria ser decidido. Era uma espécie de consulta. 

Os Coutumiers:

Era obras privadas na quais eram expostos as regras de direito consuetudinário de uma determinada região. Os autores desses livros de direito eram práticos do direito (oficiais de justiça, bailios, etc). Chamados a participar de alguma atividade judiciária numa região qualquer, reduziam a escrito os resultados da sua experiência. Eram juristas leigos. Não tinham formação universitária. 

Consequência da redação oficial dos costumes:

A partir desse momento, o costume passa a ser certo. Já não necessidade da parte prová-lo. A inquirição por turba é abolida. Passa a ser proibido constestar o texto do costume. Apenas o rei pode completá-lo ou interpretá-lo. Na França, o costume reduzido a escrito poderia ser revogado por desuso ou pela formação de direito novo.

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "INTRODUÇÃO HISTÓRICA AO DIREITO, 8° EDIÇÃO, FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN, JOHN GILISSEN

 


O Milagre esperado por Hitler O Milagre da Casa de Brandemburgo



Introdução:

Em abril de 1945, escondido em seu bunker, com os russos em Berlim e os americanos e os britânicos chegando pelo oeste, Adolf Hitler esperava por um milagre.

Esse milagre tinha um precedente histórico. Nos anos de 1756 a 1763, desenrolava na Europa uma guerra, mais uma. Era a Guerra dos Sete Anos. De um lado, Rússia, França, Áustria e o Sacro Império Romano Germânico. Do lado oposto, havia Prússia e Inglaterra. Foi quase uma guerra mundial, com combates na Europa e nas Américas. 

A Prússia, embrião da Alemanha Nazista de Hitler, era então governada por Frederico II, uma espécie de déspota esclarecido. Governava como um déspota mas fazia algumas concessões ao iluminismo, como a tolerância religiosa. A Prússia de Frederico II estava perdendo a guerra. Apesar de algumas vitórias, como em Rossbach, quando derrotou um exército combinado de franceses e alemães do Sacro Império, a Prússia vinha sentindo o peso de lutar em duas frentes, tendo que enfrentar o exército russo, que possuía uma fonte inesgotável de recursos humanos e materiais. 

Em 30 de abril de 1945, Hitler se suicidou no Burker. Frederico II, após a batalha de Kunersdorf (12 de agosto de 1759), também pensou em se matar. 

"Os dois exércitos (o russo e o prussiano) se encontraram em Kunersdorf, a nordeste de Frankfurt an der Oder, em 12 de agosto. O que se seguiu foi o maior desastre militar de Frederico e a maior façanha armada russa do século XVIII. Imediatamente após a batalha, Frederico escreveu a seu ministro Finckenstein: 'Meu casaco está coberto de balas de mosquete, e dois cavalos foram mortos sob mim. Tenho o infortúnio de ainda estar vivo. Nossas perdas são grandes demais , e só me sobraram 3 mil homens de um exército de 48 mil. No momento em que escrevo, todos estão em fuga, e não posso exercer qualquer controle sobre meus homens. Em Berlim, é preciso pensar em sua segurança. Não devo sobreviver a esta cruel virada do destino. As consequências serão piores do que a derrota em si. Não tenho mais recursos e, falando bastante francamente, acredito que tudo está perdido. No devo sobreviver à derrocada de minha terra mãe. Adeus para sempre." ("Frederico, o Grande, o Rei da Prússia", Tim Blanning, Editora Amarilys, página 229)

Mas, ao contrário de Hitler, Frederico II não se matou. Continuou lutando e, no fim, seria premiado pelo destino. O evento que iria mudar o desenrolar da guerra passaria para a história como o MILAGRE DA CASA DE BRANDEMBURGO. O Reino de Frederico, no início, era conhecido como Brandemburgo-Prússia, daí a expressão Casa de Brandemburgo.

O Milagre:

O milagre que salvou Frederico II e seu reino veio de uma morte. A morte da imperatriz russa Isabel.

"Uma mulher morre e a nação renasce." (frase atribuída a Frederico II, citada na página 262, "Os Románov, 1613-1918, Simon Sebag Montefiore, editora Companhia das Letras)

Isabel era filha de Pedro, o Grande, o criador da moderna Rússia. Isabel odiava Frederico II e estava disposta a destruí-lo. Mas ela morreu às quatro da manhã do dia de Natal, no ano de 1761. No seu lugar assumiu Pedro III. Pedro III era filho de Anna, outra filha de Pedro, o Grande, e de um príncipe alemão, o duque de Holstein. Pedro III passou a sua infância no ducado de Holstein, no norte da Alemanha. Pedro III nunca se sentiu russo, mal falava russo e tinha Frederico II e a Prússia como um ídolos. Tão logo assumiu o trono russo, Pedro III inverteu os rumos da guerra. O reino da Prússia, que estava prestes a ser destruído, foi salvo. De inimigo da Rússia, a Prússia virou sua aliada. Os czares (tsares) russos eram autocratas. Não prestavam contas a ninguém. Não havia um parlamento, uma opinião pública. Eles podiam praticamente tudo, inclusive transformar um inimigo em aliado, invertendo totalmente o curso de uma guerra, num piscar de olhos.  Esse, portanto, foi o Milagre da Casa de Brandemburgo.

"Frederico mal podia acreditar. Dentro de apenas algumas semanas, o norte e o leste tinham sido neutralizados, e a Rússia, transformada de inimiga em aliada." (página 243, "Frederico, o Grande, o Rei da Prússia, de Tim Blanning, editora Amarilys)

"O resumo de eventos que relatamos apresentará a nós a Prússia à beira da ruína, no fim da última campanha; sem recuperação no julgamento de todos os políticos, mas uma mulher morre e a nação revive; (...) Quanto se pode depender das questões humanas, se as ninharias mais naturais podem influenciar, podem mudar o destino de impérios? Essas são as diversões do destino, que, rindo da vã prudência dos mortais, excita as esperanças de alguns e puxa para baixo as altas expectativas de outros." (texto atribuído a Frederico, citado no livro "Frederico, o Grande, o Rei da Prússia, de Tim Blanning, editora Amarilys, página 243)

O Milagre esperado por Hitler:

Em abril de 1945, escondido em seu Bunker, sob uma Berlim tomada pelos russos, Hitler ficava no seu cômodo particular, olhando para a parede, onde havia um retrato de Frederico II. Olhando para ele, Hitler esperava que, da mesma forma como Frederico II havia sido salvo por um milagre, ele também seria contemplado por um, que iria salvar a Alemanha nazista. A esperança de Hitler aumentou com a morte de F. D. Roosevelt, o presidente dos EUA. Hitler esperava que a morte de Roosevelt redundasse no rompimento da aliança entre os Aliados (URSS, Inglaterra e EUA). Em 1761, a morte da Imperatriz russa Isabel tinha rompido a aliança entre Áustria, França e Rússia. Hitler já enxergava a aliança entre países capitalistas (EUA e Inglaterra) com a Comunista URSS como antinatural. A morte de Roosevelt poderia ser o gatilho para derrubá-la. Mas não derrubou. Roosevelt foi sucedido pelo seu vice, H. Truman, que manteve a aliança com a Inglaterra e a URSS em pé. O milagre não veio. Hitler se suicidou. A Alemanha Nazista foi destruída. A Prússia de Frederico II deixou de existir em 1947. A Prússia de Frederico hoje chama-se Kaliningrado, um enclave russo na Europa Oriental. 

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DOS LIVROS ABAIXO RELACIONADOS:

Frederico, o Grande, o Rei da Prússia. Tim Blanning, Editora Amarilys

Os Románov 1613-1918. Simon Sebag Montefiore, Editora Companhia das Letras

O Bebê Prisioneiro na Rússia Czarista Versão russa do Homem da máscara de ferro



BEBÊ IVAN VI


 A HISTÓRIA DE UM BEBÊ FEITO PRISIONEIRO NA RÚSSIA CZARISTA

Introdução:

IMPERATRIZ ANNA

Em abril de 1730, o Império Russo era governado pela Imperatriz Anna. Ela não era casada. Não tinha filhos. Precisva de um herdeiro para substituí-la no trono russo. Anna então designou sua sobrinha Anna Leopóldovna como sua herdeira. Anna Leopóldovna era filha de sua irmã falecida com o duque de Mecklenburgo, Karl Leopold. Foi arranjado ainda um casamento para Leopóldovna com um príncipe alemão, Anton Ulrich Brunswick-Wolfenbuttel Brevern.

Nomes alemães:

Todos esses nomes alemães não eram estranhos na Rússia Czarista. Membros de famílias reais se casavam com membros de outras famílias reais.. E com a família real dos Románov não era diferente. Pedro, o Grande, procurou príncipes estrangeiros para casar com suas filhas e suas sobrinhas. Pedro tentou casar sua filha Isabel com o rei francês Luís XV. Conseguiu casar uma de suas filhas com o duque alemão de Holstein e casou suas duas sobrinhas com oustros príncipes alemães.  A Rússia czarista ainda se valia de funcionários estrangeiros para a administração do governo. O próprio governo da Imperatriz Anna contava com três alemães nos principais cargos do governo: Biron, que era seu amante. Munnich, que era general e Osterman, uma espécie de primeiro ministro. Ainda no século XVIII, a Rússia czarista teria dois governantes nascidos na Alemanha, Pedro III, nascido no ducado de Holstein, que mal sabia falar russo, e Catarina II, a Grande, nascida Sophie, oriunda de um pequeno estado alemão, Anhalt Zerbst.

Esses alemães aboletados no governo russo serviu para alimentar uma teoria conspiracionista criada por Adolf Hitler. Hitler considerava os povos eslavos, que habitavam a Rússia (URSS) como seres inferiores, sub-humanos. Sendo seres inferiores, essas pessoas não poderiam governarem a si mesmos. Não poderiam criar um Estado. Assim, na cabeça de Hitler, a URSS, que era habitada basicamente por povos eslavos, não passava de uma ficção, de um Estado artificial, criado por elementos de fora. Num primeiro momento, os eslavos foram governados por alemães e, agora, eram governados pelos judeus. A URSS, então, na concepção de Hitler, seria um gigante com pés de barro, uma castelo de cartas que, no primeiro chute, iria desmoronar. Essa crença de Hitler, dentre outros motivos, o levou a invadir a URSS (Operação Barbarossa - junho de 1941). Hitler esperava uma vitória rápida. O desenrolar da história mostrou que ele estava errado.

Casamento:

ANNA LEOPÓLDOVNA

Em 3 de julho de 1739, Anna Leopóldovna, nascida Elizabeth de Mecklenburgo, e Anton Ulrich, mesmo se odiando, se casaram. Não importava que o casal se odiasse, eles precisavam conceber um herdeiro. Anna dividia sua cama com dois amantes, num ménage á trois com um embaixador da Saxônia, o Conde de Lynar, e uma cortesã alemã, Julie Von Mengden. Já o marido Anton Ulrich era sexualmente ambíguo e gago.

Nascimento de IVAN VI, o futuro bebê prisioneiro:

Nascido em agosto de 1740, Ivan estava condenado a ter uma existência miserável. 

Morte da Imperatriz Anna:

Com a morte de Anna, o bebê Ivan foi alçado à posição de herdeiro do Império Russo. Seria o futuro Czar. Mas antes de atingir a maioridade, a Rússia seria governada pelos seus pais, Anna e Anton. Mas a política russa era muito instável. Não demorou muito e um golpe foi engendrado por Isabel. Isabel era uma das filhas de Pedro I, o Grande, o fundador da Rússia moderna. No desenrolar da história, o casal Anna e Anton foram separados de seu filho Ivan. O casal foi exilado e Ivan foi preso. 

"Os guardas ficaram esperando o bebê Ivan VI deposto acordar em seu berço, para ser preso em seguida (na medida em que um guarda pode prender um bebê) e trazido a Isabel, que segurou o ex-czar no colo." (Os Románov 1613-1918, Simon Sebag Montefiore, Editora Companhia das Letras, página 238)

Olhando para o bebê, Isabel, agora Imperatriz da Rússia, disse:

"Você não tem culpa de nada." ((Os Románov 1613-1918, Simon Sebag Montefiore, Editora Companhia das Letras, página 238)

Isabel tinha razão. Aquele bebê não era culpado de nada, mas seria tratado como se assim o fosse. Ele era um czar destronado e, como tal, iria representar uma ameação ao governo de Isabel. Qualquer conspirador, que desejasse derrubar Isabel do trono russo, poderia usar o nome de Ivan, mesmo que este não soubesse de nada, como aquele que deveria substituí-la. E isso realmente aconteceu. Logo no início de seu governo, uma conspiração tentou derrubar Isabel. E os conspiradores, inclusive o rei da Prússia, Frederico II, pretendiam colocar Ivan de volta ao trono russo. Em razão de sua tenra idade, obviamente que Ivan não tinha consciência de nada. Mas isso não importava. Sendo uma ameaça, ele foi punido com o isolamento numa fortaleza. Não tinha contatos com seus pais, com seus irmãos. Ao ficar doente, Isabel proibiu que ele recebesse tratamento médico adequado. Mesmo assim sobreviveu. Havia ainda mais injustiças e crueldades esperando por ele. Aos 15 anos, ele foi transferido para Chlisselburg, uma fortaleza no norte da Rússia. Ele estava arruinado, com os olhos baços, gaguejando e quase louco, embora, àquela altura, soubesse quem era. 

Era uma versão russa do homem da máscara de ferro. A ordem era clara: Na eventualidade de alguém tentar resgatá-lo de sua prisão, Ivan deveria ser imediatamente assassinado. Ivan ficou trancado sob três governantes russos: Isabel, Pedro III e Catarina II, a Grande. Nenhum desses poderosos demonstrou piedade por ele. Eles o viam como uma ameaça, e por esse motivo mantinham-no aprisionado. 

