domingo, 22 de março de 2020

Rus Rurikid Moscóvia Império Russo Romanov



PODERES EM EXPANSÃO:

Século XV: Moscóvia - Expansão para o Leste
Século XVII: China reunificada sob a dinastia Qing
▶Entre a Moscóvia e a China, os mongóis e outras tribos nômades em busca de pastagens e disputando com vizinhos sedentários o monopólio de comércio e em meio a tudo isso ainda havia a disputa pela liderança supra-tribal.
Simultaneamente, na ponta ocidental da Eurásia, Soberanos se expandiam às custas de outros soberanos e para fora do continente. Como exemplo, Espanha e Grã-Bretanha lançaram-se ao Oceano.

RÚSSIA:

"Comparado com a China, a Rússia era um estado embrionário e improvável"
(página 246)

A Rússia embrionária era formada por florestas entre os rios Dnieper e Volga, região formada por uma população andarilha, dispersa e clã principescos, à qual nenhuma grande potência dava importância. Era uma vantagem ser deixado em paz, não ser ambicionado por nenhum outro poder. O nome Rússia provém de príncipes guerreiros que no século IX fundaram Kiev. Os rus (escandinavos) ligaram o Mar Báltico ao Rio Volga, o Mar Cáspio ao Rio Don, chegando ao Mar Negro e retornando ao norte pelo Rio Dnieper. Os rus enriqueceram e criaram um Estado às margens do Rio Dnieper, em Kiev. Os príncipes Rus eram chamados de Rurikids, os filhos de Rurik
Criou-se um mito fundador segundo o qual foram as tribos eslávicas que convidaram Rurik (Riurik) e seus irmãos para governar suas terras, promovendo a paz. Esse era o mito do grande líder de uma terra distante que chega para criar a manter a paz. Era um elemento da imaginação imperial da região.
Principais cidades das Terras Rus: Novgorod, Pskov, Kiev, Riazan, Suzdal, Vladimir.

RELIGIÃO NA RÚSSIA EMBRIONÁRIA:

No início, os Rus, assim como os eslavos ao seu redor, eram politeístas. Vladimir, o maior líder "Rus" (980-1015), voltou-se para o monoteísmo. Vladimir rejeitou o judaísmo por essa religião ser de um povo derrotado que tinha perdido o seu Estado. Rejeitou o Islã porque esta religião proibia o uso da bebida alcoólica. Sobraram o Cristianismo de Roma e o Cristianismo de Constantinopla. Qual religião seria escolhida por Vladimir? Vladimir optou pelo Cristianismo de Constantinopla e se casou com a filha de um Imperador Bizantino. Clérigos Bizantinos batizaram o povo de Kiev no Rio Dnieper em 988.

-O islã proibia o álcool.
-O cristianismo proibia a poligamia. Mas Vladimir tinha muitas mulheres.
-Vladimir optou então cristianismo de Constantinopla

"Os motivos de estado devem ter prevalecido, (...). Ou talvez o álcool tenha prevalecido em relação ao sexo."
(página 247)

Foi adotado o alfabeto cirílico para difundir o cristianismo oriental entre os súditos eslavos de Vladimir. Bizâncio havia abandonado a posição romana (catolicismo romano) segunda a qual somente o Latim era digno de expressar as palavras de Deus. O Cristianismo multi-linguístico adotado por Bizâncio se adequou à sua estratégia imperial.

Mas a religião sozinha não seria suficiente para a construção de um Império.

KIEV:

Era a joia da coroa. A sucessão era lateral, de irmão para irmão. Um irmão ficava com Kiev e os outros ficavam com outros principados de menor importância, rodeados por um séquito armado formado por seus seguidores (dependentes).
Sucessão Lateral: De irmão para irmão. Um irmão ficava com a joia da Coroa, Kiev, e os outros dividiam entre si os principados restantes. Cada um deles tinha um séquito armado formado por seus dependentes, clientes. Esse sistema de rotação gerava conflitos, com disputas sucessórias contínuas. Essas disputas enfraqueciam a terra dos Rurikids. Para piorar, em 1204, Bizâncio (Constantinopla), que era o maior parceiro comercial de Kiev, foi arrasada por uma Cruzada. Isso causou uma decadência na terra dos Rurikids. E a pá de cal foi a invasão dos mongóis, que conquistaram os principados Rus, finalizando com a maior conquista, em 1240, o Principado de Kiev. Em 1242, Batu, o líder mongol, foi obrigado a retornar à Mongólia para a eleição de um novo Khan. Na ausência dos mongóis, os príncipes rus voltaram a brigar entre si e contra outros inimigos externos. No norte, Alexandre Nevsky, líder das cidades do norte, Novgorod e Pskov, conseguiu impedir uma invasão sueca em 1240 e dos cavaleiros teutônicos em 1242.
Resolvidas as questões sucessórias, os Mongóis retornaram às terras do Rurikids. Batu assumiu o comando do Canato Quipchaco, renomeando-o depois para Horda Dourada.

HORDA DOURADA:

Capital: Sarai, no rio Volga.
Controlava as rotas comerciais. Exercia poder sobre Kiev, Vladimir e a futura Moscou.
Os príncipes rurikids sobreviventes tornaram-se vassalos dos Mongóis. Como vassalos, os príncipes rurikids recolhiam impostos para os mongóis e competiam entre si para ver quem seria o príncipe mais poderoso. Esses príncipes viviam numa parte da Horda Dourada (ocidental) coberta por florestas, que não despertava o interesse dos mongóis, que simplesmente repassavam a sua administração aos príncipes Rurikids locais, que administravam essas áreas em nome dos mongóis.
Sem querer, os mongóis davam uma segunda chance para o nascimento de um Império Rus, que poderia brotar nas terras que compunham a parte ocidental da Horda Dourada, sob o governo de algum desses príncipes Rurikids.
Para que um Príncipe Rus pudesse exercer a sua autoridade, ele tinha que ir à cidade de Sarai, a capital da Horda Dourada. Ali, jurava lealdade ao Khan, trazia presentes (escravos, prata, peles de animais). A subserviência não era uma escolha. Quem não era subserviente ao Khan, era executado.
Membros de famílias de príncipes Rurikids se casavam com membros da Corte do Khan. Quando um príncipe Rirukid recolhia impostos par ao Khan, era autorizado a reter uma parte para si. Uma outra concessão do poder mongol foi a autorização para que a Igreja Ortodoxa continuasse a funcionar.

MOSCOU/MOSCÓVIA:

Moscou localizava-se no ponto de convergência de três trajetórias imperiais:

-Dos Bizantinos receberam a religião
-A legitimidade do Príncipe de Moscou vinha de seus ancestrais Rus (Rurikids)
-Dos mongóis aprenderam a administrar e explorar uma população dispersa

 A DOMINAÇÃO DE MOSCOU:

Os príncipes de Moscou (século XIII) eram servos leais dos mongóis. Um servo leal a um Khan Mongol devia exercer os devidos rituais, comprar sua boa vontade e fornecer soldados para as campanhas do Khan. Os príncipes de Moscou seguiram isso e por isso superaram seus concorrentes rus pelo domínio da Rússia. 
Os príncipes de Moscou também expandiram o seu território tomando para si os territórios de outros príncipes rus (rurikids). Um território maior significava uma arrecadação de tributos maior. Moscou também usava casamentos com membros da corte do Khan e de outros príncipes Rus como forma de aumentar o seu poder.
Outra vantagem de Moscou: seus príncipes viviam muito e tinham poucos filhos, de forma que puderam romper com o hábito de dividir seus territórios entre seus filhos - um processo que havia fragmentado a elite de Kiev.

DECADÊNCIA DO DOMÍNIO MONGOL:

1395: Tamerlão destrói Sarai, a capital da Horda Dourada. A Horda Dourada então foi dividida em 4 pedaços em meados do século XV:
✔Astracã
✔Crimeia
✔Kazan
✔Canatos menores remanescentes

Em 1492, os Khan deixaram de nomear o grande príncipe de Moscou.
Com esse declínio do Império Mongol, os russos, nos séculos XV, XVI e XVII, passaram a se expandir territorialmente, criando um Império Multi-Confessional e Multi-Étnico. Nessa mesma altura, Inglaterra, Holanda, França, Portugal e Espanha participavam da expansão ultramarina. 

EXPANSÃO DE MOSCOU:

Expansão de Moscou era obstruída, ao sul, pelos Otomanos, a oeste, pelos Poloneses/Lituanos. E no norte havia os livônios, os suecos e também os poloneses. Para Moscou, no início de sua expansão, o caminho mais fácil estava no leste, penetrando na Sibéria atrás do comércio de Peles. A sudeste, descendo pelo Rio Volga, em direção à Ásia Central, com o objetivo de controlar rotas comerciais lucrativas. No ano de 1552, seguindo na direção leste, Ivan, o Terrível, conquistou a cidade de Kazan, no Rio Volga. Mais terras significavam mais arrecadação de impostos e o Rio Volga era estratégico no faturamento comercial. Mas Moscou (Moscóvia) continuaria a crescer ou desmoronaria sob o peso de rixas violentas na luta pelo poder? A mesma luta pelo poder que destruiu domínios dinásticos na Eurasia. 
O desafio de quem governava era como manter as elites leais à uma soberania dinástica. Com Moscou não seria diferente. 

"Com o tempo, os russos desenvolveram formas muito eficazes para atrelar seus intermediários ao soberano."
(página 254)

MÉTODO PARA UNIR AS ELITES AO SOBERANO:

Inovação dos Príncipes Moscovitas: Estender a prática de alianças matrimoniais às elites que integravam seu regime. Um conselho de Boiardos (eram as elites russas) assessorava o governante moscovita. O grande Príncipe Moscovita se casava com mulheres de clãs subordinados, e não com mulheres estrangeiras. 

"Essa prática enxertava famílias inteiras na dinastia, garantindo um interesse vital pelo regime."
(página 255)

Os Moscovitas também imitavam os Khans, concedendo terras às elites, em troca de lealdade absoluta regime.
O Príncipe da Moscóvia tinha a posse soberana de todos os recursos. De posse desses recursos (terras), ele os repassava, concedia-os condicionalmente. 
As elites de Moscou então ficavam atreladas ao Grão-Príncipe de Moscou por meio de:
-Casamentos
-Concessões de Terras

GRÃO-PRÍNCIPE DE MOSCÓVIA E O POVO:

A ideia era que o Grão-Príncipe de Moscóvia proporcionava proteção para o povo. Ao mesmo tempo, o cristianismo oriental ligava o povo ao Grão-Príncipe ( a religião funcionava como uma ideologia do Estado). 
A Igreja Ortodoxa Russa era como um poder oculto por trás do trono de Moscóvia. E com a queda de Constantinopla em 1453, Moscou poderia se candidatar como a nova sede da Ortodoxia. O prelado metropolitano de Moscou se tornou o Patriarca da própria Igreja Ortodoxa Oriental da Rússia. 

NARRATIVA CRIADA POR MOSCOU PARA LEGITIMAR O SEU PODER. MOSCÓVIA, A TERCEIRA ROMA.

