quinta-feira, 9 de abril de 2020

Cristianismo versus Paganismo Inovações do Cristianismo para o Mundo Romano



FINAL DA DÉCADA DE 460 d.C. REQUISITOS PARA A ESCOLHA DE BISPOS NUMA LOCALIDADE DA GÁLIA (IMPÉRIO ROMANO):

O que os candidatos a Bispo diziam a favor de si, para conseguirem votos?

- um dizia que deveria ser o escolhido porque a sua família era antiga;
- outro dizia que tinha ajudado a localidade/cidade, alimentando-a;
- um terceiro candidato a Bispo dizia que daria terras da Igreja para quem o apoiasse;
- outro dizia que deveria ser escolhido por ser um notável local (aristocrata) e oriundo de uma família senatorial
- outro candidato dizia que deveria ser escolhido porque sua família é repleta de prefeitos e bispos e que ela (a família dele) tinha defendido a cidade perante os chefes romanos e bárbaros.

Naquela época, mesmo uma pessoa casada poderia ser eleito Bispo. O ofício de Bispo era atraente.

"...a hierarquia tradicional do mundo romano tinha efetivamente absorvido as novas estruturas de poder do cristianismo."
(página 98)

Apesar disso, poderia haver exceções, como no exemplo de alguém ser escolhido Bispo sem ser um notável local, que tenha por mérito próprio, e não por nascimento, galgado posições na estrutura da Igreja em razão de seu talento. Isso aconteceu com João, escolhido bispo em Chalon-Sur-Saône, em 460 d.C. .

CRISTIANISMO VERSUS PAGANISMO:

Pagão: A religião Greco-Romana tradicional não tinha nenhuma palavra para denominar seus praticantes. Mas no século III, "paganus" (rústico) era utilizado para designar um sujeito que não era cristão (ou judeu). > (notas, página 127)

"O Império Romano não era, em absoluto, totalmente cristão, em 400 d.C.. Havia ainda aristocratas pagãos em Roma, embora talvez, já não existissem em 450; em Constantinopla, havia alguns ainda um século mais tarde."
(página 99)

A existência ainda do paganismo em terras romanas demandava atividade missionária. Além dos pagãos, havia comunidades judaicas. A cristianização do Império Romano não tinha acontecido do dia para a noite, resultado de uma decisão de cima para baixo, tomada por Constantino. Havia trabalho missionário ainda a ser feito para que o cristianismo realmente tomasse conta do Império.
No século V, visando extirpar de vez o paganismo, o Imperador Justiniano impôs "o batismo sob pena de confisco e, às vezes, de execução." (página 108)

TIPO DE CRISTIANISMO EXISTENTE NO IMPÉRIO ROMANO TARDIO:

Um Bispo poderia até, intimamente, guardando o pensamento para si, não concordar com a opinião da maioria das pessoas sobre a ressurreição. Ele ainda poderia não renunciar à sua mulher nem ao projeto de ter filhos. Esse era o caso de Sinésio de Cirene, feito Bispo no norte da África, pelo Patriarca de Alexandria, Teófilo, em 411 d.C. . Sinésio era secular, casado e filósofo. Era um aristocrata local, que intercedia junto a Constantinopla para conseguir menos impostos para a sua região, a Cirenaica, atual leste da Líbia. Sinésio ainda organizava sua defesa militar contra invasões de tribos berberes.

"O cristianismo, em 400, estava definido de forma simples, em certo nível, como a religião do Novo Testamento; se alguém acreditava na Trindade Divina do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e admitia que Jesus Cristo, crucifixado por volta de 33 d.C., era filho de Deus, e que não existiam outros deuses, logo, era cristão."
(página 100)

E havia ainda alguns cristãos que iam mais além, os ascetas:

"Essas crenças geralmente iam acompanhadas de uma exaltação da pobreza - já que o bom cristão deve dar tudo aos pobres - e do pressuposto de que este mundo é apenas um breve campo de prova antes das alegrias eternas do céu ou das torturas eternas do inferno, o que significava que o prazer era arriscado e que o ascetismo - às vezes, a auto-mortificação - era cada vez mais visto como virtuoso."
(página 100)

Nos séculos IV a VI, você tinha de um lado autores que se colocavam como críticos de um "mundo descontraído" (página 101), que desejavam reformar (Agostinho, Jerônimo, Salviano e narrativas hagiográficas de santos ascéticos como Antão ou Simeão Estilita). De outro lado você tinha a absorção das estruturas de poder do cristianismo pela hierarquia romana, quando por exemplo aristocratas casados se tornavam bispos. Entre esses dois lados, "havia um oceano de diferentes tipos de práticas religiosas realizadas por todos os outros, cujo significado deve adivinhar-se através de relatos de observadores hostis." (página 101)

FESTIVIDADES:

O Natal cristão era ironicamente o substituto de um festival pagão, o Solstício de inverno. Já o 1º de Janeiro da religião greco-romana (pagã), comemorado por 3 dias com a realização de sacrifícios, teve de ser  modificado, com a retirada dos sacrifícios, tornando-o um evento religiosamente neutro.
O Calendário do Cristianismo ia basicamente de dezembro a maio (Natal, Quaresma, Páscoa, Pentecostes). No resto do ano havia celebrações de santos locais.

"...o tempo cristão substituiu o tempo pagão."
(página 102)

Escritores como Agostinho criticavam que as festas cristãs fossem comemoradas como as festas pagãs, com bebedeiras e diversões. Agostinho defendia que as pessoas cantassem salmos na Igreja. O problema era combinar isso com o povo, que poderia não ver incompatibilidade entre festejar e beber ao mesmo tempo em que celebrava um santo local.

"...essa visão dupla iria permanecer por muito tempo."
(página 102)

Havia dentro da Igreja dois entendimentos sobre ela deveria guiar seus fiéis. Uma parte aprovava o ritual coletivo na Igreja, que trazia solidariedade moral e social. Esse entendimento aprovava as festas religiosas e as peregrinações. Um outro grupo de religiosos entendia que o foco deveria estar na valorização da crença, alcançada por meio da disciplina mental das pessoas para se atingir a salvação individual.

A CRISTIANIZAÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO:

"...enquanto aos olhos pagãos, toda paisagem podia ser luminosa, aos olhos cristãos, apenas os locais de culto específicos eram pontos de luz em um espaço, de outro modo secular."
(página 103)

"Estes eram sempre ou logo se tornavam, as igrejas, já que eram muito visíveis."
(página 103)

As Igrejas, num primeiro momento, ficavam fora das cidades, pois, estas, eram associadas ao paganismo, com templos pagãos localizados nos centros das cidades do Império, próximos ao Fórum local. Mas com o passar do tempo, as igrejas começaram a ser construídas dentro das cidades. Ao mesmo tempo, era costume cristão enterrar seus santos perto das igrejas ou em seu interior. As igrejas ainda mantinham relíquias de santos (geralmente, parte de seus corpos). Esse costume cristão derrubou o preconceito existente na comunidade grego-romana, que não admitia que as pessoas mortas fossem enterradas dentro das cidades:

"A tradicional religião greco-romana considerava as pessoas falecidas perigosas e poluentes."
(página 103)

As pessoas agora queriam ser enterradas perto dos santos, de forma que os enterros passaram a ser realizados no interior das cidades, onde ficavam as igrejas.

"Os primeiros enterros de pessoas não santas dentro das cidades datam do fim do século V e começo do VI, na maior parte do Império Romano; primeiro foram os bispos e aristocratas locais, depois os cidadãos comuns. No século VII, os cemitérios urbanos eram cada vez mais frequentes."
(página 104)

MUNDO INVISÍVEL:

"O mundo invisível também mudou. Para a maioria dos pagãos, o ar estaria repleto de poderosos seres espirituais, 'daimones' em grego, que às vezes eram benéficos, às vezes, não, por vezes controláveis por magia, mas acima de tudo bastante neutros para a raça humana. Para vários cristãos - incluindo os autores das nossas fontes, certamente, mas também as pessoas comuns que aparecem nas hagiografias -, esse mundo invisível passou como claramente dividido em dois, os anjos bons e demônios maus. E a palavra daimones ainda era utilizada; o cristianismo herdou esse dualismo do judaísmo que, por sua vez, pode ter sido influenciado por crenças paralelas do zoroastrismo."
(página 104)

"Além disso, começamos a ouvir mais sobre demônios, que passaram a intervir com mais frequência na vida diária. A cristianização, portanto, desenvolveu a sensação de que esse mundo invisível estava mais repleto de perigo do que previamente tinha sido (isso afetou a vida após a morte, já que o inferno cristão podia conter muitos mais pecados do que o tártaro grego ou a geena judaica). Os demônios, aos olhos cristãos, causavam doenças, má sorte e todo tipo de estragos; a possessão demoníaca era comumente vista como uma causa de distúrbios mentais. Os demônios viviam, entre outros lugares, em santuários e ídolos pagãos, em áreas não cultivadas, como os desertos, e também em túmulos (tal crença era, em parte, uma herança das crenças tradicionais sobre a contaminação dos mortos). Eles podiam ser derrotados por exorcismo clerical."
(página 104)

A CARIDADE:

Ao contrário dos pagãos, os cristãos criaram organizações para ajudar os pobres. Ajudar os pobres também seria uma forma de justificar o aumento da riqueza das Igrejas.

"Esse acento na caridade viria a ser herdado pelo islã também."
(página 106)

PROCISSÕES:

Procissões eram comuns para o recebimento, por exemplo, de um Imperador (adventus). Com o passar do tempo, os cristãos passaram a adotá-las.



