RUS:
Rus era o nome empregado para designar uma imensa área no leste da Europa. Ela correspondia basicamente ao que hoje são a Rússia e a Ucrânia, indo de Kiev, no sul, a Novgorod, no norte.
O nome Rus, antes de indicar uma área geográfica, foi usado para nomear os vikings que, partindo da Suécia, Noruega e Dinamarca (Escandinávia), penetravam, por meio dos rios Dnieper e Volga, no interior do que hoje são a Rússia e a Ucrânia. Esses remadores nórdicos estabeleceram então uma rota comercial, que ligava o Mar Báltico e o Mar Norte ao Mar Negro e ao Mar Cáspio.
Esses remadores nórdicos, conhecidos como 'nórdicos varegues, desciam os rios Dnieper e Volga. Eles usavam essa rota para comércio e pilhagem. Quando o líder nórdico/viking/varegue se deparava com uma comunidade que podia se defender de um ataque, ele optava pelo comércio civilizado. Mas se ele se deparava com uma comunidade indefesa, optava pela pilhagem, pelo saque, fazendo escravos. Além dos escravos, os vikings tinham outros produtos, como por exemplo, peles, tomadas como tributos de povos lapões e finlandeses.
Essas mercadorias seriam então vendidas nas grandes cidades do sul, como Constantinopla e Bagdá. A viagem que esses homens empreendiam pelo interior das atuais Rússia e Ucrânia era terrivelmente perigosa, cheia de dificuldades, agonia e medo. Esses homens, os Rus, "...intrusos em uma terra vasta e hostil, o próprio conhecimento de como a situação era perigosa, servira para instilar neles uma forte noção de disciplina. Eles lutaram e comerciaram juntos, como 'Varangos', homens ligados por um compromisso comum, um 'vár'. Os perigos e os lucros: os Rus partilhavam ambos." (página 276 - Milênio, A Construção da Cristandade e o medo da chegada do ano 1000 na Europa, Tom Holland, Editora Record).
Pelo caminho percorrido, os Rus foram construindo postos de trânsito, que depois evoluíram para fortalezas e, por fim, evoluíram para cidades. Algumas dessas cidades, como Kiev, às margens do Rio Dnieper, se transformavam em Principados.
KIEV
Kiev, a atual capital da Ucrânia. Como dito acima, ela fundada pelos Vikings (Rus). Ela é o núcleo histórico da Rússia, provavelmente fundada no século VI ou VII, como centro de um Estado Feudal. A dinastia que a governava era a Riruk ou Riúrik. O príncipe mais importante que a governou, entre o final do século X e início do século XI, foi Vladimir I (956-1015). Vladimir I converteu-se ao cristianismo ortodoxo, que era adotado no Império Bizantino, iniciando o braço russo da Igreja Ortodoxa. Vladimir e seus sucessores reivindicavam para si o governo de uma imensa área, que ia do Mar Negro ao Mar Báltico, que hoje correspondem às atuais Rússia e Ucrânia.
"Tudo nas terras dos rus - a Rússia - existia em uma escala mais vasta e fabulosa." (página 276, Milênio, A Construção da Cristandade e o medo da chegada do ano 1000 na Europa, Tom Holland, Editora Record.)
Kiev era chamada de capital do Principado Varangariano-Russo. Sendo então a mais antiga cidade estabelecida por aquelas paragens, ficou conhecida como "..mãe das cidades russas e a Jerusalém da Rússia" (página 437, Dicionário de História do Mundo, Edmund Wright e Jonathan Law, Editora Autêntica. Originalmente publicado em inglês pela Oxford University Press).
Kiev foi primeiro centro da igreja ortodoxa, que depois iria se espalhar por toda a Rus, sendo hoje, a igreja dominante na Rússia e na Ucrânia.
DINASTIA RIÚRIK OU RIRUK:
A dinastia Riúrik ou Riruk teria sido fundada por um príncipe escandinavo (um nórdico, um viking) quase mítico que, em 862 (século IX), foi convidado pelos eslavos e outras tribos locais para governá-los, tornando-se então o fundador da primeira dinastia russa. Em 988, Vladimir I, descendente de Riúrik, grão-príncipe da Rus, converteu-se à Igreja Ortodoxa do Império Bizantino.