Morte de Ivan:

Em julho de 1764, sob o governo de Catarina II, uma tentativa de golpe foi engendrada. Um oficial tentou libertar Ivan. Esse oficial foi ajudado por outras pessoas. Queriam colocar Ivan no trono russo. Houve um tiroteio no interior da prisão. Depois disso, Ivan foi encontrado morto, por tiros e facadas. O bebê tinha finalmente encontrado a paz, depois de tantos anos de sofrimento.

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "OS ROMÁNOV 1613-1918, SIMON SEBAG MONTEFIORE, EDITORA COMPANHIA DAS LETRAS



quarta-feira, 10 de abril de 2024

O Romance entre uma Rainha Inglesa e um Príncipe Alemão Rainha Vitória e Alberto Saxe Coburgo Gotha

O ROMANCE ENTRE UMA RAINHA  E IMPERATRIZ INGLESA E UM PRÍNCIPE ALEMÃO. PRÍNCIPE ALEMÃO DO DUCADO DE SAXE COBURGO GOTHA, UM REINO QUE DEIXOU DE EXISTIR

ORIGEM DO DUCADO DE SAXE COBURGO GOTHA (DAS HERZOGTUM SACHSEN KOBURG UND GOTHA):


Coburgo e Gotha são duas cidades localizadas no coração da atual Alemanha. Estão situadas entre as regiões alemãs conhecidas como Turíngia, a Baviera e a Saxônia. Durante a Idade Média, os Microestados de Coburgo e Gotha faziam parte da massa fervilhante de entidades estatais que compunham o Sacro Império Romano Germânico. Ghota deriva seu nome de Gotaha, "águas dos Godos". No início do século XIX (1826), Coburgo e Gotha uniram-se e passaram a ser governados por um único duque. Nascia então o Ducado de Saxe Coburgo Gotha. Sua sede não ficava nem em Gotha nem em Coburgo, mas no Castelo de Rosenau, perto de Rodenthal. O ducado desmembrou-se depois da Primeira Guerra Mundial. Os cidadãos de Coburgo votaram pela sua anexação pela Baviera. Depois da Segunda Guerra Mundial, entre 1949 e 1990, Coburgo ficou na Alemanha Ocidental e Gotha ficou na Alemanha Oriental (comunista).

O primeiro governante de Saxe Coburgo Gotha foi o duque Ernesto I. Tinha dois filhos, o mais novo deles, Francisco Alberto Carlos Augusto Emanuel (1819-1861), que passou para a história como Alberto, será o personagem da nossa história.

Obs.: A palavra Saxe deriva do nome francês para Saxônia, que em alemão é escrita como Sachsen. Era hábito na aristocracia alemã o uso da língua francesa. O uso da palavra Saxe (Saxônia) derivava do fato de que os governantes do Ducado de Saxe Coburgo Gotha eram provenientes da casa dinástica governante da Saxônia. 

ALBERTO (FRANCISCO ALBERTO CARLOS AUGUSTO EMANUEL): 

Alberto passou a sua infância no Castelo de Rosenau, cerca de 6 km da cidade de Coburgo. Atualmente, o Castelo de Rosenau e Coburgo estão localizados no estado da Baviera, na Alemanha. Alberto tinha um irmão mais velho, Ernesto. A tia de Alberto, pelo lado de seu pai, era Vitória de Saxe Coburgo Saalfeld, Duquesa de Kent, casada com um dos herdeiros do trono inglês. Vitória tinha dois filhos e uma filha, Vitória de Kent, futura Rainha Vitória e prima e futura esposa de Alberto. 

O ENCONTRO ENTRE ALBERTO E VITÓRIA:

Os primos Alberto e Vitória se encontraram pela primeira vez no ano de 1836. O cupido foi o tio de ambos, Leopoldo, rei da Bélgica. Leopoldo era irmão de Ernesto I e de Vitória Saxe Coburgo Saalfeld. Nesse primeiro encontro, Vitória teria se apaixonado perdidamente por Alberto. Em 1836, o rei inglês era Guilherme IV, da casa dinástica hanoveriana, provinda de Hanover, um estado alemão. O pai de Vitória, o Duque de Kent, morreu cedo. Em 1830, Vitória já era a herdeira aparente do trono inglês. Guilherme IV morreu em 1837. Vitória foi coroada rainha da Grã-Bretanha em 1838. 

CASAMENTO DE ALBERTO E VITÓRIA:

Depois de ser coroada Rainha da Grã-Bretanha, Vitória convidou Alberto para ir visitá-la em Londres. Chegando em Londres em 1839, Alberto recebeu o pedido de casamento de Vitória. Na ocasião, Vitória escreveu em seu diário:

"Oh! Sentir que era e sou amada por um Anjo como Alberto é um deleite demasiado grande para descrever. Ele é a perfeição em pessoa; a perfeição em todos os aspectos - na beleza - em tudo! Eu disse-lhe que era completamente indigna dele e beijei-lhe a sua querida mão - ele disse que seria muito feliz (...) e foi tão gentil...foi o momento mais radioso e feliz da minha vida e compensou tudo o que sofri e suportei. Oh! Adoro-o e amo-o tanto que nem sei." (Reinos Desaparecidos, história de uma europa quase esquecida, Norman Davies, Edições 70, página 638)

Marcado o casamento, Alberto partiu do Ducado de Saxe Coburgo Gotha, localizado no coração da Alemanha, acompanhado de seu pai e de seu irmão. A viagem foi longa. Fizeram um tour pelo Ducado, onde foram festejado pelos populares. No rio Reno, tiveram que atravessá-lo de barco. Passaram por Colônia, Aix La Chapelle (Aachen), Liege, Bruxelas, Dunquerque e Calais. A travessia do Canal da Mancha foi aflitiva e demorada. O mar estava agitado. Em território inglês, Alberto foi bem recebido. Em fevereiro de 1840, sua comitiva partiu para Londres. O casamento teve lugar na Capela Real do Palácio de St  James.

"Conferiu ao noivo o título de Sua Alteza Real dado que a Câmara dos Lordes recusará nomeá-lo Par do Reino; a Câmara dos Comuns atribuíram-lhe apenas uma subvenção reduzida - subvenção anual destinada a cobrir algumas das despesas do soberano." (Reinos Desaparecidos, história de uma Europa quase esquecida, Norman Davies, Edições 70, página 642)

Ao casar-se com Vitória, Alberto deu o nome de Saxe Coburgo Gotha à família real britânica. 

A VIDA EM COMUM DE ALBERTO E VITÓRIA:

Alberto e Vitória

Em sua vida privada, Alberto e Vitória se comunicavam em alemão. Em 1845, Alberto e Vitória fizeram a sua primeira viagem à Alemanha. Foram para Coburgo e Rosenau. Vitória, em seu diário, transbordava de entusiasmo ao descrever a viagem. Ela conheceu o local de nascimento do homem que amava. O período compreendido entre os anos de 1845 e 1855 foi o caracterizado pela calma e plenitude na vida do casal. Vitória era uma rainha autoconfiante cercada por uma família que crescia. O casamento não era perfeito. Depois do nascimento do nono filho do casal, Beatriz, em 1857, os médicos da rainha disseram que sua vida corria risco se houvesse uma nova gravidez, razão pela qual o casal teve que dormir em quartos separados. Alguns historiadores disseram que Alberto sentia-se infeliz com sua posição de subordinação. Diziam ainda que ele nunca esteve tão loucamente apaixonado como Vitoria estivera por ele. 

Alberto morreu cedo, em 1861, vitimado pela febre tifoide. Estava na casa dos 40 anos. Vitória sentiu muito a sua morte. Entrou num luto vitalício. Em 1863, foi revisitar a cena da sua felicidade perdida, na Alemanha. Foi revisitar o Ducado de Saxe Coburgo Gotha, onde passara momentos de alegria com Alberto. Alojou-se em Coburgo, onde foi visitada pelo Imperador da Áustria, Francisco José. Nessa altura, foi aconselhada pelo Primeiro Ministro inglês, Benjamin Disraeli, que ela deveria retornar à Inglaterra, pois "não pode governar o Império (Britânico) a partir de Coburgo." (Reinos Desaparecidos, história de uma Europa quase esquecida, Norman Davies, edições 70, página 647)

Alberto e Vitória tiveram nove filhos. "Em meados do século XIX, o nome de Saxe Coburgo Gotha já tinha assumido proporções continentais. A maioria dos nove filhos de Alberto e Vitória entrou por casamento para as família reinantes mais prestigiadas da Europa. Eles e seus filhos ocupariam o trono, não apenas do Império Britânico, mas também da Alemanha, Rússia, Noruega, Espanha, Romênia e Bulgária." (Reinos Desaparecidos, história de uma Europa quase esquecida, Norman Davies, edições 70, página 648)

O DESTINO TRÁGICO DO DUCADO DE SAXE COBURGO GOTHA:

Duque Ernesto II, irmão de Alberto, faleceu em 1893. Ernesto II não deixou sucessores e isso criou um problema sério, pois o pequeno ducado alemão não atraía o interesse dos descendentes de Vitória e Alberto. Eduardo, o filho mais velho de Vitória e Alberto, renunciou ao seu direito de assumir o ducado. Alfredo, duque de Edimburgo, aceitou a sucessão com alguma relutância. Alfredo então se mudou para o Castelo de Rosenau. Ali, ele recebeu a sua mãe, a Rainha Vitória. Essa útima viagem de Vitória ao ducado de Saxe Coburgo Gotha "...deu origem a um dos maiores encontros da realeza europeia alguma vez vistos. Além de acolher a Rainha Imperatriz Vitória, Alfredo foi anfitrião do Kaiser Guilherme II, do futuro Czar Nicolau II e dos futuros monarcas britânicos Eduardo VII e Jorge V." (Reinos Desaparecidos, história de uma Europa quase esquecida, Norman Davies, edições 70, página 651)

Rainha Vitoria com a família Coburgo, abril de 1894

Em 1899, o filho de Alfredo, o príncipe Alfie, que era sifilítico e hemofílico, suicidou-se com um tiro. Alfie estava desesperado com o seu estado de saúde e com as implicações de seu casamento secreto com uma plebeia. Um ano depois, morreu o próprio Alfredo, em Rosenau. Pai e filho mortos. Mais uma vez, surgia o problema sobre quem iria assumir o ducado de Saxe Coburgo Gotha. Mais uma vez, ninguém demonstrava interesse em assumi-lo. Havia dois candidatos: Carlos Eduardo, filho de Leopoldo, Duque de Albany e neto mais jovem de Vitória. O outro era príncipe Artur, filho do Artur, Duque de Connaught. Artur era o terceiro filho de Vitória e Alberto. Na época, correu a história que Artur teria batido em seu primo mais novo, Carlos Eduardo, de forma a obrigá-lo a assumir o ducado de Saxe Coburgo Gotha. Mas a decisão final coube à Rainha Vitória. O trono do ducado foi passado então para Carlos Eduardo, duque de Albany. Mesmo não falando alemão, Carlos Eduardo tornou-se duque de Saxe Coburgo Gotha em 1905. 

Os jornais da época, ao noticiarem a ascensão de Carlos Eduardo ao trono, disseram, em tom de galhofa:

"PRÍNCIPE RELUTANTE TORNA-SE DUQUE ALEMÃO." 

"NÃO LEVOU NA CABEÇA O primo (fazendo menção a Artur) ao qual o Ducado também foi oferecido, ameaçou sová-lo caso ele (fazendo menção a Carlos Eduardo) recusasse." (Reinos Desaparecidos, história de uma Europa quase esquecida, Norman Davies, Edições 70, páginas 654/655)

Carlos Eduardo, último Duque de Saxe Coburgo Gotha

Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, Carlos Eduardo viu-se numa situação delicada. Quanto mais a guerra recrudescia, mais o ódio dos britãnicos aumentava sobre tudo aquilo que era alemão. Em julho de 1917, os parentes britânicos de Carlos Eduardo descartaram o nome de família Saxe Coburgo Gotha e adotaram o nome de Windsor (usado até hoje). Carlos Eduardo, como duque de uma entidade política alemã, também seria punido, com a perda de seus títulos de nobreza britânicos. Como nada é tão ruim que não possa piorar, com a derrota da Alemanha, todos os governantes hereditários alemães foram obrigados a abdicar, inclusive Carlos Eduardo. Enquanto a República de Weimar substituia o Império Alemão dos Hohenzollern, o Conselho de Operários e Soldados invadiu o Castelo do ex-duque Carlos Eduardo, em Rosenau, aboliu o ducado e confiscou suas terras. 

Carlos Eduardo não ficou na miséria. Recebeu uma indenização do Estado e foi ajudado por alguns de seus familiares (sua irmã Alice e seu marido). Ele morreu em 1954.

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO REINOS DESAPARECIDOS, HISTÓRIA DE UMA EUROPA QUASE ESQUECIDA, AUTOR NORMAN DAVIES, EDITORA EDIÇÕES 70



sexta-feira, 5 de abril de 2024

Sagrado Império Romano Germânico Uma História da Europa

Brasão de Carlo Magno. Reaparece a águia imperial romana, que estará em todos os brasões imperiais, dos czares a Napoleão. A seu lado, as flores-de-lis do reino dos Francos, que só terminará com a revolução francesa

1) GÊNESE DO SAGRADO IMPÉRIO ROMANO GERMÂNICO:

Para entender como foi originado o Sagrado Império Romano Germânico, siga o fio:

Tudo começou com o desmoronamento do Império Romano, em meados do século V. Vários tribos germânicas invadiram o outrora poderoso Império Romano do Ocidente. Entre as tribos germânicas que se estabeleceram naquilo que fora o Império Romano do Ocidente, estavam os Francos. Os francos vinham do noroeste da Alemanha, de uma região localizada entre os rios Weser e Reno, conhecida como Franconia. Já no interior daquilo que tinha sido o Império Romano do Ocidente, os francos estabeleceram seu núcleo de poder entre os rios Sena e Loire. A partir daí, se expandiram pelas atuais França, Bélgica, Holanda e oeste da Alemanha. Foi formado então um Reino Franco. Seu primeiro rei foi Clóvis, responsável pela unificação dos francos e pela sua conversão ao catolicismo. Desse Reino Franco nasceu o Império Carolíngio, quando da coração de Carlos Magno como Imperador, em Roma, no ano 800. 