Para fortalecer ainda mais Moscou (Moscóvia), criou-se a narrativa segundo a qual os grãos-príncipes haviam recebido sua autoridade dos Imperadores Bizantinos e que eram descendentes de Augusto César. Moscou seria a terceira Roma. Em 1547, Ivan IV, o terrível, assumiu o título de Czar, ou César, vinculando-se ao passado glorioso romano. 
A Moscóvia era uma comunidade cristã unida pela ortodoxia, conduzida por um autocrata, o Czar, e guiada pela Igreja Ortodoxa. 

IMPÉRIO RUSSO:

Amalgama do Império Bizantino com o Império Mongol. 

Do Império Bizantino os russos herdaram:
-a religião ortodoxa, 
-o título de Czar (César)
-o título de Autocrata (palavra bizantina que designava um governante completo)

Do Império Mongol, os Russos herdaram:
-Em 1550, Ivan IV convoca um conselho da terra, uma espécie de KURULTAI Mongol, para estabelecer um novo código de leis.
-Como administrar um Império extenso com um povo disperso

Ivan, IV, o terrível, era Khan, César e um servo de Deus.

PILARES QUE SUSTENTAVAM O IMPÉRIO RUSSO:

▶Clãs políticos apoiadores do Czar
▶Concessão de terras
▶A Igreja Ortodoxa fornecia uma ideologia unificadora

A Nobreza russa era dependente do Czar. Na Europa Ocidental, de forma diversa, a nobreza tentava conter a fome de poder do rei. Essa dependência da nobreza russa em relação ao Czar incluía o envolvimento no projeto imperial do Estado Russo, com sua expansão territorial e com a concessão de terras obtidas por meio dessa expansão, de forma a ter a lealdade dessa Nobreza. 
Essa expansão territorial para comprar lealdades inevitavelmente iria entrar em choque com os interesses dos países que faziam fronteira com a Rússia. Haveria choques com a Suécia, com a Polônia/Lituânia, com o Império Otomano, Canatos Mongóis e China. 

FIM DA DINASTIA RURIKID:

1598: Morre Teodoro, filho de Ivan IV,  Terrível (Groznyi: o admirável). Era o fim da Dinastia Rurikid. 
A elite, formada pelos Boiardos, escolhe Boris Godunov para ser o novo Czar. Boris era cunhado do falecido Teodoro I (sua irmã tinha se casado com Teodoro I). Mas, apesar desse parentesco, Boris não tinha sangue Rurikid, faltando-lhe então legitimidade dinástica. Esse fato fez nascer uma disputa de poder dentro da elite russa. Essa divisão na Rússia despertou a cobiça da Suécia e da Polônia/Lituânia, que viram nessa divisão uma oportunidade para diminuir o poder da Rússia.

TEMPO DE DIFICULDADES: 1584-1613):

Nasceu com a discussão sobre a ideologia da Descendência Real.
Pessoas se apresentavam dizendo-se filhos legítimos de Ivan IV, com o objetivo de obterem o trono russo. Descobriu-se depois que essas pessoas eram farsantes. Todos os filhos de Ivan IV estavam mortos. 
Depois de muitos conflitos, os Boiardos escolheram Miguel Romanov, proveniente de um clã russo relativamente menor. 

DINASTIA ROMANOV:

A Dinastia Romanov duraria até 1917. De 1613 até 1917! Em 1917, a Dinastia Romanov saiu do poder em razão da Revolução

O GOVERNANTE RUSSO COMPRAVA LEALDADES COM TERRAS E COM SERVOS:

"Tanto os czares como os nobres (boiardos) sofriam com sua incapacidade de manter as pessoas trabalhando em suas terras, porque os camponeses podiam muito bem juntar suas coisas e partir para outros territórios do Império em expansão, onde outros lhe ofereceriam trabalho de bom grado."
(página 258 )

"A restrição de mobilidade dos camponeses deu aos nobres um bom motivo para apoiar o Czar. Mas e quanto aos sacerdotes de alto escalão - os outros intermediários do Império Russo? Os Czares haviam se beneficiado muito da ideologia harmonizadora da Ortodoxia, com seus rituais de acomodação e seus esforços missionários, sem precisar lidar com a autoridade institucionalizada de um Papa romano (como acontecia com os países no Ocidente). Desde a época do protetorado Mongol, contudo, a Igreja possuía suas próprias terras , seus próprios camponeses agricultores, seus próprios Tribunais e, a partir de 1589, seus patriarcas, por vezes, indivíduos de grande importância."
(página 258) 

Em 1649, para conseguir a lealdade dos nobres, a dinastia Romanov criou uma lei proibindo os camponeses de saírem das terras onde viviam. 

UMA PITADA DE EUROPA NA RECEITA RUSSA:

1696: Pedro torna-se Czar da Rússia. 
Inovações europeias de Pedro. Alguns exemplos:
-substituição da cúpula dos Boiardos por um Senado.
-foi esse Senado que proclamou Pedro Imperador, e não a Igreja, em 1721.
-criação da academia de ciência.
-publicação do primeiro jornal da Rússia.

Pedro zombava da Igreja Russa. Queria mostrar que quem mandava era ele, que não iria dividir o seu poder com a Igreja. Substituiu o Patriarca, figura de grande poder, por um Conselho, o Santo Sínodo. A Igreja teve que se resignar ao seu inédito papel de coadjuvante na história russa. 

"Os clérigos, assim como os servidores seculares, reconheceram o poder pessoal do Imperador para proteger , recompensar e punir."
(página 261)

Czar: 
▶Proteger
▶Recompensar
▶Punir

Pedro, em vida, queria nomear seu sucessor. Mas a Nobreza russa tentava sabotar esse plano de Pedro. Era a nobreza que queria decidir quem seria o Czar ou Czarina. 

1725: MORTE DE PEDRO, O GRANDE:

O patrimonialismo (da nobreza russa) triunfou:

"Os nobres recebiam terras e força de trabalho como recompensa por sua lealdade; eles não tentavam se livrar da autocracia, mas antes lutavam para continuar próximos do Imperador ou para manter conexões com os mais altos agentes do Estado."
(página 262)


ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DO LIVRO "IMPÉRIOS, UMA NOVA VISÃO DA HISTÓRIA UNIVERSAL", Jane Burbank e Frederick Cooper, Editora Crítica.

sábado, 21 de março de 2020

Conexões Eurasiáticas Império Mongol China Temujin Gengis Khan Tamerlão



IMPÉRIO MONGOL:

(Temujin) Gengis Khan torna-se líder dos Mongóis no ano de 1206. Pela primeira vez, uma família (dinastia inaugurada por Gengis Khan) unira toda a Eurasia, da China até o Mar Negro.

RELEVÂNCIA DO IMPÉRIO MONGOL:

-criaram conexões seguras ao longo da Eurasia, das quais se aproveitaram caravanas de comerciantes, missionários, etc. O ir e vir pela Eurasia tinha se tornado seguro.
-transmitiram, adaptaram e transformaram tecnologias.

AS ROTAS NA EURASIA:

Roma criou seu império mediterrâneo em quatro séculos. Gengis Khan e aqueles que lhe sucederam criaram um império muito maior na Eurasia num período de sete décadas.

CHOQUE ENTRE POVOS NÔMADES E SEDENTÁRIOS:

Povos nômades costumavam invadir e saquear comunidades sedentárias.
Os romanos também tinham problemas com os bárbaros, como exemplo Átila, o líder dos nômades Hunos, em meados do século V d.C..
Nômades não tinham cidades. Armavam e desarmavam acampamentos em busca das melhores pastagens para seus rebanhos. E de vez em quanto saqueavam, pilhavam uma tribo rival ou alguma comunidade sedentária. A tribo nômade Xiongnu davam muita dor de cabeça a China (civilização sedentária) da dinastia HAN.
Os povos nômades levavam vantagem quando se batiam contra civilizações sedentárias. Esses povos nômades (turcos, mongóis, etc) surgiram numa vasta área formada por tundra, estepes e florestas, englobando, ao norte, da Finlândia à Sibéria, descendo para o sul, onde hoje é a China.

VIDA NAS ESTEPES. MOBILIDADE ORGANIZADA:

Havia um deslocamento de forma organizada, de uma área para outra, em busca de pastagens para os rebanhos. Levantar acampamentos, montar acampamentos. Áreas eram exploradas em busca de pastagens de boa qualidade, que podiam alimentar seus animais, dos quais os Mongóis tiravam praticamente tudo do que precisavam: alimento, roupas, abrigo, transporte e bens comercializáveis. Vários animais eram explorados: cavalos, ovelhas, vacas, cabras e até camelos. Se houvesse uma emergência, um mongol poderia até beber o sangue de seus animais.O pastoreio fornecia os itens básicos para a sobrevivência desses grupos nômades. Produtos como grãos, metais, chá, tecidos finos eram encontrados nas zonas fronteiriças da Eurasia. E algumas tecnologias nascidas entre os povos sedentários foram adquiridas pelos povos nômades, como a fundição de metal.

INTERAÇÃO PACÍFICA/COMERCIAL ENTRE OS POVOS NÔMADES E OS POVOS SEDENTÁRIOS:

Na Eurásia, os povos nômades e sedentários interagiam entre si por meio de comércio, casamentos, diplomacia, além das já citadas guerras e pilhagens. Não havia novidade nisso.

UNIDADE BÁSICA DE SOBREVIVÊNCIA NO INÓSPITO MUNDO DAS ESTEPES:

Era a família.
Para sobreviver necessitavam de seus animais e da ligação com outras pessoas que pudessem subsistir num determinado espaço. Com o passar do tempo, famílias com boas conexões podiam formar uma Tribo. Em teoria, os componentes de uma Tribo tinham origem num único ancestral, mas na prática havia ali agregados de todos os tipos. Juramentos de lealdade/amizade (irmandade jurada) eram comuns nas estepes. E por meio deles alguém poderia ser aceito numa tribo. Esses juramentos permitiram a construção de alianças que foram além do parentesco sanguíneo. Havia juramentos de lealdade/amizade entre duas pessoas somente, que se tornavam irmãos sem serem parentes. Mas esses juramentos podiam abranger algo maior, como no caso de Tribos inteiras que aceitassem se sujeitar a uma outra Tribo, por acharem conveniente, ou por terem sido derrotados numa batalha. Essa união entre tribos poderia redundar na criação de Confederações Multitribais de grande alcance e poder.

EM BUSCA DE UM LÍDER, DE UM KHAN:

O Termo Khan significa Governante Supremo. Povos turcos no interior da Eurásia usavam Khagan.
Quem seria aceito para comandar uma poderosa Confederação Multi-Tribal, capaz de empreender campanhas contra poderes estrangeiros, obtendo assim pilhagens para satisfazer todos os seus componentes? O líder era escolhido sendo analisados os seguintes critérios:
-linhagem
-habilidades de guerra
Quando o líder morria, o círculo de contendores incluía seus filhos e irmãos que precisavam lutar e negociar (tanistry). O sistema dava azo ao fraticidio mas também poderia dar espaço para que o membro da família mais apto (melhor guerreiro, melhor negociador) assumisse o poder. Alguém para se tornar líder então precisava:
-pertencer à família do grande chefe falecido
-vencer a disputa dentro da família
-ser confirmado como líder numa assembleia tribal (Kurultai), na qual votariam líderes de outras tribos.

