terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

A História por trás do Holocausto Destruição de Estados Carl Schmitt o Jurista de Hitler Hannah Arendt



Como foi possível matar tantos judeus ( e outras minorias) durante a Segunda Guerra Mundial?

Não se trata apenas de Auschwitz.

Era mais fácil matar judeus onde não havia Estado, isto é, era mais fácil matar judeus em locais nos quais o Estado foi destruído pela ação alemã ou pela ação soviética.

O primeiro Estado destruído pela Alemanha Nazista foi a Áustria. Em março de 1938 (entre os dias 11 e 15), os nazistas anexaram a Áustria (anschluss). Depois, em setembro de 1938, a Alemanha deu início à destruição da Tchecoslováquia, processo que viria a terminar em março de 1939.

Na sequência, em 23 de agosto de 1939, Hitler e Stálin entraram em acordo, por meio do conhecido pelo Pacto Ribbentrop e Molotov ou Nazi-Soviético. Por meio desse tratado, URSS e a Alemanha Nazista decidiram o futuro de vários Estados: Polônia, Lituânia, Estônia, Letônia. 

Em setembro de 1939, a Polônia se viu invadida pela Alemanha Nazista (1 de setembro) e pela URSS (17 de setembro). A Polônia então deixava de existir como Estado.

No verão europeu de 1940, a URSS invadiu as repúblicas balcânicas da Letônia, da Estônia e da Lituânia. 

Num período de três anos, portanto, a Europa viu o desaparecimento de 6 Estados ( Polônia, Tchecoslováquia, Lituânia, Letônia e Estônia).

Na Alemanha nazista, o jurista Carl Schmitt justificava essas destruições dizendo que o direito internacional tinha como fundamento não a norma, mas a FORÇA. E mais, segundo Hans Frank, advogado de Hitler, o direito só se justificava enquanto protetor da raça. Dessa forma, um país, como a Alemanha, por meio da força, tinha o direito de expandir suas fronteiras, em detrimento de outros país, de forma a proporcinar um Lebensraum (espaço vital - terras para a produção agrícola, para a exploração de matérias primas), isto é, uma vida melhor para a sua população. 

O lebensraum de Hitler não estava na África. A África já estava dividida entre ingleses, franceses, belgas, portugueses, etc. O espaço vital de Hitler estava na URSS. Mas a URSS era um local habitado. Como Hitler pretendia, então, justificar a colonização da URSS? Ele usou a desculpa da raça. Os eslavos, que habitavam a URSS, seriam inferiores, seriam subumanos. Ademais, o Estado Soviético era uma ficção, pois os eslavos, como uma raça inferior, não teriam a capacidade de criar um governo. Para Hitler, os eslavos sempre foram governados por elementos de fora, como, por exemplo, por uma elite alemã, como no caso de Catarina, a Grande, que era alemã. E, agora, a URSS seria um estado governado por judeus. Sendo o Estado Soviético uma ficção, Hitler acreditaria que ele era um gigante com pés de barro, um castelo de carta, bastando um empurrãozinho para destruí-lo. Feito isso, Hitler iria tratar os eslavos da mesma forma como os EUA trataram seus índios durante a expansão para o Oeste. O rio Mississippi de Hitler seria o rio Volga. Hitler trataria os eslavos da mesma forma como os americanos trataram seus indígenas. Matando-os. Então, com a URSS livre dos eslavos, ela seria colonizada pelos alemães. 

"A destruição dos judeus soviéticos causaria o colapso imediato da União Soviética. Ficaria claro que ela não passava de um castelo de cartas ou um gigante com pés de barro. Os eslavos lutariam como índios, com o mesmo resultado. E, então, no oriente, um processo similiar se daria pela segunda vez, como na conquista da América. Uma segunda América seria criada na Europa, depois que os alemães aprendessem a ver os outros europeus como viam os nativos americanos e os africanos, e a consideram o maior país da Europa como um frágil colônia judaica. Nessa colagem racista, os europeus (eslavos) são entremeados com africanos e índios americanos. Hitler comprimiu toda a história imperial e o racismo total numa breve formulação: "Nosso Mississippi deve ser o Volga, não o Níger." O río Níger, na África, não era mais acessível ao imperialismo alemão desde 1918, mas a África continuava sendo fonte de imagens e nostalgia colonialistas. O Volga, no limite oriental da Europa, era onde Hitler imaginava a fronteira do poderio alemão. O Mississippi era não só o rio que corta os Estados Unidos de norte a sul pelo meio do país. Era também a linha para além da qual Thomas Jefferson queria expulsar todos os indígenas. "Quem", perguntava Hitler, "se lembra dos Peles Vermelhas?" Para ele, a África era a fonte das referências imperiais, mas não o lugar real do Império. O leste da Europa era o lugar real, e tinha de ser refeito como a América do Norte teve de ser refeita." (página 37) "Terra Negra, O Holocausto como História e Advertência, Timothy Snyder.

Essa destruição de Estados também serviu para o objetivo nazista de exterminar os judeus. Hitler via os judeus como bodes expiatórios de tudo de ruim que acontecia. Quando, por exemplo, Hitler não conseguiu fazer da Polônia uma aliada da Alemanha, ele culpou os judeus por isso. Num discurso proferido em 30 de janeiro de 1939, Hitler disse que, se houvesse uma guerra mundial, os judeus seriam os culpados pela sua deflagração e, por isso, eles deveriam ser aniquilados. Na cabeça doentia de Hitler, os Judeus estariam por trás das decisões dos principais países (França, Inglaterra, URSS, EUA, etc). Hitler queria que a Polônia fosse aliada da Alemanha numa guerra contra a URSS. Quando a Polônia negou se unir à Alemanha, Hitler acreditou que eram os judeus que estavam por trás dessa atitude polonesa.

Veja o que Hitler disse no discurso de 30 de janeiro de 1939: 👇👇

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo, Acervo Estadão

Ao destruir um Estado, você desfaz a relação que existe entre uma pessoa e uma organização estatal protetora, que é o Estado. Essa relação é chamada de cidadania. E quem mais sofre com esse desfazimento da cidadania é justamente a minoria que habita o Estado. Judeus, ciganos, todos eles foram perseguidos e mortos pelos nazistas. E essa perseguição era mais fácil de ser efetuada justamente em locais onde o Estado não existia mais.

Segundo Hannah Arendt, para que Hitler pudesse expulsar os judeus do Planeta Terra, ele teria que, antes de tudo, expulsá-los do Estado. Sem Estado, não há proteção para o indíviduo. Os nazistas queriam destruir a personalidade jurídica dos judeus, isto é, a sua capacidade de direito, a sua capacidade de ser sujeito de relações jurídicas. A regra segundo a qual toda pessoa é capaz de direitos e obrigações na ordem jurídica não seria aplicada aos judeus. 

Na Áustria, antes do Anschluss, os judeus desfrutavam de uma vida normal. Num piscar de olhos, com o desfazimento da Áustria, em março de 1938, os judeus se viram sem a proteção do Estado. Passaram a ser agredidos, vilipendiados. 

Mas o pior destino para os judeus estava reservado nas áreas onde houve uma DUPLA destruição de Estados. de forma sucessiva ou simultânea.

No leste da Polônia, por exemplo, houve duas destruições. A primeira, com a invasão da URSS, em setembro de 1939. A segunda, com a invasão alemã, em junho de 1941. O mesmo iria acontecer nos países balticos. Nessas áreas, o Estado foi destruídos duas vezes. E, em meio a essa anomia, os nazistas  aproveitaram para fuzilar judeus, jogando-os em valas comuns. E para esses assassinatos, os alemães contavam, principalmente nos países balticos e em território russo invadido pela Operação Barbarossa, com a ajuda da população local. Os habitantes dessas áreas, assim, como uma forma de agradar o novo ocupante, participavam dos assassinatos. Era uma forma, também, de se desvincular do antigo regime comunista, pois, de acordo com o mito judaico-bolchevique, segundo o qual todo judeu era comunista e todo comunista era judeu, quando você matava um judeu, você estava se livrando do seu pecado de ter colaborado com os soviéticos. Era uma forma de você ficar de boa com o novo ocupante nazista. Havia ainda um outro estímulo para que um letão, um lituano, um ucraniano, um russo, um estoniano, um polonês participasse do assassinato de um judeu. Você poderia herdar uma propriedade (casa, apartamento, empresa) dele. Você poderia até ficar com o emprego dele. Os alemães, então se aproveitaram disso. Milhares de judeus foram mortos na Lituânia, na Letônia, na Estônia, na Polônia, na URSS ocupada (Ucrânia, Bielorrúsia, oeste da URSS). Estamos falando dos anos de 1939, 1940, 1941 e 1942. O conhecido campo de extermínio nazista de Auschwitz viria depois disso tudo. Antes de serem mortos nas câmaras de gás de Auschwitz, os judeus eram mortos a bala ou por meio de espancamentos e enterrados em valas comuns. 