1-1) Nascimento do Feudalismo na esteira do desenvolvimento do Império Carolíngio: 

"Carlos Magno distribuía benefícios entre seus vassalos e deles exigia também a participação nas guerras quanto a apresentação de homens armados. Para recrutar soldados, os vassalos por sua vez concediam benefícios - possuíam, portanto, seus próprios vassalos, dos quais eram suseranos. Esses benefícios, concedidos em forma de posses vitalícias, a partir da segunda metade do século IX, transformaram-se posses hereditárias, com o nome de feudos." (Fonte: Grandes Personagens da História Universal, Volume 4, Editora Abril, Carlos Magno, página 231)

1-2) Condes, Viscondes, Marquês e Duques:

Eram os funcionários designados pelo próprio Carlos Magno. O Conde derivava do nome "comes", significando "companheiro do rei". O Conde era responsável por uma circunscrição territorial ou condado. O Conde tinha o direito de nomear subordinados, os Viscondes, que podiam exercer o poder em caso de sua ausência. Os territórios fronteiriços do Império, ou marcas, eram chefiados por um Conde, nomeado especialmente para esse caso como Margrave ou Marquês. Os Duques, por sua vez, eram Condes que, além de suas funções administrativas, exerciam comando militar superior. (Fonte: Grandes Personagens da História Universal, volume 4, Carlos Magno, Editora Abril, página 231)

Abaixo, o Império Carolíngio:



Abaixo, Carlos Magno visto pela Renascença:


1-3) Por que o Papa coroou Carlos Magno Imperador no ano 800?

O Papa oferecia o status de Imperador (continuador do Império Romano do Ocidente) para Carlos Magno e, em troca, esperava dele proteção contra uma outra tribo germânica, os lombardos, que continuamente atormentavam e colocavam em risco a existência do Papado. Essa política do é dando que se recebe já era utilizada pelos romanos/bizantinos. Eles davam status a um líder bárbaro em troca de que este fornecesse lealdade e ajuda militar. A título de exemplo, os bizantinos, por um tempo, usaram Teodorico, um líder ostrogodo, para administra a Itália. Teodorico tinha sido educado em Constantinopla, de forma que ele combinava a cultura romana com os valores de um guerreiro gótico. Depois a relação entre ambos azedou, redundando naquilo que viria a ser conhecida como as Guerras Góticas (535/562).

A ideia era a de que esse Império Carolíngio viria substituir o falecido Império Romano do Ocidente (não confundir com o Império Romano do Oriente, cuja capital era Constantinopla). O problema era que o os Francos tinham a tradição de, quando um pai morria, sua herança era dividida entre seus filhos. Quando essa herança é um Império, há um problema sério. E foi o que aconteceu no ano 843 quando, por meio do Tratado de Verdum, o Império Carolíngio foi dividido entre os três filhos de Luís, o Piedoso. Sua parte ocidental, conhecida como Francônia Ocidental, embrião da futura França, ficou com Carlos, o Calvo. A parte central do Império, que continha suas capitais Aachen e Roma, ficou com Lotário, recebendo o nome de Lotaríngia. E a parte oriental do Império, conhecida como Francônia Oriental, embrião da futura Alemanha, incluindo territórios que hoje pertencem à Suíça, ficou com Luís, o Germânico. Já que o estudo aqui diz respeito  ao Sagrado Império Romano Germânico, iremos cuidar apenas da Francônia Oriental, pois foi nela que teve origem o Sagrado Império. 

Tratado de Verdun 843


Império Carolíngio

1-4) Resumindo:

▶Desmoronamento do Império Romano do Ocidente

▶Surgimento do Reino Franco

▶O Reino Franco transforma-se no Império Carolíngio

▶O Império Carolíngio fraciona-se em três partes, a saber:

a) Francônia Ocidental - Embrião da atual França

b) Lotaríngia - Atuais Países Baixos, Norte da Itália, Roma e fronteira entre as atuais França e Alemanha

c) Francônia Oriental - Embrião do Sacro Império Romano Germânico e, posteriormente, da Alemanha.

▶Naquilo que era a Francônia Oriental, irá se desenvolver o Sagrado Império Romano Germânico. 

2) GÊNESE DO VOCÁBULO IMPERADOR. DISTINÇÃO ENTRE REI E IMPERADOR

Em sua origem, o título <<Imperator>> queria dizer <<comandante militar>>. Adquiriu um sentido político com César, mas sobretudo com Octávio, que assumiu o nome de Augusto e governou como primeiro Imperador a partir de 27 a.C. . No período romano, um general vitorioso numa batalha podia ser aclamado <<Imperator>> pelos seus comandados (eleição por mérito e capacidade). Esta tradição podia se coadunar com aquilo que acontecia entre os Francos, que aclamavam seus monarcas.

A monarquia germânica também se baseava no conceito de aclamação do monarca pelos seus guerreiros, a qual permitiu que a elite franca aceitasse a coroação de Carlos Magno como Imperador (800). A VITÓRIA ERA CONSIDERADA SINAL DE FAVOR DIVINO e a ficção de que todos os presentes aclamavam seu consenso unânime se interpretava como a expressão direta da vontade de Deus.

O título de Imperador deveria ser concedido pelo Papa. Foi assim com Carlos Magno, no ano 800. Mas não era necessário ser Imperador para governar o Sagrado Império Romano Germânico. Bastaria que a pessoa em questão fosse eleita Rei dos Alemães. O título de Imperador, se viesse, seria por meio de uma cerimônia presidida pelo Papa. O Império teve uma sucessão de reis que não foram coroados Imperadores e nem por isso deixaram de governar o Sagrado Império Romano Germânico. Foi Otão I, em meados do século X, que estabeleceu a regra segundo a qual aquele que fosse eleito rei alemão seria automaticamente <<imperator futurus>>. No fim, tratava-se de um cabo de guerra entre o Imperador e o Papa. Quem era eleito rei alemão iria querer ser imperador sem precisar da intromissão do Papa. Já o Papa não queria abrir mão de sua prerrogativa de coroar o rei alemão. Qualquer sinal de fraqueza de algum dos lados, servia de pretexto para que o outro lado agisse para fortalecer seu poder. Podemos citar como exemplo um evento ocorrido no início do século XIII. Henrique VI e sua esposa estavam mortos. O filho de Henrique, futuro Imperador Frederico II, ainda era uma criança. Felipe da Suábia, tio de Frederico, e Oto IV queriam para si a coroa do Sacro Império. Uma Guerra Civil eclodiu entre ambos e seus seguidores. Aproveitando-se do vácuo de poder no seio do Sacro Império, o Papa Inocêncio III, em 1202, publicou um decreto denominado Venerabilem. Dentre outras coisas, Inocêncio III buscava reafirmar a prerrogativa do Papado na coroação de Imperadores, de forma que, para ser imperador, não bastava ser eleito rei alemão. Experts em Direito Canônico esposavam a ideia de que o Papa era o verdadeiro Imperador, dado que fora ele quem havia transferido a autoridade desde Bizâncio (Império Bizantino). Enfim, Inocêncio III se aproveitou da fraqueza do Império, no início do século XIII, para reafirmar a pretensão do Papado de ser o único criador de Imperadores. 

2-1) Fusão entre os títulos de Rei Alemão e Imperador do Sacro Império Romano Germânico:

"Os títulos de Imperador e Rei alemão haviam sido mesclados (fundidos), o que consolidou a mudança de 1508 e assegurou a assunção ininterrupta de de prerrogativas imperiais com a eleição. Agora havia apenas uma coroação, feita pelo Arcebispo de Colônia, que presidiu as coroações oficiais alemãs desde os carolíngios e cujo papel até mesmo os estados imperiais protestantes aceitaram. Em 1653, a coroação de Fernando IV, como rei dos romanos, fez concessões litúrgicas ao protestantismo e limitou-se a exigir que o monarca respeitasse o Papa, mas não que o obedecesse. As mudanças cerimoniais liberaram o Imperador da necessidade de ir a Roma..." (Wilson, Peter H.. O Sacro Império Romano: Mil Anos de História Europeia (Outros Títulos) (Edição em Espanhol) (p. 151). Acorde Edições Ferro. Edição Kindle, página 151)

3) POR QUE ERA UM IMPÉRIO SAGRADO?

O sagrado vinha da missão que era dada ao Império. Sua missa era a de criar uma ordem política estável a todos os cristãos, protegendo-os dos hereges e dos infiéis. Ainda seguindo o escopo dessa missão, o Imperador deveria proteger o Papa, líder da Igreja cristã e universal. 

4) O IMPÉRIO E SUAS TERRAS:

O Sacro Império Romano Germânico nunca foi um Estado Unitário com uma população homogênea. Tratava-se de um mosaico de terras e povos  sob uma jurisdição imperial desigual e sujeita a mudanças. O Império não era constituído por uma única cadeia de comando, tampouco era uma pirâmide bem definida com um Imperador no seu topo. Tratava-se de uma ampla estrutura que abarcava múltiplos elementos de hierarquia interna que se relacionavam, em meio a complexos modelos nos quais predominava a desigualdade. Um de seus componentes mais importantes era chamado de REGNA (REINOS). Todavia, mesmo uma região geográfica que era chamada de Reino poderia ser governada por alguém que não possuísse o título de rei. Comumente se dizia que um reino devia ser grande, mas não havia um tamanho mínino de território e de população. Enfim, o Império não prezava pela coerência, pela unidade de comando. 

A tendência era o desmembramento. Como exemplo, é possível citar uma região do Império conhecida como Suábia. A Suábia surgiu de uma região conhecida como ALAMANIA, que empresta seu nome de uma Confederação Tribal <<de todos os homens>>, isto é, os ALAMANNI, que ocupava o que mais tarde seria a Alsácia, Baden, Wurtemberg e a maior parte da Suíça (conhecida pelo nome romano de Raetia). A partir de 1290, a Suábia iria experimentar uma reconfiguração, em razão da qual numerosos territórios diferenciados seriam criados.

5) O NOME:

"As palavras Sacro, Império e Romano, não apareceram juntos pela primeira vez, como Sacrum Romanum Imperium, até junho de 1180. E, ainda que, a partir de 1254, fosse utilizado com mais frequência, nunca apareceu de forma regular nos documentos oficiais. Ainda assim, os três termos constituem elementos chave do ideal imperial presente desde a fundação do império."

6) SACRO IMPÉRIO ROMANO GERMÂNICO

Uma sociedade agrária e devota. As duas imagens mostram o caráter agrário da sociedade alemã e sua devoção a Deus, da qual os governantes aproveitavam para extrair a sua legitimidade. 

Fragmento do Calendário agrícola medieval de Pietro Crescenzi

Cristo coroa e benze Oto II e sua esposa 
 
A preocupação com uma vida extraterrena na arte normanda: Satanás no Apocalipse de São Severo, Biblioteca Nacional, Paris

7) QUANDO O SAGRADO IMPÉRIO ROMANO GERMÂNICO FOI FUNDADO?

Deparei-me com duas posições:

Primeira:👇

A fundação do Sacro Império Romano Germânico deve sua fundação à decisão do Papa Leão III de legitimar a expansão do Reino Franco com a concessão do título imperial a Carlos Magno, na cidade de Roma, no ano 800. Em troca dessa legitimação, caberia a Carlos Magno proteger o Papado de inimigos externos e internos. Essa coroação não deveria ser vista, pelos seus contemporâneos, como algo novo, pois ela deveria ser vista como uma continuação do Império Romano, cujo título Leão III estava simplesmente transferindo de Constantinopla ( a capital do remanescente Império Romano do Oriente) para Carlos Magno e seus sucessores. Obviamente que Constantinopla não viu essa coroação de Carlos Magno com bons olhos. Mas Constantinopla não tinha uma força militar capaz de contestá-la, pois já tinha que se preocupar com um inimigo poderoso na sua fronteira leste, o califado islâmico. Comentava-se ainda que, quando da ascensão de Carlos Magno como Imperador, o trono do Império Romano do Oriente estaria vago desde o ano 796, ano no qual o então Imperador Constantino VI foi deposto e cegado pela sua própria mãe, Irene, que acabou por tomar o poder para si. Na qualidade de primeira mulher a reinar em Constantinopla, teve sua legitimidade contestada, a ponto de dizerem que o trono estava vacante. Irene foi derrubada em 802. De toda forma, a partir do ano 800, passaram a conviver simultaneamente, dois Impérios: no Ocidente, o Sagrado Império Romano (que ainda não se chamava Germânico), e, no oriente, o Império Romano do Oriente, também chamado de Império Bizantino. O Sacro Império Romano Germânico iria durar mais do que o Império Bizantino. O Império Bizantino foi extinto no ano 1453, depois que sua capital, Constantinopla, foi tomada pelos Otomanos. Já o Sacro Império Romano Germânico foi extinto por Napoleão Bonaparte no ano de 1806. 

Segunda: 👇

"O Sacro Império nascera formalmente em meados do século X, quando Oto I, rei da Germânia, invadiu Pavia (a cidade mais importante da Lombardia, ao norte da Itália) e casou-se com a filha do rei local, requisitanto para si a coroa; a Lombardia passava, assim, para a tutela germânica. Depois, Oto dirigiu-se a Roma e obteve do Papa João XII a solene coroação imperial sobre os dois reinos, assinando ao mesmo tempo um documento pelo qual concedia terras ao papado. A união da Lombardia à Germânia, sob as bênçãos da Igreja, marcou o início do Sacro Império Romano Germânico, que duraria mais de oitocentos anos." (Fonte: Grandes Personagens da História Universal, Editora Abril, Frederico II, página 319, volume 22)

Contestando essa segunda posição: A coroação do Oto I como Imperador no ano 862 não refundou tampouco criou um novo Império, dado que persistia de que o reino carolíngio original foi mantido e que Carlos Magno simplesmente havia sido sucedido por numerosos outros imperadores. 

