quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

E lá fora o Luar, como a esperança que não tenho, é invisível pra mim






NA NOITE TERRÍVEL, substância natural de todas as noites,



Na noite da insônia, substância natural de todas as minhas noites,



Relembro, velando em modorra incômoda,



Relembro o que fiz e o que podia ter feito na vida.



Relembro, e uma angústia



Espalha-se por mim todo como um frio do corpo ou um medo.



O irreparável do meu passado - esse é que é o cadáver!



Todos os outros cadáveres pode ser que sejam ilusão.



Todos os mortos pode ser que sejam vivos noutra parte.



Todos os meus próprios momentos passados pode ser que existam algures,



Na ilusão do espaço e do tempo,



Na falsidade do decorrer.



Mas o que eu não fui, o que eu não fiz, o que nem sequer sonhei;



O que só agora vejo que deveria ter feito,



O que só agora claramente vejo que deveria ter sido -



Isso é que é morto para além de todos os Deuses,



Isso - e foi afinal o melhor de mim - é que nem os Deuses fazem viver...



Se em certa altura



Tivesse voltado para a esquerda em vez de para a direita;



Se em certo momento



Tivesse dito sim em vez de não, ou não em vez de sim;



Se em certa conversa



Tivesse tido as frases que só agora , no meio-sono, elaboro -



Se tudo isso tivesse sido assim,



Seria outro hoje, e talvez o universo inteiro



Seria insensivelmente levado a ser outro também.



Mas não virei para o lado irreparavelmente perdido,



Não virei nem pensei em virar, e só agora o percebo;



Mas não disse não ou não disse sim, e só agora vejo o que não disse;



Mas as frases que faltou dizer nesse momento surgem-me todas,



Claras, inevitáveis, naturais,



A conversa fechada concludentemente,



A matéria toda resolvida...



Mas só agora o que nunca foi, nem será para trás, me dói.



O que falhei deveras não tem esperança nenhuma



Em sistema metafísico nenhum.



Pode ser para que outro mundo eu possa levar o que sonhei,



Mas poderei eu levar para outro mundo o que me esqueci de sonhar?



Esses sim, os sonhos por haver, é que são o cadáver.



Enterro-o no meu coração para sempre, para todo o tempo, para todos os universos,



Nesta noite em que não durmo, e o sossego me cerca



Como uma verdade de que não partilho,



E lá fora o luar, como a esperança que não tenho, é invisível pra mim.


Fernando Pessoa


Coleção Melhores Poemas, global editora, páginas 113/114, São Paulo, 12º edição, 2004, Seleção Tereza Rita Lopes.


quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

HEDONISTA




No fundo, o homem religioso é um hedonista. O instinto religioso geral é um instinto de prazer, de ter tudo resolvido na vida. Deter-se só perante a Verdade é doloroso para o homem.

A Realidade é muda e fria.

FERNANDO PESSOA

Aforismos e Afins

Companhia das Letras, página 46, São Paulo, 2006.

www.companhiadasletras.com.br

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

MARINHA


DITOSOS a quem acena


Um lenço de despedida!


São felizes: têm pena...


Eu sofro sem pena a vida.


Dôo-me até onde penso,


E a dor é já de pensar,


Órfão de um sonho suspenso


Pela maré a vazer...


E sobe até mim, já farto


De improfícuas agonias,


No cais de onde nunca parto,


A maresia dos dias.



Fernando Pessoa

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Sonho


SONHO. Não sei quem sou neste momento.


Durmo sentindo-me. Na hora calma


Meu pensamento esquece o pensamento,


Minha alma não tem alma.


Se existo, é um erro eu o saber. Se acordo


Parece que erro. Sinto que não sei.


Nada quero nem tenho nem recordo.


Não tenho ser nem lei.


Lapso da consciência entre ilusões,


Fantasmas me limitam e me contêm.


Dorme insciente de alheios corações,


Coração de ninguém.



