"DEUS" QUERIA A PAZ:
Na madrugada do dia 10 de agosto de 1945, o Imperador Japonês Hirohito tinha concordado com a Declaração de Potsdam, de 26 de julho de 1945, a qual trazia condições para o encerramento da guerra entre o Japão e os países aliados (China, EUA e Inglaterra).
Hirohito era o 124º Imperador japonês da raça Yamato, descendente de Amaterasu Omikami (Deusa Sol). Hirohito, portanto, era o filho do céu, um ser divino.
A tradição dizia que o Imperador divino ascendia, remontava até o Imperador Jimmu, que tinha nascido de um crocodilo inseminado pelo neto de Amaterasu, a Deusa do Sol, em 660 a.C.
Apesar disso, não tinha poder para tomar reais decisões, mas era sem dúvida alguma o líder espiritual e moral do Japão, sobre o qual se assentava a legitimidade do governo. Confundia-se com a própria nação. Acreditava-se que todos os japoneses descendiam dele, possuindo laços de sangue com ele.
"Embora se apresentasse em um corpo comum, para seus compatriotas esse homem era um deus, a forma humana de tudo que era bom." (página 89)
Embora sendo visto como um deus, o desejo manifestado pela paz vocalizado pelo Imperador Hirohito não iria encerrar o assunto. E é essa história que o livro busca contar, a turbulenta história que redundou na rendição japonesa na Segunda Guerra Mundial.
JAPONESES DIVIDIDOS A RESPEITO DA RENDIÇÃO:
Havia no Japão duas facções: uma apoiava a aceitação da Declaração de Potsdam, que falava na rendição incondicional do Japão, desde que fosse preservada a figura do Imperador, o sistema nacional que tinha na figura do Imperador o fundamento da legitimidade do governo sobre os japoneses. Um segundo grupo exigia que a guerra fosse travada até que se conquistasse condições mais favoráveis ao Japão. Esse grupo, por exemplo, não aceitaria que os japoneses fossem julgados por crimes de guerra pelos vencedores EUA, Grã-Bretanha e China. Tampouco aceitavam que o Japão fosse ocupado pelas tropas desses países. E também exigiam que as forças armadas japonesas fossem desarmadas pelos próprios japoneses. E também exigiam a manutenção do Sistema Imperial de governo.
RENDIÇÃO INCONDICIONAL:
Os aliados, por meio da Declaração de Potsdam, emitida em 26 de julho de 1945, exigiam a rendição incondicional do Japão. Os japoneses viam isso como "passar um cheque em branco" para alguém. O que essa rendição, sendo incondicional, poderia conter? Isso trazia insegurança para os japoneses. Poderia conter a prisão do próprio Imperador Hirohito?
Assim, conclui-se que o comportamento dos aliados, exigindo a uma rendição incondicional, ajudou a prolongar a guerra no Pacífico.
JAPÃO ESTAVA CERCADO E DERROTADO:
Naquela altura, o Japão estava praticamente derrotado. Estava cercado por um bloqueio naval. Aviões aliados bombardeavam o país sem oposição. Duas bombas atômicas já tinham sido lançadas sobre Hiroshima e Nagasaqui. E para piorar ainda mais a situação, a URSS invadiu o Estado vassalo japonês de Manchukuo, na Manchúria (China), em 9 de agosto de 1945. Não tinha como ficar pior.
Mas mesmo diante desse cenário desesperador, como dito acima, havia aqueles que queriam continuar lutando, travando uma última batalha contra os aliados, de forma a conseguir termos mais favoráveis quando a paz fosse celebrada.
NOVO GABINETE:
Em 9 de agosto um novo governo tomou posse no Japão, sob o comando do ex-almirante Suzuki, um herói da guerra de 1904/05 entre Rússia e Japão. O principal objetivo desse governo era encerrar a guerra. Homens de negócios, o povo e o Imperador queriam encerrá-la. O problema estava nos militares japoneses.
"O exército era outro problema, agia como se a vitória fosse possível e mesmo inevitável, desde que a guerra continuasse por mais uma década." (página 30)
Os militares se incomodavam com vários pontos trazidos pela Declaração de Potsdam, já citados acima, como por exemplo a ocupação do Japão por forças estrangeiras.