Nos locais onde não havia Estado, não eram só os judeus que estavam a perigo. As pessoas que eventualmente tentavam protegê-las também poderiam ser punidas com a morte. Outras minorias também poderiam ser mortas, como os ciganos.

Durante a Guerra, além dessas áreas nas quais o Estado deixara de existir, dando ensejo a todo tipo de atrocidade, havia três tipos de Estados. E, dependendo do tipo de Estado, os judeus se viriam protegidos ou não:

1) Estados Fantoches: Eram Estados criados na esteira da destruição de outros Estados. A Croácia, por exemplo, foi criada na esteira da destruição da Iugoslávia. A Eslováquia, foi criada na esteira da destruição da Tchecoslováquia. Esses Estados dependiam da vitória da Alemanha na guerra. Caso a Alemanha fosse derrotada, eles deixariam de existir, como de fato aconteceu. Posteriormente, com o colapso da URSS, a partir de 1989, esses países ressurgiram, mas essa é outra história. Então, como dependentes da Alemanha, Croácia e Eslováquia davam um tratamento jurídico aos judeus quase idêntico ao que eles teriam experimentado caso vivessem num local cujo Estado tivesse sido destruído

2) Estados Aliados: Hungria, Bulgária e Romênia eram aliados da Alemanha Nazista. Aqui, como havia um Estado, os judeus desfrutavam de alguma proteção. Como Estados, eram ciosos de sua soberania, de modo que o judeus que aí vivesse teria uma chance maior de sobrevivência. 

3) Estados Ocupados: Dinamarca, França, Holanda. Foram estados derrotados pelo exército alemão e que passaram a ser ocupados pela Alemanha. Nesse caso, os judeus também tinham uma chance maior de sobrevivência, em comparação com os judeus que viviam em áreas cujos Estados tinham sido destruídos ou em Estados Fantoches. Além disso, um holandês que resolvesse ajudar um judeu, não correria o risco de morrer, como acontecia com um polonês que resolvesse ajudar um judeu. Como exemplo podemos citar as pessoas que abrigaram a judia Anne Frank. Anne Frank foi capturada e acabou morrendo num campo de concentração. Mas os holandeses que a abrigaram não foram condenados à morte. 

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "TERRA NEGRA, O HOLOCAUSTO COMO HISTÓRIA E ADVERTÊNCIA, TIMOTHY SNYDER

sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Demócrito Aristóteles e o homem que previu a existência de Deus Uma Causa não causada






O que mais desejo é que Aristóteles tenha razão. Que Deus (uma causa não causada) exista e que, por essa razão, eu possa reencontrar a minha mãe. E que todo o sofrimento que vivenciamos, eu, ela e meu irmão mais velho, não tinha sido em vão.


Imagine que você esta segurando um grão de areia entre as pontas dos seus dedos. É difícil discernir detalhes a olho nu, mas logicamente o grão teria duas metades: um hemisfério esquerdo e um hemisfério direito. Você pode imaginar uma faca pequena o suficiente para cortar o grão ao meio, dividindo-o em dois. Em seguida, uma vez que tivesse essas metades de grão, você poderia repetir o processo, cortando-os em quartos de grão e assim por diante.

Teoricamente, poderíamos fazer isso para sempre. Não importa quão pequeno o fragmento de grão, sempre seríamos capazes de aumentar o zoom e dividi-lo ao meio novamente. A alternativa não faria sentido. Imagine-se cortando um grão tão pequeno que ele não teria mais uma metade esquerda ou direita. Um pedaço tão pequeno que não tivesse nenhum lado e simplesmente fosse

Para um objeto como esse, o próprio conceito de dividir em dois seria sem sentido. Seria como tentar dividir por dois numa máquina de calcular e a máquina responder: "Sinto muito, você atingiu a menor das coisas, não pode dividir mais". Você teria de estar louco para sugerir a existência de um objeto menor. Hora de Demócrito entrar em cena. 

Demócrito foi um filósofo/comediante de stand-up que viveu no século V a.C., e ele levou a ideia de substâncias elementares muito a sério. Acreditava que tudo era feito de pedaços microscópicos indivisíveis (átomos) que se combinavam para fazer o mundo à nossa volta. Digamos que você tem um pacote de M&M's. Em vez de comê-los em punhados misturados, todo ser humano sensato os divide em pilhas organizadas por cor e come uma pilha de cada vez. Não confie em ninguém que faça diferente. (Minha nota: o autor está sendo irônico aqui. E também é uma forma de se fazer mais didático).

Esse peneiramento de uma mistura para obter pureza é o que estamos realmente fazendo quando decompomos uma substância em seus elementos; estamos agrupando os átomos segundo o tipo. Isso explicaria também de onde vêm os alótropos. Diamante, carvão e hiperdiamante poderiam todos ser feitos de átomos de Carbono empilhados e arranjados de maneira diferente, levando-nos a várias propriedades. 

E, como se a hipótese do átomo não fosse suficientemente estranha, Aristóteles mais tarde usou a ideia de Demócrito para provar a existência de Deus. Como os átomos estavam constantemente em movimento, quicando uns contra os outros e voando através do vazio entre eles, o movimento de cada átomo podia ser retraçado a uma colisão com um átomo anterior, cujo movimento podia ser explicado como uma colisão com um ainda mais anterior. Causa levava a efeito e todo efeito tinha uma causa anterior. 

Se você recuasse o suficiente, devia ter havido um primeiro movimento, que causou tudo, mas que não teve causa ele mesmo. Tal coisa (uma causa não causada) estaria fora das leis normais da natureza embora sendo ainda capaz de influenciá-las. Em outras palavras, Deus. Faça dessa ideia o uso que bem entender. 

O texto acima foi integralmente copiado (ipsis litteris) de um trecho do livro/ebook  "Elementar, Como a Tabela Períodica pode explicar quase tudo", Editora Zahar, Tim James. 



Minha nota: Os filósofos da antiguidades buscavam substâncias elementares a partir das quais toda a realidade era elaborada/construída. Essa substância elementar recebia o nome de Arché. Arché, portanto, seria o princípio originador de todas as coisas. Os filósofos se dividiam sobre esse tema. Havia os monistas, que diziam que a Arché era uma coisa só. Tales de Mileto, por exemplo, dizia que o princípio originador de todas as coisas era a água (tudo o que tem vida é úmido). Anaxímenes dizia que era o ar. Pitágoras dizia que a Arché era um número, pois tudo pode ser objeto de cálculo. Os pluralistas, por sua vez, como Empédocles, via vários princípios originadores de todas as coisas. No caso ele, ele citava a água, a terra, o fogo e o ar. 

No caso do filósofo Demócrito, citado no texto do livro Elementar, o princípio originador de todas as coisas era o átomo. Para Demócrito, a Arché eram os átomos, indivisíveis, que só poderiam ser captados pelo intelecto. Esses átomos se agregavam e se desagregavam na formação das coisas.

quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Sêneca e a questão do Suicídio Remédio Soberano e do Estoicismo


👉se conseguiu ver claramente que, em si mesma, a morte não é um mal e que, antes, põe fim a nossos múltiplos infortúnios;.."


Sêneca nasceu na província da Andaluzia, na atual Espanha, no ano 1 d.C. Ela pertencia então ao Império Romano. Foi célebre na política e na literatura. Tornou-se Senador romano e sobreviveu ao governo tirânico de Calígula. 

"Calígula tinha muito sangue nas mãos, e todo Senador era um condenado em potencial; a desculpa desse Cesar era que ficara louco, louco de pedra." (página 15)

Na Antiguidade, não havia Estado de Direito, Separação de Poderes, Direitos Humanos. Se um governante ficasse louco, tornando-se tirânico e sem freios, só havia uma forma de contê-lo, assassinando-o por meio de um regicídio. E foi exatamente isso que aconteceu com Calígula. Ele foi sucedido por Cláudio que, por não ter simpatias por Sêneca, mandou exilá-lo na ilha de Córsega. 

Depois de alguns anos no exílio, Sêneca, graças à intermediação da Imperatriz Agripina, viu-se libertado e pôde voltar a Roma. Agripina tinha um filho, Nero, que seria o futuro imperador Romano. Sêneca tornou-se preceptor, o professor de Nero. Sêneca, ainda após o seu regresso, iria se tornar um homem rico e famoso pelos seus livros e pela sua filosofia, o estoicismo. 

No ano 54 d.C, Nero, com 17 anos de idade, torna-se Imperador Romano. Sêneca escreve um livro dedicado a Nero, "Sobre a Clemência". Sêneca assim procedeu porque esperava que, lendo esse livro, Nero viesse a se tornar um governante sábio, sabendo autolimitar-se na condução do seu governo, não ultrapassando os rigores necessários da lei, não punindo de forma desnecessária. 