RELIGIÃO. SEM RELIGIÃO INSTITUCIONALIZADA. MONGÓIS NÃO TINHAM PAPAS, PATRIARCAS.

O reinado do Khan era um mandato de Tengri, o Deus chefe dos céus e dos nômades que viviam sob ele. Tengri era a divindade superior. Os pontos mais elevados eram sagrados por estarem perto do paraíso. O mundo estava repleto de espíritos humanos e os xamãs tinham poderes para contactá-los.
Os líderes das estepes não estavam manietados pela existência de uma Igreja institucionalizada, como acontecia na zona do Mediterrâneo.

CHINA;

A China sempre foi alvo de invasões de tribos nômades da estepes. Os canatos Turcomanos controlavam a rota da seda (séculos VI a VIII). Com a sua desintegração no século VIII, grupos turcos migraram para o oeste em direção à Constantinopla.No lugar dos Turcomanos entraram os Uigures para ajudar os chineses em troca de seda. Durante a dinastia Song (século X), a China se expandiu. Diversificou suas rotas comerciais, usando seus portos para exportar para o sudeste asiático. Mas o comércio transcontinental continuou sendo usado, agora sob a proteção de um povo oriundo da Manchúria, os Kitanos. Os Kitanos protegiam a rota da seda, daí o porquê dos ocidentais os confundirem com os chineses, chamando estes de Cathay.
Outro poder localizado no norte da China era representado pelos Jurched (jurchens), que viviam na Manchúria. Da Manchúria também vieram os mongóis, que depois marcharam para o Oeste, para a atual Mongólia.

ORDOS:

Os Kitanos adicionaram ao dicionário eurasiático a palavra Ordos, que era uma espécie de acampamento móvel do Soberano.

MODO DE GUERREAR DOS MONGÓIS:

Os mongóis copiaram o modo de guerrear dos Kitanos e dos Jurchens. A unidade mínima de combate era composta por 10 homens. As maiores respeitavam a ordem decimal: 100, 1000, etc. Membros de tribos diferentes compunham as unidades e cada soldado era responsável por todos os soldados de seu grupo.

"A vida nômade permitia que toda a sociedade fosse mobilizada para a guerra. As mulheres seguiam as campanhas carregando suprimentos, e às vezes lutando ao lado dos homens. Voltar para a casa não era um objetivo - a motivação para a guerra eram os saques, as pilhagens e as partilhas, para então seguir em frente e conseguir mais"
(página 138)

Quando Gengis Khan morreu, seu exército contava com 130 mil homens, entre 1/3 e 1/4 do exército romano em seu auge. Mas Gengis Khan controlava a metade dos cavalos que existiam na época.

CONSTRUÇÃO IMPERIAL AO ESTILO MONGOL:

1167: Nasce Temujin, que viria se tornar Gengis Khan. Seu pai era um "anda", isto é, um irmão jurado de Togrul, líder da poderosa Confederação Tribal Keirat. Após a morte de seu pai, Temujin se viu abandonado pelo clã de seu pai, tendo ao seu lado sua mãe e seus irmãos.
1️⃣Temujin, com a ajuda de seu irmão mais novo, assassinou o irmão de ambos.
2️⃣Temujin foi capturado e feito escravo por um clã rival
3️⃣Temujin conseguiu fugir do cativeiro, casou-se com Borte e buscou ajuda com o "anda" de seu pai, o poderoso Togrul

Togrul era líder dos Keirat, que falavam turco e que tinham budistas e cristãos entre seus seguidores. Prestando serviço a Togrul, Temujin reuniu em torno de si seguidores fiéis. Temujin também era acompanhado por Jamuka, que era seu irmão jurado (anda) e que também tinha o seu séquito.

TEMUJIN VERSUS JAMUKA:

Jamuka (Jamuqa) e Temujin acabaram se tornando chefes rivais na estepe. Os antigos irmãos jurados agora eram inimigos. Nessa disputa quem levou a melhor foi Temujin. 

TEMUJIN TORNA-SE GENGIS KHAN:

Em 1206, num Kurultai, Temujin torna-se Gengis Khan. Gengis (Genghis) eram os espíritos que mandavam na terra. Gengis Khan era o Senhor do Mundo.
Gengis Khan cultivava o poder em torno de si por meio de irmandade por juramento (anda), casamento exógamo, serviço e recompensa, obrigação de vingança. 

OBRIGAÇÃO DE VINGANÇA:

Era um dos tipos da Política das Estepes usada por Gengis Khan na condução de seu Império. Para explicar, daremos um caso concreto: a mãe de Temujin foi sequestrada pelo seu próprio pai. ela estava prometida para um membro da tribo Merkid. Mas aquele que viria ser o pai de Temujin sequestrou a noiva, que por sua vez viria se tornar a mãe de Temujin. Anos depois, a tribo Merkid se vingou de Temujin, sequestrando a sua noiva, Borte. Não importava quanto tempo passasse, não importava que Temujin pagava pelos pecados de seu pai, o que importava era se vingar.

LEALDADE PESSOAL EM DETRIMENTO DOS LAÇOS DE SANGUE:

Gengis Khan nunca esqueceu quando foi abandonado pelo seu Clã, quando da morte de seu pai. Por esse motivo, ele não acreditava em laços de sangue, de forma que revolveu se deixar cercar por pessoas que comprovassem sua lealdade a ele. Quem era leal e fazia o serviço para o qual fora designado recebia a sua recompensa. Gengis gostava de dizer que comia a mesma comida, vestia as mesmas roupas que os criadores de cavalos. Gengis tratava seus guerreiros como se fossem seus irmãos.

AS CONQUISTAS, AS PILHAGENS NÃO PODIAM PARAR:

A lealdade pessoal não vinha de graça. O que mantinha o séquito de um líder reunido em torno dele era a distribuição de pilhagens obtidas por meio de guerras. Se um líder não obtivesse essas pilhagens/recompensas, ele seria abandonado. 

MAIOR TROFÉU PARA SER PILHADO: A CHINA:

A China, com as suas riquezas, era um objetivo óbvio para Gengis Khan. Havia muita coisa a ser pilhada na China: seda, grãos, ouro, algodão, cetim, etc. A China daquela época era governada por duas dinastias: uma no norte, os Jin. Outra no sul, os Song (século XIII). Mas antes de ir saquear a China, Gengis Khan olhou para as regiões pelas quais passava a Rota da Seda. Havia áreas problemáticas no entorno de Gengis Khan (tribos na Sibéria, turcos, império tangut). 
Com os problemas resolvidos, Gengis Khan partiu para a o norte da China, onde governava a Dinastia Jin. A capital Zhongdu foi conquistada em 1215. Os saques foram valiosos e Gengis Khan ainda casou-se com uma esposa da dinastia Jin.

PRÓXIMO ALVO: REGIÃO DA CORÁSMIA:

Região que abrange a margem oriental do Mar Cáspio, atual Usbequistão, Bukhara, Mar de Aral, margem do rio Volga (cidade de Sarai) até o Indo. Gengis Khan,  inicialmente, queria cooperar com o Xá da Corásmia na defesa da Rota da Seda. pois para ele da defesa da prosperidade dos comerciantes dependia o futuro do mundo. Mas o Xá fez pouco caso e não deu importância à Gengis Khan. 
Gengis Khan reagiu a essa afronta atacando a Corásmia, até chegar ao Indo (Paquistão) - 1221.

MORTE DE GENGIS KHAN:

Gengis Khan morre em 1227.

PAX MONGÓLICA:

A Pax Mongólica pode ser vista no final do século XIII, época de florescimento comercial na Eurasia.
Gengis Khan escolheu seu filho Ogodei para sucedê-lo, e assim foi feito, com a confirmação de Ogodei como Khan em 1229. 
O resto da família de Gengis Khan recebeu territórios (ulus) para governar.
Pela tradição eurasiática, o filho primogênito herdava pastagens mais afastadas daquelas pertencentes a seu pai. Na época de Gengis, pastagens mais distantes era aquelas localizadas a oeste por onde cavalgaram os cavalos mongóis. Essas terras ficariam para o seu filho primogênito Jochi. Jochi morreu e em seu lugar assumiu seu filho, Batu. A Ulus de Batu ficava a oeste do Rio Volga.

MAIS CONQUISTAS MONGÓIS:

1️⃣1234: Conquista definitiva do norte da China
2️⃣1250: Parte do Tibete anexada
3️⃣1279: Kublai Khan, neto de Gengis Khan, conquista a parte sul da China (dinastia Song), fundando a Dinastia Yuan
4️⃣1236: Batu, neto de Gengis Khan, conduz seu exército para além dos Urais. Batu foi além, alcançando Polônia, Ucrânia e Hungria, Dalmácia (Mar Adriático). Deteve-se às portas da Áustria, quando foi obrigado a voltar à Mongólia após receber a notícia da morte do Khan Ogodei.
5️⃣Por fim, Batu se estabelece e cria a Horda Dourada (Quipchaco) nas estepes que englobavam o Rio  Volga, a sua capital em Sarai, Moscou, Kiev, etc.
6️⃣Hulegu, irmão de Mongke, o novo Khan, avança para o Sudoeste e conquista Bagdá. Hulegu estabeleceu a dinastia Il-Khans (atuais Irã e Iraque).

A MANEIRA MONGOL DE CONQUISTAR E GOVERNAR:

1º Fase: Conquista/Saque
2º Fase: Reconstrução/Administrar o que foi conquistado, fazendo uso de intermediários locais

"O Império Mongol foi criado no lombo de um cavalo, mas não pode ser governado do lombo de um cavalo" (Frase atribuída ao Khan Ogodei)
(páginas 147/148)

Os mongóis se adaptavam às circunstâncias e podiam até aderir ao repertório de poder eurasiático. Na China mesmo Kublai Khan tornou-se Imperador da Dinastia Yuan (origem do cosmos), para desviar a atenção do fato dos mongóis não serem originários de nenhuma região chinesa.
No que dizia respeito à Religião, os Mongóis eram tolerantes. Essa tolerância vinha das condições encontradas pelos Mongóis durante a sua expansão pela Eurásia. 
-era necessário fazer alianças por meio de casamentos. exemplo: Tolui, o filho mais jovem de Gengis, casou-se com uma mulher cristã
-grande variedade de religiões encontradas
-a existência de conselheiros espirituais - xamãs
Com o tempo, chefes mongóis se converteram para diferentes religiões. O Il-Khan do Ilkhanato (Iraque/Irã) teve várias religiões: budista,, islã, cristianismo). Kublai Khan se tornou budista. 

