FINAL DA DÉCADA DE 460 d.C. REQUISITOS PARA A ESCOLHA DE BISPOS NUMA LOCALIDADE DA GÁLIA (IMPÉRIO ROMANO):
O que os candidatos a Bispo diziam a favor de si, para conseguirem votos?
- um dizia que deveria ser o escolhido porque a sua família era antiga;
- outro dizia que tinha ajudado a localidade/cidade, alimentando-a;
- um terceiro candidato a Bispo dizia que daria terras da Igreja para quem o apoiasse;
- outro dizia que deveria ser escolhido por ser um notável local (aristocrata) e oriundo de uma família senatorial
- outro candidato dizia que deveria ser escolhido porque sua família é repleta de prefeitos e bispos e que ela (a família dele) tinha defendido a cidade perante os chefes romanos e bárbaros.
Naquela época, mesmo uma pessoa casada poderia ser eleito Bispo. O ofício de Bispo era atraente.
"...a hierarquia tradicional do mundo romano tinha efetivamente absorvido as novas estruturas de poder do cristianismo."
(página 98)
Apesar disso, poderia haver exceções, como no exemplo de alguém ser escolhido Bispo sem ser um notável local, que tenha por mérito próprio, e não por nascimento, galgado posições na estrutura da Igreja em razão de seu talento. Isso aconteceu com João, escolhido bispo em Chalon-Sur-Saône, em 460 d.C. .
CRISTIANISMO VERSUS PAGANISMO:
Pagão: A religião Greco-Romana tradicional não tinha nenhuma palavra para denominar seus praticantes. Mas no século III, "paganus" (rústico) era utilizado para designar um sujeito que não era cristão (ou judeu). > (notas, página 127)
Pagão: A religião Greco-Romana tradicional não tinha nenhuma palavra para denominar seus praticantes. Mas no século III, "paganus" (rústico) era utilizado para designar um sujeito que não era cristão (ou judeu). > (notas, página 127)
"O Império Romano não era, em absoluto, totalmente cristão, em 400 d.C.. Havia ainda aristocratas pagãos em Roma, embora talvez, já não existissem em 450; em Constantinopla, havia alguns ainda um século mais tarde."
(página 99)
A existência ainda do paganismo em terras romanas demandava atividade missionária. Além dos pagãos, havia comunidades judaicas. A cristianização do Império Romano não tinha acontecido do dia para a noite, resultado de uma decisão de cima para baixo, tomada por Constantino. Havia trabalho missionário ainda a ser feito para que o cristianismo realmente tomasse conta do Império.
No século V, visando extirpar de vez o paganismo, o Imperador Justiniano impôs "o batismo sob pena de confisco e, às vezes, de execução." (página 108)
TIPO DE CRISTIANISMO EXISTENTE NO IMPÉRIO ROMANO TARDIO:
Um Bispo poderia até, intimamente, guardando o pensamento para si, não concordar com a opinião da maioria das pessoas sobre a ressurreição. Ele ainda poderia não renunciar à sua mulher nem ao projeto de ter filhos. Esse era o caso de Sinésio de Cirene, feito Bispo no norte da África, pelo Patriarca de Alexandria, Teófilo, em 411 d.C. . Sinésio era secular, casado e filósofo. Era um aristocrata local, que intercedia junto a Constantinopla para conseguir menos impostos para a sua região, a Cirenaica, atual leste da Líbia. Sinésio ainda organizava sua defesa militar contra invasões de tribos berberes.
"O cristianismo, em 400, estava definido de forma simples, em certo nível, como a religião do Novo Testamento; se alguém acreditava na Trindade Divina do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e admitia que Jesus Cristo, crucifixado por volta de 33 d.C., era filho de Deus, e que não existiam outros deuses, logo, era cristão."
(página 100)
E havia ainda alguns cristãos que iam mais além, os ascetas:
"Essas crenças geralmente iam acompanhadas de uma exaltação da pobreza - já que o bom cristão deve dar tudo aos pobres - e do pressuposto de que este mundo é apenas um breve campo de prova antes das alegrias eternas do céu ou das torturas eternas do inferno, o que significava que o prazer era arriscado e que o ascetismo - às vezes, a auto-mortificação - era cada vez mais visto como virtuoso."