"Sua frágil confederação de principados unidos pela Dinastia Riúrik, conhecida como RUS KIEVANA, acabou se estendendo praticamente do Báltico ao Mar Negro. Mas, entre 1238 e 1240 (século XIII), foi destroçada pelos exércitos mongóis de Gengis Khan e sua família, que durante os dois séculos de dominação (mongol) permitiram que os príncipes Riúrik governassem pequenos principados como vassalos." (página 54, Os Románov, 1613-1918, Simon Sebag Montefiore, Editora Companhia das Letras)
Havia um movediço mosaico de principados russos. O primeiro deles foi criado por Oleg, que depois foi passado para seu filho, o príncipe Igor (912 - século X). Esse principado original acabou se desintegrando em vários outros, como por exemplo, o Principado de Kiev.
O grande nome do Principado de Kiev foi Vladimir I. Após sua morte, no ano de 1015 (século XI), seus filhos passaram a travar uma luta para ver quem herdaria o poder deixado pelo pai.
"A Rússia mergulhou numa guerra civil com a morte do grão-príncipe Vladimir I (1015), que tinha filhos em excesso e deixou alguma coisa para cada um deles. Em 1030, só restavam 3, um deles reinando sobre o atrasado principado de Polotsk, enquanto os dois outros, reinando em Novgorod e Tchernigov, dividiram o resto do país entre si." (página 62 - Atlas de História Medieval. Colin Mcevedy, Editora Companhia das Letras)
Nos séculos seguintes a Rus continuou uma colcha de retalhos com seus vários principados.
"A Rússia passou então por uma interessante descentralização. Iaroslav de Novgorod tomou Polotsk com a morte de seu irmão, o príncipe de Tchernigov, seguindo o exemplo de seu pai, e deixando a cada filho um principado (1054). Estes estavam ordenados, com o grande principado de Kiev tendo precedência e, ao menos na teoria, exercendo certo controle sobre os outros." (página 66, Atlas de História Medieval. Colin Mcevedy, Editora Companhia das Letras)
No século XIII, em torno do ano 1278, os mongóis invadiram a Rus. Os principados russos foram tomados pelos cavaleiros mongóis. Os príncipes russos então viraram vassalos dos mongóis. Os principados russos continuaram existindo, mas tinham que cobrar tributos em suas áreas e repassá-los para os mongóis. Nos séculos seguintes um principado, o de Moscóvia, com seu centro na atual cidade de Moscou, passaria a ganhar força. Esse principado de Moscóvia seria o embrião do qual surgiria a moderna Rússia.
MOSCÓVIA/RÚSSIA
Moscóvia era, no século XIII, apenas mais um principado da Rus. Seu Grão-Príncipe vivia numa fortaleza, o Kremlin, na cidade de Moscou. Naquela época, como como outros grão-príncipes da Rus, o grão-príncipe da Moscóvia era apenas um vassalo do Império Mongol. Mas com o passar do tempo, ajudado pela queda do poder Mongol, os grão-príncipes de Moscóvia foram amealhando poder, a ponto de se expandir pela Rus, conquistando territórios de outros principados Rus, como Novgorod, e territórios que pertenciam aos mongóis, como os canatos de Astracã e Kazan.
Enquanto o Principado da Moscóvia se expandia, a cidade de Kiev e a Ucrânia ficavam para trás. O centro do poder das terras que eram conhecidas como Rus, tinha então se deslocado do principado de Kiev para o Principado da Moscóvia.
Esse crescimento, finalmente, resultou naquilo que seria o Império Russo sob a dinastia Románov, que depois seria substituído pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Com o fim do comunismo nos anos 1989/1991, com o desmembramento da URSS, voltou a surgir a Rússia, como a conhecemos hoje, mas com alguns acréscimos territoriais, como a península da Crimeia. E com o andamento da guerra da Ucrânia, iniciada em 2022, pode ser que a Rússia abocanhe novos territórios ucranianos.