ROTA DA SEDA:

1️⃣Comércio
2️⃣Envio de Mensagens
3️⃣Passagem de Diplomatas
4️⃣Estações construídas a cada 50, 40km. Serviam para a troca de cavalos de mensageiros, taxação de mercadorias. Para frequentar essa rota, era necessário usar uma espécie de passaporte, o paizi.

O sistema mongol ligava o Oceano Pacífico ao Mar Báltico e ao Mar Mediterrâneo, possibilitando o tráfego de ideias, técnicas e pestes (peste bubônica).

CIDADES ITALIANAS SE BENEFICIARAM DA PAX MONGÓLICA:

Veneza e Gênova se beneficiaram da rede comercial e da pax mongólica criadas pelos mongóis. A partir de portos no Mar Negro, o comércio chegava ao Mar Mediterrâneo (séculos XIII e XIV).

COLAPSO E RECUPERAÇÃO:

O Império Mongol sob uma dinastia teve vida curta (a vida de Gengis Khan), mas ajudou no intercâmbio de tecnologias que deram novas formas às estruturas política, cultural e econômica em vários lugares. A sua decadência se deu pela mesma razão que, lá atrás, a fez expandir por quase toda a Eurásia. A necessidade de expansão, de conquista para obter pilhagens para distribuí-las entre seus súditos, levou ao fim do poder mongol. A sua divisão em Canatos (Il-Khan), terras de Chagatai, Horda Dourada e o Ilkhanato, ou ainda a Dinastia Yuan na China,  acelerou a queda. Os Canatos brigavam entre si. Os mongóis agora eram desunidos. 

PRIMEIRO CANATO A MORRER: IL-KHAN:

Durou de 1256 a 1335. Seu último líder morreu sem descendentes e na luta pelo poder que se seguiu à sua morte, nenhum contendor conseguiu se impor de forma a trazer para si todo o poder do Canato, que acabou se esfarelando, se desmantelando em vários fragmentos de poder.
Os Yuan duraram até 1365. Eles tinham unificado o sul, o centro e o norte da China. No fim, porém, um chinês da Corte traiu a dinastia e estabeleceu a sua própria dinastia, a Ming, expulsando os mongóis de Pequim.
A Horda Dourada passou a se fragmentar a partir de 1438. Os fragmentos de poder eram Canatos menores ao longo do Rio Volga e ao norte do Mar Negro. Esses pequenos Canatos acabariam por ser engolidos por impérios emergentes, como por exemplo, a Rússia.
As terras de Chagatai na Ásia Central (Usbequistão, etc) foram divididas em 2 partes:
-Transoxiniana
-Mogulistão
Na sequência desses acontecimentos, o poder se fragmentou mais ainda. 

A IMPORTÂNCIA DOS MONGÓIS:

▶fizeram da Eurásia um local seguro para o comércio de ideias, mercadorias, tecnologias. forneceram estabilidade à região
▶herdeiros das práticas mongóis criaram os impérios Russo, Chinês e Otomano
▶respeito à religião local. tolerância religiosa
▶uso de administradores locais para os governos


TAMERLÃO:

O enfraquecimento do Império Mongol deu ensejo ao aparecimento de outro conquistador, que se dizia de linhagem mongol. Estamos falando de Tamerlão - Final do Século XIV. Tamerlão era muçulmano de berço e mongol de origem. Falante de turco, conquistou boa parte da Eurásia, ainda que por um curto período de tempo. A capital de Tamerlão ficava em Samarcanda, atual Usbequistão.
Tamerlão ainda conquistaria territórios nos atuais Irã e Afeganistão; conquistaria ainda territórios no Cáucaso, na Horda Dourada e no norte da Índia. Em 1380, Tamerlão já tinha conquistado a Ulus de Chagatai. Tamerlão ainda capturaria Bagdá em 1393. Tamerlão ainda derrotaria os otomanos na Anatólia. Deli, na Índia, cairia em 1398. Sarai, na Horda Dourada, foi saqueada em 1396.

1405: MORRE TAMERLÃO:

Um dos descendentes de Tamerlão fundaria um Império com práticas mongóis na Índia, em 1525 - sob Babur, que duraria 250 anos.
Após a morte de Tamerlão, seu império desmoronou. Seu estilo pessoal de governar consistia em misturar integrantes de tribos diversas. Dividir para governar. Um líder tribal era transferido para longe de seu território para comandar uma tropa integradas por membros de tribos diversas. A ideia era padronizar, desenraizar esses elementos, separando-os de seu passado, de forma que eles, agora, fossem fiéis apenas a Tamerlão.
Sem Tamerlão para manter isso, o sistema desmoronou. O que prevaleceu foram as políticas locais de alianças instáveis. 

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "IMPÉRIOS, UMA NOVA VISÃO DA HISTÓRIA UNIVERSAL", DE JANE BURBANK E FREDERICK COOPER, EDITORA CRÍTICA, PÁGINAS 131/158

quinta-feira, 19 de março de 2020

Paradoxos da Liberdade Senhores e Servos A Grande Emancipação Fome na Europa Thomas Malthus




A GRANDE EMANCIPAÇÃO:

Rússia: De 1826 a 1840: Foram verificadas 2 mil agitações camponesas.
Rússia: De 1857 a 1861: Tropas requisitadas em 903 ocasiões diferentes para debelar revoltas camponesas.

"A primeira coisa a fazer é emancipar os servos pois este é o nó que ata todas as coisa más na Rússia." (Mikhail Gorchakov)
(página 144)

FORMAS PELAS QUAIS OS SERVOS DEMONSTRAVAM SEU DESCONTENTAMENTO:

Havia revoltas violentas. Faziam um serviço com má vontade. Havia lentidão na execução do serviço. Servos entregavam ao Senhor animais decrépitos para o trabalho na terra deste. Havia fugas constantes. Entrega de alimentos de baixa qualidade.
A Servidão obstava o desenvolvimento da agricultura. 

"O sistema de campo aberto em que grandes campos eram divididos em faixas, cada uma cultivada por uma família de servos, dificultava a economia de escala pela consolidação das terras."
(página 144)

1856: Tratado de Paris: Fim da Guerra da Crimeia (1854/55), travada entre Grã-Bretanha, França, Rússia, Império Otomano. A Grã-Bretanha aproveitou esse tratado por exigir o fim da servidão nos Principados do Danúbio (Valáquia e Moldávia)
1850: Prússia: Lei pôs fim aos últimos vestígios da servidão no reino prussiano.
Ao acabar com a servidão, o Estado negociava compensação com os senhores, que se viam, de uma hora para outra, sem as rendas e sem o trabalho gratuito de seus servos. Ao servo concedia-se liberdade. Eram declarados homens livres. 

SERVO LIVRE. CÁLCULO PARA COMPENSAR O SEU ANTIGO PROPRIETÁRIO:

Exemplo de cálculo para se chegar ao valor devido pela perda se sua propriedade (seu servo). O valor da compensação devido ao Senhor era calculado da seguinte forma: "na monarquia habsburgo o valor do trabalho servil foi definido em um terço do valor do trabalho assalariado; uma indicação do pouco esforço que se pensava que os servos dedicavam ao seu trabalho."
(página 147)

VENCEDORES E VENCIDOS:

Os senhores perderam o poder judicial (tribunais senhoriais) sobre os seus camponeses; agora esse poder foi atribuído ao conselho de aldeões ou aos tribunais locais.
De forma geral, os LATIFUNDIÁRIOS se deram bem, principalmente aqueles que produziam cereais em grande quantidade. E com a compensação que receberam em razão da emancipação dos servos, aumentaram suas propriedades, adquirindo pequenas áreas de pequenos agricultores empobrecidos. Na Áustria e na Boêmia, os latifundiários investiram no cultivo da Beterraba, pois não podiam competir com os cereais da Hungria.
No campesinato, alguns camponeses se saíram bem, porque encontravam mercado para a sua produção. Outros quebraram a cara e tiveram que pedir trabalho para seus antigos senhores. Outros camponeses conseguiram apenas subsistir em suas pequenas propriedades. Camponeses faliam em razão das dívidas contraídas na compensação de seu senhor, no pagamento de impostos, etc.
O camponês falido tinha que vender a sua terra. 

"Na Prússia, a leste do Elba, cerca de 7 mil grandes propriedades e mais de 14 mil pequenas terras foram compradas pelos latifundiários entre 1816 e 1859, estimulando a criação de um proletariado rural sem terra."
(página 152)

A agricultura integrava-se ao capitalismo. Cada vez mais, o camponês, que tinha sido emancipado e que depois tinha perdido a sua terra por dívidas ou por dela não poder tirar nem o suficiente para a sua subsistência, só tinha a sua força de trabalho para vender.
E para piorar, os trabalhadores agrícolas não gozavam dos mesmos direitos dos trabalhadores urbanos, que naquela época já eram poucos. Na Prússia havia a permissão para o uso de castigos corporais nos trabalhadores agrícolas.

REVOLTAS CAMPONESAS:

Rússia:

Camponeses russos, indignados com as compensações (quantia paga aos senhores pela libertação dos servos) devidas aos seus antigos senhores, diziam em tom de galhofa:

"somos (camponeses) deles (senhores), mas a terra é nossa"
(página 153)

Na Rússia ainda era verificado, nas zonas mais férteis, o aumento do número de famílias sem que fosse acompanhado pelo aumento da quantidade de terra.

"Nem as galinhas tinham sítio para se empoleirar."
(página 154)

E para piorar, após a emancipação, os camponeses foram proibidos de entrar nos prados e nas florestas dos senhores. Verificou-se nessa altura, por causa dessa proibição, o aumento dos casos de furtos de madeira.
1905: No Oceano Pacífico, Rússia perde guerra para o Japão. A insatisfação popular que estava reprimida, explode com a notícia da derrota. Greves, protestos, comícios. No Volga e na Ucrânia (terras férteis) os camponeses invadiam e saqueavam as casas senhoriais. A revolta durou até 1907. O governo acabou com a revolta, usando concessões e repressão. Uma das concessões foi o fim do pagamento pelas emancipações. O governo russo ainda buscou flexibilizar a compra e a venda de terras fora das comunas camponesas, onde o cultivo da terra era coletivo (método coletivo de exploração da terra). Essa medida flexibilizadora deu origem à figura do Kulak.

Romênia:

"a miséria em que vive a maioria do campesinato romeno está para além de qualquer descrição."
(página 156)

Estado romeno e latifundiários estavam conluiados contra os camponeses.

"As terras dos camponeses eram geralmente muito pequenas."
(página 156)

Em 1907 ocorreu a última grande revolta camponesa (jacquerie) justamente na Romênia (Moldávia e Valáquia). A repressão do governo foi brutal (torturas, prisões, mortes). 11 mil pessoas morreram.

HISTÓRIA DA SERVIDÃO EM OUTROS PAÍSES:

Portugal:

A servidão deixou de ser adotada na idade média, mas os senhores de Terra ainda mantinham direitos e privilégios senhoriais. Os camponeses tinham que pagar tributos aos latifundiários (pagamento em vinho, pão e fruta). Em 1846 houve reformas liberais, com a privatização das terras comuns. Os camponeses rendeiros tinham uma vida de dificuldades. Essas reformas desencadearam uma revolta camponesa. A revolta foi esmagada com a ajuda dos britânicos.
Em meados dos anos 30 do século XIX, a Igreja possuía 6.000 terras e monopólios de moinhos, lagares de azeite e celeiros.