DIFICULDADE EM ACEITAR A REALIDADE:
Mesmo após Nagasaqui e Hiroshima, os militares colocavam em dúvida se aquilo realmente se tratava de uma bomba atômica. Aqueles que a admitiam, colocavam em dúvida a capacidade dos EUA de terem material radioativo suficiente para produzirem mais artefatos nucleares. Alguns japoneses ainda defendiam que os EUA não usariam mais a Bomba Atômica com receio da repercussão negativa da opinião pública internacional. Mesmo a invasão da URSS na Manchúria era objeto de dúvida, alegando-se que não se sabia a verdadeira extensão dos danos causados pela ação soviética.
REUNIÃO DO SUPREMO CONSELHO DE GUERRA:
Na manhã do dia 9 de agosto de 1945, o Supremo Conselho de Guerra se reuniu para discutir a aceitação ou não da Declaração de Potsdam. O resultado terminou em empate. O Primeiro-Ministro Suzuki votou a favor da aceitação, sendo seguido pelo Ministro da Marinha Yonai e pelo Ministro das Relações Exteriores Togo. Votaram contra a aceitação o Ministro da Guerra, Anami, O Chefe do Estado Maior Naval Toyoda e o Chefe do Estado Maior do Exército Umezu.
O Supremo Conselho de Guerra não era um órgão executivo, mas de aconselhamento. Mas seus conselhos costumavam ser aceitos pelo Gabinete, que era o órgão que governava de fato o Japão. Ao Imperador cabia o papel de chancelar questões já decididas, dando a elas a força da legitimidade.
Havia portanto um impasse sobre a aceitação ou não dos termos contidos na Declaração de Potsdam. Resolveu-se buscar alguém que o desempatasse, tirando o Japão do imobilismo. A escolha recaiu sobre a figura do Imperador Hirohito. Foi então convocada uma Conferência Imperial, na qual a situação seria explicada ao Imperador, que teria a incumbência de dar a palavra final sobre a aceitação ou não da Declaração de Potsdam.
CONFERÊNCIA IMPERIAL 9/10 DE AGOSTO:
Durante a conferência a situação foi apresentada ao Imperador. Havia dois caminhos: o primeiro caminho era a aceitação da Declaração de Potsdam, desde que ela mantivesse o sistema imperial japonês, com o Imperador Hirohito mantendo seus poderes. O outro caminho, apresentado pelos militares, defendia a luta sem trégua, até que se conquistasse uma situação que possibilitasse um acordo de paz mais vantajoso para o Japão, evitando assim sua ocupação por forças estrangeiras, seu desarmamento, etc.
Com a situação apresentada, o Primeiro-Ministro Suzuki se dirigiu ao Imperador e pediu que ele se decidisse sobre qual caminho seguir, qual possibilidade deveria ser adotada pelo governo
"Não havia lembrança da última vez que o Imperador fora solicitado a manifestar sua própria opinião para decidir assunto tão importante. Quase nunca tivera parte ativa - nem sequer falar - nessas reuniões ritualísticas, previamente arranjadas. Fazer tais perguntas ao Imperador era absolutamente inédito." (página 86)
"Os militares esperavam que na Conferência Imperial apenas se discutisse a matéria e em seguida todos se dispersassem pela noite. Agora, o que esperar do deus vivo cujas ordens tinham jurado obedecer?" (página 86/87)
Enfim, Hirohito declarou que queria encerrar a guerra imediatamente, concordando com o primeiro caminho que lhe fora exposto, o da aceitação da Declaração de Potsdam, desde que sistema nacional do Império fosse mantido intacto.
"...precisamos suportar o insuportável." (página 111)
Com a manifestação de Hirohito, Togo, o Ministro das Relações Exteriores, encaminhou a mensagem da aceitação da Declaração de Potsdam para os países aliados.
MESMO COM DEUS SE MANIFESTANDO, AINDA HAVIA SETORES DAS FORÇAS ARMADAS JAPONESAS QUE QUERIAM A CONTINUIDADE DA GUERRA:
Mesmo após a manifestação daquele que era visto como um deus, alguns setores das Forças Armadas japonesas queriam continuar com a guerra.
