TEORIA JURÍDICA DA INEXISTÊNCIA DE ESTADO - PREVALÊNCIA DA LEI DO MAIS FORTE:
A Teoria da Inexistência de Estado, de Carl Schmitt (jurista nazista), nasce do axioma segundo o qual a fonte do direito internacional é o poder e não a norma. (página 168)
Com a destruição de um Estado, o cidadão desvincula-se da velha ordem (Estado que foi destruído) e busca ser aceito pela nova ordem em vigor. E além de se desvincular da velha ordem, irá atribuí-la a um grupo racial/religioso.
Após a operação Barbarossa, em junho de 1941, nas áreas ocupadas pelas tropas nazistas, era cômodo para os habitantes locais que a responsabilidade pelo regime soviético recaísse sobre os judeus. O sujeito se desvinculava de sua responsabilidade pela existência daquele regime, repassando-a para o Judeu. (página 179/180)
Exemplo 1:
Em dezembro de 1941, os alemães, na esteira da Operação Barbarossa, chegam ao sudeste da Polônia, que tinha sido ocupada pelos soviéticos em 1939. Ali, os ucranianos que tinham colaborado com os soviéticos ou que eram comunistas (de setembro de 1939 até junho de 1941), rapidamente se desvincularam da velha ordem soviética e passaram a adotar a nova ordem nazista: dessa forma, para agradar aos nazistas, os ucranianos deram início à Pogroms (campanhas de extermínio de judeus). Era assim que funcionava: a ordem mudava, um Estado (soviético) desaparecia, um novo Estado (Alemanha Nazista) aparecia no lugar daquele que tinha desaparecido, e habitantes locais, os ucranianos, que no passado tinham colaborado com os comunistas soviéticos, com a chegada dos alemães, procuraram desvincular-se de sua responsabilidade com o regime soviético, jogando toda a culpa nos judeus. (página 180)
Exemplo 2:
No nordeste da Polônia (Bialystok), região que tinha sido ocupada pela URSS em setembro de 1939, com a chegada da Alemanha, em junho de 1941, foi vista uma nova reviravolta. Os poloneses que tinham colaborado com os soviéticos passaram a responsabilidade para os judeus, que eram obrigados, ao som de música soviética, a destruírem estátuas de Lênin e de Stalin. (página 183). Adotava-se aqui o Mito Judaico-Bolchevique, que dava suporte à teoria de que os judeus tinham colaborado com a ocupação soviética.
Exemplo 3:
Um lituano, membro do Partido Comunista Lituano, que tinha colaborado com a ocupação soviética, tinha uma chance de ser perdoado pela nova ordem inaugurada pela invasão alemã. Bastaria que esse lituano passasse a matar judeus. Cada lituano que matava judeus estava desfazendo de seu passado como colaborador do regime soviético. Como coletividade, os lituanos, perseguindo os judeus, estavam apagando o seu passado vergonhoso, pelo fato de terem sido tão facilmente derrotados pelos soviéticos em 1940. Toda a questão da violência antissemita, da perspectiva lituana, se resumia na determinação de demonstrar lealdade antes que os alemães tivessem tempo de apurar que realmente tinha colaborado com os soviéticos. Matar um judeu apagava a mácula de colaboração com os soviéticos. E não faltava judeus na Lituânia. Em Vilnius, capital da Lituânia, havia 100.000 judeus. (páginas 188/192)
Exemplo 4:
A propaganda alemã associava a ocupação soviética nos países bálticos, em 1940, aos judeus. Os judeus tinham sido os culpados pelo fato da URSS ter invadido a Letônia: acusação baseada no Mito Judaico-Bolchevique. O Mito Judaico-Bolchevique era apenas um mito, porque havia judeus ricos que também sofriam sob a ocupação soviética. Acontecia de judeus verem seus bens expropriados pelos ocupantes soviéticos (1940/1941) e depois serem mandados para um Gulag na Sibéria ou não. Se o judeu expropriado ficasse na Letônia, obviamente que ele não iria recuperar seus bens sob a ocupação alemã (1941/1944). Seu bem iria para um alemão ocupante ou para um letão.
↪ Viktors Bernhard Arãjs: Letão recrutado pelos alemães (junho de 1941), um dos mais eficientes assassinos em massa da história da Europa. Recrutado para matar judeus. Usar Arãjs foi uma ideia de Stahlecker, sob a supervisão de Rudolf Lange. Num primeiro momento, o comando de Arãjs fuzilou os judeus habitantes de Riga, capital da Letônia. Numa segunda etapa, o Comando de Arãjs viajava pelo interior da Letônia, indo de cidade em cidade, reunindo os judeus locais e matando-os. O Comando de Arãjs executou 22 mil judeus e ajudou na morte de outros 28 mil. (página 194)
↪ Pessoas torciam para que judeus expropriados pelos soviéticos (1940/junho1941) não voltassem: Não judeus habitantes da Letônia pensavam como muita gente nessas situações: a única forma de garantir a posse de bens roubados é ter a certeza de que o judeu expropriado não vai reaparecer para reivindicá-lo de maneira bem fundamentada. (página 195/196) Se você era um letão que tinha ganhado uma casa que tinha sido expropriada de um judeu, você não iria querer que esse judeu reaparecesse para reivindicá-la. O melhor para você seria que o judeu, que era o dono da casa onde você mora, tivesse morrido num campo de concentração, num Pogrom, etc.
Letão Vira-Casaca: (página 196)
↪
O Mito Judaico-Bolchevique (judeus são comunistas e comunistas são judeus), adotado pela Alemanha Nazista, foi de grande valia para os ucranianos do sudeste polonês, que antes da invasão alemã eram comunistas ou colaboradores do regime soviético (página 190)
Esse Mito Judaico-Bolchevique, obviamente, era só um mito, pois havia judeus que sofriam com a ocupação soviética.
Para sobreviver, era preciso se adaptar, etnicizando a culpa (jogando a culpa do regime soviético nos judeus).
Para sobreviver, era preciso reorganizar o passado, adotando uma atitude que garantisse a sua sobrevivência sob a nova ordem.
Enfim, aqueles que tinham colaborado com os soviéticos (ucranianos no sudeste polonês e poloneses no nordeste polonês) agora matavam quem não tinha colaborado com os soviéticos.
Era ruim para os judeus, mas era bom para os alemães e para os colaboradores (ucranianos e poloneses), que reorganizavam o passado a seu favor.
Os judeus pagavam o pato, com a adoção do Mito Judaico-Bolchevique: Nas áreas ocupadas pelos alemães em junho de 1941, que antes tinham sido ocupadas pelos soviéticos, judeus desfilavam com bandeiras vermelhas sob canções soviéticas, eram forçados a destruir estátuas de Stálin e Lênin. Mais para a frente, eram mortos em campos de concentração.
"Segundo a lógica nazista, os subumanos (poloneses e ucranianos), se instigados, podiam matar seus exploradores judeus."
(página 185)
FONTE: ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "TERRA NEGRA", O HOLOCAUSTO COMO HISTÓRIA E ADVERTÊNCIA, TIMOTHY SNYDER, EDITORA COMPANHIA DAS LETRAS.
Nenhum comentário:
Postar um comentário