(página 100)
Nos séculos IV a VI, você tinha de um lado autores que se colocavam como críticos de um "mundo descontraído" (página 101), que desejavam reformar (Agostinho, Jerônimo, Salviano e narrativas hagiográficas de santos ascéticos como Antão ou Simeão Estilita). De outro lado você tinha a absorção das estruturas de poder do cristianismo pela hierarquia romana, quando por exemplo aristocratas casados se tornavam bispos. Entre esses dois lados, "havia um oceano de diferentes tipos de práticas religiosas realizadas por todos os outros, cujo significado deve adivinhar-se através de relatos de observadores hostis." (página 101)
FESTIVIDADES:
O Natal cristão era ironicamente o substituto de um festival pagão, o Solstício de inverno. Já o 1º de Janeiro da religião greco-romana (pagã), comemorado por 3 dias com a realização de sacrifícios, teve de ser modificado, com a retirada dos sacrifícios, tornando-o um evento religiosamente neutro.
O Calendário do Cristianismo ia basicamente de dezembro a maio (Natal, Quaresma, Páscoa, Pentecostes). No resto do ano havia celebrações de santos locais.
"...o tempo cristão substituiu o tempo pagão."
(página 102)
Escritores como Agostinho criticavam que as festas cristãs fossem comemoradas como as festas pagãs, com bebedeiras e diversões. Agostinho defendia que as pessoas cantassem salmos na Igreja. O problema era combinar isso com o povo, que poderia não ver incompatibilidade entre festejar e beber ao mesmo tempo em que celebrava um santo local.
"...essa visão dupla iria permanecer por muito tempo."
(página 102)
Havia dentro da Igreja dois entendimentos sobre ela deveria guiar seus fiéis. Uma parte aprovava o ritual coletivo na Igreja, que trazia solidariedade moral e social. Esse entendimento aprovava as festas religiosas e as peregrinações. Um outro grupo de religiosos entendia que o foco deveria estar na valorização da crença, alcançada por meio da disciplina mental das pessoas para se atingir a salvação individual.
A CRISTIANIZAÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO:
"...enquanto aos olhos pagãos, toda paisagem podia ser luminosa, aos olhos cristãos, apenas os locais de culto específicos eram pontos de luz em um espaço, de outro modo secular."
(página 103)
"Estes eram sempre ou logo se tornavam, as igrejas, já que eram muito visíveis."
(página 103)
As Igrejas, num primeiro momento, ficavam fora das cidades, pois, estas, eram associadas ao paganismo, com templos pagãos localizados nos centros das cidades do Império, próximos ao Fórum local. Mas com o passar do tempo, as igrejas começaram a ser construídas dentro das cidades. Ao mesmo tempo, era costume cristão enterrar seus santos perto das igrejas ou em seu interior. As igrejas ainda mantinham relíquias de santos (geralmente, parte de seus corpos). Esse costume cristão derrubou o preconceito existente na comunidade grego-romana, que não admitia que as pessoas mortas fossem enterradas dentro das cidades:
"A tradicional religião greco-romana considerava as pessoas falecidas perigosas e poluentes."
(página 103)
As pessoas agora queriam ser enterradas perto dos santos, de forma que os enterros passaram a ser realizados no interior das cidades, onde ficavam as igrejas.
"Os primeiros enterros de pessoas não santas dentro das cidades datam do fim do século V e começo do VI, na maior parte do Império Romano; primeiro foram os bispos e aristocratas locais, depois os cidadãos comuns. No século VII, os cemitérios urbanos eram cada vez mais frequentes."
(página 104)
MUNDO INVISÍVEL:
"O mundo invisível também mudou. Para a maioria dos pagãos, o ar estaria repleto de poderosos seres espirituais, 'daimones' em grego, que às vezes eram benéficos, às vezes, não, por vezes controláveis por magia, mas acima de tudo bastante neutros para a raça humana. Para vários cristãos - incluindo os autores das nossas fontes, certamente, mas também as pessoas comuns que aparecem nas hagiografias -, esse mundo invisível passou como claramente dividido em dois, os anjos bons e demônios maus. E a palavra daimones ainda era utilizada; o cristianismo herdou esse dualismo do judaísmo que, por sua vez, pode ter sido influenciado por crenças paralelas do zoroastrismo."
(página 104)
"Além disso, começamos a ouvir mais sobre demônios, que passaram a intervir com mais frequência na vida diária. A cristianização, portanto, desenvolveu a sensação de que esse mundo invisível estava mais repleto de perigo do que previamente tinha sido (isso afetou a vida após a morte, já que o inferno cristão podia conter muitos mais pecados do que o tártaro grego ou a geena judaica). Os demônios, aos olhos cristãos, causavam doenças, má sorte e todo tipo de estragos; a possessão demoníaca era comumente vista como uma causa de distúrbios mentais. Os demônios viviam, entre outros lugares, em santuários e ídolos pagãos, em áreas não cultivadas, como os desertos, e também em túmulos (tal crença era, em parte, uma herança das crenças tradicionais sobre a contaminação dos mortos). Eles podiam ser derrotados por exorcismo clerical."