8) ELEIÇÃO DO REI ALEMÃO

A natureza cooperativa da política imperial representada pela imagem acima, com o Imperador rodeado pelos sete eleitores

O Sacro Império Romano Germânico se distinguia de outros reinos, como a Inglaterra, a França, a Espanha e Portugal, pelo fato de que o seu soberano era eleito. Inicialmente, o número de eleitores, de pessoas que tinham o direito de eleger o rei alemão, era alargado. Todavia, a partir de meados do século XIII, pode-se falar de um Colégio Eleitoral, pode-se falar de Príncipes Eleitores, uma vez que o círculo inicialmente muito maior, de eleitores do rei, ficou reduzido aos seguintes participantes: os arcebispos de Mainz, Colônia e Trier, o rei da Boêmia, o conde Palatino do Reno, o duque da Saxônia, e o Marquês de Brandemburgo.

9) COMO SE DAVA A RELAÇÃO ENTRE O PAPA (PODER ESPIRITUAL) E O IMPERADOR (PODER SECULAR)?

Ate hoje é uma questão controvertida a relação entre Estado e Religião, entre o mundo secular e o mundo espiritual. Quando, por exemplo, um país vai discutir uma legislação sobre a o aborto, há sempre uma discussão religiosa que se intromete num assunto que deveria ser essencialmente de responsabilidade do Estado. Se é assim hoje, em pleno século XXI, imagine então na idade média, quando a religião era um assunto onipresente na vida das pessoas. 

No início dessa relação entre Estado e Religião, vigorava a ideia de que o Estado era algo de menor importância. Essa ideia foi retirada de uma passagem da Bíblia, na qual Pôncio Pilatos pergunta para Jesus: "Você é o rei dos judeus?" A resposta de Jesus foi: "Meu Reino não pertence a esse mundo. Meu Reino não é daqui." Essa ideia foi reforçada pela crença do Segundo Advento, isto é, pela volta de Jesus no fim dos tempos, para presidir o Juízo Final. Com Jesus presidindo um Juízo Final, óbvio que nenhum poder secular teria relevância, poderia confrontá-lo. O problema é que esse advento nunca chegou. Os anos passaram e nada da volta de Jesus. Diante dessa realidade, a narrativa teve que sofrer uma modificação, de forma a aceitar a existência do Estado. Os cristãos, portanto, teriam que chegar a um acordo com a autoridade secular. Daí apareceu São Paulo, que formulou a ideia segundo a qual as pessoas deviam obediência ao rei, ao Imperador, porque a autoridade delas vinha de Deus. Um súdito devia obediência ao seu rei, porque a autoridade deste tinha origem em Deus. Então, o súdito que se opõe ao rei, está se opondo a Deus. 

Na sequência, ficou consignado, pela própria Igreja, a separação entre o Estado e o Mundo Espiritual. Havia, portanto, o Regnum (o mundo da política) e o Sacerdotium (o mundo espiritual da Igreja). As sagradas escrituras corroboravam essa separação, quando diziam que "Dê a César o que é de César e a Deus o que é de Deus." 

Teoria das Duas Espadas:

Acima, São Pedro oferece um Pálio (pallium) ao Papa Leão III e uma bandeira a Carlos Magno

Construiu-se ainda a ideia de que à Igreja cabia a espada da autoridade espiritual (auctoritas), simbolizando a responsabilidade de guiar a humanidade em busca da salvação. Essa salvação seria alcançada, obviamente, por meio da mediação dos padres, do bispos, dos arcebispos, dos cardeais e do Papa. Do outro lado, havia o Estado. Coube ao Estado a espada do poder secular (potestas), por meio da qual ele deveria manter a ordem, promovendo a paz entre os homens, de forma a possibilitar que a Igreja exercesse sua missão 

9-1) O Sacro Império Romano tinha, portanto, dois líderes: O Papa e o Imperador. 

Cada um com a sua espada. Papa e Imperador eram considerados os garantidores da ordem. Cada um no seu quadrado. Nenhum dos dois poderia ignorar o outro, tampouco dispensar sua ajuda. Era como uma dança. O problema é que, com o passar do tempo, os problemas surgiram. Essa ideia de igualdade e complementaridade entre Igreja e Estado era muito bonita na teoria, mas na prática as desavenças surgiram. A Igreja queria se impor sobre o Estado. O Estado queria se impor sobre a Igreja. A Igreja queria palpitar nos assuntos seculares, enquanto que o Estado queria se intrometer nos assuntos espirituais como, por exemplo, nomeando Bispos. A História do Sagrado Império Romano teve que conviver, por muitos anos, com essa disputa entre o Papa e o Imperador. A Querela das Investiduras, no início do século XI, foi um desses conflitos. Discutia-se se o Imperador tinha ou não o direito de nomear um Bispo ou algum outro cargo eclesiástico. O nome "investidura" significava que, por exemplo, um arcebispo não podia assumir seu cargo sem receber do Papa uma peça de vestuário, chamado de "Pallium". 

10) O IMPERADOR DO SAGRADO IMPÉRIO ROMANO GERMÂNICO EM RELAÇÃO AOS OUTROS SOBERANOS CRISTÃOS EUROPEUS

A supremacia do Imperador em relação aos outros soberanos europeus, como os reis da França e da Inglaterra, se baseava na ideia da Espada Secular, que o elevava, pelo menos sob o ponto de vista formal, acima dos outros reis em razão da sua posição de defensor da igreja (defensor ecclesiae). O Imperador então assumia a missão de, externamente, defender a Igreja da invasão dos árabes muçulmanos, dos vikings e dos magiares (húngaros). Cabia ainda ao Imperador defender a Igreja de seus inimigos internos como, por exemplo, aqueles que cometiam heresias (os heréticos). 

Mesmo com o processo de afirmação de monarquias na Espanha, na França e na Inglaterra, cujos soberanos procuravam enfatizar cada vez mais a sua autoridade real, persistia o pensamento de que o Imperador era superior a eles. pois vigorava o pensamento religioso, segundo o qual só poderia haver um Imperador, tendo em vista que só havia um Deus no céu. Com o passar do tempo, essa ideia religiosa foi perdendo terreno para a realidade. O Sacro Império Romano Germânico mostrou-se um monstrengo difícil de ser administrado. Havia o Imperador, havia as cidades, havia príncipes e outros magnatas. Ninguém conseguia se entender, não conseguiam se unir, criando um estado centralizado. Havia ainda os conflitos entre o Imperador e o Papa. Dessa forma, o Sacro Império Romano Germânico ficou para trás. França, Inglaterra e Espanha fortaleceram-se de tal forma que o superaram. Essa foi a razão pela qual a Alemanha só foi unificada, sob o governo do chanceler Otto Von Bismarck, em 1871. Esse fato fez com que a Alemanha ficasse de fora da expansão ultramarina do séculos XV ao XVII. A Alemanha só foi ter colônias, na África, depois de sua unificação. 

11) O SACRO IMPÉRIO ROMANO GERMÂNICO EM RELAÇÃO AO IMPÉRIO ROMANO DO ORIENTE (IMPÉRIO BIZANTINO)

"Em 800, Carlos Magno e o Papa Leão III estabeleceram um império que não era nem singular nem o único que afirmava ser romano. A sobrevivência do Império Bizantino durante outros 653 anos foi crucial para dividir a Europa cristã em duas esferas políticas e religiosas oriente e ocidente, cujo legado persiste hoje. Ao contrário do Imperador do Ocidente (Sacro Império Romano Germânico), que também era rei, seu homólogo bizantino era unicamente Imperador. Houve regências no oriente, mas nunca interregnos como no ocidente, com longos períodos sem imperador coroado." Wilson, Peter H.. O Sacro Império Romano: Mil Anos de História Europeia (Outros Títulos) (Edição em Espanhol) (pp. 260-261). Acorde Edições Ferro. Edição Kindle, página 261)

Podemos ver o legado da coexistência desses dois Impérios cristãos no mundo atual, nos países católicos da Europa Ocidental (Itália, Croácia, França, etc) e nos países de religião cristã ortodoxa do leste europeu, como Rússia e Sérvia. 

12) O LEGADO DO IMPÉRIO ROMANO:

O Sagrado Império Romano Germânico extraía a sua legitimidade pelo fato de ser visto como herdeiro do Império Romano. Tratava-se de uma continuidade ininterrupta do Império Romano para o Sacro Império Romano Germânico (translatio imperii).O Império Romano, por sua vez, era visto como o último e maior de uma sucessão de quatro impérios. Como ocorria com todas a poderosas ideias medievais, esta também se baseava na Bíblia. 

O Livro de Daniel (2:31) narra a resposta do Profeta do Antigo Testamento quando se lhe pede que interprete o sonho de Nabucodonosor sobre o futuro de seu Império. Na Idade Média se considerou que esse sonho descrevia a sucessão de quatro monarquias mundiais:

a) Babilônia; 

b) Pérsia; 

c) Macedônia; 

d) Roma. 

A noção de Império era, portanto, algo singular, exclusiva e taxativa. De acordo com a Bíblia, e a Bíblia era lei na Idade Média, só havia o registro de quatro impérios mundiais (Babilônia, Pérsia, Macedônia e Roma). Eles não coexistiram, mas se sucederam no tempo. Aceitar que houvesse um quinto império mundial, seria desprezar aquilo que estava escrito na Bíblia. Você estaria ignorando a profecia de Daniel e contrariando a vontade de Deus. Diante disso, a solução encontrada para justificar a existência do Sacro Império Romano Germânico era vê-lo como uma continuidade do Império Romano. 

13) CRÍTICAS À HEGEMONIA DO SACRO IMPÉRIO ROMANO GERMÂNICO:

A ideia imperial nunca foi uma unanimidade. Sempre houve quem a contestasse. Havia a briga com o Papado. Quem era mais importante, o Imperador ou o Papa? A autoridade do Imperador deveria ser ampliada/extendida sobre os demais monarcas europeus?

"João de Salisbury, em resposta ao novo cisma papal de 1159, fez a Frederico I a seguinte pergunta retórica: «Quem subjugou a Igreja universal a uma Igreja particular? Quem fez dos alemães juízes de todas as nações? “Quem concedeu a um povo tão rude e violento o poder de elevar um príncipe acima da humanidade?” (Wilson, Peter H.. O Sacro Império Romano: Mil Anos de História Europeia (Outros Títulos) (Edição em Espanhol) (p. 306). Acorde Edições Ferro. Edição Kindle, página 306)

A ideia de Império passou a ser vista de outra forma. De início, era vista como uma forma benevolente de manter a ordem no mundo cristão. Depois, passou a ser vista como uma hegemonia sem controle de uma potência sobre outra. O jurista italiano de princípios do século XIII, Azo de Bolonia, afirmou que CADA REI ERA IMPERADOR DENTRO DE SEU PRÓPRIO REINO - REX IMPERATOR IN REGNO SUO EST

Em 1202, Rei João da Inglaterra afirmou que a reino dos ingleses poderia ser comparado a um Império, embora ele tivesse sido obrigado a aceitar limites em seu poder, por meio de uma Carta Magna imposta pelos seus barões.

Com o passar dos anos, o Imperialismo passou a ser visto como o exercício de imposição de um subordinação ilegítima a monarquias soberanas e de seus povos. Jean Bodin, no século XVI, defendeu a ideia da INDIVISIBILIDADE DA SOBERANIA, e que isto não poderia ser partilhado entre grupos ou entre indivíduos, nem dentro do país nem fora dele. Esta ideia formou o núcleo da ideia do Estado Moderno. A soberania era o monopólio da autoridade legítima sobre uma área claramente demarcada e sobre seus habitantes. Poder soberano é aquele que não pode ser contestado. O Estado Soberano é o responsável por manter a sua ordem interno, utilizando os recursos proporcionados pela sua população. É o governo desse Estado Soberano que decide sobre as relações exteriores, com outros Estados igualmente soberanos. 

14) IMPORTÂNCIA ESTRATÉGICA DO SACRO IMPÉRIO ROMANO GERMÂNICO:

Os abundantes recursos materiais, humanos e territoriais do Sacro Império Romano Germânico transformavam-no numa posse desejada por qualquer um que desejasse dominar a Europa e, depois dela, o mundo. O soberano que conseguisse estabelecer um domínio eficiente e coerente do Império poderia fazê-lo uma plataforma para voos maiores. 

"Pensava-se que os seus recursos inexplorados eram simplesmente vastos para fazer inclinar a balança entre os Habsburgo e os Valois (casa dinástica reinante na França), cristãos e turcos." (Europa A Luta pela Supremacia de 1453 aos nossos dias. Brendan Simms, Edições 70, página 48)

O futuro mostrou que esse pensamento estava correto. No século XX, a Alemanha, principal herdeira do Sacro Império Romano Germânico, lutou praticamente duas guerras sozinha (1º e 2º Guerras), contra potências como França, Grã-Bretanha, Rússia, depois URSS e EUA. 