Cancioneiro

Fernando Pessoa

Coleção Melhores Poemas, Seleção Teresa Rita Lopes, global editora, 12º edição, São Paulo, 2004, página 48.

sábado, 23 de janeiro de 2010

PAIRA




PAIRA à tona de água


Uma vibração,


Há uma vága mágoa


No meu coração.



Não é porque a brisa


Ou o que quer que seja


Faça esta indecisa


Vibração que adeja,


Nem é porque eu sinta


Uma dor qualquer.


Minha alma é indistinta,


Não sabe o que quer.


É uma dor serena,


Sofre porque vê.


Tenho tanta pena!


Soubesse eu de quê!...



Fernando Pessoa
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seria de mim mesmo.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Perdão Judicial, teoria e prática














Para visualizar melhor o que vem escrito nas imagens acima, clique sobre elas:
Sentença na qual foi concedida o perdão judicial. Veja que a pessoa é condenada e depois lhe é concedida o perdão judicial porque ficou provado que ela já tinha experimentado uma dor muito grande.


Perdão Judicial: É a clemência do Estado


Rápidas palavras:

Teoria:


Perdão Judicial é o instituto por meio do qual o Juiz, não obstante provada a prática da infração penal pelo réu, deixa-lhe de aplicar-lhe a pena em face de justificadas circunstâncias. O Estado renuncia, por intermédio de declaração do juiz, na própria sentença, à pretensão de imposição de penas.

O juiz deve examinar o mérito do caso e deve reconhecer a culpabilidade do agente. A sentença que concede o perdão judicial é autofágica: reconhece o crime e a culpabilidade e em seguida julga extinta a punibilidade concreto.

Exemplo: pai que mata filho em acidente de trânsito. o juiz reconhece que o pai foi o culpado pelo acidente. condena-o a uma pena mas logo em seguida, concede-lhe o Perdão Judicial pois ele, o pai, já sofreu o suficiente com a sua própria conduta. Já sofreu o que se chama de PENA NATURAL ( a morte do seu filho querido). Já sofreu com a morte do seu filho! Veja que as consequências da infração precisam SER GRAVES PARA O PRÓPRIO AUTOR DO FATO. Uma vez constatado isso, nada impede a aplicação do perdão judicial diante da constatação que o autor do fato já sofreu o suficiente.

Outro exemplo:

Quem mata um amigo num acidente de trânsito pode ser beneficiado com o perdão judicial?

Resposta: Depende do caso concreto! Será analisado através de testemunhas se a morte desse amigo fez com que o agente realmente experimentasse uma dor considerável. Terá que se provar isso. Cada caso é um caso.

No caso prático no qual eu participei cuja sentença eu anexei nesse post, o marido dirigindo seu veículo acabou sofrendo um acidente e sua esposa e sua prima, que o acompanhavam como passageiras, morreram. Como advogado primeiramente você tenta demonstrar que o autor do fato não agiu com culpa (negligência por não manter o veículo em bom estado de conservação e imperícia por dirigir mal). E como tese subsidiária você pede que, caso o réu seja condenado, que lhe seja concedida o perdão judicial pois ele já foi punido pelo destino, com a morte de duas pessoas que lhe eram queridas e amadas, sua esposa e sua prima. Provar que alguém sente muito a morte da esposa é fácil, pois presume-se que a esposa é amada pelo marido. O difícil é provar que a morte de uma prima possa causar tanto sofrimento. Podia ser uma parente distante. Mas daí você busca testemunhas que provem em juízo que o autor do fato é muito próximo de sua prima, se frequentavam, etc. Demonstrar enfim que havia um liame emocional entre autor do fato e vítima, para justificar que aquele sofreu MUITO com a morte desta. O destino já o puniu de modo tão severo (com a morte de sua esposa e de sua prima) que é desnecessário que o Estado o puna também com uma pena de prisão. A pena dele foi um pena natural, imposta pelo destino ( a morte de seus entes queridos).