(página 104)
A CARIDADE:
Ao contrário dos pagãos, os cristãos criaram organizações para ajudar os pobres. Ajudar os pobres também seria uma forma de justificar o aumento da riqueza das Igrejas.
"Esse acento na caridade viria a ser herdado pelo islã também."
(página 106)
PROCISSÕES:
Procissões eram comuns para o recebimento, por exemplo, de um Imperador (adventus). Com o passar do tempo, os cristãos passaram a adotá-las.
INOVAÇÕES TRAZIDAS PELO CRISTIANISMO AO MUNDO ROMANO:
👉Igreja como Instituição
👉Importância Política daquilo que seria considerada a crença correta
👉Novos espaços sociais para rigoristas religiosos e ascetas
👉IGREJA COMO INSTITUIÇÃO:
Judeus e Pagãos tinham como marca a descentralização. Com o Cristianismo seria diferente.
O cristianismo, no entanto, teve uma hierarquia complexa, coincidindo, em parte, com a do Estado. Em 400, havia quatro Patriarcas: em Roma, em Constantinopla (desde 381), em Antioquia e em Alexandria. Um 5º Patriarca foi adicionado para Jerusalém, em 451.
A riqueza da Igreja crescia como resultado de doação de crentes. A Igreja não era parte do Estado mas colaborava com ele. Tratava-se de uma parceria inevitável para os governantes seculares (reis, Imperador). A Igreja ainda exercia uma autoridade informal nas cidades. A Igreja ainda era grande proprietária de terras. Havia estabilidade porque os bens da Igreja não podiam ser alienados. Todo esse poder atraia a atenção da elite, cujos membros queriam se tornar bispos, arcebispos. E como a Igreja Cristã não dependia financeiramente do Império Romano, ela sobreviveu a ele.
BISPOS:
Havia dois níveis de Bispos:
- Arcebispos: supervisionavam e consagravam Bispos de cada Província secular
- Bispos: sua diocese correspondia ao território secular de sua cidade
👉A IMPORTÂNCIA POLÍTICA NA ADOÇÃO DE UMA CRENÇA CORRETA:
A Heresia, a crença desviante, era um assunto de Estado. No paganismo não havia essa preocupação na uniformização da crença, de forma que comportava várias divisões, sem maiores consequências, ao contrário do que iria acontecer com o cristianismo, que queria a uniformidade de pensamento, com todos os cristãos marchando juntos com a mesma crença. O Imperador Constantino tentou buscar essa uniformização, mas não conseguiu obter um consenso. Era importante uniformizar a crença cristã pois isso iria ajudar o Império Romano enquanto coletividade. Dissensões, divisões e desacordos nunca ajudam. O melhor é que as pessoas pensem da mesma forma.
Exemplos de dissensões no cristianismo:
- Donatistas versus Cecilianistas.
Local da desavença: África (norte). Não era um dissensão causada por diferenças de fé. Era mais um cisma. A discussão era em torno da legitimidade de determinado Bispo em consagrar outros bispos. Se houvesse um problema com o primeiro, os bispos consagrados por ele perderiam a função? Em 411 d.C. essa dissensão perdeu força.
- Pelagianismo:
Foi declarada heresia (crença desviante) pelo Imperador Honório, em 418 d.C..
"Pelágio argumentava que um cristão convicto podia evitar o pecado através do livre-arbítrio dado por Deus, o que Agostinho considerava impossível."
(página 109)
Pelágio não criou maiores problemas. Serviu apenas para que Agostinho criasse a sua teoria da Predestinação à salvação por meio da graça de Deus.
- A Natureza de Jesus Cristo:
Prevaleceu a ideia segundo a qual o Filho era idêntico ou igual em substância com o Pai, na Trindade. Essa posição foi chancelada pelo Concílio de Niceia (atual Turquia), em 325 d.C., o qual foi presidido pelo Imperador romano da época, Constantino. Daí o credo de Niceia, que usado até hoje, na fórmula Em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Os membros dessa Trindade são iguais. Nem todos concordavam com isso, como exemplo o Presbítero Ário, de Alexandria, que dizia que Jesus Cristo não tinha dimensão divina. Ele era humano como nós e só (arianismo). O arianismo foi um tipo de cristianismo adotado por tribos bárbaras: godos, lombardos, vândalos.
A vitória do Credo Niceno significava que Jesus Cristo, apesar de humano e passível de sofrimento, era visto completamente como divino também. Um problema resolvido (natureza de Jesus Cristo) e surge uma nova pergunta: como essa combinação humana e divina acontecia em Jesus Cristo?