15) SÍNTESE DA CRONOLOGIA DO SAGRADO IMPÉRIO ROMANO GERMÂNICO:

ANO 911: Morre Luís, a Criança. Trata-se do último representante da dinastia carolíngia a governar a Francônia Oriental. Com a morte de Luís, o legado carolíngio perdeu-se de vez. Foi um momento definidor do nascimento de França e Alemanha: Em lugar de se associar à Francônia Ocidental, governada por Carlos, o Simples - como fizeram os lorenos - a nobreza tribal dos francos, dos suábios, dos bávaros e dos saxões, resolver seguir seu próprio caminho, elegendo um dos seus, Conrado, como soberano. A partir desse momento, o embrião da França, chamada de Francônia Ocidental, e o embrião da Alemanha, chamada de Francônia Oriental, seguiram caminhos distintos. O que poderia ser uma só entidade política, como o era na época do Império Carolíngio, viraram duas entidades políticas distintas, que acabariam, no futuro, formando dois países que seriam antagônicos e que iriam se confrontar em várias guerras. França e Alemanha, originários de um mesmo tronco ancestral, o Império Carolíngio, iriam se destacar pela mútua rivalidade, ocasionadora de duas grandes guerras, a Primeira Guerra Mundial e a Segunda Guerra Mundial. Poderíamos ainda lembrar da Guerra Franco-Prussiana de 1871. 

PERÍODO 911-918: Nobrezas tribais dos Francos, Suábios, Bávaros e Saxões elegem Conrado rei da Francônia Oriental. Conrado I pertencia à tribo dos Francos e à dinastia dos Conradinos. O Reino Alemão e o Sagrado Império Romano Germânico seriam eletivos e não hereditários. E essa tradição começou no ano 911, com a eleição de Conrado I. 

PERÍODO 918-936: Henrique I, duque da Saxônia, da casa dinástica dos Luidolfings, é eleito rei da Francônia Oriental. No ano de 921, Henrique I entabulou um acordo (Tratado de Bona de 921) com Carlos III, o Simples, soberano da Francônia Ocidental, por meio do qual este último reconhecia a existência da Francônia Oriental. O fato de Henrique I ser da tribo saxã e não da tribo franca, faz com que uma corrente de pensamento eleja essa época como o nascimento de um "reino alemão". Para essa corrente de pensamento, o reino alemão surge na esteira de três eventos: a) Tratado de Verdum de 843 que dividiu o Império Carolíngio; b) O fim da dinastia carolíngia na Francônia Oriental, com a morte de Luís, a Criança, no ano 911; c) A ascensão de alguém como Henrique I, pertencente à tribo dos saxões, que não pertencia, portanto, à tribo dos francos, que foram os criadores do Império Carolíngio, no anos 800, por meio de Carlos Magno. Outra corrente de pensamento contesta que o reino alemão tenha nascido dessa forma, dizendo que a consciência de uma nação alemão não existia na época de Henrique I. Ademais, a entidade política governada por Henrique I, pelo fato de estar situada numa área que, no passado, pertenceu ao Império Carolíngio, que era então governado pela tribo dos francos, ainda recebia o nome de Rex Francorum. 

PERÍODO 936-973: Henrique I é sucedido por Otão I, A vitória sobre os húngaros, em 955, na Batalha de Lechfeld, conferiu-lhe grande prestígio e poder. Isso o levou a retomar a política carolíngia em relação à Itália. Conseguiu então renovar o Império Ocidental, sendo coroado Imperador em Roma, em 962, graças à uma relação estreita com o Papado, por meio do Pactum Ottonianum. 

Otão I Império no ano 962

Política Carolíngia: Como afirmado acima, a vitória de Otão I sobre os húngaros lhe deu grande prestígio, de forma que pôde retomar a política carolíngia. Essa política carolíngia significava a adoção de um império que viesse a colocar toda a cristandade sob o governo de um só soberano, isto é, do Imperador do Sagrado Império Romano Germânico. Isso obviamente iria criar uma rivalidade com os reinos cristãos que eram vizinhos do reino alemão. Essa pretensão alemã de unir todos os reinos cristãos sob o governo do Sagrado Império Romano Germânico acabou por retardar o desenvolvimento da Alemanha como um estado nação unificado. Isso fez com que a Alemanha ficasse atrás de Inglaterra e França. Um país, para fazer valer sua vontade externamente, precisa, antes de tudo, organizar-se internamente, de modo a unificar suas forças. Inglaterra e França fizeram isso, daí sua vantagem na corrida colonial. A Alemanha, contudo, por ter desperdiçado energia e tempo no seu projeto de constituir um Império que pretendia unir todos os cristãos sob o governo do Sacro Imperador Romano Germânico, acabou ficando para traz, só vindo a se unificar no final do século XIX, em 1871. A corrida alemã para tentar recuperar o tempo perdido, acabaria por criar uma das razões que levaram à eclosão da Primeira Guerra Mundial. 

PERÍODO 973-983: Otão II. Teve um governo conturbado. Foi derrotado pelos árabes no sul da Itália e teve que enfrentar rebeliões de tribos eslavas na região missionária entre os rios Elba e Oder. 

PERÍODO 983-1002: O sucessor de Otão II, Otão III, desenvolveu um conceito de governação e império sob a influência do Arcebispo de Reims, Gerberto de Aurillac. Esse conceito pregava a RENOVATIO IMPERII ROMANORUM, isto é, a renovação do antigo Império Romano, com capital em Roma e um Imperador que unisse em sua pessoa tanto o poder espiritual como o secular. Otão III acabou por fracassar.

PERÍODO 1002-1004: Henrique II, último Imperador da dinastia saxônica. A história de Henrique II é importante sob o ponto de vista da história constitucional do Sagrado Império Romano Germânico. Henrique não foi um herdeiro designado para assumir o Trono. Sua linhagem tampouco foi decisiva para a sua ascensão. Henrique II foi eleito. A eleição de Henrique II decretou de forma definitiva que o direito sucessório/hereditário, como acontecia na França e na Inglaterra, não seria adotado no Sagrado Império Romano Germânico. "...apesar de as sucessões anteriores entre pais e filhos terem ocorrido sem qualquer problema." (página 43) A eleição de Henrique II foi ainda a "...primeira vez que dignatários eclesiásticos se associaram com eleitores seculares para tomar uma decisão conjunta." (História Alemã do Século VI aos nossos dias, Ulf Dirlmeier e outros, Edições 70 página 43)

PERÍODO 1024-1039: Conrado II, primeiro governante da dinastia saliana eleito Rei Alemão em 1024. Foi  coroado Imperador no ano 1027; Em 1032, com a morte do Rei da Borgonha, Rodolfo III, sem deixar herdeiros, Conrado foi coroado Rei da Borgonha. "Embora o poder real no território que se estendia até à foz do rio Ródano fosse fraco, a Borgonha, a par da Itália e da Alemanha, era o terceiro dos "regna" que, em conjunto, constituíam o "imperium." (História Alemã do Século VI aos nossos dias, Ulf Dirlmeier e outros, Edições 70 página 46)

PERÍODO 1039-1056: Henrique III. Foi designado sucessor em 1026. Durante sua governação, destituiu três Papas em 1046. Foi no seu governo que um alemão se tornou Papa pela primeira vez. Estamos falando de Clemente II. Henrique III ainda assumiu o título de Patricius Romanorum, que o associava ao direito de ter um primeiro voto na eleição papal. Em meados do século XI é iniciado um programa de reforma da Igreja, que seria dirigido por Papas como Leão IX (1049-1054 - 3º Papa alemão) e Gregório VII. A reforma centrava-se na separação entre o poder imperial e a Igreja. O Sagrado Império Romano Germânico teria que parar de tratar a Igreja como se sua propriedade fosse. O Imperador, de fato, buscava usar a Igreja como um instrumento de sua governação. A reforma ainda buscava combater a simonia, que era a compra de cargos eclesiásticos. Essa disputa entre a Igreja e o Império iria redundar naquilo que viria a ser conhecido como a Querela das Investiduras. No desenrolar dessa Querela das Investiduras foi colocada em cheque ideias universalistas de domínios nascidas quando do nascimento do Império Carolíngio. O Império Carolíngio queria uma Igreja submissa, daí a denominação de uma Igreja Imperial, isto é, uma Igreja submetida aos desejos do Imperador de plantão. Vigorava então a ideia de que o Imperador deveria garantir a proteção da Igreja, podendo, como contrapartida, pedir que essa mesma Igreja lhe desse apoio incondicionado, ilimitado. Por fim, a Querela das Investiduras resultaria, no ocidente, numa separação entre Igreja e Estado, que perdura até hoje.

Explicação sobre o conceito de Igreja Imperial: 

Igreja e Estado, Poder Espiritual e Poder Secular. O Sacro Império Romano Germânico convivia com essa dicotomia. O que era para ser uma dança sincronizada entre Estado e Igreja, acabou evoluindo para um conflito constante. O Império tinha muitos problemas, usando suas energias para atender múltiplas forças centrífugas. Havia muitos magnatas regionais para administrar. Era preciso ceder poder para conseguir algum arremedo de centralização de poder nas mãos do Imperador. Dessa forma, a conta nunca fechava. Enquanto Inglaterra, França, Espanha, Portugal, Holanda se organizavam como um Estado centralizado, o reino alemão ia ficando para trás, com um Imperador tendo que administrar centenas de poderes regionais. E ainda havia o conflito com a Igreja. Dentro do Império, a Igreja se organizava como um feudo eclesiástico, que era um combo entre a propriedade de terra mais um cargo eclesiástico, funcionando da seguinte forma: Um soberano, representado pelo rei alemão, por exemplo, pegava um leigo que lhe tinha prestado um bom serviço, geralmente na área militar. Como recompensa, fazia dele seu vassalo, passando para ele um feudo eclesiástico, composta por uma terra, uma Igreja e um cargo eclesiástico. A IGREJA, COM SUA SEDE EM ROMA, NÃO TOMA PARTE DESSA NEGOCIAÇÃO. Essa será a gênese do conflito entre o Papa e o Imperador, pois o correto, na visão da Igreja, uma pessoa só poderia receber um cargo eclesiástico (bispo, abade, etc) pelas mãos do Papa. Para piorar, como o feudo eclesiástico não era hereditário, ele podia ser vendido. As grandes famílias, os nobres mais ricos, queriam comprar esses feudos eclesiásticos para seus filhos caçulas. Esses leigos que compravam esses feudos eclesiásticos geralmente não tinham nenhuma vocação religiosa, vivendo no luxo e distantes de Deus. Alguns deles tinham mulheres, com as quais tinham filhos, Esse comportamento era denominado de Nicolaísmo, referente ao diácono herético Nicolau de Antioquia, que era contrário ao celibato dos padres. Já a venda de cargos eclesiásticos era chamado de Simonia, referente a Simão, mago que tentou comprar de São Pedro o segredo de seus milagres.

PERÍODO 1056-1106: Henrique IV: Henrique IV foi o 3º representante da Dinastia Saliana, designado pelo pai. Em meio à Querela das Investiduras, o Papa Gregório VII excomungou Henrique IV. Henrique IV conseguiu revogar a sua excomunhão com a famosa Penitência de Canossa de 1077. 

Abaixo, a imagem mostra Henrique IV humilhado, na visão de um pintor romântico, óleo de Schwoiser:



Abaixo, a imagem do Papa Gregório VII. Gregório VII pretendia reformar a Igreja Medieval, acabando, por exemplo, com a Simonia e com o Nicolaísmo:

Apesar do sucesso de sua penitência, Henrique IV viu sua legitimação sacral (direito divino dos reis) enfraquecida. Mesmo assim, foi coroado Imperador em 1084. A época de Henrique IV mostra um enfraquecimento do Império. A maior prova disso foi que, em 1095, quem conclamou os cristãos pela retomada da Terra Santa (Jerusalém), então em mãos muçulmanas, naquilo que viria a ser conhecida como a Primeira Cruzada, foi o Papa Urbano II, e não o Imperador.

PERÍODO 1106-1125: Henrique V: Os conflitos com a Igreja não cessavam. A solução, baseada na separação entre os domínios espiritual e secular (spiritualia - temporalia) não foi alcançada. O problema era a existência de uma Igreja Imperial, consubstanciada numa ligação umbilicar entre Império e Igreja. Como já dito acima, essa ligação concedia ao Imperador influência sobre a Igreja, como, por exemplo, o direito de escolher e nomear (investidura) Bispos, abades, etc. A Igreja, em Roma, obviamente, não via com bons olhos o Imperador se imiscuindo com seus assuntos. Em 1122, por meio da Concordata de Worms, foi garantido ao Imperador, dentro da Alemanha, uma certa influência sobre a nomeação de Bispos e abades.

PERÍODO 1125-1137: Lotário de Supplingenburg, Duque da Saxônia: Vemos aqui mais uma mudança de dinastia no reino alemão, marcando uma diferença entre o reino alemão e os outros reinos europeus. No período de 1138-1152, houve outra mudança de dinastia, agora com a ascensão dos Staufer.

PERÍODO 1152-1190: Frederico I Barbarossa. Eleito em 1152. Pertencia à dinastia Staufer. Procurou pacificar a relação com a alta Nobreza, constituída pela classe dos príncipes Império, abaixo apenas do rei ou do Imperador na ordem feudal. As concessões de Frederico I a esses príncipes ou duques reforçava o poder destes em relação ao poder central. O preço, portanto, para a pacificação do Império, era a perda de poder do Poder Central. Poderes regionais, nas mãos de príncipes, duques, ganhavam poder. O poder central, nas mãos do rei alemão/Imperador, perdia poder. Enquanto outros reinos europeus conseguiam centralizar o poder nas mãos de uma só pessoa, na Alemanha, essa centralização ficava a cada dia mais difícil. 

"Visto retrospectivamente, este passo foi importante para a formação de um estado territorial de príncipes, em geral, e para a evolução particular da Áustria." (História Alemã do Século VI aos nossos dias, Ulf Dirlmeier e outros, Edições 70, página 57)

Frederico I foi coroado Imperador em 1155, pelo Papa Adriano IV. A dinastia Staufer tentou reviver um poder Imperial Universal, seguindo a tradição Carolíngia. O antecessor de Frederico I, Conrado III, por exemplo, usava o título de ROMANORUM SEMPER AUGUSTUS, procurando associar o reino alemão ao Império Romano, buscando reivindicar para si todo o IMPERIUM, que devia abranger a Itália e a Borgonha (atual França). E, para ter esse poder, bastaria a simples eleição como rei alemão, sem necessidade de ser coroado Imperador pelo Papa. 