UCRÃNIA:
O que viria a ser a moderna Ucrânia, naquela época era "Como o Velho Oeste americano, a pouco populosa - e, em muitos pontos, totalmente vazia..." (página 468 - Pedro, o Grande, Sua Vida Seu Mundo, Robert K. Massie, Editora Amarilys)
Assim como o Velho Oeste americano do século XIX, a Ucrânia dos séculos XV, XVI, XVII, XVIII, era "...um imã para almas inquietas que desejavam escapar das restrições e opressões da sociedade convencional. Na Rússia, muitos desses pioneiros buscavam escapar da lei;.." (página 469, Pedro, o Grande, Sua Vida Seu Mundo, Robert K. Massie, Editora Amarilys)
Assim, buscavam refúgio na Ucrânia servos russos ligados à terra que fugiam, soldados alistados à força, etc. Esses pioneiros, quando entravam na Ucrânia, passavam a viver ao lado de gente semelhante a eles, pois todos eram eslavos, tinha a mesma religião ortodoxa. Eram recebidos ainda em comunidades cujos membros recebiam o nome de Cossacos.
Cossacos:
Esses cossacos, assim como os russos, adotavam também a religião ortodoxa. A Ucrânia vivia geograficamente cercada.
No norte, o Principado de Moscóvia, cada vez maior, expandia-se sem parar e já era chamada pelo seu nome atual, Rússia. No sul, havia os Tártaros da Crimeia, descendentes das hordas mongóis de Gengis Khan. Esses Tártaros ainda eram vassalos do Império Otomano. A oeste havia um dos maiores países da Europa, a comunidade formada pelo Reino da Polônia e pelo Grão-Ducado da Lituânia.
A partir do século XIV, a área da Rus que correspondia à Ucrânia atual era dividida entre os russos, os poloneses/lituanos e os tártaros. Os ucranianos, então sem forças para patrocinarem uma Ucrânia independente, por uma questão de sobrevivência, tiveram que oscilar entre lealdades múltiplas. Podiam se aliar aos poloneses e aos tártaros contra a Rússia. Podiam ainda se aliar à Rússia contra os poloneses e os tártaros. Na Grande Guerra do Norte (1700-1721), por exemplo, um líder cossaco, de nome Mazeppa, sonhando em obter a independência da Ucrânia, chegou a se aliar ao rei sueco Carlos XII.
Por fim, o que hoje é a Ucrânia, na maior parte de sua história, esteve sob o domínio do russos, tanto na época em que Moscou era a capital do Império Russo, sob a dinastia Románov, quanto na época em que Moscou era a capital da URSS.
No fim da Primeira Guerra Mundial, em 1918, os nacionalistas ucranianos tentaram criar uma Ucrânia independente. O projeto malogrou em 1922, quando da invasão do exército vermelho, sob o comando da URSS. A Ucrânia então se transformou na República Socialista Soviética Ucraniana. A Ucrânia só voltaria a ser independente em agosto de 1991, quando o país se desvinculou da URSS.
"Em 1990, desenvolveu-se uma forte pressão pela independência da URSS e o Soviete Supremo da Ucrânia declarou formalmente a independência em agosto de 1991, com um impressionante apoio em um referendo." (página 746 "Dicionário de História do Mundo" Edmund Wright e Jonathan Law, Originalmente publicado em inglês pela Oxford University Press, Editora Autêntica)
TODAS AS RÚSSIAS:
A Rus original abrangia uma grande extensão de terras. Como dito acima, ela acabou se desmembrando em principados. Com a ascensão do Principado da Moscóvia, houve então a ambição de reunir todas essas Rus, todas essas RÚSSIAS, também chamada de Rus Kievana, nas mãos de um só governante. O Império Russo, sob a dinastia Románov, e a sua sucessora, a URSS, conseguiram unir todas as Rússias sob um só governo. Com a queda do comunismo nos anos 1989/1991, o sonho de unir todas as Rússias caiu por terra, com a Ucrânia e a Bielorrússia se separando de Moscou.
MOSCÓVIA era então a GRANDE RÚSSIA.