"Na Antiguidade, o que limitava a arbitrariedade do governante não era um Estado de Direito, e sim exclusivamente o respeito do governante pela dignidade e a vida de seus pares. A palavra "clemência" enchia tanto a boca como hoje fazem "democracia" ou "direitos humanos." (página 29)

Por alguns anos, Nero seguiu os conselhos de Sêneca, portando-se de forma equilibrada no condução de seu governo. Mas, depois de algum tempo, Nero deixa a autolimitação e a clemência de lado e passa a governar de forma tirânica. A primeira vítima foi sua mãe, Agripina. Acreditando que sua mãe participava de um complô para tirá-lo do poder, Nero mata a própria mãe. Sênera fracassara. Em vista disso, Sêneca busca sair da vida pública. Mas não era fácil fazê-lo. Sêneca era um conselheiro próximo de Nero e, nesse tempo, você não poderia simplesmente dizer tchau ao seu Imperador e ir embora. As pessoas poderiam pensar que Sêneca estaria a caminho de se tornar um opositor, um traidor. Mas Sêneca, assim mesmo, retira-se da vida pública, mesmo sabendo que isso poderia colocar sua vida em risco. No ano 65 d.C, Nero descobre mais um complô que pretendia tirá-lo do poder. A tentativa de golpe é desbaratada. Nero desconfia de Sêneca, que por sua vez não tinha participado da trama golpista. Mas isso não importava. O que importava era o que o Imperador pensava. Nero manda ordens para que Sêneca se matasse. O suicídio, naquela oportunidade, era uma saída menos dolorosa. Se a pessoa insistisse na sua defesa, poderia ser submetido a tortura e, ao ser executada, perderia seus bens. O suicídio era uma forma de evitar esses dissabores. A pessoa não seria torturada e sua família não ficaria na miséria. Sêneca então comete suicídio no ano 65 d.C. Três anos depois, Nero finalmente encontraria seu fim, sendo assassinado e deposto de seu trono imperial. 

Sêneca deixou importantes ensinamentos de como se comportar diante da vida. O estoicismo de Sêneca fez com que ele escrevesse, por exemplo, esse trecho, retirado de seu livro "Tratado sobre Benefícios"(livro VII):

""SE NOSSO ESPÍRITO SENTE NÃO MAIS QUE DESPREZO POR TUDO QUE ADVÉM DA BOA OU DA MÁ SORTE; SE ELEVOU-SE ACIMA DAS APREENSÕES; SE, EM SUA AVIDEZ, NÃO ALMEJA MAIS PERSPECTIVAS SEM LIMITES, SABENDO PROCURAR RIQUEZAS APENAS EM SI MESMO...se não teme mais nada dos deuses nem dos homens, consciente de ter pouco a temer do homem e nada de deus; se desdenha tudo o que faz o esplendor de nossa existência e que também é seu tormento; se conseguiu ver claramente que, em si mesma, a morte não é um mal e que, antes, põe fim a nossos múltiplos infortúnios;..." (página 47)

De acordo ainda com o estoicismo de Sêneca, "quando nossa situação parece desesperadora, temos sempre à mão um remédio soberano, o suicídio, que Sêneca (que iria, com efeito, morrer pelas próprias mãos um ou dois anos após escrever essas linhas) considera com nítida boa vontade." (página 48).


Anotações extraídas da leitura do Livro Sêneca e o Estoicismo, de Paul Veyne, Editora Três Estrela, 1º Edição, 2015.

terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Depressão Visão Realista do Mundo Pensamentos Depressivos Ilusões Positivas Saúde Mental


Pessoas deprimidas possuem uma capacidade mais acurada para analisar a realidade? 

É a depressão que possibilita uma visão mais realista da vida ou é uma visão mais realista que faz com que a pessoa passe a ter pensamentos depressivos?

O que vem primeiro? A visão realista do mundo ou a depressão?

O excesso de realismo faz mal à saúde mental? E, por outro lado, são as ilusões positivas que trazem bem estar para a pessoa, resultando numa boa saúde mental?

É a depressão que possibilida uma  apreciação objetiva do mundo que nos cerca ou é essa mesma apreciação objetiva do mundo, divorciada de qualquer ilusão, que faz com que a pessoa tenha pensamentos negativos?

Nunca tive ilusões. Acredito que, na maioria das vezes, sempre me conduzi comandando por pensamentos realistas.

A morte de minha mãe foi a pá de cal em qualquer ilusão positiva que pudesse me alcançar. Ver a doença de minha mãe. Vê-la morrer nos meus braços. Vê-la num caixão. Sim, aquela pessoa ali foi a sua mãe. O rosto. As mãos dela sobre o peito. Mas tudo inerte. As palavras dela, o olhar dela, o toque dela, tudo somente existindo nas minhas lembranças, vendo-a ali. Das 9:00 da manhã de uma quinta-feira, dia 21 de dezembro de 2023, até às 16:30, você ao lado daquele corpo, sua mãe, que não interagia mais contigo. Uma verdadeira tortura. 

Seria a minha depressão (eu já seria, portanto, uma pessoa clinicamente doente, depressiva) que fazia encarar tudo aquilo da forma como acima foi descrito, ou eram meus pensamentos divorciados de qualquer consolo espiritual ("essa vida é só uma passagem"; "Deus tem seus planos"; "ela está olhando por você e Deus lhe dará forças para superar tudo isso", etc) que me faziam sentir ter aqueles pensamentos ruins?

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Por que o mal existe? Georges Minois




Por que o mal existe?

Por que sou tão infeliz?

Quem nunca se fez essas perguntas?

Possíveis respostas: 

Acaso? 

A existência de um Deus perverso? 

Destino? 

Por nosso própria culpa, uma culpa coletiva, nascida do pecado de Adão, que teria legado a degradação ao homem. Essa falta original seria então o legado de toda a humanidade.

A história do pecado original:

O autor da narrativa do Pecado Original, que está na Bíblia, se valeu de várias tradições existentes em sua época, para compor uma história que visava justificar a existência do mal, do sofrimento do mundo. Buscava ainda solucionar o seguinte dilema: SE DEUS É INFINITAMENTE BOM, ELE NÃO É TODO PODEROSO, CASO CONTRÁRIO NÃO DEIXARIA ACONTECER TANTA COISA RUIM NO MUNDO. E SE DEUS É TODO PODEROSO, ENTÃO ELE NÃO É INFINITAMENTE BOM, CASO CONTRÁRIO AGIRIA PRONTAMENTE PARA ERRADICAR O SOFRIMENTO DO MUNDO.

Todo mito é uma narrativa é uma narrativa fantasiosa sobre a realidade que nos cerca. Sem uma explicação científica em mãos, os antigos atribuíam todos os fenômenos da natureza pela ação de numerosos deuses. E para explicar a origem de todo o sofrimento humano, também foi necessário a criação de um mito. O mito de Adão e Eva. Adão comeu do fruto proibido, infringindo uma proibição que lhe fora imposta por Deus. O mal então que vivenciamos é o resultado dessa falta original cometida por Adão. A pena, inicialmente imposta a Adão, o ultrapassou, alcançando-nos. As dores que uma mulher sente no parto é o resultado da falta cometida por Eva, pelo fato dela ter oferecido o fruto proibido ao seu companheiro. A serpente também foi castigada por Deus, sendo condenada a viver eternamente andando sobre seu próprio ventre. O homem, por sua vez, foi condenado a ganhar o pão, o seu sustento, com o suor de seu rosto. Paulo de Tarso dizia que da mesma forma como um só homem, Jesus Cristo, fora capaz de salvar humanidade, somente um homem, Adão, fora capaz de desgraçar a humanidade. Uma falta original da qual resultará uma culpabilidade coletiva hereditária que atingirá todos os homens.

Os 4 elementos do Pecado Original

a) a mulher

b) a serpente

c) a árvore

d) a interdição que Deus impõe ao homem, consubstanciada na proibição do consumo do fruto de uma determinada árvore, sob pena de ser castigado caso transgredisse essa interdito.

A Mulher: A mulher não fazia parte do plano original de Deus. Até seu nome, Ishsha, deriva do nome dado ao homem, Ish, Da costela do homem fez-se a mulher. Apesar de derivada do homem, a mulher domina-o por meio de um poder, o desejo sexual. Esse poder de sedução sexual faz com que se veja a mulher com um olhar de suspeita. A mulher fascina, inquieta o homem, daí seu papel central na falta original cometida por Adão.

A Serpente: Símbolo do falo, do pênis, da penetração, da fecundidade, da regeneração pela mudança de pele. Penetra por buracos inacessíveis ao homem, simbolizando uma expansão por áreas desconhecidas. E Deus proibiu que Adão se aventurasse por terrenos desconhecidos, proibindo-o de obter conhecimento.

A árvore: As árvores do bem e do mal. Representam o desejo do homem pelo conhecimento. A árvore é vista por várias tradições como centro do mundo, morada de almas, etc. É nesse desejo do homem pelo conhecimento que reside a sua falta original. Adão, ao comer a maça, viola a proibição divina de consumir o fruto da árvore do conhecimento. 

A interdição divina: Deus impôs um óbice a Adão: não coma da árvore do conhecimento. Mas Adão acabou por desobedecer Deus, dando origem à falta original que, por sua vez, daria origem a todo o sofrimento do mundo.