Frederico I fez campanhas militares para restabelecer os direitos imperiais na Itália. A cidade de Milão, na Lombardia, norte da Itália, foi destruída em 1162. Depois de ser derrotado em Legnano, em 1176, Frederico I iniciou negociações e paz. Aqui é importante abrir um parênteses para explicar o seguinte: O Sacro Império Romano Germânico se via como herdeiro dos Impérios Romano e Carolingio. Estes dois Impérios dominavam, por exemplo, partes ou a integridade de territórios que hoje pertencem à França e à Itália. Essa é, portanto, a razão que fazia com que o rei alemão empreendesse campanhas militares nessas áreas, com o objetivo de concretizar essa herança. 

PERÍODO 1190-1197: Henrique VI: Henrique VI era filho de Frederico I. Pertencia à dinastia Staufer. Um episódio de destaque de sua curta governação aconteceu no ano de 1192, quando prendeu o rei inglês Ricardo Coração de Leão, quando este se encontrava em Viena, regressando de uma Cruzada no Oriente. Henrique pediu uma alta soma em prata pelo resgate de Ricardo. Henrique VI iria usar toda essa prata do rei inglês para conquistar a ilha da Sicília (reino da Sicília), sendo coroado na cidade de Palermo, no ano de 1194. Apesar desse sucesso militar, Henrique VI não conseguiu centralizar o reino alemão sob uma dinastia hereditária.

PERÍODO 1212-1250: Frederico II: A sua chegada ao poder foi tumultuada. Contou com o apoio do rei francês Filipe II (1180-1223) e do Papa Inocêncio III. Seu opositor era Otão IV, que contava com o apoio do rei inglês. Na Batalha de Bouvines, em 1214, Frederico II derrotou Otão IV, vendo então o caminho para o trono desobstruído. Frederico II pertencia à dinastia Staufer. Foi eleito rei alemão no ano de 1196 e eleito Imperador do Sacro Império Romano Germânico no ano de 1220.

Abaixo, imagem de Frederico II:

Frederico II foi um dos monarcas mais fascinantes da Idade Média. Era um homem extremamente culto para a sua época. Possuía conhecimentos científicos e linguísticos. 

"De todos os imperadores (foi coroado em 1220), Frederico II é provavelmente o mais controverso. O cronista inglês Mateo Paris chamou isso de Stupor Mundi, "espanto do mundo". Certamente foi incrível. Inteligente, charmoso, implacável e imprevisível, muitas vezes ele parecia agir de maneira caprichosa. Os seus seguidores consideravam-no como estando a cumprir uma missão messiânica, especialmente depois de ter recuperado Jerusalém em 1229" (Wilson, Peter H.. O Sacro Império Romano: Mil Anos de História Europeia (Outros Títulos) (Edição em Espanhol) (p. 138). Acorde Edições Ferro. Edição Kindle.)

"A questão frequente acerca de seu pertencimento à história alemã é completamente despropositada: é precisamente devido à sua origem siciliano-alemã que ele corresponde de forma quase perfeita à concepção de império universal, sem qualquer limitação nacional, típica da alta idade média" (História Alemã do Século VI aos nossos dias, Ulf Dirlmeier e outros, Edições 70, página 64)

Frederico II fez concessões aos príncipes da igreja imperial e aos príncipes seculares. Agora, esses príncipes, no interior do reino alemão, tinham o direito exclusivo de direitos de soberania, como, por exemplo, direitos reais (regalia) de cunhar moedas e criar aduanas. Dessa forma, o reino alemão, indo na contramão daquilo que acontecia em outros reinos europeus (Inglaterra, França), tornava-se ainda mais descentralizado.

Mais informações sobre Frederico II: Seus adversários papais denominaram-no "A Besta do Apocalipse". Ainda rotularam-no como uma espécie de Nero, que poderia destruir o Império. As gerações posteriores têm compartilhado essa combinação de assombro e repulsa: foi detestado por Lutero e celebrado por Nietzsche, que o qualificou como espírito livre. Frederico II teve 19 filhos de 12 mulheres diferentes. Falava um pouco de árabe e era tolerante em relação aos muçulmanos, mas não chegava a ser um multuculturalista moderno. Teve conflitos com o Papado, razão pela qual sofreu duas excomunhões. A primeira foi suprimida em razão da conquista, sem derramamento de sangue, de Jerusalém. Os muçulmanos, divididos entre si e ameaçados pela invasão mongol pelo leste, acabaram cedendo Jerusalém a Frederico. A segunda, que foi permantente, veio em 1239. Era a velha história de sempre, o conflito entre o Império e o Papado. O Papa querendo manter suas prerrogativas e o Imperador sonhando em reviver o Império Carolíngio, dominando a Itália. Frederico II morreu em 1250 e seu filho Conrado IV não teve capacidade de manter o poder da dinastia Hohenstaufen na Alemanha. Conrando IV ainda sofreu sérias derrotas na Itália. Revoltas em Nápoles e a união entre o Papa e Carlos de Anjou (irmão mais novo do rei francês) minaram seu poder. A morte do último pretendente Hohenstaufen manteve a Alemanha/Império Sacro Romano Germânico separado de Nápoles e da Sicília. 

Abaixo, mapa com o Império dos Hohenstaufen (1125/1254)


Frederico II tinha interesses de domínio sobre o Mediterrâneo mas também não descuidava dos territórios imperiais a norte dos Alpes. Frederico II morreu em 1250. Foi o último Staufer a ser coroado. Com o fim da dinastia Hohenstaufer fracassou a concepção medieval de um império universal, bem como o exercício de um poder real eficaz na Alemanha (Regnum Teutonicum). Uma observação final sobre a governação de Frederico II: Em 1229, como resultado das negociações com o Sultão do Egito Al Kamil, Frederico II conseguiu a devolução de Jerusalém aos cristãos.

Reis Menores: 

O período que vai desde a morte de Frederico II em 1250 até a coroação de imperial de Henrique VII em 1312 foi o mais prolongado da história do império sem um imperador coroado. Sem viagem para ser coroado, tampouco havia viagem de um rei alemão para a Itália. 

PERÍODO 1273-1291: Rodolfo de Habsburgo: Rodolfo era conde e não príncipe do Império. Eleito pelo Colégio Eleitoral, não era tão pobre como afirma a lenda. Pode ser considerado um dos senhores territorias mais bem sucedidos e mais poderosos do sudoeste da Alemanha. Pertencia à Dinastia dos Habsburgos. Para consolidar seu poder, Rodolfo teve que lutar contra o rei da Boêmia, Otokar II Przemysl. Na Batalha de Durnkut, em 1278, Rodolfo derrotou Otokar. Essa vitória deu a Rodolfo poder suficiente para, em 1278/1282, procedeu à entrega, a seus filhos dos ducados da Áustria, da Estíria e da Caríntia. Esse foi o embrião que originou a ascensão dos Habsburgos no sudeste alemão, cujo impacto extravasaria a história do Império. Os Habsburgos seriam os soberanos de um Estado chamado Austro-Húngaro. Retornando a Rodolfo, apesar de todo o seu sucesso, ele não obteve para si a coroa do Sacro Império.

PERÍODO 1292-1298 Adolfo de Nassau: Era Conde do médio Reno. Foi eleito rei alemão porque os eleitores optaram por um nome de alguém com menos força. Adolfo morreu na Batalha de Golheim, perto de Worms, em 1298, que é considerada, muitas vezes, a última batalha de cavaleiros da Idade Média. 

PERÍODO 1298-1308) Alberto I da Dinastia Habsburgo

PERÍODO 1308-1312 Henrique VII do Luxemburgo: Coroado Imperador no ano de 1312, o primeiro a sê-lo após o período Staufer.

PERÍODO 1314-1347 Luís da Baviera Wittelsbach: Alcançou o poder após um conflito de oito anos contra Frederico da Áustria, o candidato da dinastia Habsburgo. Luís derrotou Frederico na Batalha de Muhldorf. Luís foi coroado Imperador em Roma, no ano de 1328. Essa coroação não pacificou a relação de Luís com a Igreja. Na Declaração de Rhense, de 1338, disse que um rei alemão, eleito por maioria, não necessitava da aprovação papal. Para se tornar ainda mais independente em relação ao Papa, promulgou uma lei que dizia que a investidura do Imperador estava ligada a sua eleição como rei alemão. Luís morreu em 1347, sem alcançar seus objetivos.

PERÍODO 1346-1378 Carlos IV da Casa de Luxemburgo: Publicou a Bula de Ouro, que regulamentava os direitos dos príncipes eleitores e do processo eleitoral alemão, sem mencionar o Papa. Carlos foi sucedido pelo seu filho, Venceslau.

PERÍODO 1400-1410 Conde Palatino Roberto

PERÍODO 1410-1437 Sigismundo Dinastia de Luxemburgo: Uma decisão do governo de Sigismundo teria repercussão na história mundial. Ele transferiu a Marca de Brandemburgo para o burgrave Frederico de Nuremberg, da casa dinástica Zollern. Aí estava o embrião do futuro estado da Prússia. Sim, o Estado da Prússia, que seria governada pela dinastia Hohenzollern, conhecido como o Reino de Ferro, que seria o responsável pela unificação alemã em 1871. Sigismundo foi coroado Imperador no ano de 1433. Sigismundo atuou eficazmente para resolver o Grande Cisma da Igreja Ocidental, que começou no ano de 1378, com a eleição de dois Papas, UrbanoVI em Roma e Clemente VII em Avinhão. O fim do cisma se deu duranto o Concílio de Constança (1414-1418), que foi a maior conferência internacional da Idade Média, patrocinada por Sigismundo e pelo Papa João XXIII. No entanto, houve uma decisão tomada pelo Concílio que iria causar muita dor de cabeça para Sigismundo. Ao mandar queimar vivo Jan Hus, critico da Igreja e Reformador, precursor de Martinho Lutero, o Concílio desencadeou a Revolução Hussita, na Boêmia, atual República Tcheca, debelada após grande esforço militar e financeiro do Império.

PERÍODO 1440-1483 Frederico III Dinastia Habsburgo: Foi coroado Imperador em 1452, em Roma. A dinastia Habsburgo se valia da diplomacia matrimonial para ganhar novos territórios para o Império e para si. Na segunda metade de sua governação, Frederico III casou seu filho, Maximiliano, com Maria da Borgonha, detentora da herança borgonhesa, depois da morte de seu pai, Carlos, o Audaz. 

Castelo Habsburgo Argovia Suíça

Origens da Dinastia Habsburgo: 

Fonte: Rady, Martyn. Los Habsburgo (Spanish Edition) (p. 29). Penguin Random House Grupo Editorial España. Edição do Kindle.

O local de origem dos Habsburgo pode ser indicada como sendo a região do Alto Reno e Alsácia, na atual fronteira entre França e Alemanha, e em Argovia (Aargau), no norte da Suíça atual. Todas essas regiões pertenceram ao Sacro Império Romano Germânico (ducado da Suábia). O primeiro Habsburgo a que temos conhecimento é um sujeito chamado Kanzelin, associado à pequena fortaleza de Altenburg, perto da cidade de Brugg, no cantão suíço de Argovia (Aargau). Com a morte de Kanzelin, suas terras foram divididas entre seus filhos, Radbot (985-1045) e Rodolfo. Conta a lenda que um dia Radbot saiu um dia de casa e perdeu seu Azor, sua ave de rapina preferida. Enquanto tentava reencontrá-la, foi parar num penhasco junto ao rio Aar, já no limite de suas possessões. Ali pareceu para ele um lugar ideal para construir uma fortaleza. Radbot nomeou o baluarte que ali construiu de HABICHTSBURG, isto é, o Castelo de Azor, tendo em conta que Azor, uma ave de rapina, em alemão, é escrita como Habicht. A Fortaleza acabou ficando com esse nome, adquirindo posteriormente a forma HABSBURG [O]. Dessa forma, um topônimo acabou por designar os herdeiros de Radbot, os Habsburgo. Rebatendo essa teoria, há a versão segundo a qual o nome Habichtsburg não foi derivado do nome da ave de rapina, mas pelo fato da fortaleza se encontrar perto de um lugar onde se cruzava do rio Aar (vau - Hafen em alemão). 

PERÍODO 1459-1519  Maximiliano I Dinastia Habsburgo. Filho de Frederico III. Maximiliano recebeu de seu pai a divisa A.E.I.O.U., iniciais indicativas de sua política, significando AUSTRIA EST IMPERARE ORBI UNIVERSO ( A Áustria deve reinar sobre o universo). Para colocar esse plano em prática, sem fazer uso das armas, os Habsburgo faziam uso do casamento, pois se você não tem fortuna, case-se com ela. Era a adoção da Diplomacia Matrimonial. E foi o que Maximiliano fez, casando-se com Maria da Borgonha, herdeira de vários territórios, dentre eles, os Países Baixos (atuais Holanda e Bélgica). Buscando bons casamentos para seus filhos, Maximiliano casou seu filho Filipe com Joana de Castela. Maximiliano cobiçava o trono espanhol para seu filho ou para seus netos. Filipe e Joana têm vários filhos, dentre eles, Carlos, que se tornaria Rei da Espanha e Sacro Imperador Romano Germânico, sob o nome de Carlos V. 