Espanha:

O fim das obrigações feudais na década de 30 do século XIX deu mais poder aos latifundiários que trabalhavam com parceria rural. A parceria rural era um contrato por meio do qual o dono da terra deixava uma família trabalhando nela. O pagamento era feito na forma de uma parte da produção. Houve na Espanha sublevações com a participação de camponeses (1822/1823 e 1827)
Primeira Guerra Carlista (1832/1839): Carlos protestava contra seu irmão Fernando, que fez de sua filha, Isabel (Isabel II), rainha da Espanha. O descontentamento dos camponeses embarcou nesse conflito. Houve ainda mais duas revoltas carlistas, em 1847 e 1872/1876.

"O carlismo visava, acima de tudo, a revogação das reformas agrárias dos liberais."
(página 160)

No sul da Espanha, a rivalidade entre latifundiários e camponeses miseráveis deu espaço para a entrada de ideias anarquistas. O Estado só causava problemas aos camponeses. Havia o serviço militar, havia o apoio do Estado aos latifundiários, havia os impostos. O Estado tinha que ser eliminado e, com ele, todo o peso suportado pelos camponeses. Na década de 60 do século XIX havia no sul da Espanha banditismo, roubo de colheitas, incêndios. 95 rebeldes foram executados na repressão estatal.

Itália:

Também havia contratos de parceria rural entre camponeses e donos de terras. Na Toscana, as famílias camponesas conseguiam somente subsistir com seu trabalho. Os donos de Terras ainda exerciam outros controles sobre os meeiros: com quem podiam casar, por exemplo; supervisionavam a conduta moral, etc. Poderia haver quebra de contrato se o meeiro deixasse a propriedade sem autorização do dona da terra.

"Podiam ser despedidos ou expulsos apenas por desobedecerem às ordens do proprietário."
(página 161)

"A parte da colheita a que o meeiro tinha direito servia para a subsistência da sua família."
(página 161)

"Nos anos de más colheitas, os meeiros tinham de pedir empréstimos ao proprietário, o que lhes aprofundava ainda mais a dependência."
(página 161)

Os camponeses também se revoltaram porque com a emancipação a "terra comum" foi atribuída aos senhores de terras, de forma que a terra deixou de ser comum.

"os documentos legais e os seus autores, os instrumentos da sua desapropriação, eram visados na crença de que o direito natural à terra comum valia mais do que a letra da lei que a atribuíra aos antigos senhores feudais como sua propriedade privada."
(página 164)

Ilha da Sicília:

Revolta dos Fasci Sicilianos: O nome Fasci vem de Feixes. Qualquer pessoa podia quebrar um pau, mas não um feixe inteiro, composto por vários paus.
Havia 300 mil meeiros e pequenos agricultores.
Os Fasci protestavam contra o preço da comida, o aumento das rendas, os contratos leoninos de parceria rural e os impostos. O Estado italiano agiu com rigor. Vários rebeldes foram presos e mortos. Os contratos de parceria rural não resultavam numa agricultura eficiente. Os meeiros trabalhavam em troca de sua subsistência.

"Os alvos das suas reuniões e procissões de protesto eram o aumento das rendas e dos preços da comida, os impostos altos e os contratos discriminatórios de parceria rural. Os camponeses começaram a ocupar as terras e os escritórios do fisco, queimando moinhos e edifícios do governo. O governo italiano reagiu, declarando o estado de sítio e alistando 40 mil soldados. Centenas de rebeldes foram mortos ou sujeitos a execuções sumárias, mil deles foram enviados para uma colônia penal sem julgamento, e muitos outros foram presos."
(página 165)

"Os grandes proprietários de terras reagiram a estas crises mudando para culturas mais rentáveis, como a beterraba, e mecanizando a produção para reduzir os custos de mão de obra."
(página 165)

"A parceira rural passou a ser substituída por uma "mão de obra assalariada mais moderna." (página 166)
O empregado assalariado tinha incentivo para trabalhar com mais afinco. Podia ser demitido ou contratado sem burocracia e de acordo com a necessidade da produção agrícola. Mas mesmos esses trabalhadores assalariados viviam em condições ruins.

"Quase 3/4 de seus rendimentos eram gastos em comida."
(página 166)

"a pobreza e a exploração já tinham levado centenas de milhares de pessoas a emigrar para o Novo Mundo." 
(página 166)

ALIMENTAÇÃO:

"A emancipação dos servos e as suas consequências, bem como o declínio do sistema de parceria rural, tiveram uma importância enorme na Europa do século XIX, sobretudo porque, durante todo o século, a esmagadora maioria das pessoas vivia da terra e dependia desta para a sua sobrevivência. Quase por toda a parte, as cidades eram poucas e distantes entre si, como ilhas urbanas num mar rural."
(página 167)

"Durante grande parte do século, o europeu típico era um camponês que vivia na terra e da terra"
(página 167)

Em 1850, viviam nas cidades:

Itália: 20%
França 15%
Alemanha 11%
Espanha 17%
Polônia 9%

"velhos padrões de povoamento"
(página 167)

Na Grã-Bretanha, os números eram totalmente diferentes. 50% das pessoas viviam nas cidades. Era a Revolução Industrial em marcha acelerada.

REVERENDO THOMAS MALTHUS (1766-1834):

"numa sociedade agrária, a população tenderia a aumentar além da capacidade da terra para a sustentar."
(página 169)

Pelo pensamento de Thomas Malthus, o resultado seria a penúria e a morte. Mas a Grã-Bretanha desmentia Malthus com sua maior eficiência agrícola, com o fim dos direitos sobre os cereais (1846) e importando alimentos com o dinheiro das exportações de sua Revolução Industrial.
Por toda a Europa buscava-se aumentar a eficiência agrícola, aumentando a produção de alimentos.
Melhor utilização da terra e busca por lucros contribuíram para o aumento da produção agrícola. A motivação pela busca de lucros só se efetivou com a emancipação dos servos.
Algumas inovações agrícolas:
- consolidação dos terrenos: abandono do sistema de campos divididos em faixas.
- mudança de cultura agrícola numa área de um ano para o outro, evitando o esgotamento do solo, reduzindo a quantidade de terra em pousio
- uso de fertilizantes pelas grandes fazendas para recompor o solo exaurido.

PRIMEIRO FERTILIZANTE USADO PELOS EUROPEUS VINHA DO PERU:

O primeiro fertilizante usado pelos europeus era importado do Peru. Era o Guano, que eram fezes de pássaros acumuladas por milênios, formando montanhas na ilha de Chincha, no litoral peruano.

AS PREVISÕES DE MALTHUS NÃO SE CONCRETIZARAM:

As previsões sombrias de Malthus não se concretizaram.

VIDA CAMPONESA NA PEQUENA PROPRIEDADE:

Poucos produziam para o mercado. A maioria produzia para si mesmo - autossuficientes.
Raramente iam às cidades comprar ou vender algo. Aumentava o número de pessoas e diminuía o número de terras. Vida de pobreza mesmo em tempos normais.

"mesmo em tempos normais, a pobreza e a miséria nunca estavam fora do horizonte."
(página 172)

"não havia subsídios do Estado, nem segurança social, nem apoio no desemprego, nem lares para a terceira idade."
(página 173)

"A assistência aos pobres dependia tradicionalmente da Igreja."
(página 173)

Particulares abriram casas de beneficência - sociedades filantrópicas. Em alguns lugares da Europa (Baviera), o Estado tentou criar algum tipo de rede de proteção para cuidar dos miseráveis.
Alguns europeus atribuíam o crescimento da pobreza à ociosidade. Ainda achavam que a Igreja, ao ajudar os pobres, fomentava a ociosidade.

EUROPEUS TINHAM QUE LIDAR COM A POBREZA: 

Na Grã-Bretanha havia a lei dos pobres, que dava emprego aos capazes de trabalhar e prendia (ou açoitava) aqueles que, mesmo capazes para o trabalho, se recusavam a trabalhar.
Esta lei também tentava cuidar dos pobres por meio de autoridades locais. Mas o custo para manter esse programa começou a pesar no bolso de quem o pagava. Mas mesmo assim o número de pobres aumentava na Grã-Bretanha. A política de cercar pastagens para rebanhos expulsava os camponeses de seus locais de trabalho (política de encerramento).
Ao mesmo tempo, Malthus criticava a leis dos pobres, que dava subsídios na forma de pães mais baratos para famílias com filhos pequenos.

"o chamado sistema de Speenhamland encorajava a procriação irresponsável e queriam que a antiga Lei dos Pobres fosse abolida."
(página 175)

A Lei dos Pobres...

"propagava a pobreza e a improvidência, como se queixou um comentador em 1831."
(página 175)

A OCIOSIDADE DE UMA PESSOA ERA A CULPADA PELA SUA POBREZA:

Em 1834, a Grã-Bretanha aprovou uma nova lei dos pobres para obrigar os fisicamente aptos a trabalharem. O ingleses criaram as Workhouse, nas quais ficava explicita a ideia segundo a qual a ociosidade de uma pessoa era a culpada pela sua pobreza.

MENTALIDADE DA ÉPOCA:

O sujeito capaz era pobre por causa de sua ociosidade. A ideia da Workhouse se sustentava nessa certeza. O sujeito capaz querendo apoio vai à essa casa do trabalho. Nela será submetido a condições tão duras de trabalho, alimentação, higiene, acomodação e pagamento que resolvia deixar de vez a sua indolência de lado, usando todas as suas energias na busca de um trabalho de verdade, pago.

"Cada tostão dado que tenda a tornar a condição do pobre mais elegível do que a do trabalhador independente, é um prêmio atribuído ao vício e à indolência."
(página 176)

A nova lei dos pobres ia além: órfãos, doentes e velhos deveriam ser cuidados por seus parentes. No fim, até os inaptos para um trabalho pago, que não encontravam auxílio em outro lugar, eram levados para a Workhouse.
A Workhouse vem descrita no romance Oliver Twist, de Charles Dickens.

"Para a economia política e para os seus seguidores, não havia motivo para alguém morrer à fome, exceto nos casos mais extremos de doença e decrepitude: se uma pessoa fisicamente apta era pobre, isso devia-se ao fato de ser ociosa."
(página 177)

A FOME NOS ANOS 40 DO SÉCULO XIX:

Novas culturas desenvolvidas na Europa:

-Girassol
-Beterraba (refino de açúcar)
-Batata
-Milho
-Tomate
-Tabaco

Dessas culturas, a mais importante foi a batata.

A BATATA E A FOME NA IRLANDA:

A batata se revelou um alimento indispensável na ausência de abastecimento adequado de cereais. Não tinha cereal, ia batata mesmo. Na Irlanda, a batata ocupava 1/3 da área cultivável e era a base da alimentação dos camponeses.
1845-1849: Fungo atinge o cultivo de Batata na Europa, principalmente na Irlanda. De acordo com a nova Lei dos Pobres, adotada na Grã-Bretanha, a pessoa só podia ser auxiliada se trabalhasse.