INOVAÇÕES TRAZIDAS PELO CRISTIANISMO AO MUNDO ROMANO:

👉Igreja como Instituição
👉Importância Política daquilo que seria considerada a crença correta
👉Novos espaços sociais para rigoristas religiosos e ascetas

👉IGREJA COMO INSTITUIÇÃO:

Judeus e Pagãos tinham como marca a descentralização. Com o Cristianismo seria diferente.

O cristianismo, no entanto, teve uma hierarquia complexa, coincidindo, em parte, com a do Estado. Em 400, havia quatro Patriarcas: em Roma, em Constantinopla (desde 381), em Antioquia e em Alexandria. Um 5º Patriarca foi adicionado para Jerusalém, em 451.
A riqueza da Igreja crescia como resultado de doação de crentes. A Igreja não era parte do Estado mas colaborava com ele. Tratava-se de uma parceria inevitável para os governantes seculares (reis, Imperador). A Igreja ainda exercia uma autoridade informal nas cidades. A Igreja ainda era grande proprietária de terras. Havia estabilidade porque os bens da Igreja não podiam ser alienados. Todo esse poder atraia a atenção da elite, cujos membros queriam se tornar bispos, arcebispos. E como a Igreja Cristã não dependia financeiramente do Império Romano, ela sobreviveu a ele.


BISPOS:

Havia dois níveis de Bispos:

- Arcebispos: supervisionavam e consagravam Bispos de cada Província secular
- Bispos: sua diocese correspondia ao território secular de sua cidade

👉A IMPORTÂNCIA POLÍTICA NA ADOÇÃO DE UMA CRENÇA CORRETA:

A Heresia, a crença desviante, era um assunto de Estado. No paganismo não havia essa preocupação na uniformização da crença, de forma que comportava várias divisões, sem maiores consequências, ao contrário do que iria acontecer com o cristianismo, que queria a uniformidade de pensamento, com todos os cristãos marchando juntos com a mesma crença. O Imperador Constantino tentou buscar essa uniformização, mas não conseguiu obter um consenso. Era importante uniformizar a crença cristã pois isso iria ajudar o Império Romano enquanto coletividade. Dissensões, divisões e desacordos nunca ajudam. O melhor é que as pessoas pensem da mesma forma.

Exemplos de dissensões no cristianismo:

- Donatistas versus Cecilianistas.

Local da desavença: África (norte). Não era um dissensão causada por diferenças de fé. Era mais um cisma. A discussão era em torno da legitimidade de determinado Bispo em consagrar outros bispos. Se houvesse um problema com o primeiro, os bispos consagrados por ele perderiam a função? Em 411 d.C. essa dissensão perdeu força.

- Pelagianismo:

Foi declarada heresia (crença desviante) pelo Imperador Honório, em 418 d.C..

"Pelágio argumentava que um cristão convicto podia evitar o pecado através do livre-arbítrio dado por Deus, o que Agostinho considerava impossível."
(página 109)

Pelágio não criou maiores problemas. Serviu apenas para que Agostinho criasse a sua teoria da Predestinação à salvação por meio da graça de Deus.

- A Natureza de Jesus Cristo:

Prevaleceu a ideia segundo a qual o Filho era idêntico ou igual em substância com o Pai, na Trindade. Essa posição foi chancelada pelo Concílio de Niceia (atual Turquia), em 325 d.C., o qual foi presidido pelo Imperador romano da época, Constantino. Daí o credo de Niceia, que usado até hoje, na fórmula Em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Os membros dessa Trindade são iguais. Nem todos concordavam com isso, como exemplo o Presbítero Ário, de Alexandria, que dizia que Jesus Cristo não tinha dimensão divina. Ele era humano como nós e só (arianismo). O arianismo foi um tipo de cristianismo adotado por tribos bárbaras: godos, lombardos, vândalos.
A vitória do Credo Niceno significava que Jesus Cristo, apesar de humano e passível de sofrimento, era visto completamente como divino também. Um problema resolvido (natureza de Jesus Cristo) e surge uma nova pergunta: como essa combinação humana e divina acontecia em Jesus Cristo?

- A forma pela qual se dava a combinação humana e divina em Jesus Cristo:

Havia duas posições. Uma via essas duas naturezas de Jesus Cristo, humana e divina, separadas como se você olhasse para um copo em cujo interior fossem despejados água e óleo. A separação fica visível. Havia, portanto, para essa primeira corrente, uma separação visível entre as naturezas divina e humana de Jesus Cristo. A segunda linha de pensamento dizia que as naturezas humana e divina de Jesus Cristo deveriam ser vistas como um copo no qual fossem despejados água e vinho. Nesse caso, a mistura seria perfeita, de forma a não ser possível ver nenhuma separação. E assim era com Jesus Cristo, suas partes divina e humana coexistiam de forma a não deixar nenhuma linha de separação visível.
A primeira posição era defendida pelo Patriarca de Constantinopla Nestório. A segunda posição era defendida por Cirilo, Patriarca de Alexandria.

"O patriarca Cirilo de Alexandria (412-444) argumentava que os elementos humano e divino, na natureza de Cristo, não podiam ser separados; antioquenos (Antioquia, atual Turquia), como Nestório, patriarca de Constantinopla (428/431), via-os como distintos."
(página 111)

As duas formas de pensar, a de Cirilo e a de Nestório, comportavam riscos. O monofisista Cirilo corria o risco de tirar a humanidade de Jesus Cristo. Já em Nestório o perigo residia em ver Jesus Cristo como se ele fosse duas pessoas.
Essa briga foi resolvida no Concílio da Calcedônia, quando ficou acertado que "Cristo existiu em duas naturezas, divina e humana, porém em uma só pessoa." (página 111)
Calcedônia rejeitou, portanto, a posição monofisista e, ao mesmo tempo, manteve a rejeição a Nestório.

👉Desenvolvimento de novas esferas de comportamento social:

Para se aproximar de Deus era necessário adotar novas formas de comportamento: isolamento social; auto-privação de alimentos e conforto. Esse era o ascetismo de Antão, um eremita que se isolou da sociedade indo morar no deserto do Egito (357 d.C.). Havia ainda outras ascetas notáveis, como Simeão, o velho (m. 459 d.C), que ficavam no alto de Colunas, fazendo daquele lugar uma espécie de deserto pessoal. Ao mesmo tempo, ficavam visíveis para o público que ia visitá-los e se aconselhar com eles.

"Um estilita influente, Daniel (m. 493), tinha sua coluna ao lado de um dos principais portos do Bósforo, ao leste de Constantinopla - ele, certamente, estaria no centro das atenções (alguém até perguntou-lhe como ele defecava: de forma seca, como uma ovelha, ele respondeu."
(página 114)

"A influência desses ascetas quebrou todas as regras sociais romanas: poucos eram aristocratas, poucos eram educados, mas as pessoas procuravam seu conselho, persistentemente."
(página 115)

Na sequência dos ascetas vieram os monges (monasticismo). Comunidades monásticas surgiram em grande número, primeiro, no Egito. Os monges não chegavam ao extremo dos ascetas, mas eram grupos de celibatários que viviam isolados no deserto. Deviam obediência absoluta a um abade e seguiam uma rotina estabelecida.

CULTURA:

Jogos: Estádios onde se realizavam corridas de carros puxados por cavalos atraiam a atenção dos romanos. Mas além das corridas, ocorriam ali manifestações políticas. Essas aglomerações populares serviam como canais de comunicação com a autoridade que também se fazia presente, em seu camarote. 

"Em certas ocasiões, as coisas saíam de controle, como ocorreu com os distúrbios de Nika, que..., em 532, durante as quais grande parte da cidade foi saqueada e Justiniano quase foi derrubado; mas os tumultos de circo, nas principais cidades, tenderam a ser mais uma válvula de segurança, uma advertência de descontentamento, que os imperadores eventualmente levavam em consideração."
(página 118)

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA:

O público tinha participação nas decisões políticas. E quando se diz 'público', leia-se Elite.

"A comunidade política significava a elite, claro, e não havia nada nem remotamente democrático nos procedimentos políticos romanos; mas seus resultados eram comunicados verbalmente em público, muitas vezes com bastante rapidez, ao menos nas cidades. As leis imperiais também eram proclamadas; quando Anastácio aboliu o impopular imposto sobre comerciantes e artesãos, em 498, o decreto foi lido em voz alta em Edessa - um importante entreposto comercial, mas muito distante  de Constantinopla - no mesmo ano e ocasionou uma comemoração espontânea."
(página 119)

"O Imperador tinha uma relação ambígua com o mundo público. O Império Romano tardio foi um período no qual o cerimonial imperial tornou-se cada vez mais elaborado, em parte para distanciar o Imperador de outras pessoas, 'presas dentro dos limites do Palácio', segundo uma expressão de Sidônio. No Palácio, a etiqueta também era muito elaborada. Comer com o Imperador - uma grande honra - era um ato cuidadosamente controlado."
(página 119)

De toda forma, o Império buscava passar a impressão de que o Imperador era acessível, na medida que se podia peticionar para ele.