- A forma pela qual se dava a combinação humana e divina em Jesus Cristo:
Havia duas posições. Uma via essas duas naturezas de Jesus Cristo, humana e divina, separadas como se você olhasse para um copo em cujo interior fossem despejados água e óleo. A separação fica visível. Havia, portanto, para essa primeira corrente, uma separação visível entre as naturezas divina e humana de Jesus Cristo. A segunda linha de pensamento dizia que as naturezas humana e divina de Jesus Cristo deveriam ser vistas como um copo no qual fossem despejados água e vinho. Nesse caso, a mistura seria perfeita, de forma a não ser possível ver nenhuma separação. E assim era com Jesus Cristo, suas partes divina e humana coexistiam de forma a não deixar nenhuma linha de separação visível.
A primeira posição era defendida pelo Patriarca de Constantinopla Nestório. A segunda posição era defendida por Cirilo, Patriarca de Alexandria.
"O patriarca Cirilo de Alexandria (412-444) argumentava que os elementos humano e divino, na natureza de Cristo, não podiam ser separados; antioquenos (Antioquia, atual Turquia), como Nestório, patriarca de Constantinopla (428/431), via-os como distintos."
(página 111)
As duas formas de pensar, a de Cirilo e a de Nestório, comportavam riscos. O monofisista Cirilo corria o risco de tirar a humanidade de Jesus Cristo. Já em Nestório o perigo residia em ver Jesus Cristo como se ele fosse duas pessoas.
Essa briga foi resolvida no Concílio da Calcedônia, quando ficou acertado que "Cristo existiu em duas naturezas, divina e humana, porém em uma só pessoa." (página 111)
Calcedônia rejeitou, portanto, a posição monofisista e, ao mesmo tempo, manteve a rejeição a Nestório.
👉Desenvolvimento de novas esferas de comportamento social:
Para se aproximar de Deus era necessário adotar novas formas de comportamento: isolamento social; auto-privação de alimentos e conforto. Esse era o ascetismo de Antão, um eremita que se isolou da sociedade indo morar no deserto do Egito (357 d.C.). Havia ainda outras ascetas notáveis, como Simeão, o velho (m. 459 d.C), que ficavam no alto de Colunas, fazendo daquele lugar uma espécie de deserto pessoal. Ao mesmo tempo, ficavam visíveis para o público que ia visitá-los e se aconselhar com eles.
"Um estilita influente, Daniel (m. 493), tinha sua coluna ao lado de um dos principais portos do Bósforo, ao leste de Constantinopla - ele, certamente, estaria no centro das atenções (alguém até perguntou-lhe como ele defecava: de forma seca, como uma ovelha, ele respondeu."
(página 114)
"A influência desses ascetas quebrou todas as regras sociais romanas: poucos eram aristocratas, poucos eram educados, mas as pessoas procuravam seu conselho, persistentemente."
(página 115)
Na sequência dos ascetas vieram os monges (monasticismo). Comunidades monásticas surgiram em grande número, primeiro, no Egito. Os monges não chegavam ao extremo dos ascetas, mas eram grupos de celibatários que viviam isolados no deserto. Deviam obediência absoluta a um abade e seguiam uma rotina estabelecida.
CULTURA:
Jogos: Estádios onde se realizavam corridas de carros puxados por cavalos atraiam a atenção dos romanos. Mas além das corridas, ocorriam ali manifestações políticas. Essas aglomerações populares serviam como canais de comunicação com a autoridade que também se fazia presente, em seu camarote.
"Em certas ocasiões, as coisas saíam de controle, como ocorreu com os distúrbios de Nika, que..., em 532, durante as quais grande parte da cidade foi saqueada e Justiniano quase foi derrubado; mas os tumultos de circo, nas principais cidades, tenderam a ser mais uma válvula de segurança, uma advertência de descontentamento, que os imperadores eventualmente levavam em consideração."
(página 118)
PARTICIPAÇÃO POLÍTICA:
O público tinha participação nas decisões políticas. E quando se diz 'público', leia-se Elite.
"A comunidade política significava a elite, claro, e não havia nada nem remotamente democrático nos procedimentos políticos romanos; mas seus resultados eram comunicados verbalmente em público, muitas vezes com bastante rapidez, ao menos nas cidades. As leis imperiais também eram proclamadas; quando Anastácio aboliu o impopular imposto sobre comerciantes e artesãos, em 498, o decreto foi lido em voz alta em Edessa - um importante entreposto comercial, mas muito distante de Constantinopla - no mesmo ano e ocasionou uma comemoração espontânea."