"pior do que permitir que as pessoas morram à fome, é deixar que se habituem a depender da caridade pública."
(Sir Charles Trevelyan - Ministro das Finanças Britânico)
(página 181)

Essa fome foi muito problemática na Europa, mas foi pior na Irlanda. Na Grã-Bretanha havia obstáculos políticos para ajudar os esfomeados na Irlanda. Havia as Leis do Milho, que facilitavam as exportações de cereais e limitava a sua importação. Essas Leis do Milho foram feitas para proteger os Aristocratas produtores de cereais.
Durante a crise, as mortes aumentaram 330% na Irlanda. A abolição das Leis do Milho só veio em 1849, quando o estrago já estava feito na Irlanda.

"Subjacente à crise na Irlanda estava um sentimento generalizado da elite política e social britânicas de que os irlandeses tinham o que mereciam por serem preguiçosos e terem demasiados filhos (exatamente a crítica feita por Malthus em relação aos supostos efeitos da antiga lei dos pobres)."
(página 183)

Thomas Malthus (1766/1834) dizia que a antiga Lei dos Pobres, por meio de seu sistema de subsídios aos pobres, encorajava a procriação irresponsável.

"mas o aspecto das crianças era o mais doloroso de todos - atrofiadas, amareladas, enrugadas, como se fossem pequenos adultos."
(página 184)

"no total, a fome da batata irlandesa matou um milhão de pessoas, ou seja, cerca de 1/5 de toda a população da ilha."
(página 184)

Outras crises de fome registradas na Europa:

-Finlândia (que pertencia ao Império Russo) - 1856/1868
"Havia um rapaz à beira da estrada a comer estrume de cavalo."
(página 186)

O governo russo demorava a agir, preocupado que estava com seu equilíbrio orçamentário. Mas no fim foi obrigado a importar cereal do estrangeiro.
Nos finais dos anos 70 do século XIX, o melhoramento dos transportes e uma atenção maior por parte do Estado, mitigaram as consequências de más colheitas, evitando assim que as idiossincrasias do clima provocassem tantas mortes.
Mas a fome continuava a assolar a Europa, em suas áreas de difícil acesso, não atendidas por transportes eficientes. Exemplo: Província espanhola de Leão em 1897.
Jornal espanhol local noticiou:

"a agricultura é quase a única fonte de riqueza, ...e os habitantes estão à beira da fome, quase todos os seus rebanhos morreram de doença ou de falta de comida."
(página 187)

A fome ainda ajudava na proliferação de doenças. Organismos mal alimentados eram mais suscetíveis a ficarem doentes. O tifo era um exemplo disso. Aglomeração de pessoas nas cidades em busca de ajuda também ajudava na proliferação das enfermidades.

Causas da Fome na Rússia:
-más colheitas causadas pelo clima
-substituição do gado pela plantação de milho. Com isso os camponeses se viram privados do esterco de seus animais, que era usado como fertilizante.
-governo russo queria fazer de sua moeda conversível em ouro, daí teve que estimular as exportações de cereais e aumentar os impostos.
-falta de transportes para áreas afetadas pela fome
-preconceito do governo russo em relação aos seus camponeses

Ministro das Finanças russo comentou sobre os camponeses russos (Sergei Witte):

"parece totalmente incapaz de se precaver para o futuro, e basta-lhe uma má colheita para cair no abismo da miséria do qual só pode ser salvo graças à ajuda externa."
(página 189/190)

TRANSPORTES PRECÁRIOS:

Transportes precários ajudavam na piora da fome. Havendo uma má colheita numa região, a quantidade de alimentos diminuía bruscamente. Os transportes eram precários e ineficientes, de forma que não era possível você trazer alimentos de um região que teve uma boa colheita para socorrer uma outra região que teve uma péssima colheita. Então onde houve a má colheita, os preços subiam; as pessoas tinham que gastar mais para comprar a mesma quantidade de alimentos, de forma que deixavam de comprar outras coisas, como utensílios e outros bens manufaturados. Esse fato desestimulava a industrialização (proto-industria) naquela área onde a colheita foi ruim. Sem pessoas para comprarem seus produtos, a Indústria ia embora.

"Pelo menos em algumas zonas, como na Flandres, a crise aprofundou-se devido á combinação do colapso simultâneo da agricultura e da proto-industria, a velha e a nova economia: tal como acontecera periodicamente durante séculos, uma má colheita conduziu ao aumento do preço dos cereais, de maneira que as pessoas do campo e das cidades tiveram de usar grande parte dos seus rendimentos para pagar o pão e outros alimentos, reduzindo assim a procura por roupas, utensílios, e outros bens manufaturados. Isto provocou uma crise nas fábricas e oficinas urbanas, que tiveram de despedir os seus trabalhadores, atirando-os para a pobreza na altura em que mais necessitavam de dinheiro para sobreviver. Nos anos 40 do século XIX, porém, estava a surgir uma nova dimensão destas crises sob a forma da propagação da produção industrial moderna  em toda a Europa, com início na Grã-Bretanha."
(página 190)

O autor do livro estava se referindo á indústria têxtil. A revolução Téxtil.

FIM DA FOME:

"Em 1914, a fome fora banida de grande parte do continente europeu."
(página 190)


ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "A LUTA PELO PODER", Europa 1815-1914, de Richard J. Evans, editora Edições 70.

Os paradoxos da Liberdade Senhores e Servos



SENHORES E SERVOS:

O Sistema da Servidão: 
Imposições e Obrigações impostas ao Camponês. 
Exemplo trazido pelo autor de um Servo russo, que vivia numa aldeia russa durante o Século XIX
Sayva Dmitrievich vivia numa aldeia na Rússia central. A aldeia pertencia a uma pequena propriedade de um tenente-coronel. A propriedade tinha terra arável, uma floresta e prado e pasto.
O proprietário não ia à aldeia. Esta ficava sob as ordens de um administrador, que pegava para si grandes partes dos rendimentos. A maioria dos camponeses da Aldeia era composta por analfabetos. Havia 1300 aldeões que pagavam uma renda anual ao senhor. O dinheiro para pagar essa renda anual vinha do cultivo do linho e de outros produtos, que depois eram vendidos no mercado. O aldeão também trabalhava para cultivar produtos que serviriam para a sua subsistência. As pessoas viviam de aveia, nabos e ervilhas. Leite, ovos, carne de vaca eram vendidos por necessidade. Também faziam artesanatos. 
Numa ocasião, o proprietário emitiu uma ordem, que foi lida na Assembleia da Aldeia. Ele queria 4 homens, jovens e altos, para ficarem de pé na traseira de sua carruagem. Queria ainda 4 belas moças de 18 anos sem especificar os fins para que se destinavam. O proprietário faleceu em 1817. Sua filha herda a propriedade e exige 200 mil rublos como adiantamento da renda dos próximos 10 anos. Os camponeses recusaram pagar essa soma. A proprietária então hipoteca a aldeia como garantia de um empréstimo por 25 anos. E os juros teriam que ser pagos pelos camponeses: 30 mil rublos ao ano mais a renda anual de 20 mil rublos. Quem não pagasse sua parte seria conscrito no exército ou levado para a Sibéria para trabalhar na propriedade de seus senhores. Os aldeões se sentiram impotentes diante dessa exigência senhorial.
Um novo administrador alemão foi contratado e se revelou mais severo que o anterior. Açoitava quem lhe desobedecia; interferia nos casamentos e obrigava os aldeões a trabalharem na fábrica têxtil dos senhores. Se os aldeões se queixavam, o administrador pedia ajuda de tropas do governo.
Entre os anos de 1800 e 1868, a Rússia contava com o maior contingente de servos na Europa. Naquela altura já havia Estados que, influenciados pela Revolução Francesa, não tinha mais servidão: Baden, Baviera, Dinamarca, França, Países Baixos, Schleswig/Holstein, Suíça e Pomerânia Sueca.
Na Prússia, a servidão durou, numa forma debilitada, até 1848. Na Rússia e na Polônia a servidão durou até 1860.

"Os servos não eram escravos (ainda que houvesse escravos na Europa, nomeadamente os ciganos da Romênia, que eram tratados como bens móveis e vendidos no mercado até à sua emancipação pela Igreja Católica em 1848; os servos tinham direitos e deveres, mas não eram agentes livres."
(página 137)

A servidão dependia dos costumes locais onde era adotada, razão pela qual havia muitos tipos de servidão. Em termos gerais, a Servidão pode ser descrita dessa forma:
-o camponês era obrigado a trabalhar, sem pagamento, em certas tarefas e por alguns dias da semana na propriedade do aristocrata local, o senhor, e a cumprir em outros deveres, como ajudar nas caças, etc.
Em alguns lugares, o Estado impunha outras obrigações aos servos, como a manutenção de estradas e pontes locais, fornecer cavalos aos mensageiros e aos mais jovens prestar serviço militar. A mulher do servo poderia trabalhar na casa do Senhor, assim como seus filhos.
Na Aldeia de Velikoe, onde trabalhava Sayva Dmitrievich, muitas das obrigações foram convertidas para o pagamento de uma renda anual. Mas eram obrigados a trabalhar na fábrica têxtil da propriedade e estavam sujeitos a castigos corporais, a terem que pedir permissão ao administrador para casar com determinada pessoa.
No leste da Europa, o camponês precisava de autorização do seu senhor para sair da aldeia e, se quisessem se mudar, teria que pagar uma taxa.
Na Europa Ocidental o serviço era geralmente pago em dinheiro. A terra passava para os filhos mas era preciso pagar taxas (dinheiro ou taxas) nas transmissões da propriedade por venda ou herança.
Alguns Senhores impunham outros deveres aos servos, que só podiam comprar certos produtos (sal, tabaco, álcool) com seus senhores. Em alguns lugares os servos só podiam moer seus grãos no moinho do Senhor, numa espécie de monopólio. 
Só o senhor poderia caçar. Isso causava prejuízos para o servo, que se via privado de carne e couro, e peles para seu vestuário.
Em alguns lugares da Europa, o senhor detinha o monopólio da pesca nos rios e ribeirões que passavam no interior da propriedade.
Se o Senhor vende a sua terra, os servos vão juntos com a Terra.
Na Rússia no ano de 1841, era possível vender o servo desacompanhado da terra. Mas havia condições: não podia ser separado de filhos não casados.

SERVIDÃO NO IMPÉRIO HABSBURGO:

Um servo retirava de seus rendimentos para pagar:
-17% ao Estado
-24% ao Senhor Local, na forma de dinheiro, produtos, trabalho ou cedendo cavalos para arar o campo do Senhor.
Uma família de camponeses na silésia austríaca funcionava da seguinte forma: Servos com 17 hectares de terra devia fornecer ao senhor local anualmente 2 animais durante 144 dias para arar o campo.