"...de fato, as leis dos códigos imperiais são muitas vezes respostas explícitas a petições."
(página 119)

"Os peticionários raramente se encontravam com o Imperador em pessoa, e, obviamente, quem realmente lidava com os seus pedidos (ou então os ignorava) era a burocracia, mas o princípio da resposta direta era preservado. Em 475, Daniel, o Estilita, deixou momentaneamente sua coluna para protestar contra o apoio de Basilisco, imperador usurpador, ao monofisismo, dirigindo-lhe cartas críticas, e, finalmente, conseguiu que este se retratasse publicamente na própria Catedral de Constantinopla."
(página 119)

CARÁTER DIVINO DO IMPERADOR:

"Os enviados romanos à corte de Átila, em 449, ofenderam muito os hunos quando disseram que, embora Átila fosse um homem, Teodósio II era um deus; essa era uma afirmação evidente aos olhos romanos, embora esses enviados fossem, sem dúvida, em sua grande maioria cristãos. Os deuses tinham desaparecido, mas o status imperial mantivera-se inalterado - 'divinus' - permanecera um termo técnico que significava 'imperial'." 
(página 120)

CASA EM ROMA:

A casa era a unidade básica. Era chamada de 'domus' quando fazia referência à sua localização física. Era chamada 'familia' quando se fazia referência às pessoas que nela viviam. A família nuclear era composta pelo homem, pela esposa, filhos.

"...outros parentes eram, normalmente, mais distantes, partes de alianças políticas mais do que parte da estrutura familiar."
(página 120)

O PÚBLICO E O PRIVADO:

A política (sentido formal) ocorria fora da habitação privada. A casa do romano era separada da atividade pública.

"...e, exceto no caso de crimes extremos, o comportamento dos membros da família dentro das paredes de uma casa era de responsabilidade do paterfamilias, o chefe masculino da casa, e estava fora da competência do direito público."
(página 120)

Escravos também faziam parte da família, na forma de trabalhadores domésticos não livres.
A família era hierárquica. O chefe inconteste era o paterfamilias, Ele podia bater nas crianças e nos escravos. Um homem deveria proteger a sua mulher e esta deveria ser servil ao seu marido. Nem o cristianismo conseguiu mexer nesses costumes familiares.

MULHERES:

"Legalmente, as mulheres estavam sujeitas aos pais, e, efetivamente, a seus maridos."
(página 122)

Mulheres não podiam ocupar cargos públicos. Uma exceção à essa regra foi Patrícia, governadora da cidade egípcia de Antaiópolis (553). Ainda nos séculos V e VI haveria imperatrizes poderosas.
As mulheres, apesar de serem vistas como "fracas e ignorantes" (página 123), havia mulheres que conseguiam destaque no debate público, como por exemplo Hipátia de Alexandria. As mulheres ainda tinham direitos na área de herança.
O ocidente da Alta Idade Média impôs, frequentemente, restrições legais e sociais muito mais intransigentes sobre o agir feminino do que o Império Romano Tardio.

O QUE SOBROU DA RUÍNA DO IMPÉRIO ROMANO?:

- estruturas da Igreja
- espaço público para a prática política
- senso de poder público
- instituições públicas do Império Romano sobreviveram como um modelo político fundamental tanto para Bizâncio quanto para o Califado árabe; e mesmo com a fragmentação dessas instituições, o que sobrava ainda podia fornecer um sistema governamental básico, de estilo romano, para os reinos romano-germânicos (Francos na Gália, Visigodos da Hispânia, Lombardos na Itália).

"...estava o peso do passado romano que, por mais fragmentado que se encontrasse, criou os elementos constitutivos para a prática política, cultural e social de todas as sociedades pós-romanas nos séculos vindouros."
(página 126)



ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DO LIVRO "O LEGADO DE ROMA, ILUMINANDO A IDADE DAS TREVAS, 400-1000, CHRIS WICKHAM, EDITORA UNICAMP, IMPRENSA OFICIAL, GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, Capítulo 2, Cultura e Crença no Mundo Romano, página 97/130.

domingo, 5 de abril de 2020

Império Romano tardio Século IV Violência Estatal Patronato Mar Mediterrâneo Roma Constantinopla Annona Curia Civilitas Senado Coloni Servi Bárbaros


IMPÉRIO ROMANO TARDIO. INÍCIO DO SÉCULO IV:

⏩ VIOLÊNCIA:

"O mundo romano era habituado à violência e à injustiça."
(página 61)

Exemplos dessa violência que estava entranhada na sociedade romana:

Na administração da Justiça havia o emprego da tortura.

"A violência judicial era corriqueira, certamente merecida (de fato, mesmo testemunhas eram rotineiramente torturadas, a menos que pertencessem às elites), e os ricos escapavam."
(página 61)

"Fazem entrar o ladrão a quem acusam e interrogam-no da maneira que merece. Tortura-se-o. Com os golpes, seu peito fica todo machucado; dependuram-no...espancam-no com varas, açoitam-no; enfrenta todo tipo de torturas, e ele nega. Mas ele tem de ser punido, levam-no à espada. Então fazem entrar outro homem, desta vez inocente, que vem acompanhado por uma vasta rede de padrinhos, todos homens influentes. Este tem boa sorte. Absolvem-no." (Excerto de uma Cartilha Grego-Romana para crianças - início do século IV)
(página 61)

Eventualmente ricos e poderosos também podiam se ver em apuros, vítimas da violência e da injustiça estatal romana. Mas era algo raro, pois suas redes clientelares poderiam vir em seu socorro.
Um exemplo de um poderoso alcançado pela violência estatal romana é extraída de uma história contada pelo Bispo Sinésio, que morava em Ptolemais, na Cirenaica, atual leste da Líbia. De acordo com Sinésio, o governador local, um sujeito chamado Andronikos, era brutal e violento até com os Senadores locais, chegando inclusiva a provocar a morte de um deles por supostas infrações fiscais. 
Sinésio conseguiu que ele fosse demitido, o que mostra que somente um bispo com boas conexões em Constantinopla poderia confrontar o abuso de poder. Nesse relato de Sinésio, além da violência estatal, entra uma outra característica do Império romano, que será vista em seguida: o Patronato.

Gladiadores: Apesar de proibido  pelo Imperador Constantino em 326 d.C., a barbárie representada pelas lutas de gladiadores ainda permanecia na parte ocidental do Império Romano.

"Agostinho (Agostinho de Hipona) um homem intransigente, mas não ingênuo, tinha por certo que essa sede de sangue era normal, porém pecaminosa aos olhos cristãos."
(página 62)

Agostinho nasceu em Tagaste, atual Souk Ahras, no Leste da Argélia. Tornar-se-ia uma figura de destaque na Igreja Católica.

A Sociedade Romana emprestava legitimidade pública à crueldade:
👇
De fato a violência não era, não foi e não é exclusividade da sociedade romana, mas nela "A CRUELDADE TINHA LEGITIMIDADE PÚBLICA."
(página 61)

Depois que os jogos de Gladiadores finalmente foram encerrados, a sede por violência romana os substituiu por espetáculos com animais selvagens. Havia nessa violência legitimada publicamente "algo de visceral para o poderio romano."
(página 61)

"Na verdade, todas as sociedades pós-romanas, pagãs, cristãs ou muçulmanas, eram igualmente habituadas à violência, principalmente os poderosos; entretanto, no Império Romano, a crueldade tinha legitimidade pública, um elemento do espetáculo semanal, que superava até mesmo a cultura de execução pública na Europa do século XVIII."
(página 62)

"Havia nisso algo de visceral para o poderio romano, pois ainda que os espetáculos de gladiadores tenham terminado no início do século V, a matança pública de animais selvagens prosseguiu por cem anos ou mais."
(página 62)

⏩ PATRONATO:

Os ricos romanos usavam de seu poder para criar uma rede de clientes (apaniguados/clientela). Um rico não existia sozinho; em torno dele uma rede de pessoas se reunia, com boas conexões governamentais ou eclesiásticas. Era preciso ter conexões para sobreviver em Roma. Num mundo injusto, violento e corrupto, como era em Roma, não se poderia viver sem um Patrono.

"não se podia ser bem-sucedido sem patrono. O mundo romano era realmente corrupto e muito violento. O, que para nós, parece ser corrupção nem sempre era assim considerado pelos romanos, a menos para aqueles que compunham a elite; esta tinha suas próprias regras, justificativas e etiquetas. Mas a corrupção e seus análogos privilegiavam os privilegiados,..."
(página 62)

Patronato é o nome que se dava à relação existente entre um Patrono e um Cliente. Na Idade Média esse tipo de relacionamento era visto no liame entre o Senhor e o seu Vassalo.

"Era normal buscar ajuda de um patrono junto aos canais oficiais. Isso podia ser estigmatizado como corrupção, como pensavam frequentemente os moralistas extremos, ou, então, as vítimas; a maioria das pessoas, no entanto, aceitava sua lógica cotidiana. Na verdade, mesmo os canais oficiais eram muitas vezes expressos em termos de patrono-cliente, na forma de apelos pessoais ou coletivos ao Imperador, coisa corriqueira, ou com intermináveis, e legais, pagamentos pessoais (sportulae), que eram esperados pelos burocratas de baixo e médio escalão, que podiam tanto facilitar quanto obstruir um registro fiscal ou um processo judicial. A questão que se punha em um sistema de patronato desse tipo é que, no final, ele envolvia todos, e todos podiam sentir que, de alguma forma, tinham uma participação no sistema social. Eles, muitas vezes, não ganhavam nada com isso, como acontecia com o camponês comum, mas sentiam que podiam auferir alguma proteção dos patronos, - se não fosse daquela vez, seria, então, da próxima. Todas, exceto o Imperador e seus mais poderosos subordinados, precisavam de um patrono, ou, algumas vezes, de vários."
(páginas 84/85)

Para você ser um patrono, bastava usufruir de algum tipo de poder. Até um soldado poderia ter clientes. Exemplo:

"Abinnaios, um soldado de nível médio, destacado no sul do Egito, na década de 340 d.C., cujos arquivos também sobrevivem, preservou pedidos por favores especiais de seus subordinados, mas também de amigos e clientes que eram conselheiros citadinos, padres, artesãos ou camponeses. Ele era solicitado a arbitrar disputas e prender ladrões; pouco disso estava em suas competências oficiais, mas era totalmente normal."
(página 85)

Segundo escreve o autor desse livro, era essa rede de favores que fazia o Império Romano funcionar.