Eles pensavam assim:
"Desta forma, as 4 condições defendidas pelo Ministro da Guerra e pelo Chefe do Estado Maior são absolutamente necessárias para preservação do Estado Nacional. Para o povo, será inútil sobreviver à guerra se a estrutura da nação for destruída." (página 185).
Para esses militares, portanto, aceitar a ocupação estrangeira do território nacional, aceitar que japoneses fossem submetidos a Tribunais compostos por juízes americanos, ingleses e o desarmamento iriam destruir a nação japonesa, de forma que ela nunca mais iria se reerguer.
Mas eles teriam que achar uma forma para contornar a manifestação do Imperador Hirohito a fazer da rendição. Como eles poderiam desobedecer uma ordem vinda de um deus? Mas ele conseguiram achar uma justificativa para desobedecer o Imperador:
"Embora possa significar uma desobediência eventual à decisão do atual Imperador - situação sem dúvida indesejável - em última análise agir em obediência aos desejos ancestrais do Império constituiria uma lealdade mais presciente e verdadeira ao trono." (página 185)
A desculpa dos militares rebeldes, para passar por cima da vontade do Imperador, invocaria a ideia de que a decisão da rendição não era compatível com aquilo que os ancestrais dele teriam feito se estivessem na mesma situação. Era como se o Imperador tivesse sido mal assessorado, como se ele tivesse que ser protegido de si mesmo, sendo apartado de auxiliares próximos que o teriam levado para o caminho errado da rendição.
"...não havia dúvida de que impedir que o Imperador cometesse a ignominia da rendição significava agir em sua defesa." (página 211)
O primeiro golpe (coup d' état) foi elaborado pelo oficial do exército Takeshita, cunhado do Ministro da Guerra Anami. A ideia era afastar os conselheiros pacifistas do Imperador, que na cabeça dos rebeldes seriam os verdadeiros culpados pela rendição japonesa. Queriam instalar um governo militar com todo o poder político concentrado nas mãos do Ministro da Guerra Anami.
"...queriam voltar ao passado, para a situação anterior a 1867, quando o chefe militar, o Shogun, controlava o país, e o Imperador era mantido como um acessório, inconveniente, mas necessário, sequestrado com sua corte estéril e asfixiante na velha cidade de Kioto." (página 212)
Os militares rebeldes sonhavam que o novo Shogun seria o Ministro da Guerra Anami. O parentesco entre Anami e Takeshita fez com que os rebeldes achassem que o Ministro da Guerra estaria tacitamente de acordo com o golpe, o que o tempo mostraria que não era verdade. O Ministro da Guerra Anami foi fiel aos desejos de paz do Imperador Hirohito.
RESPOSTA DOS ALIADOS AO DESEJO DE PAZ MANIFESTADO PELO IMPERADOR HIROHITO:
Na resposta dos aliados à aceitação dos termos de Postdam pelos japoneses, feita no dia 12 de agosto, havia dois problemas que deixaram os japoneses em polvorosa:
1) Passava a ideia de que o Imperador japonês teria que se submeter às ordens do Supremo Comandantes das Forças de Ocupação Aliadas.
2) O povo japonês seria chamado para que, por meio de eleições livres, escolhesse a forma pela qual iria querer ser governado.
A resposta dos aliados atiçou ainda mais os militares que queriam continuar lutando. Estaria o Sistema Nacional Imperial japonês preservado sendo que o Imperador teria que se submeter às ordens do Comandante Supremo dos aliados? O imperador tornar-se-ia um simples lacaio. Como o Sistema Nacional Imperial japonês, na cabeça dos mais fanáticos, era uma concessão divina, ele não poderia ser submetido ao povo por meio de uma eleição.
Os pacifistas, por sua vez, mesmo com essa resposta dos aliados, continuavam defendendo a rendição, pois não viam outra chance de sobrevivência do Japão. Sem rendição, o Japão seria feito tábula rasa pelos aliados, com suas bombas atômicas, com o ataque da URSS na Manchúria, etc. Enfim, para os pacifistas, o Japão não estava em posição para barganhar muita coisa.
