terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

A História por trás do Holocausto Destruição de Estados Carl Schmitt o Jurista de Hitler Hannah Arendt



Como foi possível matar tantos judeus ( e outras minorias) durante a Segunda Guerra Mundial?

Não se trata apenas de Auschwitz.

Era mais fácil matar judeus onde não havia Estado, isto é, era mais fácil matar judeus em locais nos quais o Estado foi destruído pela ação alemã ou pela ação soviética.

O primeiro Estado destruído pela Alemanha Nazista foi a Áustria. Em março de 1938 (entre os dias 11 e 15), os nazistas anexaram a Áustria (anschluss). Depois, em setembro de 1938, a Alemanha deu início à destruição da Tchecoslováquia, processo que viria a terminar em março de 1939.

Na sequência, em 23 de agosto de 1939, Hitler e Stálin entraram em acordo, por meio do conhecido pelo Pacto Ribbentrop e Molotov ou Nazi-Soviético. Por meio desse tratado, URSS e a Alemanha Nazista decidiram o futuro de vários Estados: Polônia, Lituânia, Estônia, Letônia. 

Em setembro de 1939, a Polônia se viu invadida pela Alemanha Nazista (1 de setembro) e pela URSS (17 de setembro). A Polônia então deixava de existir como Estado.

No verão europeu de 1940, a URSS invadiu as repúblicas balcânicas da Letônia, da Estônia e da Lituânia. 

Num período de três anos, portanto, a Europa viu o desaparecimento de 6 Estados ( Polônia, Tchecoslováquia, Lituânia, Letônia e Estônia).

Na Alemanha nazista, o jurista Carl Schmitt justificava essas destruições dizendo que o direito internacional tinha como fundamento não a norma, mas a FORÇA. E mais, segundo Hans Frank, advogado de Hitler, o direito só se justificava enquanto protetor da raça. Dessa forma, um país, como a Alemanha, por meio da força, tinha o direito de expandir suas fronteiras, em detrimento de outros país, de forma a proporcinar um Lebensraum (espaço vital - terras para a produção agrícola, para a exploração de matérias primas), isto é, uma vida melhor para a sua população. 

O lebensraum de Hitler não estava na África. A África já estava dividida entre ingleses, franceses, belgas, portugueses, etc. O espaço vital de Hitler estava na URSS. Mas a URSS era um local habitado. Como Hitler pretendia, então, justificar a colonização da URSS? Ele usou a desculpa da raça. Os eslavos, que habitavam a URSS, seriam inferiores, seriam subumanos. Ademais, o Estado Soviético era uma ficção, pois os eslavos, como uma raça inferior, não teriam a capacidade de criar um governo. Para Hitler, os eslavos sempre foram governados por elementos de fora, como, por exemplo, por uma elite alemã, como no caso de Catarina, a Grande, que era alemã. E, agora, a URSS seria um estado governado por judeus. Sendo o Estado Soviético uma ficção, Hitler acreditaria que ele era um gigante com pés de barro, um castelo de carta, bastando um empurrãozinho para destruí-lo. Feito isso, Hitler iria tratar os eslavos da mesma forma como os EUA trataram seus índios durante a expansão para o Oeste. O rio Mississippi de Hitler seria o rio Volga. Hitler trataria os eslavos da mesma forma como os americanos trataram seus indígenas. Matando-os. Então, com a URSS livre dos eslavos, ela seria colonizada pelos alemães. 

"A destruição dos judeus soviéticos causaria o colapso imediato da União Soviética. Ficaria claro que ela não passava de um castelo de cartas ou um gigante com pés de barro. Os eslavos lutariam como índios, com o mesmo resultado. E, então, no oriente, um processo similiar se daria pela segunda vez, como na conquista da América. Uma segunda América seria criada na Europa, depois que os alemães aprendessem a ver os outros europeus como viam os nativos americanos e os africanos, e a consideram o maior país da Europa como um frágil colônia judaica. Nessa colagem racista, os europeus (eslavos) são entremeados com africanos e índios americanos. Hitler comprimiu toda a história imperial e o racismo total numa breve formulação: "Nosso Mississippi deve ser o Volga, não o Níger." O río Níger, na África, não era mais acessível ao imperialismo alemão desde 1918, mas a África continuava sendo fonte de imagens e nostalgia colonialistas. O Volga, no limite oriental da Europa, era onde Hitler imaginava a fronteira do poderio alemão. O Mississippi era não só o rio que corta os Estados Unidos de norte a sul pelo meio do país. Era também a linha para além da qual Thomas Jefferson queria expulsar todos os indígenas. "Quem", perguntava Hitler, "se lembra dos Peles Vermelhas?" Para ele, a África era a fonte das referências imperiais, mas não o lugar real do Império. O leste da Europa era o lugar real, e tinha de ser refeito como a América do Norte teve de ser refeita." (página 37) "Terra Negra, O Holocausto como História e Advertência, Timothy Snyder.

Essa destruição de Estados também serviu para o objetivo nazista de exterminar os judeus. Hitler via os judeus como bodes expiatórios de tudo de ruim que acontecia. Quando, por exemplo, Hitler não conseguiu fazer da Polônia uma aliada da Alemanha, ele culpou os judeus por isso. Num discurso proferido em 30 de janeiro de 1939, Hitler disse que, se houvesse uma guerra mundial, os judeus seriam os culpados pela sua deflagração e, por isso, eles deveriam ser aniquilados. Na cabeça doentia de Hitler, os Judeus estariam por trás das decisões dos principais países (França, Inglaterra, URSS, EUA, etc). Hitler queria que a Polônia fosse aliada da Alemanha numa guerra contra a URSS. Quando a Polônia negou se unir à Alemanha, Hitler acreditou que eram os judeus que estavam por trás dessa atitude polonesa.