(página 119)
"O Imperador tinha uma relação ambígua com o mundo público. O Império Romano tardio foi um período no qual o cerimonial imperial tornou-se cada vez mais elaborado, em parte para distanciar o Imperador de outras pessoas, 'presas dentro dos limites do Palácio', segundo uma expressão de Sidônio. No Palácio, a etiqueta também era muito elaborada. Comer com o Imperador - uma grande honra - era um ato cuidadosamente controlado."
(página 119)
De toda forma, o Império buscava passar a impressão de que o Imperador era acessível, na medida que se podia peticionar para ele.
"...de fato, as leis dos códigos imperiais são muitas vezes respostas explícitas a petições."
(página 119)
"Os peticionários raramente se encontravam com o Imperador em pessoa, e, obviamente, quem realmente lidava com os seus pedidos (ou então os ignorava) era a burocracia, mas o princípio da resposta direta era preservado. Em 475, Daniel, o Estilita, deixou momentaneamente sua coluna para protestar contra o apoio de Basilisco, imperador usurpador, ao monofisismo, dirigindo-lhe cartas críticas, e, finalmente, conseguiu que este se retratasse publicamente na própria Catedral de Constantinopla."
(página 119)
CARÁTER DIVINO DO IMPERADOR:
"Os enviados romanos à corte de Átila, em 449, ofenderam muito os hunos quando disseram que, embora Átila fosse um homem, Teodósio II era um deus; essa era uma afirmação evidente aos olhos romanos, embora esses enviados fossem, sem dúvida, em sua grande maioria cristãos. Os deuses tinham desaparecido, mas o status imperial mantivera-se inalterado - 'divinus' - permanecera um termo técnico que significava 'imperial'."
(página 120)
CASA EM ROMA:
A casa era a unidade básica. Era chamada de 'domus' quando fazia referência à sua localização física. Era chamada 'familia' quando se fazia referência às pessoas que nela viviam. A família nuclear era composta pelo homem, pela esposa, filhos.
"...outros parentes eram, normalmente, mais distantes, partes de alianças políticas mais do que parte da estrutura familiar."
(página 120)
O PÚBLICO E O PRIVADO:
A política (sentido formal) ocorria fora da habitação privada. A casa do romano era separada da atividade pública.
"...e, exceto no caso de crimes extremos, o comportamento dos membros da família dentro das paredes de uma casa era de responsabilidade do paterfamilias, o chefe masculino da casa, e estava fora da competência do direito público."
(página 120)
Escravos também faziam parte da família, na forma de trabalhadores domésticos não livres.
A família era hierárquica. O chefe inconteste era o paterfamilias, Ele podia bater nas crianças e nos escravos. Um homem deveria proteger a sua mulher e esta deveria ser servil ao seu marido. Nem o cristianismo conseguiu mexer nesses costumes familiares.
MULHERES:
"Legalmente, as mulheres estavam sujeitas aos pais, e, efetivamente, a seus maridos."
(página 122)
Mulheres não podiam ocupar cargos públicos. Uma exceção à essa regra foi Patrícia, governadora da cidade egípcia de Antaiópolis (553). Ainda nos séculos V e VI haveria imperatrizes poderosas.
As mulheres, apesar de serem vistas como "fracas e ignorantes" (página 123), havia mulheres que conseguiam destaque no debate público, como por exemplo Hipátia de Alexandria. As mulheres ainda tinham direitos na área de herança.
O ocidente da Alta Idade Média impôs, frequentemente, restrições legais e sociais muito mais intransigentes sobre o agir feminino do que o Império Romano Tardio.
O QUE SOBROU DA RUÍNA DO IMPÉRIO ROMANO?:
- estruturas da Igreja
- espaço público para a prática política
- senso de poder público
- instituições públicas do Império Romano sobreviveram como um modelo político fundamental tanto para Bizâncio quanto para o Califado árabe; e mesmo com a fragmentação dessas instituições, o que sobrava ainda podia fornecer um sistema governamental básico, de estilo romano, para os reinos romano-germânicos (Francos na Gália, Visigodos da Hispânia, Lombardos na Itália).
"...estava o peso do passado romano que, por mais fragmentado que se encontrasse, criou os elementos constitutivos para a prática política, cultural e social de todas as sociedades pós-romanas nos séculos vindouros."
(página 126)
ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DO LIVRO "O LEGADO DE ROMA, ILUMINANDO A IDADE DAS TREVAS, 400-1000, CHRIS WICKHAM, EDITORA UNICAMP, IMPRENSA OFICIAL, GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, Capítulo 2, Cultura e Crença no Mundo Romano, página 97/130.