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DO LIVRO: 

As origens do mal: Uma história do pecado original Georges Minois


sábado, 6 de janeiro de 2024

Machado de Assis Memórias Póstumas de Bras Cubas Legado da nossa Miséria e minha Mãe


Minha mãe morreu às 00:10 do dia 21 de dezembro de 2023. Dizem que esses eventos acontecem porque estão inseridos naquilo que seria um plano de Deus. Tinha chegado a hora dela. Todo mundo vai morrer um dia mesmo, como disse Jair Bolsonaro durante a Pandemia da Covid19. Dizem ainda que é o caminho natural o filho enterrar a mãe, o pai. Lugares comuns, chavões. A verdade é que não existe nada de natural, nada que um plano possa justificar, mesmo que ele seja divino, ver sua mãe morrendo nos seus braços, alguém que você ama profundamente, sufocada por uma broncoaspiração, nem conseguindo lhe reconhecer, nem conseguindo se despedir de você. Alguém que conviveu com você por 51 anos e, num instante, deixa de existir. É a exemplificação da miséria que é a nossa existência. É o legado da nossa miséria.

Hoje, no jornal da minha cidade, O Município, vi uma foto de minha mãe, quando ela era professora substituta. Ao vê-la, todos esses pensamentos me vieram à mente. Na verdade, eles não me saem da mente.  Mas me veio, aí sim pela primeira vez, a parte final do livro de Machado de Assis, Memórias Póstumas de Bras Cubas. Trecho abaixo:

Capítulo CLX Das Negativas

"................Somadas umas cousas e outras, qualquer pessoa imaginará que não houve mingua nem sobra, e consequentemente que saí quite com a vida. E imaginará mal; porque ao chegar a esse outro lado do mistério, achei-me com um pequeno saldo, que é a derradeira negativa desse capítulo de negativas - Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria."




sexta-feira, 22 de dezembro de 2023

O Ser e o Nada

Transitamos no tempo de sermos algo para não sermos nada.

Na Foto 1 meu pai, meus dois irmãos e minha mãe, grávida de mim

Meu pai se foi em 2005, minha mãe se foi ontem de madrugada, dia 21 de dezembro de 2023

Na Foto 2, atual, no mesmo lugar, não há ninguém

É uma previsão daquilo que efetivamente irá acontecer, quando eu e meus irmãos não estivermos mais nesse vale de lágrimas



FOTO 1 (1972)





FOTO 2 (2023)







Vou morrer duas vezes



Vou morrer duas vezes. A primeira vez foi na madrugada do dia 21 de dezembro de 2023, quando minha mãe, Maria Aparecida, de 86 anos, depois de enfrentar com força uma operação, faleceu. Ela morreu nos meus braços e eu morri também. 





quinta-feira, 26 de maio de 2022

Breves relatos sobre Rússia Ucrânia e Crimeia



RUS:

Rus era o nome empregado para designar uma imensa área no leste da Europa. Ela correspondia basicamente ao que hoje são a Rússia e a Ucrânia, indo de Kiev, no sul, a Novgorod, no norte. 

O nome Rus, antes de indicar uma área geográfica, foi usado para nomear os vikings que, partindo da Suécia, Noruega e Dinamarca (Escandinávia), penetravam, por meio dos rios Dnieper e Volga, no interior do que hoje são a Rússia e a Ucrânia. Esses remadores nórdicos estabeleceram então uma rota comercial, que ligava o Mar Báltico e o Mar Norte ao Mar Negro e ao Mar Cáspio. 

Esses remadores nórdicos, conhecidos como 'nórdicos varegues,  desciam os rios Dnieper e Volga. Eles usavam essa rota para comércio e pilhagem. Quando o líder nórdico/viking/varegue se deparava com uma comunidade que podia se defender de um ataque, ele optava pelo comércio civilizado. Mas se ele se deparava com uma comunidade indefesa, optava pela pilhagem, pelo saque, fazendo escravos. Além dos escravos, os vikings tinham outros produtos, como por exemplo, peles, tomadas como tributos de povos lapões e finlandeses.

Essas mercadorias seriam então vendidas nas grandes cidades do sul, como Constantinopla e Bagdá. A viagem que esses homens empreendiam pelo interior das atuais Rússia e Ucrânia era terrivelmente perigosa, cheia de dificuldades, agonia e medo. Esses homens, os Rus, "...intrusos em uma terra vasta e hostil, o próprio conhecimento de como a situação era perigosa, servira para instilar neles uma forte noção de disciplina. Eles lutaram e comerciaram juntos, como 'Varangos', homens ligados por um compromisso comum, um 'vár'. Os perigos e os lucros: os Rus partilhavam ambos." (página 276 - Milênio, A Construção da Cristandade e o medo da chegada do ano 1000 na Europa, Tom Holland, Editora Record).

Pelo caminho percorrido, os Rus foram construindo postos de trânsito, que depois evoluíram para fortalezas e, por fim, evoluíram para cidades. Algumas dessas cidades, como Kiev, às margens do Rio Dnieper, se transformavam em Principados. 

KIEV

Kiev, a atual capital da Ucrânia. Como dito acima, ela fundada pelos Vikings (Rus). Ela é o núcleo histórico da Rússia, provavelmente fundada no século VI ou VII, como centro de um Estado Feudal. A dinastia que a governava era a Riruk ou Riúrik. O príncipe mais importante que a governou, entre o final do século X e início do século XI, foi Vladimir I (956-1015). Vladimir I converteu-se ao cristianismo ortodoxo, que era adotado no Império Bizantino, iniciando o braço russo da Igreja Ortodoxa. Vladimir e seus sucessores reivindicavam para si o governo de uma imensa área, que ia do Mar Negro ao Mar Báltico, que hoje correspondem às atuais Rússia e Ucrânia.

"Tudo nas terras dos rus - a Rússia - existia em uma escala mais vasta e fabulosa." (página 276, Milênio, A Construção da Cristandade e o medo da chegada do ano 1000 na Europa, Tom Holland, Editora Record.)

Kiev era chamada de capital do Principado Varangariano-Russo. Sendo então a mais antiga cidade estabelecida por aquelas paragens, ficou conhecida como "..mãe das cidades russas e a Jerusalém da Rússia" (página 437, Dicionário de História do Mundo, Edmund Wright e Jonathan Law, Editora Autêntica. Originalmente publicado em inglês pela Oxford University Press).

Kiev foi primeiro centro da igreja ortodoxa, que depois iria se espalhar por toda a Rus, sendo hoje, a igreja dominante na Rússia e na Ucrânia. 

DINASTIA RIÚRIK OU RIRUK:

A dinastia Riúrik ou Riruk teria sido fundada por um príncipe escandinavo (um nórdico, um viking) quase mítico que, em 862 (século IX), foi convidado pelos eslavos e outras tribos locais para governá-los, tornando-se então o fundador da primeira dinastia russa. Em 988, Vladimir I, descendente de Riúrik, grão-príncipe da Rus, converteu-se à Igreja Ortodoxa do Império Bizantino.

"Sua frágil confederação de principados unidos pela Dinastia Riúrik, conhecida como RUS KIEVANA, acabou se estendendo praticamente do Báltico ao Mar Negro. Mas, entre 1238 e 1240 (século XIII), foi destroçada pelos exércitos mongóis de Gengis Khan e sua família, que durante os dois séculos de dominação (mongol) permitiram que os príncipes Riúrik governassem pequenos principados como vassalos." (página 54, Os Románov, 1613-1918, Simon Sebag Montefiore, Editora Companhia das Letras)

Havia um movediço mosaico de principados russos. O primeiro deles foi criado por Oleg, que depois foi passado para seu filho, o príncipe Igor (912 - século X). Esse principado original acabou se desintegrando em vários outros, como por exemplo, o Principado de Kiev.

O grande nome do Principado de Kiev foi Vladimir I. Após sua morte, no ano de 1015 (século XI), seus filhos passaram a travar uma luta para ver quem herdaria o poder deixado pelo pai. 

"A Rússia mergulhou numa guerra civil com a morte do grão-príncipe Vladimir I (1015), que tinha filhos em excesso e deixou alguma coisa para cada um deles. Em 1030, só restavam 3, um deles reinando sobre o atrasado principado de Polotsk, enquanto os dois outros, reinando em Novgorod e Tchernigov, dividiram o resto do país entre si." (página 62 - Atlas de História Medieval. Colin Mcevedy, Editora Companhia das Letras)

Nos séculos seguintes a Rus continuou uma colcha de retalhos com seus vários principados. 

"A Rússia passou então por uma interessante descentralização. Iaroslav de Novgorod tomou Polotsk com a morte de seu irmão, o príncipe de Tchernigov, seguindo o exemplo de seu pai, e deixando a cada filho um principado (1054). Estes estavam ordenados, com o grande principado de Kiev tendo precedência e, ao menos na teoria, exercendo certo controle sobre os outros." (página 66, Atlas de História Medieval. Colin Mcevedy, Editora Companhia das Letras)

No século XIII, em torno do ano 1278, os mongóis invadiram a Rus. Os principados russos foram tomados pelos cavaleiros mongóis. Os príncipes russos então viraram vassalos dos mongóis. Os principados russos continuaram existindo, mas tinham que cobrar tributos em suas áreas e repassá-los para os mongóis. Nos séculos seguintes um principado, o de Moscóvia, com seu centro na atual cidade de Moscou, passaria a ganhar força. Esse principado de Moscóvia seria o embrião do qual surgiria a moderna Rússia.