Veja o que Hitler disse no discurso de 30 de janeiro de 1939: 👇👇

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo, Acervo Estadão

Ao destruir um Estado, você desfaz a relação que existe entre uma pessoa e uma organização estatal protetora, que é o Estado. Essa relação é chamada de cidadania. E quem mais sofre com esse desfazimento da cidadania é justamente a minoria que habita o Estado. Judeus, ciganos, todos eles foram perseguidos e mortos pelos nazistas. E essa perseguição era mais fácil de ser efetuada justamente em locais onde o Estado não existia mais.

Segundo Hannah Arendt, para que Hitler pudesse expulsar os judeus do Planeta Terra, ele teria que, antes de tudo, expulsá-los do Estado. Sem Estado, não há proteção para o indíviduo. Os nazistas queriam destruir a personalidade jurídica dos judeus, isto é, a sua capacidade de direito, a sua capacidade de ser sujeito de relações jurídicas. A regra segundo a qual toda pessoa é capaz de direitos e obrigações na ordem jurídica não seria aplicada aos judeus. 

Na Áustria, antes do Anschluss, os judeus desfrutavam de uma vida normal. Num piscar de olhos, com o desfazimento da Áustria, em março de 1938, os judeus se viram sem a proteção do Estado. Passaram a ser agredidos, vilipendiados. 

Mas o pior destino para os judeus estava reservado nas áreas onde houve uma DUPLA destruição de Estados. de forma sucessiva ou simultânea.

No leste da Polônia, por exemplo, houve duas destruições. A primeira, com a invasão da URSS, em setembro de 1939. A segunda, com a invasão alemã, em junho de 1941. O mesmo iria acontecer nos países balticos. Nessas áreas, o Estado foi destruídos duas vezes. E, em meio a essa anomia, os nazistas  aproveitaram para fuzilar judeus, jogando-os em valas comuns. E para esses assassinatos, os alemães contavam, principalmente nos países balticos e em território russo invadido pela Operação Barbarossa, com a ajuda da população local. Os habitantes dessas áreas, assim, como uma forma de agradar o novo ocupante, participavam dos assassinatos. Era uma forma, também, de se desvincular do antigo regime comunista, pois, de acordo com o mito judaico-bolchevique, segundo o qual todo judeu era comunista e todo comunista era judeu, quando você matava um judeu, você estava se livrando do seu pecado de ter colaborado com os soviéticos. Era uma forma de você ficar de boa com o novo ocupante nazista. Havia ainda um outro estímulo para que um letão, um lituano, um ucraniano, um russo, um estoniano, um polonês participasse do assassinato de um judeu. Você poderia herdar uma propriedade (casa, apartamento, empresa) dele. Você poderia até ficar com o emprego dele. Os alemães, então se aproveitaram disso. Milhares de judeus foram mortos na Lituânia, na Letônia, na Estônia, na Polônia, na URSS ocupada (Ucrânia, Bielorrúsia, oeste da URSS). Estamos falando dos anos de 1939, 1940, 1941 e 1942. O conhecido campo de extermínio nazista de Auschwitz viria depois disso tudo. Antes de serem mortos nas câmaras de gás de Auschwitz, os judeus eram mortos a bala ou por meio de espancamentos e enterrados em valas comuns. 

Nos locais onde não havia Estado, não eram só os judeus que estavam a perigo. As pessoas que eventualmente tentavam protegê-las também poderiam ser punidas com a morte. Outras minorias também poderiam ser mortas, como os ciganos.

Durante a Guerra, além dessas áreas nas quais o Estado deixara de existir, dando ensejo a todo tipo de atrocidade, havia três tipos de Estados. E, dependendo do tipo de Estado, os judeus se viriam protegidos ou não:

1) Estados Fantoches: Eram Estados criados na esteira da destruição de outros Estados. A Croácia, por exemplo, foi criada na esteira da destruição da Iugoslávia. A Eslováquia, foi criada na esteira da destruição da Tchecoslováquia. Esses Estados dependiam da vitória da Alemanha na guerra. Caso a Alemanha fosse derrotada, eles deixariam de existir, como de fato aconteceu. Posteriormente, com o colapso da URSS, a partir de 1989, esses países ressurgiram, mas essa é outra história. Então, como dependentes da Alemanha, Croácia e Eslováquia davam um tratamento jurídico aos judeus quase idêntico ao que eles teriam experimentado caso vivessem num local cujo Estado tivesse sido destruído

2) Estados Aliados: Hungria, Bulgária e Romênia eram aliados da Alemanha Nazista. Aqui, como havia um Estado, os judeus desfrutavam de alguma proteção. Como Estados, eram ciosos de sua soberania, de modo que o judeus que aí vivesse teria uma chance maior de sobrevivência. 

3) Estados Ocupados: Dinamarca, França, Holanda. Foram estados derrotados pelo exército alemão e que passaram a ser ocupados pela Alemanha. Nesse caso, os judeus também tinham uma chance maior de sobrevivência, em comparação com os judeus que viviam em áreas cujos Estados tinham sido destruídos ou em Estados Fantoches. Além disso, um holandês que resolvesse ajudar um judeu, não correria o risco de morrer, como acontecia com um polonês que resolvesse ajudar um judeu. Como exemplo podemos citar as pessoas que abrigaram a judia Anne Frank. Anne Frank foi capturada e acabou morrendo num campo de concentração. Mas os holandeses que a abrigaram não foram condenados à morte. 

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "TERRA NEGRA, O HOLOCAUSTO COMO HISTÓRIA E ADVERTÊNCIA, TIMOTHY SNYDER

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