"Os problemas tiveram início quando o patronato começou a não dar mais certo. Quando os camponeses, na África, sentiam que o patronato da Igreja Católica na estava disponível para eles, podiam se voltar para o donatismo."
(página 86)

"Acima de tudo, talvez, quando as elites locais no Ocidente do século V deixaram de acreditar que seus tradicionais patronos nos governos central e provincial eram capazes de ajudá-las, elas podiam, em vez disso, voltar-se para novos líderes militares de tribos 'bárbaras' em suas localidades, e disso resultou uma importante mudança política."
(página 86)

⏩ MAR MEDITERRÂNEO - O NOSSO MAR:

O Império Romano gravitava em torno do Mar Mediterrâneo, que era chamado de 'o nosso mar'.

"...eles (romanos) são o único poder na história que dominou todo o seu litoral (do Mediterrâneo)"
(página 63)

O Mar Mediterrâneo conectava as Províncias Romanas por meio do transporte marítimo.

⏩ ROMA E CONSTANTINOPLA:

Roma, no seu auge (início do Império), tinha um milhão de habitantes. Já no ano 400, sua população caiu para metade. Já não era a capital administrativa do Império, pois tinha sido substituída no século IV por Trier, no norte da Gália, e em 402, por Ravena, no norte da Itália.
Constantinopla tinha 500 mil habitantes no final do século V.

"Cidades desse tamanho, no mundo antigo e medieval, eram mantidas assim tão grandes pelos governos, que desejavam uma grande cidade como seu coração político ou simbólico, por razões ideológicas."
(página 64)

"A importância simbólica dessas cidades era tanta que quando os visigodos saquearam Roma em 410, os   atingiram todo o Império..."
(página 64)

Para facilitar a administração do Império, a partir de 324, havia

"duas capitais permanentes, Roma e Constantinopla."
(página 63)

"O Império teve, desde então, na maior do tempo, uma metade oriental (majoritariamente de língua grega) e uma ocidental (majoritariamente de língua latina), cada uma com seu próprio Imperador e sua própria administração. Mas as duas metades mantiveram-se intimamente conectadas e o latim continuou sendo a língua oficial legal e militar do Oriente até meados do século VI."
(página 63)

Os pobres dessas cidades eram mantidos por meio de subsídios bancados pelo Estado. Dessa forma, Roma e Constantinopla forneciam subsídios para os pobres urbanos que as habitavam. Assim as cidades eram mantidas artificialmente populosas. Eram subsidiados grãos e azeite de oliva, importados da Tunísia, Egito e Síria.

Annona: palavra latina que significava suprimentos alimentares gratuitos. Constituía uma despesa par ao Estado, na ordem de 1/4 ou mais de seu orçamento.

Como dito acima, o uso desses subsídios mantinha as cidades artificialmente grandes, e sua população obviamente aprovava isso, tendo o seu pão e o seu circo, embora no caso do circo, este entretenimento era na maioria dos casos pago com dinheiro privado.

"África e Egito eram as maiores regiões exportadoras de todo o Império."
(página 64)

VIDA NAS CIDADES DO IMPÉRIO ROMANO:

O Império Romano promovia as cidades, a vida nas cidades. As cidades tinham um poder simbólico para o detentor do poder imperial.

"O conjunto do mundo da cultura era associado à civilidade, civilitas em latim - de onde vieram nossas palavras 'civilizado' e 'civilização' -, que precisamente implicava a habitação citadina para os romanos. O Império era, em um sentido, a união de todas as suas cidades.."
(página 64)

Uma cidade romana deveria ter:
-uma assembleia citadina: Curia, em latim. Era autônoma.
-edifícios urbanos (fórum, teatro, termas, templos e, depois do século IV, catedrais e igrejas).
-em algumas cidades havia muralhas.
👇
"Essas eram as marcas da civilidade."
(página 64)

Civilização para os romanos significava viver nas cidades que continham todos os elementos elencados acima (fórum, teatro, igrejas, etc).

"É possível ver a rede de cidades como o maior elemento da sociedade romana, mais importante ainda que o governo imperial central."
(página 66)

As cidades romanas com suas edificações faziam parte do imagético romano. O poeta gaulês (350 d.C.) Ausônio escrevia sobre as cidades romanas que ele via como ilustres, começando por Roma e chegando à sua cidade natal, Bordeaux. A ligação afetiva pelas cidades era tal que Ausônio usava a palavra pátria, significando terra natal, lugar onde você nasceu, para se referir não só a Bordeaux, onde ele efetivamente havia nascido, mas também a Roma.

A sociedade política no Império Romano tinha suas bases nas cidades. Elas eram, num primeiro momento, autônomas e ser um Conselheiro (curialis) numa delas "era o máximo da ambição local." (página 65)
Mas com a centralização cada vez maior do poder (século IV) imperial, as decisões (maioria delas) saiam do âmbito local e iam para o topo da administração imperial.Com essa centralização do poder, as pessoas importantes localmente não ambicionavam mais a posição de curialis (conselheiros municipais). Agora elas queriam posições de destaque no centro do poder imperial. 

"Os conselheiros municipais tornaram-se, acima de tudo, responsáveis por aumentar e subscrever os impostos, uma função remunerada, mas arriscada. Lentamente, as estruturas formais de tais conselhos enfraqueceram, sobretudo no século V, e, já pelo século VI, a arrecadação de impostos passou a ser responsabilidade dos funcionários do governo central."
(página 65)

Ademais, os curialis, eles mesmos, já se sentiam incomodados com seus encargos fiscais, e que, os mais pobres entre eles, tentavam fugir da função, sendo impedidos pela ação do Estado, que os mantinha na posição. No fim, essa fuga ia acontecendo de qualquer forma, levando-os a abandonar as cidades. 
Com o passar do tempo, a governação das cidades tornou-se mais informal. não suportadas por instituições específicas. As pessoas importantes dessas cidades, como exemplo, senadores e bispos, tomavam para si a responsabilidade pela administração local, formando um grupo ad hoc de elite, "geralmente chamado de proteuontes (os dirigentes). Esses homens patrocinavam as igrejas citadinas, tomavam decisões sobre o reparo de edifícios, festivais e, se necessário, organizavam a defesa do local, sem a necessidade de um papel formal. As cidades tampouco perderam com isso; os séculos V e VI viram os mais grandiosos edifícios construídos em várias cidades  orientais. Depois de depararmos com essa estabilidade pós-curial no Oriente, torna-se mais fácil também encontrá-la no Ocidente. Sidônio Apolinário (viveu c. 430-485),...era de uma das famílias mais ricas de Clermont, na Gália, filho e neto de prefeitos do Pretório e genro do Imperador Epárcio Ávito (455-456). Ele não precisava ser um curiali e dedicou-se principalmente a uma carreira no governo central. Entretanto, acabou por se tornar Bispo de Clermont, prestando entusiástico apoio, em suas cartas, às lealdades locais, inclusive às que residiam na cidade; e seu cunhado, Ecdício, filho de Ávito, defendeu a cidade com um exército particular. Portanto, esse tipo de comprometimento com políticas urbanas não dependia da estrutura tradicional da cúria citadina. Essencialmente, isso continuou enquanto os valores romanos sobreviveram; essas coisas podiam variar, mas, em diversas partes do Império, se mantiveram por um longo tempo, mesmo depois que o próprio Império caiu. Os pressupostos da civilitas alcançaram isso por si mesmos."
(página 65/66)

Civilitas: Era o conjunto do mundo da cultura, encontrada somente nas cidades, com tudo que se relacionava a elas (os edifícios, os jogos)

ADMINISTRAÇÃO DO IMPÉRIO ROMANO:

Mesmo com poucos funcionários para cuidar de todo o Império, ele se manteve unido por vários séculos.

"Segundo os padrões modernos, de fato, o Império Romano era governado superficialmente, com cerca de 30 mil funcionários civis no governo central, que se concentravam nas capitais imperiais e provinciais."
(página 66)

Apesar dessa deficiência, o Império Romano se manteve íntegro, graças ao seu sistema fiscal conseguindo manter um:
-exército
-um Senado
-uma administração civil
-um sistema legal

Havia ainda valores e rituais que davam a sustentação ideológica a tudo isso, e no futuro viria a estrutura da Igreja (cristianismo), que ajudaria a manter o Império.
Ao Imperador, como autocrata que era, cabia administrar cada metade do Império.