TRIBUNAIS SENHORIAIS:

Eram sancionados pelo Estado. A polícia era formada por servos do senhor. Nesses tribunais eram julgados casos envolvendo servos e senhores. 

"Como se pode esperar que o camponês obtenha justiça quando só dá ao juiz um ovo, enquanto nós (senhores aristocratas) lhe damos um rublo de prata?" (declaração de um rico aristocrata russo em 1840)
(página 140)

O SERVO TINHA DIREITOS:

Tinha o direito de ser julgado num Tribunal Senhorial, por mais pequenas que fossem a sua chance de vitória. O Senhor deveria cuidar do servo nos tempos difíceis. Trataria os doentes. Trataria os idosos e os débeis, na hipótese da família não puder cuidar deles. Alimentar animais dos servos, enquanto trabalhassem para ele, para o senhor. O servo ainda podia colher o restolho das terras do Senhor.


ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "A LUTA PELO PODER, EUROPA 1815-1914, RICHARD J. EVANS, EDITORA EDIÇÕES 70.




Período Pós-Napoleônico Independência Grega Revolução de Julho de 1930 na França Classe Média



IMPÉRIO OTOMANO E A INDEPENDÊNCIA GREGA

No decorrer do Século XIX o Império Otomano foi se tornando mais descentralizado. Istambul, a capital do Império, tinha cada vez mais dificuldade em impor a sua autoridade. Como consequência dessa dificuldade, Istambul nomeava líderes locais para administrar uma determinada região do Império.Um desses líderes locais, que nos interessa nessa momento, era o Paxá de Tepelene, um albanês de origem ao qual cabia administrar o que seria a Grécia atualmente, acrescida da Albânia e da Macedônia. 
O Paxá de Tepelene extrapolava as suas prerrogativas, cobrando impostos por sua conta, governando por meio de extorsão e violência. Isto levou o Sultão Mamude II a intervir  para limitar a autonomia de Tepelene. Em 1820 são enviados 20 mil soldados que cercam o quartel-general de Tepelene, que por sua vez foi buscar aliados na Sociedade de Amigos , uma organização fundada em 1814 por mercadores gregos, que visava a libertação da Grécia do domínio otomano.
O presidente dessa Sociedade de Amigos era Alexander Ypsilantis. Ypsilantis era um oficial do exército russo. Com uma soma em dinheiro arrecadada pela Sociedade de Ammigos, Ypsilantis organizou uma força armada que invadiu os principados danubianos da Valáquia (atula Romênia) e da Moldávia. O objetivo de Ypsilantis era, com essa invasão, desencadear algo maior, isto é, uma guerra entre o Império Russo e o Império Otomano, na esteira da qual a Grécia obteria a sua tão sonhada independência.
A iniciativa de Ypsilantis fracassou, pois Alexandre I, o Czar da Rússia, não veio em seu apoio. Manteve-se fora dos principados danubianos, que pertenciam ao Império Otomano. Vendo-se abandonado, Ypsilantis fugiu para a Áustria, mas sua ação serviu para desencadear uma rebelião no Peloponeso (atual Grécia). A revolta acabou se espalhando entre os habitantes das ilhas no Mar Egeu. 
Abril de 1821: 15 mil dos 40 mil turcos que habitavam o Peloponeso haviam sido mortos pelos rebeldes gregos.
Janeiro de 1822: Uma declaração de uma autodenominada Assembleia Nacional grega proclamou que a Grécia tinha se libertado do Império Otomano. Gregos matavam mulheres e crianças muçulmanas. A reação do Império Otomano não foi menos cruel: o Patriarca Ortodoxo que residia em Istambul foi enforcado; gregos habitantes da ilha de Quios foram massacrados pelos Otomanos. Entre 25 a 30 mil cristãos foram mortos. 
A opinião pública ocidental ficou ao lado dos gregos. Mas isso não deteu a fúria dos Otomanos, que enviaram um forte contingente de tropas egípcias, fornecidas pelo seu vassalo nominal Muhammad Ali, que receberia como pagamento a Síria, que seria acrescentada ao Egito.
O avanço das tropas egípcias deixou atrás de si um rastro de sangue. Sangue cristão. Lembrem-se que, no início da crise, com Ypsilantis invadindo os principados danubianos, os russos, sob Alexandre I, um dos fiadores da Santa Aliança, não intervieram, pois os principados danubianos pertenciam ao Império Otomano e Alexandre I tinha se comprometido em manter o status quo europeu. Mais isso mudou após a sua morte e com a ascensão ao Trono russo de Nicolau I. Nicolau I não se via manietado pelos acordos assinados por Alexandre I.
1826: Em Istambul eclode um distúrbio entre os Janízaros e o Sultão. Ao tomar conhecimento dessa crise em Istambul, a Rússia pede que os turcos se retirem dos Principados do Danúbio. Simultaneamente a isso, Rússia, Grã-Bretanha e França se unem e resolver exigir um armísticio entre o Império Otomano e a Grécia.
1827: Batalha de Navarino. Frota comandada pelo vice-almirante inglês Sir Edward Codrington destrói a frota naval otomana. Mesmo após essa derrota, o sultão otomano continuou perseguindo os gregos e não retirou suas tropas dos principados danubianos. Em resposta à intransigência otomana, a Rússia declara guerra ao Império Otomano. Em 1829, o exército russo está nas portas de Istambul. 
1830: Realização de uma Conferência em Londres, onde ficou acertado a criação de um pequeno Estado Grego independente, que seria administrado por meio de uma Monarquia Constitucional. Em 1832, Grã-Bretanha, França e Rússia impõem o príncipe Bávaro Otto Von Wittelsbach como rei grego. Os principados danubianos passariam a ter uma ingerência vinda da Rússia. Ao mesmo tempo, a Rússia se comprometeu a respeitar a integridade territorial dos otomanos nos Balcãs.

A REVOLUÇÃO DE JULHO DE 1830 NA FRANÇA:

Uma revolução derruba o Rei Carlos X. Em seu lugar assume seu primo, Luís Filipe. 
Carlos X não entrava em acordo com os liberais franceses. Para ganhar apoio popular, Carlos X embarcou numa conquista colonial no norte da África, na Argélia. Carlos X emulava Napoleão: conquistas militares no exterior para ganhar apoio em casa. 
Quando a notícia da expedição colonial francesa chegou a Paris, Carlos X aproveitou para tornar seu regime mais reacionário, adotando a censura estrita, fechando a Assembleia e restringindo o número de pessoas que podiam votar: somente os 25% mais ricos poderiam votar. Com esse eleitorado restrito, convocou novas eleições. Mas o público reagiu. Impressores prejudicados pela nova lei de imprensa, estudantes, veteranos do exército de Napoleão e trabalhadores revoltados com 3 anos de preços altos (pão, cereais, colheiras ruins), foram às ruas protestar. Carlos X colocou tropas nas ruas, mas a revolta já não era um motim, era uma Revolução. O povo nas ruas se protegia atrás de barricadas. Soldados do regime se viam cercados nas ruas, sendo alvejados do alto dos prédios com todos os tipos de objetos numa guerra de penicos. Desmoralizados e em menor número, cercados, guardas do governo começaram a debandar para o lado dos revolucionários. Já sem sustentação militar, Carlos X foi obrigado a abdicar do Trono francês. No lugar de Carlos X, assumiu seu primo, Luís Filipe de Orleães, que havia adquirido uma reputação de liberal, por causa de seu pai, cujas simpatias pela Revolução Francesa de 1789 lhe valerá o apelido de Philippe Égalité. Com a queda de Carlos X, o velho ramo da Casa dos Bourbons deixou de reinar.  
Resultado da Revolução de 1830 em Paris:
- abolição da censura.
- o catolicismo deixou de ser a religião oficial do Estado para ser a religião da maioria dos franceses.
- as exigências para uma pessoa ser eleitora e elegível para um cargo foram afrouxadas, mas mesmo assim só 5% da população masculina adulta podia votar
- remoção da parte do preâmbulo onde constava que a Soberania residia apenas no Monarca
- o rei não podia mais suspender ou bloquear leis.
- Luís Filipe adotou a bandeira tricolor da Revolução Francesa.
- Luís Filipe era agora o REI DOS FRANCESES e não LUÍS XIX ou Filipe VII, Rei de França. 
- a Monarquia sob Luís Filipe havia mudado, tentando emular a Monarquia Constitucional Inglesa

REVOLTAS APÓS A REVOLUÇÃO DE JULHO NA FRANÇA:

- Problemas causados pela Revolução Industrial afetavam o novo regime:

Exemplo: Em Lyon eclodiu uma revolta do tecelões contra as mudanças econômicas acarretadas pela introdução do Tear de Jacquard
O prefeito de Lyon tentou atenuar a crise, estabelecendo um preço mínimo para a produção vinda dos tecelões. Acabou demitido. Sucedeu-se uma revolta na cidade, que resultou em mortos e feridos. O governo central teve que intervir para restaurar a ordem. 
Três anos depois, outra revolta eclodiu, novamente com os tecelões não aceitando a redução de seus ganhos. O governo novamente teve que agir, ocupando a cidade e prendendo os revoltosos. 
A instabilidade marcou o reinado de Luís Filipe. Foi alvo de vários atentados contra a sua vida. Os republicanos franceses tramavam contra ele. 
Luís Napoleão Bonaparte, o sobrinho de Napoleão Bonaparte, tentou dar dois golpes no regime, ambos fracassados (1835 e 1840).
A Revolução de Julho durou 17 anos. Mas os conflitos entre republicanos, orleanistas, bonapartistas e legitimistas continuavam a lutar entre si pelo direito de governar a França.

REPERCUSSÕES DA REVOLUÇÃO DE JULHO NA FRANÇA NO RESTO DA EUROPA:

As grandes potências reconheciam Luís Filipe, mesmo diante da violação do sagrado princípio da LEGITIMIDADE MONÁRQUICA, pelo qual a luta contra Napoleão Bonaparte foi empreendida (entre outros motivos). Era um fato consumado. Mas havia medo que o exemplo francês se alastrasse pelo resto da Europa, encontrando receptividade entre pessoas (liberais instruídos) que tinham sido influenciadas pelas ideias da Revolução Francesa, como o constitucionalismo e a autodeterminação nacional.