BIELORRÚSIA era a RÚSSIA BRANCA
UCRÂNIA era a RÚSSIA PEQUENA
Os territórios dos tártaros, na península da Crimeia, e nas proximidades do Mar Negro, conquistadas somente no final do século XVIII, por Catarina, a Grande, foram chamados de NOVA RÚSSIA.
Por fim, a Galícia, território que chegou a pertencer à Polônia e ao Império Habsburgo, foi chamada de RÚSSIA VERMELHA.
JURAMENTO DE KHMELNÍTSKI E A POSSE DA CRIMEIA:
Em meados do século XVII, houve um evento envolvendo russos e ucranianos que traria consequência 300 anos após a sua realização.
Em meados do século XVII, os cossacos que viviam na parte da Ucrânia dominada pelo reino da Polônia/Lituânia, se rebelaram. Esses cossacos eram cristãos ortodoxos, enquanto que os poloneses eram católicos. Os cossacos eram camponeses, enquanto que os poloneses eram os magnatas locais, proprietários de grandes porções de terra. Os cossacos sentiam-se explorados pelos poloneses, daí a rebelião. Mas os cossacos precisavam de ajuda, daí se virarem para os russos, pedindo auxílio militar ao Czar Aleixo. Para a Rússia, esse pedido dos cossacos era uma oportunidade de expandir seu território, resgatando as terras perdidas da Rus Kievana.
O líder dos cossacos era Bogdan Khmelnítski, que já tinha servido os sultões otomanos e os poloneses. Agora, ele tinha mudado de lado outra vez. passando a combater os poloneses e pedindo ajuda aos russos.
"Em janeiro de 1654, Khmelnítski jurou fidelidade ao Czar Alexei, que em troca reconheceu a liderança de Khmelnítski. Para os russos, esse foi o momento em que a Ucrânia passou a ser deles; para os ucranianos, foi a ocasião em que a Rússia reconheceu a sua independência. Na verdade, foi apenas uma aliança militar conveniente em uma guerra patrocinada por Alexei para atacar a Polônia e conquistar a Ucrânia." (página 98 Os Románov, 1613-1918, Simon Sebag Montefiore, Editora Companhia das Letras)
De fato foi o Czar Alexei quem tomou a iniciativa de uma guerra contra a Polônia. Alexei tinha imposto a si mesmo a missão de defender a religião ortodoxa russa contra os católicos poloneses. O início da guerra tinha sido favorável aos russos, com a conquista das cidades de Smolensk e Minsk. A paz entre Rússia e Polônia veio em 1666. Os cossacos ucranianos não conseguiram a independência da Ucrânia. A Rússia anexou definitivamente a cidade de Smolensk e, por um período de 2 anos, a cidade de Kiev. A atual Ucrânia era, naquele ano de 1666, dividida entre russos, poloneses, tártaros da Crimeia e Império Otomano.
Voltando ao JURAMENTO DE KHMELNÍTSKI, 300 anos depois de sua realização, para celebrar o seu aniversário, Stálin, o então ditador da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), decidiu dar a Península da Crimeia à então Republica Soviética da Ucrânia. Essa decisão foi mantida pelo seu sucessor, em 1954, Nikita Kruschóv. Ninguém podia prever, em 1954, que a URSS iria desmoronar nos anos 1989/1991. Ninguém poderia prever que a Ucrânia iria se tornar um país independente, levando consigo a Península da Crimeia. Somente em 2014, por obra de Vladimir Putin, o todo poderoso da atual Rússia, a Crimeia voltou a pertencer à Rússia.
ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DOS LIVROS:
Os Románov, 1613-1918, Simon Sebag Montefiore, Editora Companhia das Letras
"Dicionário de História do Mundo" Edmund Wright e Jonathan Law, Originalmente publicado em inglês pela Oxford University Press, Editora Autêntica
Pedro, o Grande, Sua Vida Seu Mundo, Robert K. Massie, Editora Amarilys
Milênio, A Construção da Cristandade e o medo da chegada do ano 1000 na Europa, Tom Holland, Editora Record
Atlas de História Medieval. Colin Mcevedy, Editora Companhia das Letras