"O Império, em certo sentido, era regido por amadores.Mas ao menos o grupo de amadores tinha valores compartilhados e, em muitos casos, também experiências familiares  particularmente no Ocidente, onde havia mais famílias senatoriais antigas e ricas, que eram frequentemente ativas na política nos séculos IV e V. Os seus subordinados eram verdadeiros funcionários de carreira, que se comprometiam com a administração pela vida toda. É essa rede de detentores de cargos que deu coerência ao governo"
(página 68)

Imperadores que podiam apenas viver suas vidas, cumprindo formalmente suas funções públicas. Políticos e burocratas que cumpriam suas funções em caráter intermitente. Mesmo imperadores que se mostrassem ativos poderiam ver suas ações obstadas pela burocracia incompetente e pela ausência de dados. Abaixo desses amadores, vindos de ricas famílias senatoriais, havia aqueles que efetivamente trabalhavam pelo Império (os funcionários de carreira).

Alguns imperadores do Império Romano Tardio dignos de nota:

- Constantino (306-337)
- Valentiniano I ( 364-375- no Ocidente)
- Juliano (360-363): Foi malsucedido em sua tentativa de reverter a cristianização de Constantino.
- Justiniano (Século VI) - 527-565 no Oriente.

"O estado romano não era particularmente esclarecido, nem tampouco estava condenado ao colapso por volta do ano 400. Sua violência (seja publica ou privada), sua corrupção e sua injustiça eram partes de uma estrutura muito estável, que perdurara por séculos, e que possuía algumas óbvias falhas internas. A metade ocidental do Império colapsou no século V, como resultado de uma má condução de eventos imprevistos; o Império, contudo, sobreviveu sem dificuldades no Oriente e provavelmente atingiu seu auge no início do século VI."
(página 62/63)

SENADO ROMANO:

Senadores "viam-se como a melhor parte da raça humano." (página 70)

"O nascimento era importante (Sidônio pôde desdenhar de um rival poderoso, Peônio, o prefeito do Pretório da Gália, porque ele era de origem municipal, ou seja, de uma família curial, não senatorial),.."
(página 70)

"O Senado tinha sua própria identidade, parcialmente separada da burocracia imperial; de fato, no Ocidente, a separação era até mesmo física, uma vez que o governo não estava mais em Roma. Teoricamente, o Senado era o órgão governante do Império, assim como havia sido na época da República Romana, quatro séculos antes, e, mesmo que, pouco tempo depois, o Senado tenha deixado de ser uma realidade, naquele momento ele ainda representava o ápice da aspiração para qualquer cidadão."
(página 69)

Um Senador tinha vários privilégios. Mas era caro entrar no Senado e depois se manter nele, tendo que pagar por cerimônias, jogos, etc. O Senado estava ligado ao governo, mas tinha suas próprias hierarquias e rituais. O Senado era quase uma aristocracia hereditária. A depender do poder de um Senador (illustris), seu filho já teria garantido um lugar ali.

"A existência dessa aristocracia hereditária, de fato, foi uma característica-chave do Império."
(página 70)

O Senado não tinha uma função governamental formal, mas ele controlava o tom do governo. A maioria era de civis. Sua preeminência não vinha de feitos militares, mas da riqueza pessoal, da cultura (compartilhada) e do nascimento.

"Precisava-se de riqueza para ir a qualquer lugar na administração civil, visto que os subornos para nomeações e a manutenção de uma rede custavam dinheiro."
(página 70)

"O Império Romano foi pouco usual na história antiga e medieval visto que sua classe dirigente  era composta por civis, e não (ou não apenas) por figuras militares."
(página 70)

O EXÉRCITO ROMANO:

O Exército romano era muito maior do que a administração civil. O exército sempre foi a maior despesa do Império Romano. Os exércitos eram normalmente mandados para as fronteiras dos Rios Reno e Danúbio, e na fronteira com a Pérsia. Um Imperador vivia mais perto dos militares do que dos administradores civis

MANUTENÇÃO DO IMPÉRIO ROMANO: ARRECADAÇÃO DE TRIBUTOS:

Para manter a máquina do Império Romano funcionando era necessário arrecadar tributos para sustentá-la. O principal desses tributos era um imposto que incidia sobre a propriedade da terra. Algumas fontes falam de 1/4 dos rendimentos da terra recolhidas na forma de impostos.

"Esse é um valor elevado para uma sociedade pré-capitalista  e agrária, com tecnologia relativamente simples."
(página 76)

Cobrar impostos sobre a terra não era uma atividade simples, pois demandava a existência de uma burocracia que iria verificar os registros de propriedade. Os registros deviam ser atualizados, mantê-los organizados para consultas, etc.

"demanda um considerável número de funcionários e intrusiva coleta de informações."
(página 76)

Quem mais sofria com a carga tributária eram os pobres, o campesinato. Por esse motivo, alguns camponeses, para dificultar o trabalha dos coletores de impostos, saiam de suas terras e iam para outros lugares.

"Eles reagiam fugindo das terras. E daí as leis para detê-los."
(página 77)

Para impedir isso, Roma, após o século IV, emitiu leis para reter o campesinato em seu lugar de origem, determinando que os camponeses não poderiam abandonar a terra ou se mudarem dela. Essa lei vinha para facilitar a cobrança dos impostos sobre o campesinato. E esse tipo de lei pegava outras categorias profissionais, para também melhorar a organização do aparato estatal de arrecadação de impostos. Esses outros trabalhadores também teriam que ficar em seu local de origem.

"Os curiales eram presos aos seus cargos, como já vimos, do mesmo modo que os soldados, os trabalhadores das fábricas estatais, os armadores, os padeiros, os açougueiros de Roma, que eram necessários para a annona da capital."
(página 76)

Essas leis serviam para estabilizar a estrutura fiscal do império.

"Some-se a isso a própria coleta de impostos - que poderia ser uma tensa e violenta ação certamente realizada por homens armados - e vemos que o impacto do sistema fiscal imperial era continuo, capital e potencialmente coercitivo para quase todas as pessoas do Império."
(página 77)



"A Tributação, dessa forma, sustentava a própria unidade imperial, pois era o mais evidente elemento de impacto do Estado sobre a população em geral, assim como o alicerce do exército, da administração, do sistema legal e do transporte de bens através do Mediterrâneo e por outros lugares - todos os elementos que mantinham integrado o vasto território. Se falhasse, o Império simplesmente quebraria."
(página 77)

E havia igualmente corrupção no sistema fiscal romana:

"Os ricos podiam comprar imunidade mediante corrupção; assessores e coletores, se dúvida, tornavam-se ricos através da corrupção. As vítimas eram quase sempre os pobres. Eles reagiam fugindo das terras (daí a lei para detê-los), ou procurando proteção (patronato) junto aos poderosos para não pagar impostos ao Estado."
(página 77)

POPULAÇÃO DO IMPÉRIO:

Maioria composta por campesinos. Podiam ter sua terra ou arrendavam uma área para nela trabalharem. Viviam dos alimentos que produziam; excedente, quando havia, ia para os senhores de terras (caso houvesse), para pagar o aluguel do arrendamento e como tributo para o Estado.

"Vários deles eram servi, não livres, sem direitos legais, particularmente em algumas partes do Ocidente, mas a escravidão nas plantações das antigas Itália e Grécia Imperiais tinha quase desaparecido ao final do Império, e campesinos livres e não livres viviam, agora, suas vidas de maneiras semelhantes (este livro, em consequência, não usa a palavra 'escravo' para camponeses não livres, pois o termo comporta mal-entendidos; essa palavra será usada somente para os servos domésticos não livres, que eram alimentados e mantidos por seus senhores, como haviam sido os escravos de plantações). No início da Idade Média, os camponeses constituíam 90% ou mais da população; a proporção deve ter sido menor ao final do Império, uma vez que mais pessoas viviam nas cidades - no Egito, excepcionalmente, até um terço do total da população -, mas poderia ter atingido 80%, uma proporção ainda muito alta."
(página 78)

ARRENDAMENTO DAS TERRAS:

Os camponeses que arrendavam terras eram em maior número. O 'coloni" era o arrendatário. Do lado de quem arrendava a terra, estavam os Proprietários de Terras: o Imperador; os Senadores; as elites Provinciais e Curiais. Havia portante milhares de arrendatários (coloni) que pagavam aluguel aos grandes proprietários pelo uso da terra.
Havia poucos casos nos quais os camponeses eram donos de suas próprias terras. Exemplo: Aldeia de Aphrodite, atual Kom Ishqaw, no Egito. Com efeito, havia mais camponeses proprietários no Oriente do que no Ocidente. No Ocidente, os proprietários de terra tinham grandes quantidades de terra, nada comparado com o que acontece hoje. A diferença entre ricos e pobres era maior no Ocidente do que no Oriente romanos. E quanto maior o distanciamento entre ricos e pobres, maior era a hostilidade reinante.

PRODUÇÃO ARTESANAL E COMÉRCIO:

Tecidos: Itália, Gália, Egito e Síria se destacavam nesse segmento, sendo os maiores exportadores. Escavações arqueológicas que encontram ânforas indicam a existência de comércio de vinho, azeite e molho de peixe. O azeite poderia ser oriundo de ilhas na Mar Egeu, da Síria, do sul da Itália ou Palestino.

"Navios zarpavam da África para a Itália a cada outono, levando grãos e azeites estatais para Roma como "annona"; indubitavelmente, eles também levavam bens comerciais, cerâmicas e, novamente, azeite, cujo custo de transporte era pago, assim, pelo Estado; tais produtos podiam ser vendidos do outro lado do Mediterrâneo a preços mais competitivos, quer seja em Roma ou em outros portos."
(página 83)

A DUPLA FACE DO IMPÉRIO ROMANO:

O mundo romano tardio tinha duas caras:

Uma cara Local
Uma cara Imperial

Muitas línguas eram faladas: latim, grego, Proto-Galês (na Britânia), Basco (partes da Hispânia), Berbere (África), Copta (Egito), Hebreu, árabe, aramaico/siríaco (Levante), Gaulês (Gália), Isaurio e armênio (Anatólia). E havia muito mais.
Mesmo com todas essas diferenças, Roma conseguiu impor um certo grau de homogeneização.