MOSCÓVIA/RÚSSIA

Moscóvia era, no século XIII, apenas mais um principado da Rus. Seu Grão-Príncipe vivia numa fortaleza, o Kremlin, na cidade de Moscou. Naquela época, como como outros grão-príncipes da Rus, o grão-príncipe da Moscóvia era apenas um vassalo do Império Mongol. Mas com o passar do tempo, ajudado pela queda do poder Mongol, os grão-príncipes de Moscóvia foram amealhando poder, a ponto de se expandir pela Rus, conquistando territórios de outros principados Rus, como Novgorod, e territórios que pertenciam aos mongóis, como os canatos de Astracã e Kazan. 

Enquanto o Principado da Moscóvia se expandia, a cidade de Kiev e a Ucrânia ficavam para trás. O centro do poder das terras que eram conhecidas como Rus, tinha então se deslocado do principado de Kiev para o Principado da Moscóvia.

Esse crescimento, finalmente, resultou naquilo que seria o Império Russo sob a dinastia Románov, que depois seria substituído pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Com o fim do comunismo nos anos 1989/1991, com o desmembramento da URSS, voltou a surgir a Rússia, como a conhecemos hoje, mas com alguns acréscimos territoriais, como a península da Crimeia. E com o andamento da guerra da Ucrânia, iniciada em 2022, pode ser que a Rússia abocanhe novos territórios ucranianos. 

UCRÃNIA:

O que viria a ser a moderna Ucrânia, naquela época era "Como o Velho Oeste americano, a pouco populosa - e, em muitos pontos, totalmente vazia..." (página 468 - Pedro, o Grande, Sua Vida Seu Mundo, Robert K. Massie, Editora Amarilys)

Assim como o Velho Oeste americano do século XIX, a Ucrânia dos séculos XV, XVI, XVII, XVIII, era "...um imã para almas inquietas que desejavam escapar das restrições e opressões da sociedade convencional. Na Rússia, muitos desses pioneiros buscavam escapar da lei;.." (página 469, Pedro, o Grande, Sua Vida Seu Mundo, Robert K. Massie, Editora Amarilys)

Assim, buscavam refúgio na Ucrânia servos russos ligados à terra que fugiam, soldados alistados à força, etc. Esses pioneiros, quando entravam na Ucrânia, passavam a viver ao lado de gente semelhante a eles, pois todos eram eslavos, tinha a mesma religião ortodoxa. Eram recebidos ainda em comunidades cujos membros recebiam o nome de Cossacos.

Cossacos: 

Esses cossacos, assim como os russos, adotavam também a religião ortodoxa. A Ucrânia vivia geograficamente cercada.

No norte, o Principado de Moscóvia, cada vez maior, expandia-se sem parar e já era chamada pelo seu nome atual, Rússia. No sul, havia os Tártaros da Crimeia, descendentes das hordas mongóis de Gengis Khan. Esses Tártaros ainda eram vassalos do Império Otomano. A oeste havia um dos maiores países da Europa, a comunidade formada pelo Reino da Polônia e pelo Grão-Ducado da Lituânia. 

A partir do século XIV, a área da Rus que correspondia à Ucrânia atual era dividida entre os russos, os poloneses/lituanos e os tártaros. Os ucranianos, então sem forças para patrocinarem uma Ucrânia independente, por uma questão de sobrevivência, tiveram que oscilar entre lealdades múltiplas. Podiam se aliar aos poloneses e aos tártaros contra a Rússia. Podiam ainda se aliar à Rússia contra os poloneses e os tártaros. Na Grande Guerra do Norte (1700-1721), por exemplo, um líder cossaco, de nome Mazeppa, sonhando em obter a independência da Ucrânia, chegou a se aliar ao rei sueco Carlos XII. 

Por fim, o que hoje é a Ucrânia, na maior parte de sua história, esteve sob o domínio do russos, tanto na época em que Moscou era a capital do Império Russo, sob a dinastia Románov, quanto na época em que Moscou era a capital da URSS. 

No fim da Primeira Guerra Mundial, em 1918, os nacionalistas ucranianos tentaram criar uma Ucrânia independente. O projeto malogrou em 1922, quando da invasão do exército vermelho, sob o comando da URSS. A Ucrânia então se transformou na República Socialista Soviética Ucraniana. A Ucrânia só voltaria a ser independente em agosto de 1991, quando o país se desvinculou da URSS. 

"Em 1990, desenvolveu-se uma forte pressão pela independência da URSS e o Soviete Supremo da Ucrânia declarou formalmente a independência em agosto de 1991, com um impressionante apoio em um referendo." (página 746 "Dicionário de História do Mundo" Edmund Wright e Jonathan Law, Originalmente publicado em inglês pela Oxford University Press, Editora Autêntica)

TODAS AS RÚSSIAS:

A Rus original abrangia uma grande extensão de terras. Como dito acima, ela acabou se desmembrando em principados. Com a ascensão do Principado da Moscóvia, houve então a ambição de reunir todas essas Rus, todas essas RÚSSIAS, também chamada de Rus Kievana, nas mãos de um só governante. O Império Russo, sob a dinastia Románov, e a sua sucessora, a URSS, conseguiram unir todas as Rússias sob um só governo. Com a queda do comunismo nos anos 1989/1991, o sonho de unir todas as Rússias caiu por terra, com a Ucrânia e a Bielorrússia se separando de Moscou. 

MOSCÓVIA era então a GRANDE RÚSSIA.

BIELORRÚSIA era a RÚSSIA BRANCA

UCRÂNIA era a RÚSSIA PEQUENA

Os territórios dos tártaros, na península da Crimeia, e nas proximidades do Mar Negro, conquistadas somente no final do século XVIII, por Catarina, a Grande, foram chamados de NOVA RÚSSIA.

Por fim, a Galícia, território que chegou a pertencer à Polônia e ao Império Habsburgo, foi chamada de RÚSSIA VERMELHA

JURAMENTO DE KHMELNÍTSKI E A POSSE DA CRIMEIA:

Em meados do século XVII, houve um evento envolvendo russos e ucranianos que traria consequência 300 anos após a sua realização.

Em meados do século XVII, os cossacos que viviam na parte da Ucrânia dominada pelo reino da Polônia/Lituânia, se rebelaram. Esses cossacos eram cristãos ortodoxos, enquanto que os poloneses eram católicos. Os cossacos eram camponeses, enquanto que os poloneses eram os magnatas locais, proprietários de grandes porções de terra. Os cossacos sentiam-se explorados pelos poloneses, daí a rebelião. Mas os cossacos precisavam de ajuda, daí se virarem para os russos, pedindo auxílio militar ao Czar Aleixo. Para a Rússia, esse pedido dos cossacos era uma oportunidade de expandir seu território, resgatando as terras perdidas da Rus Kievana.

O líder dos cossacos era Bogdan Khmelnítski, que já tinha servido os sultões otomanos e os poloneses. Agora, ele tinha mudado de lado outra vez. passando a combater os poloneses e pedindo ajuda aos russos. 

"Em janeiro de 1654, Khmelnítski jurou fidelidade ao Czar Alexei, que em troca reconheceu a liderança de Khmelnítski. Para os russos, esse foi o momento em que a Ucrânia passou a ser deles; para os ucranianos, foi a ocasião em que a Rússia reconheceu a sua independência. Na verdade, foi apenas uma aliança militar conveniente em uma guerra patrocinada por Alexei para atacar a Polônia e conquistar a Ucrânia." (página 98 Os Románov, 1613-1918, Simon Sebag Montefiore, Editora Companhia das Letras

De fato foi o Czar Alexei quem tomou a iniciativa de uma guerra contra a Polônia. Alexei tinha imposto a si mesmo a missão de defender a religião ortodoxa russa contra os católicos poloneses. O início da guerra tinha sido favorável aos russos, com a conquista das cidades de Smolensk e Minsk. A paz entre Rússia e Polônia veio em 1666. Os cossacos ucranianos não conseguiram a independência da Ucrânia. A Rússia anexou definitivamente a cidade de Smolensk e, por um período de 2 anos, a cidade de Kiev. A atual Ucrânia era, naquele ano de 1666, dividida entre russos, poloneses, tártaros da Crimeia e Império Otomano. 

Voltando ao JURAMENTO DE KHMELNÍTSKI, 300 anos depois de sua realização, para celebrar o seu aniversário, Stálin, o então ditador da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), decidiu dar a Península da Crimeia à então Republica Soviética da Ucrânia. Essa decisão foi mantida pelo seu sucessor, em 1954, Nikita Kruschóv. Ninguém podia prever, em 1954, que a URSS iria desmoronar nos anos 1989/1991. Ninguém poderia prever que a Ucrânia iria se tornar um país independente, levando consigo a Península da Crimeia. Somente em 2014, por obra de Vladimir Putin, o todo poderoso da atual Rússia, a Crimeia voltou a pertencer à Rússia.