Diante da resposta aliada, o Imperador Hirohito disse ao seu Ministro das Relações Exteriores Togo:
"Compreendo o risco que corremos, mas minha prioridade agora é terminar a guerra." (página 227)
Os pacifistas eram otimistas sobre a convocação do povo japonês, por meio de uma eleição, para escolher seu sistema de governo. Acreditavam que os japoneses iriam votar a favor da manutenção do Império. Confiavam na lealdade dos japoneses em relação ao Imperador Hirohito.
DIA 14 DE AGOSTO DE 1945 - O DEUS FALARIA OUTRA VEZ:
No dia 14 de agostos de 1945, visando romper o impasse de uma vez por todas, uma nova Conferência Imperial foi convocada. Nela mais uma vez aqueles que era a favor da rendição e aqueles que eram contra ela se manifestaram, tendo o Imperador Hirohito como ouvinte. No final, o Imperador, que era visto como um Deus pelos japoneses, mais uma vez se manifestou, reiterando seu desejo que a guerra acabasse.
O PRIMEIRO PLANO GOLPISTA FRACASSA:
Enquanto o Imperador mais uma vez manifestava seu desejo pela paz, no lado dos militares rebeldes as coisas iam de mal a pior. O primeiro plano golpista teve que ser abandonado, pois os rebeldes não conseguiram angariar para si o apoio do Ministro da Guerra Anami e do Chefe do Estado Maior do Exército, o general Uzema. Diante disso, os rebeldes teriam que preparar um outro plano, mais modesto, mas que no fim conseguissem impedir a rendição japonesa com a continuidade da guerra.
A VOZ DE DEUS GRAVADA:
Na noite de 14 de dezembro o Imperador Hirohito gravou a sua voz para ser veiculada para todos os Japoneses. A voz de Hirohito comunicaria aos japoneses que a guerra tinha terminado, que seria necessário suportar o insuportável e tolerara o intolerável. O termo "rendição" não fora usado, mas era disso que se tratava e os japoneses, chorando, entenderam que o Japão tinha perdido a guerra para os Aliados.
O SEGUNDO PLANO GOLPISTA:
O primeiro plano golpista para impedir a rendição japonesa tinha dado errado. Um segundo plano, mais esvaziado, foi elaborado. Esse segundo plano tinha como objetivo principal impedir que a gravação do Imperador Hirohito sobre a rendição japonesa fosse transmitida.
"...planejaram mobilizar a Divisão de Guarda Imperial durante a noite (14/08), apoderar-se do Palácio Imperial e de seu precioso morador (o Imperador), e assumir o comando das transmissões de rádio, ocupando a sede da Companhia Japonesa de Radiodifusão - na Rádio Tóquio." (página 314)
O golpe teve início na madrugada do dia 15 de agosto. O Palácio Imperial foi dominado. Os rebeldes foram atrás das fitas com a gravação do Imperador. Não a encontraram. Rebeldes foram à rádio - NHK - japonesa atrás da gravação e também não a encontraram. Outros rebeldes saíram pela cidade de Tóquio, indo atrás dos conselheiros do Imperador, como o Primeiro Ministro Barão Suzuki. Não o encontraram também. No início da manhã do dia 15 de agosto, a rebelião foi contida pela ação do General Tanaka, comandante do Distrito Oriental do Exército, o Tobugun. O Palácio Imperial se viu livre dos rebeldes.
A VOZ DE DEUS É TRANSMITIDA A SEUS SÚDITOS:
A gravação do Imperador Hirohito foi transmitida às 11;45 da manhã do dia 15 de agosto de 1945. Era a mensagem de rendição do Império Japonês. O Japão tinha perdido a guerra. Hirohito terminou sua mensagem dizendo que os japoneses teriam que suportar o insuportável e tolerar o intolerável. Enfim, o Japão tinha se rendido. A guerra tinha acabado.
Nos dias seguintes alguns tumultos iriam ocorrer. Um novo governo japonês seria instalado. E o General Macarthur, o Supremo Comandante das Forças Aliadas, chegaria ao Japão para concretizar os termos de Postdam.
A rendição japonesas seria formalizada durante uma cerimônia realizada no navio americano USS Missouri, em 2 de setembro de 1945.
ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "HISTÓRIA SECRETA DA RENDIÇÃO JAPONESA DE 1945", LESTER BROOKS, EDITORA GLOBO LIVROS.