Joana e Filipe, pais de Carlos V:

PERÍODO 1500-1558 Carlos V: Carlos V falava várias línguas. Conta a lenda que ele dizia o seguinte: ele falava italiano com os embaixadores, francês com as damas, alemão com os soldados, inglês com os cavalos e espanhol com Deus. Antes de se tornar Carlos V, Imperador do Sacro Império Romano Germânico, Carlos era apenas Carlos I, rei da Espanha. Para se tornar Imperador, ele teve que disputar uma eleição, concorrendo com Henrique VIII, rei da Inglaterra, e Francisco I, rei da França. Para se tornar Imperador, Carlos teve que subornar os príncipes eleitores alemães. Carlos V usou o dinheiro de um comerciante de Augsburgo, Jacob Fugger, para subornar os príncipes eleitores alemãoes. Além do suborno, Carlos V teve que fazer concessões para os príncipes alemães: ele só poderia estabelecer tratados com potências estrangeiras com a anuência dos príncipes alemães; Carlos V só poderia usar soldados estrangeiros no interior do Império com a anuência dos estados imperiais ou, no mínimo, dos príncipes eleitores. Com 19 anos de idade, em 1519, Carlos é então eleito rei alemão e, em 1520, coroado Imperador do Sacro Império Romano Germânico. Além de rei dos alemães, Carlos V governava a Espanha, Nápoles, Condado Franco da Borgonha (uma região na atual França) os Países Baixos e o império ultramarino nas Américas. Ele repassou Áustria para seu irmão Fernando. A Dinastia Habsburgo, definitivamente, era um sucesso. Seu irmão Fernando ainda governava a Hungria e a Boêmia. Carlos V teve que se defrontar com muitos problemas. Tinha vários inimigos: o Império Otomano no Mar Mediterrâneo e nos Balcãs. Havia a França e havia os príncipes alemães. O soberano turco Solimão, o Magnífico, conquistou a cidade de Belgrado, atual capital da Sérvia, em 1521. No mar mediterrâneo, Solimão conquistou a ilha de Rodes. Ainda no sudeste europeu, Solimão derrotou o exército húngaro na Batalha de Mohacs. Viena, a capital dos Habsburgo, estava na mira dos Otomanos. Em 1529, Viena se veria cercada pelos Otomanos. 

Solimão, O Magnífico

Na Alemanha, a Reforma Protestante de Martinho Lutero era apoiada por alguns príncipes alemães. 

Lutero

Martinho Lutero, monge da ordem mendicante dos agostinhos/agostinianos. Num momento em que o homem passava a ser o protagonista da história, tomando o lugar de Deus, processo esse desencadeado pelo RENASCIMENTO, surge Martinho Lutero. Já em 1515/1516, Lutero, na sua lição sobre a Epístola aos Romanos, disse que a Justiça e a Sabedoria não provém de nós, homens, mas do céu, fazendo o homem a retomar seu papel de codjuvante. Deus voltava a ser protagonista. Em 1517/1518, Lutero se voltou contra a prática da Igreja consubstanciada na venda de indulgências que eram certificados que libertavam os crentes das culpas de seus pecados. Em 1517, Lutero publicou suas 95 teses na porta da Igreja do Castelo de Wittemberg. A polêmica sobre as indulgências teve o condão de levar a um enorme rompimento de um dique que puxou rapidamente outros temas religiosos para o centro da discussão pública. Foi colocada em dúvida até a autoridade papal. Martinho Lutero contava com a proteção de um senhor, Frederico, o Sábio, príncipe-eleitor da Saxônia, um dos inúmeros estados imperiais que a colcha de retalhos que era o Sacro Império Romano Germânico. A "Causa Lutheri", o movimento religioso desencadeado por Martinho Lutero, que ficou conhecida como a REFORMA, espalhou-se rapidamente a partir de 1519. A "Causa Lutheri" se espalhou rapidamente em razão de uma inovação criada por Johannes Gutenberg, no ano de 1444, a Imprensa. O uso da Imprensa possibilitou que as ideias de Lutero, materializadas em várias publicações, fossem conhecidas por milhares de pessoas. Lutero foi excomundado em 1521. Também foi banido. Mas esse banimento só foi apoiado pelo Imperador e por alguns estados imperiais. Frederico, o Sábio, agiu para proteger Lutero. A Saxônia, estado imperial governado por Frederico, mesmo fazendo parte do Sacro Império, não entregou Lutero para ser punido. Frederico, no interior de seu estado imperial, agia de forma soberana, de modo que não entregou Lutero para que Carlos V o punisse. Era assim que funcionava o Sacro Império. Não era como uma Inglaterra, uma França, onde o soberano tinha força coercitiva para fazer valer a sua vontade. O governante do Sacro Império tinha várias limitações no exercício de seu poder. Durante o movimento de Reforma, o Império ainda viu a eclosão, nos anos 1524/1526, uma revolta dos camponeses. Com o passar dos anos, Carlos V teve que esquecer por um tempo o conflito religioso na Alemanha e se voltar contra um novo inimigo, a França de Francisco I. Francisco I, rei da França, era mais um problema (1521-1525 Primeira Guerra entre Francisco I e Carlos).

Entre 1540 e 1544, Carlos V praticamente esmagou a França, forçando-a a assinar a Paz de Crépy. O reino francês teve que abrir mão dos países baixos de da cidade de Milão. Em 1547, os exércitos de Carlos V obtiveram uma vitória contra os príncipes alemães, na Batalha de Muhlberg. Todos esses êxitos de Carlos V trouxeram contra si um oposição gigantesca. Era muito poder nas mãos de uma só pessoa. Os estados imperiais alemães protestantes eram seus inimigos. Até o Papado e os estados imperiais alemães católicos viam com desconfiança o poderio cada vez maior de Carlos V. Temiam sua ambição de constituir uma Monarquia Universal. O medo de Carlos V era tanto que a católica França buscou fazer uma aliança contra ele, tendo como parceiros os muçulmanos do Império Otomano.  Dessa forma, Carlos V se viu obrigado a abrir mão de seu poder, em nome de seu filho Filipe e de seu irmão Fernando. Carlos V acaba sendo sucedido, no trono espanhol, pelo seu filho Filipe (1555). Já no Sacro Império Romano Germânico, Carlos é sucedido pelo seu irmão Fernando (1557), que mantivera relações mais próximas com a nobreza germânica. A divisão da herança de Carlos V aconteceu no bojo do Tratado de Augsburgo, de 1555. Além do desmantelamento gigantesco do patrimônio dinástico dos Habsburgo, o Tratado de Augsburgo, convencionado entre Carlos V e os príncipes protestantes alemães,  estabeleceu o princípio CUIUS REGIO, EIUS RELIGIO, por meio do qual cada território deveria adotar a religião do príncipe reinante. Augsburgo também determinou a secularização das terras tomadas à Igreja pelos príncipes protestantes alemães antes de 1552 e a igualdade entre o luteranismo e o catolicismo. O Tratado de Augsburgo, também conhecido como Paz Religiosa de Augsburgo, por algum tempo, restaurou a paz na Alemanha. 

Filipe II, filho de Carlos V: 


Ao abdicar do trono espanhol, em 1555, Carlos V o deixou para seu filho, Filipe II. Filipe herdou de seu pai, além do trono espanhol, o desejo de controlar a cristandade, criando uma monarquia universal. Filipe derrotou os otomanos na batalha de Lepanto. Unificou as coroas da Espanha e de Portugal. Tomou conta das Filipinas. Incrementou a extração de ouro das Américas. Buscou se aproximar da Inglaterra por meio da diplomacia do matrimônio. A ambição de Filipe II era tamanha que, no verso da moeda que comemorava a união entre Espanha e Portugal, havia a seguinte inscrição: NON SUFFICIT ORBIS: O mundo não é o bastante. Filipe II só foi obstado no seu projeto de uma Monarquia Universal quando a expedição de sua Grande Armada para invadir a Inglaterra resultou no estrondoso fracasso. 

Imagem de Carlos V


Império de Carlos V


Diplomacia Matrimonial da Dinastia Habsburgo:

É melhor adquirir território por meio de casamentos do que por meio de guerras. As redes de alianças matrimoniais construída por Frederico III e por Maximiliano I lograram que a dinastia Habsburgo viesse a adquirir os seguintes territórios:

Borgonha (parte do território localizada na atual França) (1477); Espanha e suas dependências (1516); Boêmia (atual República Tcheca) e Hungria (1526)

A pretensão a uma Monarquia Universal:

Não foi somente Carlos V que sonhou com uma Monarquia Universal. E o sonho dele tinha base na realidade. Senhor de inúmeros territórios, "...um bispo espanhol pronunciou Carlos <<pela Graça de Deus, (...)Senhor dos Romanos e Imperador do Mundo>> Uma Monarquia Universal sob Carlos V, em que os Habsburgos reinavam sobre uma Cristandade Católica unida (...), parecia uma possibilidade realista." (Europa A Luta pela Supremacia De 1453 aos nossos dias, Brendan Simms, página 42, Editora Edições 70). No fim, ele, cercado de inimigos (França, Império Otomano, príncipes alemães), teve que desistir. 

Outros pretendentes a uma Monarquia Universal:

Império Otomano: Com a conquista de Constantinopla em 1453, capital do que restara do antigo império bizantino - Estado cristão ortodoxo), Mehmed II, sultão otomano, passou a adotar o título de Sultão I Rum - senhor de Roma (Rum). Esse título representava o desejo dos otomanos de conquistarem uma Monarquia Universal, reivindicando o legado do Império Romano. Por meio dessa dominação, pretendiam espalhar o islamismo pelo resto do mundo. Solimão, o Magnífico, no início do século XVI, deu prosseguimento a esse plano de estabelecer uma Monarquia Universal. Para tanto, ele tinha que conquistar o Sacro Império Romano Germânico. Inicialmente eles foram exitosos, conquistando grande parte do sudeste europeu. Em 1529, chegaram a sitiar a capital dos Habsburgo, Viena. Mas acabaram por fracassar. No final século XVII tentariam outra vez e voltariam a fracassar.

Filipe II, filho de Carlos V, no final do século XVI, também tentaria estabelecer uma monarquia universal. Chegar a mandar uma Armada para conquistar a Inglaterra. Fracassou de forma retumbante. Os Habsburgos, no século XVII, iriam tentar, outra vez, estabelecer uma Monarquia Universal, no bojo da Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). Foram "....necessários os esforços conjuntos de França, Suécia, príncipes alemãe e, em última instância, a Inglaterra, para tentar impedir a tentativa austro-espanhola para dominar o continente." (A Europa A Luta pela Supremacia de 1453 aos dias atuais, Brendan Simms, página 43, Editora Edições 70).

No final do século XVII e início do século XVIII, o rei francês Luís XIV, conhecido como o Rei Sol, também iria tentar estabelecer uma Monarquia Universal. Seu sonho acabou definitivamene destruído durante a guerra da Sucessão Espanhola.

PERÍODO 1556-1564 Fernando I
PERÍODO 1564-1576 Maximiliano II
PERÍODO 1576-1612 Rodolfo II 

Fernando I, pai de Maximiliano II e avô de Rodolfo II. Dinastia Habsburgo no trono do Sacro Império Romano Germânico. O Sacro Império Romano Germânico já era dividido entre vários senhores (estados imperiais comandados por príncipes seculares, príncipes eclesiásticos, duques, condes, etc), sob a direção precária de um Imperador. Com a Reforma Religiosa de Martinho Lutero, no início do século XVI, mais um ingrediente foi adicionado para dividir aqueles que já viviam divididos. Você passou a ter uma divisão entre senhores católicos e senhores protestantes. Acima deles, pelo menos sob o ponto de vista formal, existia um Imperador, que tentava colocar alguma ordem nessa confusão. Senhores protestantes, por exemplo, tentavam secularizar terras tomadas da Igreja Católica. Daí vinham o Imperador e senhores católicos e protestavam contra essa iniciativa. O Sacro Império Romano Germânico, diante desse conflito, necessitava de um poder central realmente forte, que fosse capaz de impedir um conflito religioso que viesse a desintegrá-lo. 
Carlos V e Fernando I, com uma política imperial que alternava firmeza com diplomacia, conseguiram impor alguma pacificação. A situação degringolou com a ascensão ao trono do Imperío de Maximiliano II e de Rodolfo II, respectivamente filho e neto de Fernando I. Ambos apresentaram uma incapacidade de exercer cargos governativos. Foi uma catástrofe para a Casa Dinástica dos Habsburgos, notadamente no governo de Rodolfo II. 
Só havia um tema capaz de unir os integrantes do Sacro Império, fossem eles católicos ou protestantes, fossem eles alemães, eslavos da Boêmia, suícos, italianos ou holandeses. Esse tema era representado pelo medo de uma invasão do Império Otomano. O Império muçulmano dos Otomanos já havia conquistado Constantinopla, no ano de 1453. Os otomanos haviam se expandido para o norte da África, oriente médio, partes da atual Ucrânia, Península da Crimeia, ilha de Rodes no Mar Mediterrâneo, regiões do Cáucaso e sudeste da Europa (atuais Bulgária, Grécia, Sérvia, Macedônia, Bósnia Herzegovina, Moldávia, Romênia). Os Otomanos já haviam cercado Viena em 1529. Nada indicava que eles iriam parar. Dessa forma, nos anos de 1593 a 1609, os integrantes do Sacro Império, durante reuniões na Dieta Imperial, uma espécie de assembleia que reunia os Estados Imperiais, decidiram  pela união de suas forças, em torno do Imperador, na luta contra a ameaça otomana. Diante de um Sacro Império unido, os otomanos pediram um acordo de paz. Tão logo o perigo turco foi afastado, a desunião voltou a predominar no interior do Sacro Império. Ficou evidenciado que, na falta de um inimigo externo, capaz de aglutinar os diversos Estados imperiais na consecução de um objetivo comum, as dissidências religiosas voltariam a dar o tom das relações no interior do Império. E essas dissidências iriam resultam na eclosão de uma guerra, que iria devastar o Sacro Império, que passou para a história com o nome de a GUERRA DOS TRINTA ANOS, que iria durar de 1618 a 1648. 