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DOS LIVROS:

Os Románov, 1613-1918, Simon Sebag Montefiore, Editora Companhia das Letras

"Dicionário de História do Mundo" Edmund Wright e Jonathan Law, Originalmente publicado em inglês pela Oxford University Press, Editora Autêntica

Pedro, o Grande, Sua Vida Seu Mundo, Robert K. Massie, Editora Amarilys

Milênio, A Construção da Cristandade e o medo da chegada do ano 1000 na Europa, Tom Holland, Editora Record

Atlas de História Medieval. Colin Mcevedy, Editora Companhia das Letras








quinta-feira, 5 de maio de 2022

Os Homens do Fim do Mundo Os criadores das Armas de Destruição em Massa Bomba Atômica



EXTINÇÃO DO SER HUMANO:

O ser humano é a única espécie que pode produzir a sua própria extinção. Esse feito só foi possível graças à engenhosidade dos cientistas que, conseguindo liberar a energia do átomo, conseguiram produzir armas de destruição em massa.

Mas antes das armas atômicas, outras armas postularam a posição de destruidoras em massa da espécie humana.

a) Armas Químicas: A primeira arma de destruição em massa foi o gás venenoso criado pelo alemão Fritz Haber. Ela então foi utilizada pela primeira vez na Primeira Guerra Mundial, na batalha de Ypres, em 1915.

b) Armas Biológicas: A segunda arma de destruição em massa foi a biológica. Ela utilizava vírus e bactérias. Ela começou a ser estudada na década de 30 do século XX, por um cientista japonês, Shiro Ishii. 

c) Energia do átomo: Por fim, a arma de destruição em massa mais famosa foi a bomba atômica. Um húngaro, radicado nos EUA, Leo Szilard, descobriu a maneira de liberar a energia do átomo, o que deu início à corrida pela obtenção de uma bomba atômica. 

"Leo Szilard foi o primeiro a descobrir, em 1933, a maneira de liberar as poderosas forças que atuam no coração de todos os átomos. A ideia lhe ocorreu como um estalo, quando ele atravessava uma rua perto de Russel Square, Bloomsbury, Londres. O ponto crucial estava em lograr uma reação em cadeia de nêutrons, para causar um efeito dominó que se expandisse pela matéria e liberasse um número cada vez maior de nêutrons. Fora de controle, ela produzia a maior explosão conhecida pelo homem. Sob controle, proporcionaria ao mundo um suprimento ilimitado de energia barata." (página 28)

Szilard foi além, teorizando sobre uma arma atômica que pudesse, sozinha, acabar com a vida na Terra. Esta arma do fim do mundo seria a Bomba de Cobalto (Bomba C). Essa arma seria originalmente uma Bomba de Hidrogênio, uma Bomba H, mas que, depois de envolta em Cobalto, que absorve radiação, causaria, após a sua detonação, uma nuvem de poeira radioativa, que uma vez precipitada sobre a superfície da Terra, causaria a extinção da vida tal qual como a conhecemos. 

O ÁTOMO:

"A história do átomo começa no século V a.C. Os filósofos gregos Leucipo e Demócrito acreditavam que a matéria era formada por átomos imutáveis e indestrutíveis, que constituíam as menores unidades do mundo físico. A palavra átomo vem do grego 'atomo', que significa indivisível. Em 1808, John Dalton, um quaker de Manchester, reviveu o atomicismo, que se tornou, graças a ele, um instrumento poderoso da ciência, dominante do século XIX, a química."(página 57)

Foi Dalton que propôs que os elementos podiam diferenciar-se uns dos outros pelos pesos relativos de seus átomos.

No final do século XIX e início do século XX, a ideia do átomo como indivisível caiu por terra. O átomos podia ser dividido. E dessa divisão poderia ser extraída energia. No século XX, essa energia resultaria na fabricação de bombas atômicas e em Usinas Nucleares para a produção de energia elétrica.

A ENERGIA ESCONDIDA NA MATÉRIA:

O primeiro cientista a vislumbrar a energia que estava escondida na matéria foi o francês Henri Becquerel, em 1896. O elemento químico que permitiu essa descoberta foi o Urânio. Becquerel descobriu uma energia que vinha do Urânio. Uma aluna de Henri Becquerel, Marie Curie, decide investigar essa energia vinda do Urânio. Trabalhando com o Urânio, Curie obtém outro elemento químico, o Rádio. Mas para entender de onde vinha essa energia do Urânio e do Rádio, era necessário estudar o átomo.

O coração do átomo é o seu núcleo, composto por nêutrons e prótons, que estão firmemente ligados. Eles permanecem fixo, imutáveis dentro do núcleo. E o número de prótons dentro do núcleo é que define o elemento químico. Um átomo com um próton em seu núcleo é o elemento químico Hidrogênio. O elemento químico Hélio tem em seu núcleo dois prótons e dois nêutrons. O ouro tem 79 prótons. Agora, o que nos interessa aqui, o núcleo do Urânio, tem 92 prótons e, geralmente, 146 nêutrons. É o maior núcleo da Terra. Ele é tão grande que expele pedaços de si mesmo. E esses pedaços expelidos são a Radiação. Assim, quando o núcleo do átomo de Urânio expele pedaços de si mesmo, na forma de radiação, ele está perdendo prótons, de forma que ele não terá mais os 92 que originalmente o compunham. E isso significa que ele não é mais Urânio, pois o núcleo do átomo do Urânio tem 92 prótons. Passamos a ter então um elemento químico diverso daquele Urânio com o qual estávamos lidando. Estamos diante da transmutação. Um elemento químico, o Urânio, ao expelir prótons de seu núcleo, transforma-se num novo elemento químico. 

a) Transmutação: 

O Urânio, quando expele, exala radiação e energia, mudando sua estrutura atômica, transforma-se em Tório, um elemento químico diverso do Urânio. O Tório também é radioativo, ele libera radiação e se transforma em Protactinio, um novo elemento químico, diverso do Urânio e do Tório. Então aparece o elemento descoberto por Marie Curie, o Rádio. O Rádio decai e temos agora um novo elemento químico, o Radônio, que é um gás. Na sequência, temos o Polônio, que já não é um gás. Enfim, o Urânio dá origens a 14 elementos químicos. O último é o chumbo. O chumbo não é radioativo, não decaindo, isto é, não se transformando em outro elemento químico. 

Toda vez, portanto, que um átomo de Urânio altera sua estrutura atômica, por meio de sua divisão, ele perde um pouco de sua massa, liberando energia. E essa energia poderá ser usada numa bomba atômica ou pacificamente, numa Usina Nuclear, para produzir energia elétrica para residências e indústrias. 

b) Reação em Cadeia:

Como vimos, o Urânio muda naturalmente sua estrutura atômica. Mas poderia o ser humano forçar essa mudança? Otto Hahn, um cientista alemão, descobriu que sim. Otto Hahn conseguiu dividir o núcleo do átomo de Urânio, que tem 92 prótons e 143 nêutrons. Somados, tem a massa atômica 235, razão pela qual é chamado Urânio 235. A força que mantém esse núcleo unido é a maior força do universo. Esse núcleo é tão grande e encontra-se em tal estado de tensão e instabilidade que, se for adicionado nele mais um nêutron, sua instabilidade aumentará ainda mais, de forma que o núcleo colapsa, sofrendo então uma divisão, uma fissão. Aquele núcleo original então se transforma em dois outros núcleos, com massa menor, sendo que essa perda de massa resultou na produção de energia. Essa divisão, além de produzir energia e dois novos núcleos de massa menor, ainda produz de dois a três nêutrons. E é aqui que a ideia de Leo Szilard, da reação em cadeia, se encaixa, porque esses dois ou três nêutrons liberados irão atingir outros núcleos de Urânio 235, que também irão sofrer uma divisão (fissão), liberando então mais energia e mais nêutrons. 

Dessa forma, um núcleo de Urânio pode se dividir em 2, que irão se dividir em 4, em 8, em 16 e assim por diante, numa reação em cadeia.

Fonte para o tópico "Energia escondida na matéria."

PBS: Uranium - Twisting the Dragon's Tail



A CIÊNCIA COMO SALVADORA DO MUNDO E COMO CAUSADORA DE SEU FIM:

Num primeiro momento, no início final do século XIX e início do século XX, a ciência foi vista como o instrumento para criar um mundo melhor para todos. Por exemplo, a manipulação do átomo, de forma a extrair a energia contida nele, possibilitou a criação do Raio-X, em 1895, que ajudou no desenvolvimento da medicina. 