"As pessoas sentiam-se parte de um único mundo romano, uma consciência que se estendeu não apenas às elites citadinas, mas também às aldeias."
(página 84)

Esse sentimento de pertencimento a uma mesma comunidade era reforçado pela prática do Patronato.

OS OUTROS:

O mundo romano era cercado pelos outros.
Os romanos costumavam desprezá-los e não conseguiam ter a exata compreensão sobre eles. Mas mesmo assim havia alguma interação entre os romanos e os outros.
Quem eram esses outros que cercavam o Império Romano:

👉PERSAS: No leste, havia o Império Persa, governado pela dinastia Sassânida (220-640). Localizava-se na Eurásia Centro-Ocidental. A tensão com a Pérsia era constante. Em 363, o Imperador Juliano invadiu o que hoje é o atual Iraque e que em 363 d.C. pertencia ao Império Persa. A invasão romana foi obstada e repelida. Nos anos de 614-628, foi a vez do Império Persa passar para a ofensiva, conquistando o oriente romano, mesmo que temporariamente.

"...era quase tão grande quanto o Império Romano, estendendo-se a leste para a Ásia Central e para o atual Afeganistão."
(página 86).

A religião do Império Persa era o Zoroastrismo. Tinha ainda minorias cristãs e judaicas.

👉 BERBERES: Os outros 'barbari' (bárbaros) estavam no sul do Império Romano, na África. Eram tribos nômades e seminômades que falavam a língua berbere.

👉BRITÂNIA: Na Bretanha, os romanos se viam cercados pelos Pictos no Norte e pelos irlandeses no Oeste

👉GERMANI: Os romanos viam os povos que ficavam nas fronteiras dos rios Reno e Danúbio como um bloco único, denominando-os de Germani. Mas não eram um bloco único. Os povos que ficavam nas fronteiras dos rios Reno e Danúbio eram:

- Francos: baixo Reno (século IV)
- Alamanos: centro e baixo Reno (século IV)
- Godos: baixo Danúbio e noroeste das estepes do que hoje é a Ucrânia (século IV)
- Frísios: moderna Holanda
- Saxões: norte da Moderna Alemanha
- Vândalos ou Lombardos: leste
- Quados: viviam no que hoje são Eslováquia e Hungria. Prováveis descendentes: Suevos e Rúgios

"A transformação dos Quados é apenas um exemplo, dentre vários, de uma característica crucial de todas essas comunidades tribais: elas eram muito mutáveis."
(página 88)

nenhuma delas era constituída de grupos étnicos unidos, todas consistiam em tribos menores, cada uma com um líder específico
numa guerra, esses líderes podiam unir suas forças, criando uma confederação

"Isso encaixa na descrição dos alamanos das décadas de 350 a 370, segundo Amiano, cujos 7 reis (reges) se uniram para combater Juliano, em 357, sob o comando de Conodomário e seu sobrinho Serápio, os quais também eram apoiados por 10 líderes menores, 'regales', além de aristocratas de várias 'nationes'. Será que todas essas 'nationes' sequer pensavam em si como alamanos, ou será esse, assim como germânicos, apenas um termo romano para uma realidade muito mais incipiente?"
(página )

Esses 'outros' formavam sociedades de camponeses, vivendo da agricultura, exceto os nômades Berberes do Saara), vivendo em Vilas, com a elite geralmente vivendo ao lado dos agricultores. Eram sociedades assentadas e estáveis; normalmente não se deslocavam. O contato dessas tribos com os romanos pode ter levado ao enriquecimento de seus líderes. Achados arqueológicos encontraram líderes bárbaros enterrados ricamente, ao lado de manufaturas romanas. Os ricos entre os bárbaros estavam se tornando mais ricos.

"Os romanos comercializavam para além das fronteiras; também empregavam 'bárbaros' como soldados pagos, em todos os séculos."
(página 89)

FRONTEIRAS MAIS CRÍTICAS PARA OS ROMANOS:

As fronteiras mais criticas estavam no norte da Gália e nos Balcãs. Tornaram-se regiões militarizadas. Bárbaros, como anotamos, eram usados no exército romano. Bárbaros eventualmente também podiam ser assentados no lado romano. Do outro lado da fronteira, os bárbaros começaram a emular a hierarquia romana em seus territórios. Lentamente, as sociedades romana e 'bárbara' tornavam-se semelhantes.

"Esse tipo de observação tem sido utilizado por alguns historiadores recentes  como base para o argumentos de que nada realmente mudou quando os 'bárbaros' entraram no Império Romano nos século V, e substituíram a metade ocidental com seus próprios reinos. Havia muito tempo que os imperadores se originavam, em grande parte de famílias militares das fronteiras; os estados sucessores tinham reis de um tipo similar, apenas vinham de mais além da fronteira."
(página 90)

"Esse é um argumento melhor do que o tradicional, que apela para ondas de germanos migrantes que foram dominando os enfraquecidos (porque barbarizados) exército e estado romano, mas também vai longe demais."
(página 90)

HUNOS:

Povo nômade da Ásia Central. Ancestrais dos mongóis. Dizia-se que comiam carne crua, viviam no lombo de cavalos. Eram grandes guerreiros. Em seu avanço para o oeste, os hunos empurraram outras tribos para a fronteira romana. Os Tervíngios, uma tribo gótica, empurrados pelo avanço huno, tentou entrar no Império Romano, em 376. Outras tribos ficaram ao norte do Rio Danúbio, aceitando o domínio huno.

FRONTEIRAS ROMANAS FORÇADAS POR MIGRANTES:

Dois séculos antes dos Hunos, as fronteiras romanas já eram forçadas por migrantes. Essa situação podia resultar em:
- as tribos eram derrotadas e escravizadas
- absorvidas pelo Império
- repatriadas/conduzidas de volta

Havia casos de Tribos que realmente pediam asilo aos romanos. Num caso, os Godos foram aceitos nos Balcãs. Mas eles foram maltratados pelos romanos, de forma que se revoltaram e depois derrotaram um exército romano em Edirne (Adrianópolis, atual Turquia) em 378. Valente, Imperador Oriental (364/378), comandava o exército romano que foi derrotado. Na sequência, Godos e Romanos fizeram as pazes.

Os Godos
 "Por volta de 394, estavam lutando no exército romano do Oriente, contra um usurpador ocidental colocado por Arbogasto. Todavia, eles não se tornaram romanos, e permaneceram como um agrupamento étnico separado, o primeiro grupo dentro do Império Romano a fazê-lo."
(página 92)

INTERPENETRAÇÃO:

Os romanos não souberam usar essa interpenetração a seu favor. Em 405/406, mais bárbaros empurrados pelos Hunos forçavam as fronteiras do Império Romano. Alguns conseguiam entrar. Mas os romanos não souberam lidar com esses migrantes; não conseguiram cooptá-los para a sua causa. A entrada desses elementos não tinha "que ir, de forma alguma, contra as estruturas romanas de poder e, no Oriente, não ia." (página 92)

Mas erros políticos foram cometidos pelos romanos ao lidar com essas ondas migratórias. "a inaptidão estratégica diante de uma situação política em constante mudança, por fim, contribuiu para afundar a metade Ocidental do Império Romano." (página 92)


ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "O LEGADO DE ROMA, ILUMINANDO A IDADE DAS TREVAS, 400-1000, CHRIS WICKHAM, EDITORA UNICAMP, imprensa oficial Governo do Estado de São Paulo, capítulo 1, o Peso do Império.



quinta-feira, 2 de abril de 2020

Henrique VIII Morte de Jane Seymour Herdeiro Eduardo Ana de Cleves Queda de Thomas Cromwell A Traição de Catarina Howard Vitória Inglesa em Solway Moss O último casamento com Catarina Parr



CONSIDERAÇÕES SOBRE UM CASAMENTO REAL:

Buscar uma mulher para contrair núpcias com o rei importava várias considerações. Era preciso ver se a mulher agradava Henrique. Havia a questão diplomática e por fim a necessidade de se conseguir um filho legítimo e saudável, para dar prosseguimento à Dinastia Tudor. 

AS PRIMEIRAS ESPOSAS DE HENRIQUE VIII:

A Primeira esposa de Henrique foi Catarina de Aragão. 

"Na década de 1530, em ataque direto à Igreja Católica, anulara a união com a primeira mulher, Catarina de Aragão, argumentando com a incerta consumação do casamento dela com o seu irmão mais velho, Artur, antes de este morrer aos 15 anos, de tuberculose, em 2 de abril de 1502, menos de cinco meses depois de casarem"
(página 19)

Depois veio Ana Bolena, que foi decapitada em 19 de maio de 1536.
O esperado herdeiro, Eduardo,  veio finalmente em outubro de 1537, por meio da terceira esposa de Henrique, Jane Seymour. 