BÉLGICA:

25 de agosto de 1830: Bruxelas. Após a apresentação de uma Ópera, seu público sai à rua, entusiasmada com a música AMOUR SACRÉ DE LA PATRIE (Amor Sagrado da Pátria). Isso foi apenas o estopim que levou multidões às ruas, compostas de artesão descontentes, etc. Mais uma criação do Congresso de Viena ameaça ruim. A União do Reino dos Países Baixos com o antigo território austríaco no sul (onde ficava Bruxelas), na forma de um Estado-Tampão para conter qualquer nova aventura expansionista francesa, estava com os seus dias contados. 
Guilherme I era o Rei dos Países Baixos. Ele queria tornar o seu Estado coerente e uniforme, de forma que empreendeu discriminação contra os católicos, que eram maioria em Bruxelas e noutras partes. Obrigava-os a pagarem mais impostos. 
Em 1815, durante o Congresso de Viena, quando o mapa da Europa era redesenhado pelos Políticos, ninguém perguntou para os habitantes de Bruxelas se elas queriam ser governadas pela Holanda. Uma união imposta de cima para baixo não poderia perdurar. E não perdurou. A revolta propagou-se  para Antuérpia. Guilherme I ordenou o bombardeamento da cidade. Cidadãos de Antuérpia, alguns deles protestantes e flamengos, indignados com o bombardeamento, acabaram aderindo à causa de Bruxelas. 
4 de Outubro de 1930: Declaração de Independência Belga. As grandes potências reagem. A Rússia, que era a garantidora da ordem europeia, mobilizou tropas e fez declarações ameaçadoras endereçadas aos belgas. A França, por sua vez, seguiria a Grã-Bretanha.
Uma Conferência em novembro de 1830, em Londres, resolveu a questão belga. Foi escolhido um príncipe alemão para ser o rei da Bélgica, Leopoldo de Saxe-Coburgo-Gota. Leopoldo passou parte de sua vida como oficial do exército russo. Chegou, nessa posição, a enfrentar as forças napoleônicas em 1813. Ele ainda era casado com a filha legítima e única do príncipe regente inglês, Princesa Carlota, numa aliança que lhe conferiu a cidadania britânica e o pertencimento à família real inglesa, com o título de Alteza Real. Era sem dúvida uma pessoa bem relacionada. Carlota morreu em 1817. Em 1831, Leopoldo tornou-se Rei da Bélgica. Na sequência, ele se casaria com Luísa Maria, filha do Rei Francês Luís Filipe. Foi um casamento arranjado, com o objetivo de tranquilizar os franceses, que sempre desejaram anexar a Bélgica ao seu território. 
A Holanda só resolveria suas pendências com a Bélgica somente em 1839. Nesse meio tempo, a Holanda invadiu a Bélgica, sendo obrigada a sair dali pela intervenção dos ingleses pelo mar e pelos franceses por terra.

PORTUGAL:

Havia uma disputa pelo trono português, protagonizada pelos irmãos Miguel e Pedro I, Imperador do Brasil
Com a morte do rei português D. João VI, Pedro I e Miguel deram início a uma disputa pelo trono português. Do lado de Miguel se alinhavam os conservadores britânicos e o partido português absolutista dos nobres proprietários de terras, que estavam descontentes com a Constituição Liberal de 1822 e com a conservação das leis introduzidas por Napoleão no ano de 1800. Os seguidores de Miguel foram denominados Miguelistas. Miguel conseguiu sufocar uma rebelião liberal, A isso seguiu-se um reino de Terror.
No entanto, em 1831, no rescaldo da revolução de julho na França (1830), D. Pedro I entregou ao seu filho (que se tornaria Pedro II) o trono do Brasil e, com apoio francês e inglês, capturou a cidade do Porto, em Portugal. Porto foi sitiada pelos Miguelistas por mais de um ano. A guerra que se seguiu resultou na queda de Miguel e na ascensão da filha de Pedro, Maria da Glória, ao trono português, com o título de D. Maria II.
A Constituição Liberal de 1822 foi restaurada.

ESPANHA:

Em 1833 morreu o rei Fernando VII. Sua filha, ainda criança, ascende ao trono espanhol como Isabel II. Liberais espanhóis se aproveitam do momento de debilidade do governo e forçam a introdução de uma Constituição liberal moderada em 1834. Em 1837, fruto de novas agitações, é elaborada  uma nova Constituição baseada na Soberania Popular, ainda que com restrições impostas pela reserva de amplos poderes à Coroa.

ITÁLIA:

Ainda no rescaldo da Revolução de Julho ocorrida na França, em 1830, italianos (os carbonari) ergueram-se contra o domínio austríaco no norte da Itália e contra o domínio Papal no centro da Itália. Mas a desunião reinante entre os rebeldes e a intervenção austríaca acabaram com a rebelião.

ALEMANHA:

Em Aachen, no extremo oeste da Confederação Germânica(Aix La Chapelle), onde hoje é a Alemanha, moradores locais usavam a roseta tricolor francesa em homenagem aos revolucionários franceses de Julho de 1830.
Na Alemanha havia descontentamento com os governos. Em Leipzig (Saxônia alemã) saiam às ruas mas não sabiam para onde canalizar essa energia, para exigir alguma mudança específica. Os governos alemães conseguiram conter as revoluções. Metternich convocou a Dieta (Confederação Germânica) para aprovar leis que reforçavam a censura, proibiam manifestações, baniam partidos políticos, etc. Áustria, Prússia e Rússia ainda acertaram entre si medidas para combater os movimentos subversivos.
Todavia, em alguns Estados Alemães, foram adotadas algumas melhorias por meio de reformas liberais.

SUÍÇA:

Confederação dos Cantões Autônomos. Com a invasão de Napoleão, nasceu na Suíça um sentimento de identidade comum, divorciada do Sacro Império Romano Germânico. A independência da Suíça foi acordada durante as negociações que deram origem ao Congresso de Viena.

GRÃ-BRETANHA:

Depois de Waterloo, houve agitações e motins. Posteriormente, crescimento econômico e leis repressivas pacificaram a sociedade inglesa. As Seis Leis repressivas baniram a reunião de manifestantes, censuraram a imprensa e suspenderam o Habeas Corpus.
Uma reforma adotada na Grã-Bretanha acalmou o povo e os liberais. Foi aumentado o número de pessoas que agora podiam votar.
Classe Média:

"Os debates sobre a ampliação do direito de voto deram origem a um novo conceito: as classes médias, como disse Earl Grey, o primeiro ministro, fizeram avanços maravilhosos na propriedade e na inteligência e que foram a verdadeira e eficiente massa de opinião pública, sem as quais o poder dos aristocratas não existe."
(página 126)

ARTESÃOS E SEU PAPEL NA REVOLUÇÃO DE 1830:

Os artesãos descontentes desempenharam um papel importante nas revoltas de 1830. Em Manchester operários protestavam contra a diminuição dos salários, em razão da diminuição do crescimento econômico. Agricultores eram dispensados pela adoção da máquina de debulha. Desempregados, esses agricultores destruíram máquinas e incendiaram celeiros.

A MUDANÇA DA POLÍTICA:

"O meu pensamento mais secreto é que a Velha Europa está perto do fim. Determinado a ir ao fundo com ela, saberei como cumprir com o meu dever."
(Metternich, 1829)

Governar o povo tornara-se difícil. O povo reivindicava direitos. Não aceitava mais passivamente o que lhe era imposto de cima para baixo.

"Nos anos 20 do século XIX, a Câmara de Comércio de Turim resumiu a mudança dizendo que a Revolução Francesa provocara uma confusão total entre as diferentes classes da sociedade. Toda a gente se veste da mesma maneira; os nobres não se distinguem dos plebeus; o mercador não se distingue do Magistrado; o proprietário não se distingue do artesão; o senhor não se distingue do criado, pelo menos na aparência. O princípio que criou as Revoluções continua infelizmente a existir. O gênio saíra da garrafa e era impossível voltar a pô-lo lá dentro."
(página 127)

Diante desse novo cenário, era necessário criar um novo Conservadorismo. Mesmo assim, havia radicais que pensavam que a religião, a emoção, os instintos humanos, a tradição, a moral e o sentido histórico consciente do passado deviam substituir o racionalismo iluminista como base da ordem social e política.
Nesse sentido, pensadores da época diziam que a estabilidade social só seria alcançada se as pessoas entendessem que a Monarquia era um poder absoluto obtido por meio de Deus.

"O primeiro servidor da Coroa deve ser o Carrasco."
(Joseph de Maistre - 1753/1821)
(página 127)

"A razão era a inimiga. Só se podia confiar na fé e no sentimento."
(página 128)

"Quando a Monarquia e o cristianismo são atacados, a sociedade regressa à selvageria."
(Louis de Bonald, 1754/1840)
(página 128)

A civilização, para se ver livre das revoluções, uma preocupação recorrente dos governos durante o século XIX, deveria se ver livre do pensamento.

"Para que não haja abusos da imprensa, nada deve ser publicado nos próximos anos. Ponto final. Se esse princípio fosse aplicado como regra obrigatória, em breve voltaríamos a Deus e à Verdade." (Friedrich  Gentz)
(página 128)

Fazendo frente ao novo conservadorismo, havia o Romantismo. Romantismo "é o eco do disparo do canhão de 1789." (August Jal)
(Página 128)

O Romantismo do século XIX era a manifestação da luta pela liberdade representada em quadros, poesias e música. Segundo Vitor Hugo, o romantismo seria o liberalismo na literatura.
O liberalismo era aquele da primeira fase moderada da Revolução Francesa: soberania popular, governo representativo, liberdade e governo constitucional.
Mas a partir dos anos 20 do século XIX, o liberalismo ganhou uma nova cor, representada pelo nacionalismo.
Esse nacionalismo que agora vivia unido ao liberalismo foi obra de Napoleão Bonaparte, ao difundir, simultaneamente, a ideia da Soberania Popular com a política repressiva (e governo exercido por estrangeiros) e extorsiva nos territórios ocupados pelos franceses, criou ali, nas mentes educadas, a ideia de que a liberdade, a luta contra a opressão só poderia ser alcançada por meio da autodeterminação nacional
Até 1830, o liberalismo era um movimento internacional, conectando-se por meio de Maçons e carbonários. Depois de 1830, porém, os movimentos nacionalistas começaram a percorrer rotas diferentes.
A independência Grega, as revoluções de 1830, a independência da Bélgica: eram ecos da Revolução Francesa de 1789, mas havia diferenças:

Semelhanças:
-mais direitos e liberdades: classes educadas e profissionais.
-pão e trabalho: preocupação dos artesãos e trabalhadores
Diferenças:
A relação entre essas forças estava alterada. O Terror Jacobino de 1793/1794 era um fantasma que ainda amedrontava as pessoas e ainda inspirava ações radicais na atualidade - meios da população para articularem suas reivindicações: comícios ao ar livre, motins e criação da barricadas para obstar o avanço da polícia e do exército.
O medo do Terror Jacobino afastou a classe burguesa da violência da população. Na maioria dos lugares isto enfraqueceu as revolução. O resultado foi que o princípio da Monarquia manteve-se intacto. Aquilo que foi destruído, com exceção dos Impérios da Europa Central e do Leste, foi o absolutismo.

FORÇAS POR DETRÁS DAS REVOLUÇÕES DE 1830:

Oficiais das forças armadas. Era mais um legado de Napoleão. Era mais um ator social participando da vida política. Os oficiais foram politizados pelas Guerras Napoleônicas e, por se verem colocados de escanteio pelas Restaurações Monárquicas de 1815, acabaram fomentando grupos conspiratórios e revolucionários.

FORÇAS AUSENTES:

O Campesinato não participou da revoluções de 1830, mesmo sendo em maior número.


ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "A LUTA PELO PODER, EUROPA 1815-1914", RICHARD J. EVANS, EDITORIA EDIÇÕES 70.