A história do Raio-X:

Curiosamente, o criador do Raio-X, o alemão Wilhelm Conrad Rontgen, que trabalhava na Universidade alemã de Wurzburg, não sabia de onde provinha o Raio-X. Numa entrevista, ele respondeu às perguntas de um repórter da seguinte forma:

Seria Luz? Rontgen respondeu que não. Seria eletricidade? Rontgen respondeu que não nas formas que a conhecemos. Por fim, Rontgen respondeu que não sabia de onde provinha o Raio-X.

"As radiações eletromagnéticas de alta energia, como os raios-x, podem soltar elétrons dos átomos. Em consequência, os átomos passam a conter carga elétrica, em um processo conhecido como ionização. Os átomos ionizados podem ser muito instáveis." (página 68)

Na época não se sabia disso, de forma que as pessoas eram expostas aos raios-x sem proteção. Muita gente acabou morrendo por causa disso ou ficando gravemente doente. 

Clima de Otimismo com a ciência:

Nesse clima inicial de otimismo, cogitou-se até que a criação de uma arma de destruição em massa poderia acabar com todas as guerras. Essa utopia científica era exemplificada pelo surgimento de um mago científico que, a partir de seu laboratório, surgiria com uma arma tão terrível, tão devastadora, que nenhum país poderia confrontá-lo militarmente. Esse cientista então obrigaria os exércitos do mundo a desarmar-se. Assim, a figura do cientista-salvador e a sua superarma libertariam o mundo de séculos de guerras. (página 17)

FIM DAS UTOPIAS CIENTÍFICAS:

Em meados do século XX, com o início da Guerra Fria entre a União Soviética e os EUA, e com as explosões de bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, essa idealização da ciência e dos cientistas caiu por terra. A corrida atômica entre EUA e União Soviética colocou o mundo de sobressalto. Todos agora esperavam pelo fim do mundo, pelo apocalipse. Os cientistas então passaram a ser vistos como aqueles que iriam destruir o mundo. Essa nova ideia foi exemplificada pelo filme de Stanley Kubrick, "Doutor Fantástico" (Dr. Strangelove), que traz a figura de um cientista criador de uma arma que acabaria com a vida na Terra. https://www.youtube.com/watch?v=L2VN0TpIOPI

INÍCIO DA INVENÇÃO DA BOMBA ATÔMICA:

O primeiro reator nuclear, que iria produzir o material para a confecção das bombas atômicas jogadas sobre Hiroshima e Nagasaki, foi construído na Universidade de Chicago. Em dezembro de 1942, o primeiro experimento desse reator nuclear foi realizado com sucesso. Nesse reator, embrião das Usinas Nucleares modernas, o núcleo de um átomo sofreu um processo de divisão (fissão), resultando na alteração da sua massa e na liberação de energia. 

O SONHO DOS ALQUIMISTAS DA ANTIGUIDADE E DA IDADE MÉDIA REALIZADO:

Como já visto acima, sim, os elementos químicos, tanto na natureza quanto em um laboratório, podem transmutar-se. O plutônio, elemento químico de número 94 na Tabela Periódica, foi descoberto num laboratório, da Universidade da Califórnia, em 1941, pelo químico americano Glenn Seaborg, "que bombardeou urânio com dêuteron (núcleos de átomos de hidrogênio pesado) e separou laboriosamente os elementos transmutados que resultavam do bombardeio." (página 53)

Seaborg comentou sobre a dificuldade, após esse experimento, juntar o elemento químico plutônio, resultante do bombardeamento do urânio com dêuteron:

"Em determinada ocasião, tínhamos apenas 5 átomos de dispúnhamos de umas poucas horas para fazer uma identificação positiva por meio de análises químicas. A dificuldade pode ser percebida quando se verifica que a tinta do pingo no "i" que aparece nessa página que você está lendo contém algo como 1 bilhão de átomos." (página 53)

Depois de todo o experimento realizado, Seaborg e um assistente seu tiveram que trabalhar arduamente para juntarem somente meio micrograma de plutônio. 

Glenn Seaborg foi premiado pelo seu trabalho. Foi trabalhar no Projeto Manhattan, responsável pela construção das bombas atômicas americanas. O elemento químico descoberto por Seaborg, o plutônio, foi utilizado na confecção de bomba atômica Fat Man (O Gordo), que seria jogada em Nagasaki. 

Como dito anteriormente, depois de realizar seu experimento de bombardeamento do urânio com dêuteron, para obter o elemento químico Plutônio, Seaborg e um assistente trabalharam arduamente para juntarem somente meio micrograma de Plutônio.

Já a bomba atômica da Nagasaki continha 6 quilos de plutônio, o que dá uma medida da quantidade de trabalho que os americanos tiveram que empregar para conseguir, num período curto de tempo, produzir material suficiente para armar uma bomba atômica. Somente um país como os EUA, com todos os seus recursos financeiros, tecnológicos, naturais e humanos poderia dar cabo de uma empreitada dessa magnitude em tão pouco tempo.

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "OS HOMENS DO FIM DO MUNDO, O VERDADEIRO DR FANTÁSTICO E O SONHO DA ARMA TOTAL" P. D. SMITH, EDITORA COMPANHIA DAS LETRAS.

Fatos que antecederam a Batalha das Ardenas








A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL DEVERIA TER TERMINADO EM DEZEMBRO DE 1944:

Nos meses de agosto e setembro de 1944, imperava um clima de otimismo entre os aliados. Depois de dificuldades enfrentadas durante o Dia D, os aliados tinham conseguido avançar pela Bélgica e para Paris. 

Em 24 de agosto, os aliados libertaram Paris. Em setembro, os aliados libertaram a capital da Bélgica, Bruxelas.

Antes disso, em julho de 1944, um atentado contra Hitler, na sua Toca do Lobo, na Prússia Oriental, tinha criado entre os aliados o pensamento de que a Alemanha Nazista estava desmoronando, estava se desintegrando, assim como acontecera em setembro e outubro de 1918, quando o Império Alemão se viu confrontado por revoltas internas, capitaneadas por trabalhadores e militares, que levaram ao armistício de novembro de 1918.

Aliados Alemães, como Romênia, Bulgária e Finlândia começavam a abandonar o Terceiro Reich. Os soviéticos, depois de derrotarem o Grupo de Exércitos Centro, correram para o Vístula e para a fronteira da Prússia Oriental.

Enfim, todos esses acontecimentos criaram na mente dos aliados o sentimento de que a guerra iria terminar em dezembro de 1944. Esse era o sentimento entre os ingleses e os americanos. Estes últimos chegaram a cancelar a compra de armamentos, como artilharia. O pensamento americano agora voltava-se para a guerra no Pacífico, contra o Japão. Os ingleses, por sua vez, davam como certo que a guerra terminaria no natal de 1944.

APESAR DO OTIMISMO, NEM TUDO ERAM FLORES ENTRE OS ALIADOS:

Apesar do otimismo, havia problemas para os aliados. O principal deles dizia respeito ao abastecimento. Os aliados precisavam de um grande porto, pelo qual pudessem escoar todo o material militar desembarcado, além de combustível e rações para as tropas. Os portos de Dunquerque e Calai tinham sido destruídos pelos alemães. O porto de Antuérpia, no estuário do Escalda, na Bélgica, ainda contava com tropas alemãs que impediam o seu uso. Outro problema era que o sistema ferroviário francês tinha sofrido com os bombardeios aliados antes da invasão do Dia D. Sem o acesso aos trens, os aliados tinham que usar caminhões. Foram quase nove mil caminhões, que faziam viagens diárias entre o litoral francês e o front. Somente a riqueza econômica americana seria capaz de arcar com o uso de tantos caminhões e com o combustível usado para fazê-los rodar.

RUSGAS ENTRE OS ALIADOS:

Nesse final da Guerra, os ingleses começavam a se sentir preteridos. No começo, foram os ingleses que, praticamente sozinhos, seguraram Hitler. Agora, em agosto/setembro de 1944, o então protagonismo inglês foi deixado de lado. Os protagonistas agora eram os EUA que, com a sua riqueza em homens, combustíveis, materiais bélicos e alimentos, comandavam as ações contra os alemães. Isso gerou ciúmes entre os ingleses. 

Em meio a tudo isso, encontrava-se o General Dwight Eisenhower, o líder dos Aliados na invasão à França. Eisenhower teve que administrar, por exemplo, o ego do General inglês Montgomery, que pretendia ser a principal figura na ação militar que desencadeasse a derrota final da Alemanha. Mas Eisenhower tinha que lidar também com generais americanos, como Bradley e Patton. Desses dois, Patton tinha sido aquele que mais sucesso obteve, avançando de forma contundente pelo centro do território francês. 

TÁTICAS DIVERGENTES:

Os aliados tinham visões diferente de como dar a estocada final nos alemães. Pelo lado dos ingleses, o general Montgomery pretendia desferir o golpe final indo pelo litoral do Mar do Norte, atravessando então o Rio Reno e chegando no Ruhr, a região alemã rica em carvão, responsável pela sua produção bélica. Já os americanos pretendiam seguir para a região alemã do Saar. Em meio a essas divergências, Dwight Eisenhower, como comandante máximo das forças aliadas, tinha que decidir qual caminho seguir. 