Guerra dos Trinta Anos Batalha de Lutzen 1632 Tropas Protestantes (maioria formada por suecos) enfrentandos católicos regimentados pelo Sacro Império Romano Germânico


A Paz de Augsburgo, de 1555, não realmente capaz de pacificar a Alemanha. Havia ainda muitas controvérsias que não foram resolvidas. Os protestantes, por exemplo, queriam a secularização dos territórios eclesiásticos ainda existentes no Sacro Império Romano Germânico. Podia acontecer de algum território eclesiástico ser secularizado, passando a ser governado por um senhor territorial luterano. Quando isso acontecia, o Imperador não reconhecia essa mudança. Estava dado o conflito. Os estados imperiais católicos também não aceitavam que um território administrado por um senhor católico passasse a ser administrado por um senhor protestante. 
Aconteceu nos anos 80 do século XVI algo exemplificativo de todo esse conflito. O príncipe-eleitor de Colônia, uma importante cidade no oeste da Alemanha, nas margens do rio Reno, manifestou tendência de abandonar a religião católica e adotar o protestantismo. Isso foi o suficiente para criar uma grande celeuma. De um lado, os protestantes o apoiaram com entusiasmo, mesmo sabendo que essa atitude violava a Paz de Augsburgo. Pela Paz de Augsburgo, o senhor que mudasse de religião, abandonando o catolicismo pelo protestantismo, teria que abrir mão de seu poder, de seu território. Era a adoção da RESERVA ECLESIÁSTICA (RESERVATUM ECCLESIASTICUM). Os católicos, por sua vez, não podiam aceitar que o católico continuasse como Príncipe-eleitor de Colônia, justamente porque ele era um dos 7 eleitores responsáveis pela eleição do rei alemão e futuro Imperador do Sacro Império Romano Germânico. Isso, no futuro, poderia acarretar a eleição de um protestante como Imperador. No fim, após a intervenção do Papa, do rei da Espanha e do Imperador, a cidade de Colônia continuou nas mãos dos católicos.

PERÍODO 1612-1619 Matias
PERÍODO 1619-1637 Fernando II

Guerra dos Trinta Anos (1618-1648)

Mapa com a Guerra dos Trinta Anos


A Guerra dos Trinta Anos foi resultado de todos os conflitos religiosos e políticos que vinham se acumulando desde o século XVI. Católicos versus Protestantes. Príncipes alemães que queriam manter a sua liberdade e o Imperador que queria aumentar o seu poder sobre eles. França, Suécia, Holanda, Inglaterra, Espanha, todos eles interessados no deslinde desse conflito. O início da guerra teve como cenário o Reino da Boêmia, atual República Tcheca. Esse reino, apesar de ter uma população de maioria eslava, fazia parte do Sacro Império Romano Germânico. De início, a nobreza da Boêmia aceitou que um indicado do Imperador Matias assumisse o reino. Todavia, com o passar do tempo, os nobres boêmios se deram conta que Matias era um entusiasta da CONTRAREFORMA, política que visava combater as Reformas religiosas do século XVI, comandadas por Martinho Lutero. Temendo um retrocesso das conquistas da Reforma, os nobres boêmios resolveram apoiar um protestante para assumir o reino boêmio. Esse protestante era Frederico V, do Palatinado. Houve uma radicalização, exemplificada por um evento que viria a ser conhecido como a DEFENESTRAÇÃO DE PRAGA. No dia 23 de maio de 1618, os governadores imperiais Martinitz e Slawata foram jogados da janela de um castelo em Praga (atual capital da República Tcheca). A reação dos Habsburgo não tardou. Fernando de Habsburgo, católico, que era o indicado do Imperador Matias para assumir o trono boêmio, partiu para a guerra. Fernando derrotou os boêmios na Batalha da Montanha Branca, de 1620. Frederico teve que entregar seu título ao católico e aliado de Fernando, o duque da Baviera. Tropas da Espanha, cujo rei era um Habsburgo, tinham ocupado o Palatinado. O rei da Espanha e estava unido com Fernando, que seria eleito Imperador do Sacro Império Romano Germânico. Ambos eram da dinastia Habsburgo. Isso consolidou o domínio Habsburgo no Império. Era realmente uma força formidável: a Espanha com suas posses ultramarinas e o Império alemão. Para combatê-la, formou-se uma coalizão formada por França, Suécia, Inglaterra, Holanda e príncipes alemães. 

"Os acontecimentos desenrolaram-se bastante depressa e de forma paradoxal para a Boêmia. Frederico do Palatinado,<<rei de inverno>>, completamente assoberbado com a sua tarefa, sofreu uma derrota devastadora, infligida pelo exército da Liga católica, na batalha da Montanha Branca, ocorrida a oeste de Praga, no dia 8 de novembro de 1620. (...) A Boêmia e os países vizinhos foram vítimas de uma campanha de vingança duríssima por parte da Liga Católica. Os católicos tomaram medidas de represália e de restauração em massa, ultrapassando tudo aquilo a que a Europa razoavelmente civilizada assistia havia séculos. Na Áustria, a Contrareforma também foi implementada de forma muito dura..." (História Alemã do Século VI aos nossos dias, Ulf Dirlmeier e outros autores, Edições 70, página 152)

A Contrareforma patrocinada pelos Habsburgo levou à criação de uma coligação internacional das potências protestantes (e até católicas, como a França), para defender os protestantes alemães. O caso francês já foi explicado. Seu principal inimigo era a dinastia Habsburgo, cujos domínios o cercavam por todos os lados. Espanha, países baixos, Império, etc, cercavam o território francês. A França se dispunha a fazer acordos até com os otomanos muçulmanos, desde que estes lutassem contra os Habsburgo. Dessa forma, a França Católica não via óbice em cerrar fileiras ao lado dos protestantes alemães na luta contra os Habsburgo católicos. Em 1630, Gustavo Adolfo, desembarcou seu exército no Império para lutar ao lado dos protestantes. A Guerra dos Trinta Anos seria encerrada com a Paz de Vestefália, acordada ano de 1648.

Rei Sueco Gustavo Adolfo, um dos protagonistas da Guerra dos 30 anos


Paz de Vestefália (Munster e Osnabruck): 

Esse acordo (ou acordos) iria alterar e determinar a face da Alemanha e da Europa durante séculos. A Paz de Vestefália trouxe a lume uma nova Constituição alemã, denominada Reichsverfassung. Essa Constituição tinha como objetivo manter a paz na Alemanha e, consequentemente, manter o equilíbrio na Europa. Os estados imperiais que formavam o Sacro Império estavam representados numa assembleia, a Reichstag. O Reichstag tinha autoridade de intervir (intervenção imperial - reichsexecutionen) em qualquer estado imperial que porventura viesse a perturbar a ordem e a paz no interior do Império. 

"Os súditos de um estado territorial alemão, à exceção dos habitantes hereditários dos Habsburgo e do Alto Palatinado, deixariam de ser obrigados a seguir uma possível mudança de religião/confissão de seu senhor territorial, o que não significava senão uma abolição, pelo menos parcial, do princípio CUIUS REGIO EIUS RELIGIO da Paz de Augsburgo." (História Alemã Do Século VI aos nossos dias, Ulf Dirlmeier, Edições 70, página 156)

"Embora com Fernando II o poder imperial tenha voltado a receber, precisamente no início da guerra, um representante bem sucedido consciente da sua autoridade, quando esta terminou aquele sofreu perdas significativas. A Paz de Vestefália sancionou a ampla autonomia constitucional dos Estados alemães, os estados imperiais. Estes conquistaram uma elevada capacidade de ação em termos de política externa, uma vez que as declarações de guerra e as assinaturas de paz, assim como a criação de alianças por parte do Imperador ficaram sujeitas à aprovação dos estados imperiais, na Dieta Imperial. Receberam até o direito de fazer alianças políticas a nível externo, ainda que essas não pudessem ir contra o Imperador." (História Alemã Do Século VI aos nossos dias, Ulf Dirlmeier e outros, Edições 70, página 156)

O Imperador do Sacro Império Romano Germânico jamais seria um Soberano Absoluto. Um rei alemão jamais conseguiria fazer na Alemanha o que Luís XIV fizera na França.

No Absolutismo, vigorava a fórmula "PRINCEPS LEGIBUS (AB) SOLUTUS", significando que o soberano/rei não está sujeito à lei. Ele está acima da lei. O jurista francês explicava o Absolutismo da seguinte forma: "O príncipe soberano tem de poder mudar as leis segundo seus critérios (...), tal como tem de ser o piloto a decidir como mover o leme, pois se este quisesse ouvir o conselho de todos aqueles que viajam com ele, o navio afundar-se-ia." (História Alemã Do Século VI aos nossos dias, Ulf Dirlmeier, Edições 70, página 174).

"A partir do Século XVI, aumentou entre os príncipes europeus a tendência para a forma de governo autocrático, orientado pelo domínio ilimitado dos monarca, que hoje designamos, regra geral, como Monarquia Absoluta ou absolutismo. Os habsburgo procuraram reforçar a sua posição enquanto Imperadores nessa mesma época, adotando este modelo. Contudo, a Paz de Vestefália acabou definitivamente com essas tentativas: o tratado de Paz de Onsbruck não só garantiu aos príncipes e aos estados imperiais o direito de participação em todos os assuntos do Império, como também confirmou a soberania territorial ilimitada dos mesmos em questões seculares e eclesiásticas. As formas absolutistas de governação no período subsequente  limitaram-se a Estados Individuais (ex.: França). (História Alemã Do Século VI aos nossos dias, Ulf Dirlmeier, Edições 70, página 173).

PERÍODO 1658-1705 Leopoldo I No ano de 1683, os Otomanos tentaram mais uma vez conquistar a cidade de Viena, a capital dos Habsburgo. Com a ajuda do rei polonês João Sobieski, que trouxe consigo 20.000 homens, os austríacos conseguiram derrotar os turcos. Na sequência, os Habsburgo iriam obter outras vitórias sobre os otomanos. Leopoldo I e suas tropas imperiais reconquistaram a Hungria. Em 1687, Leopoldo I fez coroar seu filho, o futuro Imperador José I, como rei da Hungria. 

PERÍODO 1705 José I. Imperador do Sacro Império Romano Germânico de 1705 até a sua morte, em 1711

PERÍODO 1711-1740 Carlos VI Morreu sem deixar um herdeiro masculino. Sua filha, Maria Tereza, tornou-se rainha da Boêmia e da Hungria e arquiduquesa da Áustria. O marido de Maria Tereza tornou-se Imperador do Sacro Império Romano Germânico, a partir de 1745 (até 1765), com o nome de Francisco I (Habsburgo-Lorena).  As leis do Império não permitiram que uma mulher assumisse o trono. Provisoriamente, durante a Guerra da Silésia, entre a Áustria e a Prússia, Carlos VII foi coroado imperador do Sacro Império. Ele era da casa dinástica de Wittelsbach, que governava o estado imperial da Baviera. Na Guerra da Silésia (1740/1745), os Habsburgo perderam para a Prússia o importante território da Silésia. Foi o início da ascensão do reino da Prússia, sob o comando de Frederico II. A partir daí, no interior do Sacro Império Romano Germânico, haveria dois personagens que iriam lutar pelo domínio da Alemanha: de um lado, a Áustria dos Habsburgo; do outro lado, o reino da Prússia, sob a dinastia Hohenzollern. No final, o reino da Prússia sairia vitoriosa e, nos anos compreendidos entre 1866 e 1871, após derrotar respectivamente Áustria e França, a Prússia iria unificar a Alemanha. 

PERÍODO 1765-1790 Imperador José II: Foi um representante proeminente do absolutismo esclarecido. Foi um período de reformas radicais no interior dos territórios dos Habsburgos.

PERÍODO 1790-1792 Leopoldo II 

PERÍODO 1792- Francisco II Foi o último Imperador do Sacro Império Romano Germânico. A partir de agosto de 1806, depois de derrotas militares para Napoleão Bonaparte, - em 1805, houve uma derrota devastadora na Batalha que ficou conhecida como a "Batalha dos Três Imperadores", em Austerlitz - Francisco renunciou à coroa do Sacro Império Romano Germânico, dissolvendo, assim, uma instituição que, para muitos contemporâneos, continuava a possuir um significado religioso e salvídico. Antes disso, porém,  antes de aposentar a coroa do Sacro Império, Francisco tinha coroado a si mesmo Imperador Francisco I da Áustria, no ano de 1804. Isso era revelador do estado avançado de dissolução do Sacro Império. Francisco já devia, em 1804, ter previsto que, em 1806, o Sacro Império Romano Germânico iria acabar, de forma que ele se adiantou ao seu fim, garantido para si um título de Imperador, mesmo que desidratado. 

Fim do Sacro Império Romano Germânico: 1806.

Na esteira das Guerras Napoleônicas, o Sacro Império Romano Germânico deixou de existir no ano de 1806. Ainda em 1806, dezesseis príncipes imperiais formam a Confederação do Reno, em Paris, e abandonam o Império, O Imperador Francisco II renuncia à coroa Imperial. 

Final do Sacro Império Romano Germânico. Encontro de Napoleão Bonaparte com Francisco II depois da Batalha de Austerlitz, óleo sobre tela de Baron Antoine-Jean Gros


ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DOS SEGUINTES LIVROS:

História Alemã do Século VI aos nossos dias, Ulf Dirlmeier e outros autores, Edições 70

Europa A Luta pela Supremacia de 1453 aos dias atuais, Brendan Simms, Editora Edições 70

Rady, Martyn. Los Habsburgo (Spanish Edition). Penguin Random House Grupo Editorial España. Edição do Kindle.

Wilson, Peter H.. O Sacro Império Romano: Mil Anos de História Europeia (Outros Títulos) (Edição em Espanhol). Acorde Edições Ferro. Edição Kindle

Fascículos Grandes Personagens da História Universal, Editora Abril