"Jane morreu passados doze dias, pouco antes da meia-noite, de febre puerperal e septicemia provocadas por uma infecção contraída durante os dois dias e três noite de trabalho de parto..."
(página 20)

Tão logo Jane morreu, começaram as negociações para um quarto casamento para Henrique VIII. Era necessário um novo casamento para que Henrique tivesse um herdeiro sobressalente, herdeiro estepe, caso Eduardo viesse a falecer, numa das inúmeras pestes e febres que atormentavam os londrinos. Havia também a necessidade diplomática. Num primeiro momento, cogitou-se numa esposa francesa, de forma a impedir a união entre as monarquias católicas espanhola e francesa, que poderia se voltar contra a Inglaterra. Buscou-se então uma francesa para Henrique. Vários nomes foram cogitados para depois serem descartados. Nesse meio tempo, o comportamento de Henrique causou um desconforto na corte francesa, pois aquele manifestou seu desejo de viajar para Calais, possessão britânica em território francês, para pessoalmente passar em revista uma seleção de várias francesas, da quais escolheria uma para ser sua rainha. Os franceses sentiram-se ofendidos com essa proposta de Henrique.

"Henrique tinha receio de escolhas que não fossem atraentes, do ponto de vista físico. Por conseguinte, pediu para ser ele próprio a inspecionar sete ou oito princesas francesas, numa marquesa montada na fronteira entre a França e a sua possessão inglesa em Calais, antes da opção final para noiva. Embora fossem devidamente acompanhadas pela rainha francesa, o rei, Francisco I, sentiu-se ultrajado com o pedido e mandou Castillon comunicar a Henrique, em agosto de 1538: 'Não é costume da França mandar donzelas de famílias nobres e principescas para serem vistas como se fossem cavalos para venda' "
(página 21)

"Outros métodos de seleção real mais aceites, que envolviam ponderados relatos diplomáticos sobre a conformidade e aparência, foram firmemente rejeitados por Londres, insistindo Henrique: 'Por Deus! Não confio em ninguém que não em mim. A coisa toca-me de mais. Desejo vê-las e conhecê-las antes de decidir.' "
(página 21)

Mas o esperneio de Henrique VIII de nada adiantou. Ele teria que acreditar no julgamento de terceiros, em pinturas (quadros pintados com a imagem da candidata) para encontrar a sua quarta esposa.
E a ocasião surgiu quando França e Espanha estabeleceram um tratado em 18 de junho de 1538, que obrigou a Inglaterra a arranjar uma esposa numa casa principesca protestante alemã, de forma a evitar o isolamento da Inglaterra na política europeia.

"A 18 de junho de 1583, a França e a Espanha acordaram um rapprochement diplomático, assinado em Nice tréguas para dez anos. Pressionado pelo Papa, Paulo III, planejaram uma ação coordenada contra a heresia religiosa, começando com um embargo comercial. Parecia agora provável a invasão da Inglaterra pelos poderes católicos..."
(página 24)

A escolhida então foi Ana de Cleves, "de 24 anos, vinda de um lugarejo ducal do Baixo Reno." (página 24)

Era uma das duas irmãs solteiras do Duque Guilherme. As negociações chegaram ao fim e o casamento entre Ana de Cleves e Henrique VIII foi acertado à distância. Henrique VIII teve que confiar num retrato pintado de Ana, em depoimentos de enviados. Seria um voo às cegas. 
Em 11 de dezembro, Ana de Cleves, vinda de Dusseldorf, chegou a Calais, onde aguardaria o melhor momento para atravessar o Canal da Mancha. 

O RECEIO DE DIZER A VERDADE AO TODO-PODEROSO HENRIQUE VIII. NÃO ERA BOM NEGÓCIO SER O PORTADOR DE MÁS NOTÍCIAS PARA UM SOBERANO ABSOLUTISTA.O DESCONTENTAMENTO PODERIA IR ALÉM DA NOTÍCIA EM SI E ABARCAR AQUELE QUE APENAS A TRANSMITIA:

O Conde de Southampton, então Lorde Almirante-mor, fora o designado para fazer a travessia do Canal da Mancha, levando Ana de Cleves para a Inglaterra. O Conde mandou uma carta a Henrique elogiando sua recém adquirida esposa alemã. O que mais ele poderia fazer? "Mas quem poderia culpar Southampton pela ânsia de agradar ao seu real senhor, 'o Nero inglês?' Habitualmente, o portador de más notícias para o todo-poderoso pagava um preço pouco invejável e ele não via motivo razoável para por à prova o instável temperamento de Henrique."
(página 25)

Ana de Cleves desembarcou na Inglaterra em 27 de dezembro de 1539. Henrique VIII estava ansioso para conhecê-la, decidindo então fazer uma visita surpresa para ela.

"O rei voltava a ser um jovem ardente e amante; deixava para trás o velho monarca que, chegado aos 48 anos, com as pernas gravemente ulcerosas e doloridas, há muito tivera o seu auge."
(página 26)

"O primeiro vislumbre de nova rainha deixou Henrique assombrado de espanto e desconcertado (...) Parecia mais velha para a idade, faltava-lhe sem dúvida a beleza anunciada e tinha o rosto pálido desfigurado por cicatrizes de varíola."
(página 27)

Ao voltar de sua visita surpresa a Ana de Cleves, Henrique VIII lamentava a sua falta de sorte, dizendo:

"Ai de mim! Em quem deve um homem confiar? Juro-te que nada vejo nela do que me mostraram e apoquenta-me que lhe tenham elogiado como fizeram. Pois que dela não gosto."
(página 27)

Desesperado, Henrique perguntava a seu Ministro Chefe, Thomas Cromwell, se não havia um jeito de se desvencilhar daquele casamento. Cromwell não encontrava saída jurídica para atender seu chefe. Não era uma boa situação para Cromwell. Se você trabalhava para um Monarca Absolutista e não conseguia fazer valer os desejos dele, você estaria em péssima situação. Henrique ainda iria descontar sua fúria nas pessoas que, na visão dele, o tinham orientado mal sobre as negociações que desembocaram no casamento com Ana de Cleves.
Mas não havia remédio para Henrique, que se viu obrigado a casar com Ana de Cleves, em 6 de abril de 1540. 

CASAMENTO NÃO CONSUMADO:

Henrique VIII não sentia nenhuma atração por Ana, de forma que não conseguiu consumar o ato. 
Sir Thomas Heneage, o camareiro da Latrina Real, comentaria depois:

"Por todas as vezes que Sua graça (o rei) com ela se deitou, reclamou sempre e disse claramente que não confiava que fosse donzela, pelos seios descaídos e outras características. Além disso, não conseguia ter apetite por ela para fazer o que um homem deve fazer com a sua mulher, pelos ares tão desagradáveis que nela sentia."
(página 29)

HENRIQUE VIII QUERIA ACHAR UMA FORMA DE SE LIVRA DE ANA DE CLEVES:

Nessas circunstâncias, Henrique VIII teria que se livrar de Ana. As pessoas que o cercavam teriam que achar uma solução. Henrique não aceitava nada que não fosse o atendimento de seus desejos.

"Wriothesley, muito lamentando que sua majestade se mostrasse tão incomodado, pressionou o amigo Cromwell - por amor de Deus - para congeminar um estratagema no sentido de livrar o rei da mulher não desejada, pois se ele continuar com sua dor e infortúnio, todos eles um dia haveriam de sofrer com isso. Cromwell, sem qualquer esperança, só conseguiu responder: 'Sim! Como?' "
(página 30)

O primeiro a cair em desgraça foi Thomas Cromwell que, do nada, de Ministro-Chefe de Henrique VIII, tornou-se 'traidor". Cromwell foi preso em 10 de junho de 1540.
Cromwell prestou muitos serviços valiosos a Henrique VIII. Foi arquiteto da Dissolução dos Mosteiros, esteve ao lado de Henrique quando esteve brigava com o Papa. Tinha sido até agraciado com a Ordem da Jarreteira, uma grande honraria, concedida a quem tinha prestado valiosos serviços ao Estado (rei). Mas bastou um fracasso ( não achar uma saída para anular o casamento de Henrique com Ana de Cleves), para torná-lo 'traidor'. A vida na Corte de Henrique VIII era incerta, era como andar sobre areia movediça.

"Cromwell, conspirador-mor e arquiteto da Dissolução dos Mosteiros, que tão frutuosa se revelou em termos financeiros, esperara tempo de mais para se conseguir salvar. Pagaria com a vida um dos poucos fracassos de entre todos os serviços zelosos que prestou ao rei."
(página 31)

Cromwell foi condenado sem julgamento, por Ato de Proscrição, em 29 de junho. Henrique aproveitou para confiscar o patrimônio de Cromwell. Dinheiro e móveis em valores superiores a 6 milhões de libras (em valores de 2004) foram levados para o cofre do rei. Havia ainda títulos de terras e outros rendimentos. Era uma herança inesperada para o rei. 

O CASAMENTO DE HENRIQUE VIII E ANA DE CLEVES SERIA ANULADO:

"O casamento iria ser anulado pelos seus dois Arcebispos, seis bispos e cento e trinta e nove acadêmicos ilustres, com o sútil argumento legal de que Henrique não o consumara (pois sabia que estava fora da lei), devido ao esquivo pré-contrato com Francis de Lorraine."
(página 31)

Ana de Cleves, quando era criança, teriam em nome dela estabelecido um pré-contrato de casamento com Francis Lorraine. Ana tinha 12 anos e Francis tinha 10 anos. Tal acordo seria abandonado e esquecido. Mas Henrique VIII achou uma forma de desenterrá-lo para justificar a anulação de seu casamento. Os advogados de Ana dizia que o contrato não tinha validade, pois Ana era menor quando o assinou. Mas isso não importava para Henrique que queria apenas achar qualquer argumento para acabar com o seu casamento.