OPERAÇÃO MARKET GARDEN:

Planejada pelos ingleses, pelo General Montgomery, ela seguia o plano de invadir a Alemanha seguindo pelo norte, passando pela Holanda, na cidade de Arnhem, atravessando então o Rio Reno e indo depois para a região do Ruhr. A operação contava com forças aerotransportadas. Montgomery acreditava que os alemães, que defendiam a região em torno de Arnhem, estavam desmotivados e sem força para responder a um ataque. No fim, a Operação Market Garden foi um retumbante fracasso. 

A CAMPANHA DE OUTUBRO DE 1944:

A Batalha de Aachen - 14/10/1944: Aachen, cidade alemã situada logo depois da fronteira holandesa. Capturá-la significava romper a linha de defesana fronteira ocidental do Reich alemão, chamada de Siegfried ou de Westwall. Aachen foi a cidade de Carlos Magno, então a capital do Sacro Império Romano Germânico. Chamada de Aix-La-Chapelle pelos franceses e Aquisgrano pelos romanos. Agora, em outubro de 1944, era apenas uma cidade que deveria ser conquistada pelos Aliados em sua marcha para alcançar o Rio Reno. Em 21 de outubro, Aachem se rendeu aos alemães. O Rio Reno agora estava a uma distância de 30 km. Parecia fácil percorrer esses 30 km, mas havia um obstáculo formidável pela frente, a Floresta de Hurtgen. 

A BATALHA NA FLORESTA DE HURTGEN:

Localizada a sudeste de Aachen, a floresta de Hurtgen seria um obstáculo terrível para os americanos. O 1º Exército americano, sob o comando do Tenente General Courtney H. Hodges, teria que atravessá-la para atingir o Rio Reno. Havia outra opção, mas o Tenente General Hodges insistiu nela e nenhum de seus subordinados ousava desafiá-lo. Lutar numa floresta colocava em desvantagem a superioridade americana em número de carros blindados. O apoio aéreo também ficava prejudicado. 

A batalha em meio aos Pinhais que formavam a Floresta de Hurtgen foi feita sob um constante fogo de artilharia, de ambos os lados. 

A artilharia disparava deliberadamente para que os projéteis explodissem no topo das árvores. O resultado disso era uma chuva de estilhaços da bomba com lascas de lascas de madeira caindo sobre os soldados, que corriam para dentro das trincheiras em busca de alguma proteção. Mas as trincheiras também podiam trazer problemas para os soldados que nelas buscavam refúgio. O frio intenso e a umidade causavam o "pé de trincheira', que nos casos mais graves poderia redundar na amputação do pé do soldado. 

Além da Artilharia, havia ainda as minas terrestres, usadas em abundância. Uma vez um soldado americano afastou, com um chute, uma bota ensanguentada. Depois esse mesmo soldado estremeceu de pavor ao ver que ainda havia um pé ali dentro. O dono daquele pé deveria ter pisado numa das milhares de minas espalhadas pela floresta. 

"Havia um fluxo constante de soldados feridos a sair da floresta, escreveu o jovem artilheiro Arthur Couch, 'Reparei num homem que estaria agarrado à barriga num esforço para conter um grande ferimento que lhe deixava sair os intestinos.' " (página 99)

"Um sargento mais velho disse-me para me deitar atrás das pedras altas e depois movimentar-me na direção onde explodira a última peça de artilharia alemã. Disse que era o mais seguro a fazer, uma vez que os artilheiros alemães sempre viravam um bocadinho o seu canhão para atingir outra posição. Eu (Arthur Couch) corri em direção à última explosão e a seguinte ocorreu a 30 metros de distância. Foi um conselho que me salvou a vida." (página 99)

Os homens que combateram na floresta de Hurtgen vivenciaram casos de esgotamento nervoso/fadiga de combate. 

"Depois de lá passar 5 dias, falamos com as árvores, dizia uma das poucas piadas. Ao sexto dia, elas começam a responder-nos." (página 108)

"Bem, não é muito mau até os soldados de infantaria ficarem tão cansados que, quando saem da linha há um soldado morto da sua própria unidade deitado de costas no seu caminho, não são capazes de desviar os pés, e pisam no rosto rígido porque...que se lixe." (página 108)

Enquanto os combates se desenrolavam em meio aos pinhas da Floresta de Hurtgen, o 3º Exército de Patton, a sua da Floresta de Hurtgen, conquistava a cidade/fortaleza de Metz. Descendo ainda mais para o sul, forças americanos e francesas conquistaram a cidade de Estrasburgo, na Alsácia. A norte, os britânicos, sob o comando de Montgomery, avançavam pela fronteira holandesa/alemã, a partir de Nijmegen.

POR QUE OS ALEMÃES DEFENDERAM A FLORESTA DE HURTGEN COM TANTO AFINCO?

Era para evitar uma penetração das forças aliadas a norte do ponto inicial daquilo que viria a ser a última cartada de Hitler na guerra, a Ofensiva das Ardenas. Basta uma olhada no mapa para ver que o setor da Floresta de Hurtgens estava localizado naquilo que seria o flanco norte do avanço alemão pelas Ardenas. Os alemães não poderiam se dar ao luxo de iniciar uma ofensiva tendo, à sua direita, forças aliadas. A resistência alemã era empreendida por elementos do Grupo de Exércitos Centro, sob o comando do Generalfeldmarschall Model.



PREPARATIVOS PARA A OFENSIVA DAS ARDENAS:

Hitler teve a ideia da Ofensiva das Ardenas no mês de setembro de 1944. Hitler estava na Prússia Oriental, na Toca do Lobo (Wolfsschanze). Ele estava doente, com icterícia, mas não deixava de pensar numa forma mudar o curso da guerra. 

Na Alemanha, a Ofensiva das Ardenas seria chamada de Herbstnebel (Neblina de Outono)

Hitler achava que a aliança entre os capitalistas (França, Grã-Bretanha, EUA) e os comunistas (URSS), mais cedo ou mais tarde, iria ruir. Ela não poderia se sustentar, pois não era algo natural. A previsão de Hitler iria se concretizar, mas só depois do fim da Segunda Guerra Mundial, com a eclosão da Guerra Fria entre os EUA e a URSS. 

Hitler ainda acreditava que só se defender os ataques dos aliados, a leste e a oeste, não resultaria em nada de positivo para a Alemanha. Era necessário uma ofensiva que poderia mudar a sorte da guerra. O objetivo era avançar em direção ao porto de Antuérpia, na Bélgica. Com esse avanço, Hitler queria dividir os aliados, com canadenses e britânicos no norte, e americanos e franceses no sul, criando assim uma nova Dunquerque. A captura do porto de Antuérpia ainda iria dificultar a logística dos aliados, impedindo que seus navios  usassem o porto para abastecer as tropas no front. Enfim, os alemães não poderiam ficar somente se defendendo. A Alemanha teria que se arriscar para tentar mudar o curso da guerra. A escolha pelas Ardenas se deu pelo fato de ser a área menos defendida pelos Aliados. Outro motivo foi o fato das tropas alemãs ficarem concentradas na floresta de Eifel, do lado alemão da fronteira. Ali os alemães ficariam protegidos de ataques aéreos dos aliados. 

OS ALIADOS FORAM PEGOS DE SURPRESA:

O Comando Aliado do SHAEF (Quartel-General Supremo da Força Expedicionária Aliada), com sede em Versalhes, não fazia ideia que os alemães vinham preparando uma ofensiva nas Ardenas. Os aliados foram pegos de surpresa. Em 15 de dezembro, um dia antes do início da ofensiva alemã, um oficial de operações do SHAEF disse que não havia nada a reportar relativamente ao setor das Ardenas. A tranquilidade entre os aliados era tão grande que o Marechal de Campo Montgomery perguntou a Eisenhower se poderia passar o natal na Inglaterra. 

Os aliados achavam, naquele final de 1944, que a Alemanha nazista estava fragilizada demais para empreender uma ofensiva. 

O ESTÍMULO PARA O SOLDADO ALEMÃO CONTINUAR LUTANDO:

Soldados alemães envolvidos na ofensiva das Ardenas, por meio de cartas enviadas para casa, exprimiam a esperança de que a ofensiva seria a chance de expulsar os aliados da Alemanha. Havia ainda a propaganda feita por Goebbels, que usava o medo para manter viva, no soldado alemão, a vontade de lutar, mesmo diante de tantas dificuldades. A tática de Goebbels consistia em espalhar entre os soldados que eles, caso fossem capturados pelos americanos, seriam entregues aos russos. Seriam enviados para a Sibéria. O Slogan de Goebbels era: SIEG ODER SIBIRIEN (Vitória ou Sibéria).

INÍCIO DA OFENSIVA DAS ARDENAS:

Sábado, 16 de dezembro de 1944. A artilharia do 6º Exército Panzer de Sepp Dietrich abre fogo contra as posições americanas. 

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "A BATALHA DE ARDENAS, A ÚLTIMA CARTADA DE HITLER", ANTONY BEEVOR, EDITORA BERTRAND