COMPENSAÇÕES PARA ANA DE CLEVES E PARA SEU IRMÃO, O DUQUE DE CLEVES:

Ana ficaria na Inglaterra, usufruindo de uma gorda pensão e sendo tratada como boa irmã do rei e primeira dama de toda a Inglaterra. Ana anuiu aos termos do acordo, até porque não tinha alternativa, sabedora como ela era dos métodos de Henrique, já conhecido por ter mandado cortar a cabeça de Ana Bolena. 
Em 6 de julho o casamento tinha sido desfeito. Ana ainda escreveu uma carta (provavelmente ditada pelos funcionários de Henrique) a seu irmão, Guilherme, para que aceitasse o acordo e não viesse a criar problemas com a Inglaterra. 
Henrique VIII estava mais uma vez livre.

"E quanto a Henrique, tratava-se de fim mais limpo e mais conveniente de qualquer dos seus casamentos. E resolveu-se em seis dias apenas em vez dos seis desconfortáveis anos que levou a livrar-se de Catarina de Aragão."
(página 35)

 HENRIQUE VIII E CATARINA HOWARD:

Henrique agora que se casar com Catarina Howard, prima direta de Ana Bolena e sobrinha do reacionário Thomas, terceiro duque de Norfolk. Era filha de Lorde Edmund Howard, filho do segundo duque de Norfolk. A pessoa mais importante de sua família era seu tio Thomas Howard, "que sucedeu ao pai no título em 1524, era soldado, conde-marechal e Lorde tesoureiro-mor da Inglaterra, terceiro posto mais importante do reino. Era também um dos líderes da facção dos conservadores religiosos."
(página 37)

Conservadores religiosos: Thomas Howard, aliado de Gardiner, bispo de Winchester, sonhava com o retorno da Inglaterra à religião tradicional, com uma reconciliação com Roma. 

28 DE JULHO DE 1540: CROMWELL DECAPITADO E HENRIQUE VIII CASA-SE COM CATARINA HOWARD:

A alegria de Henrique VIII duraria pouco. Mais uma sobrinha de Thomas Howard iria decepcioná-lo. A primeira fora Ana Bolena. Agora seria Catarina Howard, cujas provas sobre sua promiscuidade se avolumavam de forma estonteante.

CATARINA HOWARD, A RAINHA PROMÍSCUA:

Para imensa infelicidade de Henrique, provas e mais provas eram colhidas e todas elas apontavam que a sua atual esposa, Catarina Howard, era uma promíscua, antes e provavelmente depois do casamento. Para piorar ainda mais a situação, a rainha tinha traído Henrique com um sujeito de nome Culpeper, que tinha começado a vida na corte como pajem, ascendido à posição de criado e, finalmente, promovido a fidalgo da Câmara Privada do rei, o que lhe dava acesso privilegiado à pessoa do Soberano.
Não eram apenas Catarina, Culpeper e Henrique que estavam arrasados com toda essa história (saude célebre). Thomas Norfolk, tio de Catarina, estava arrasado. Via todos seus planos políticos se desmancharem de uma hora para outra. Ana Bolena e agora Catarina o colocavam numa situação extremamente difícil. A sua casa (de Norfolk) poderia ser alvo da fúria de Henrique.
Thomas chegou a escrever uma carta a Henrique, dizendo-se escandalizado com a conduta de Catarina e dizendo-se totalmente fiel a ele. Thomas temia o futuro de sua casa, a de Norfolk. Temia que a fúria de Henrique se voltasse para ela.
Carta de Thomas a Henrique:

"Prostrado a vossos pés reais, imploro a vossa majestade com toda a humildade que assim eu possa, caso seja de vossa agrado, ser advertido (informado) claramente de como se inclina vossa alteza em relação a mim. Dando garantias a vossa alteza que a menos que saiba que vossa majestade continua a ser o meu bom e gracioso Senhor, como éreis antes de cometidas as ofensas, não voltarei a desejar viver neste mundo."
(página 49)

Thomas estava morrendo de medo, ansioso por saber como Henrique VIII o via depois de mais uma sobrinha dele (de Thomas: Ana Bolena e agora Catarina) ter aprontado contra o rei. Enquanto não soubesse, ficaria numa ansiedade sem fim. E ainda diz que prefere morrer a perder a graciosidade de seu Senhor. Esse era poder que um Monarca Absoluto exercia sobre seus súditos, mesmo aqueles que também tinham poder, como no caso de Norfolk.
Norfolk não demoraria a perceber que a sua influência na Corte de Henrique VIII tinha acabado. 

CATARINA INCONSEQUENTE:

Catarina era inconsequente. Mandava cartas de amor para Culpeper. Uma dessas cartas (billet doux) foi encontrado em uma revista realizada no quarto de Culpeper, em Westminster. Dizia uma parte da carta:

'Entrego-me a vós de todo coração, suplicando-vos que me mandeis novas sobre o vosso estado de saúde. Soube que estivestes doente e nunca desejei não tão ardentemente como ver-nos. Morre-me o coração só de pensar que não posso estar sempre na vossa companhia."
(página 47)

Catarina ainda assinava essa carta com esses dizeres:

"Vossa, enquanto durar a vida, Catarina."
(página 48)

Coitado de Henrique VIII tendo acesso a esse material probatório. Ele tinha sido traído. 

CATARINA HOWARD PERDE O TÍTULO DE RAINHA:

Em 22 de novembro de 1541, Catarina perdeu o título de rainha da Inglaterra. Em 10 de dezembro de 1541, Culpeper foi decapitado.
Em 11 de fevereiro de 1542, Catarina Howard foi condenada à morte por traição.

"...morreu, piedosamente, com um golpe de machado que separou a outrora frívola e tonta cabeça do seu corpo jovem."
(página 51)

"Era o fim do quinto casamento de Henrique e o corpo da mulher foi enterrado na Igreja de São Pedro de Vincula, no interior da Torre de Londres, ao lado de Ana Bolena, a segunda mulher de Henrique, executada quase cinco anos antes."
(página 51)

HENRIQUE VIII, 51 ANOS, GORDO E DE SAÚDE DÉBIL. UMA PERNA ULCEROSA:

Depois do caso Catarina Howard, o Parlamento inglês estabeleceu legislação dizendo que seria ofensa de traição uma mulher casar com o rei escondendo um "eventual passado menos casto." (página 51)
Chapuys, embaixador espanhol na corte de Henrique VIII, conhecedor da flexibilidade moral sexual naquela corte, ao saber da recente lei aprovada pelo Parlamento inglês, comentou:

"Hoje, são poucas, se algumas, as damas da corte que aspiram a honra de se tornar uma das mulheres do rei ou desejar que para tal sejam escolhidas." 
(página 51)

Depois da traição de Catarina, Henrique, aos 51 anos, com uma saúde débil, com uma perna ulcerosa, afogou suas mágoas na comida. Engordou ainda mais. Mas uma notícia iria animar Henrique: a vitória inglesa sobre os escoceses, em Solway Moss, em novembro de 1542. Dias depois, o rei escocês, James V, morreu, deixando uma filha, Maria.
Rememorando: 1542/1543: Henrique VIII tinha duas filhas e um filho. As filhas eram Maria, de seu casamento com Catarina de Aragão, e Isabel, de seu casamento com Ana Bolena. E tinha um filho, Eduardo, com Jane Seymour. Eduardo tinha quase 5 anos, Maria era a mais velha, com 26 anos e Isabel tinha 8 anos e meio. 

HENRIQUE VIII SAI DA TRISTEZA E VAI ATRÁS DE SUA 6º E ÚLTIMA ESPOSA:

Em 1543, Henrique deixa a tristeza de lado e volta a festejar. Sua filha mais velha, Maria, tornou-se anfitriã nos Palácios do pai.

CATARINA PARR:

Catarina Parr seria a sexta e última mulher de Henrique VIII. Era filha de um poderoso magnata do Norte, Sir Thomas Parr, de Kendal, no Cumberland. Tinha sido casada duas vezes, enviuvando duas vezes. Não teve filhos com seus maridos. Seu último marido morreu em dezembro de 1542.
Em fevereiro de 1543, Henrique começou a cortejá-la.

"O que o rei desejava, o rei conseguia."
(página 56)

"Embora grotescamente obeso e a sofrer com as feridas dolorosas e pestilentas das pernas, o vaidoso Henrique ainda acreditava que sabia dar a volta a uma mulher."
(página 57)

Henrique ainda usou de compadrio para trazer a família de Catarina Parr para o seu lado. O irmão dela, William barão Parr de Kendal, foi feito membro do Conselho Privado, e recebeu ainda a honraria como Cavaleiro da Ordem da Jarreteira e ainda "nomeado como guarda dos marches escoceses, territórios fronteiriços onde brilhava aquando das últimas campanhas militares contra o irascível vizinho da Inglaterra."
(página 57)

JULHO DE 1543. O DERRADEIRO CASAMENTO DE HENRIQUE VIII:

Henrique VIII casa-se com Catarina Parr.


ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "OS ÚLTIMOS DIAS DE HENRIQUE VIII, CONSPIRAÇÕES, TRAIÇÕES E HERESIAS NA CORTE DO REI TIRANO, ROBERT HUTCHINSON, EDITORA CASA DAS LETRAS, capítulo 1, Uma Honra Perigosa, páginas 19/62.