domingo, 5 de setembro de 2021

A desunião da Umma A Comunidade Muçulmana Xiitas Sunitas Abássidas Omíadas


 

ISLÃ:

"Islam" = Islã, o nome da religião.  Ato de Submissão

"Muslim" = Muçulmano = É aquele que se submente à vontade de Deus (Allah)

"Muhammad" (Maomé) = Profeta, legislador, árbitro e líder espiritual e comandante militar. Muhammad foi o mensageiro de Deus, por meio do anjo Gabriel.

Profeta: É o mensageiro de Deus. É o homem ao qual Deus havia falado. Maomé, na visão da religião islâmica, foi o último profeta. Houve outros, como Jesus, Jó, Abraão, Noé, Jonas. 

Alcorão: Registro das mensagens de Deus via anjo Gabriel a Muhammad (Maomé). 

"Umma" = Comunidade Muçulmana.

Califa = Khalifat Rasul Allah = Sucessor do Mensageiro de Deus. 

Caaba: Abraão e seu filho Ismael encontraram a pedra negra e erigiram a Caaba em torno dela.

UMMA:

A Umma é a comunidade muçulmana criada por Muhammad (Maomé), o profeta que viveu no século VII d.C. Por meio de um anjo, o islã foi revelado a Muhammad. 

Sob o lema de que não existe deus algum além de Allah e que Muhammad é o seu mensageiro, o Islã foi criado, reunindo-se em torno dele um grupo de devotos, que formou uma comunidade, a qual foi denominada Umma.

No início, essa comunidade foi coesa. Maomé, na cidade de Meca, no Hijaz, oeste da atual Arábia Saudita, reuniu em torno de si um grupo de seguidores, que vinham de diversas tribos árabes. Maomé e seu grupo sofreram perseguição por parte dos pagãos árabes, que originalmente eram politeístas e tinham na Caaba, um ponto de peregrinação, na qual veneravam seus inúmeros deuses. 

Em 622, o ano inaugural do calendário muçulmano, Maomé e seus seguidores partiram de Meca e foram para a cidade de Medina, localizada no oeste da península arábica. Esse evento passaria para a história com o nome de Hijira (Hijra)

Nos anos que se seguiram, Maomé e o seu islã conquistaram a cidade de Meca e tribos árabes espalhadas pela península arábica. O território dominado pelo Islã abrangia o Hijaz, algumas outras tribos árabes espalhadas pela península arábica. Nessa época, com Maomé no comando da Umma, não havia dissidências. Mas tão logo Maomé morreu, no ano de 632 (século VII), a comunidade muçulmana criada por ele, a Umma, passou a apresentar dissidências. 

O primeiro problema a ser resolvido consistia em achar um substituto para Maomé. A escolha recaiu sobre seu amigo Abu Bakr. Abu Bakr não seria um novo profeta, mas seria um Califa, o sucessor do Profeta. Tão logo assumir a posição de califa, Abu Bakr  precisou agir rapidamente para impedir que a Umma se desintegrasse. De fato, com a morte de Maomé, vários tribos árabes não se viram mais obrigadas a pagar o tributo que viabilizava a existência de uma comunidade muçulmana. Abu Bakr teve que ir à guerra para demovê-las disso. Mas não foi só o medo de uma retaliação que manteve as tribos árabes unidas em torno da Umma. Abu Bakr ofereceu a elas a chance de enriquecimento, por meio de guerras contra os Impérios Sassânida (Pérsia) e Bizantino. Essas guerras resultavam em grandes pilhagens que, depois que 1/5 delas era reservado para a Umma, o restante era distribuído entre os guerreiros das tribos árabes que delas participavam.

Abu Bukr morreu em 634. No lugar dele assumiu Umar (634/644). Após Umar, assumiu o califado um membro do clã Omíada, Uthmann (644/656).

XIITAS VERSUS SUNITAS:

1) ALI, O PRIMEIRO MÁRTIR:

Com a morte de Uthmann, Ali, o primo e genro de Muhammad, assumiu o califado. Ali era filho de Abu Talib, tio e protetor de Muhammad. Ali foi a primeira pessoa que Muhammad conseguiu converter ao islamismo. Muhammad era órfão e foi criado pelo seu tio Abu Talib, que o protegeu dos pagãos de Meca enquanto seu sobrinho defendia o islamismo. Ali casou-se com Fátima, a filha de Muhammad. 

Ali daria início a uma nova divisão na Umma, entre xiitas e sunitas. 

Sunitas basicamente são os muçulmanos que reconhecem como legítimos os califas Abu Bukr, Umar e Uthmann. Também iriam reconhecer como legítimos os califados Omíada e Abássida. 

Os xiitas (O partido de Ali - Shi'at Ali), por sua vez, só reconheciam como um legítimo governante da Umma islâmica a pessoa que fosse descendente de Muhammad (Maomé). E o único descendente de Maomé que havia era Ali, que era seu primo e genro. E havia ainda os filhos de Ali, Hasan e Husayn.

Ali, como dissemos, foi feito califa. Mas seu califado foi tumultuado. Teve que enfrentar a oposição de Aisha, a ex-esposa de Muhammad e de dois aliados deste, naquilo que fico conhecida como a Batalha do Camelo, o primeiro confronto no qual dois exércitos muçulmanos se enfrentaram. Ali saiu vitorioso dessa batalha, mas acabaria enfrentando uma outra rebelião, comandada por Mu'awiya, que era governador da Síria. Em meio à rebelião, Ali acabaria sendo assassinado em 661, daí ter passado para a história como mártir. Mu'awiya então assumiu o califado e, por ser da tribo Omíada, seu período e dos seus sucessores passaria a ser denominado como Califado Omíada, com sua capital na cidade de Damasco.  

2) HUSAYN, O SEGUNDO MÁRTIR:

Os xiitas voltaram à carga com Husayn, o filho de Ali. Em 680, Husayn e seus 72 guerreiros, na cidade de Carbala, atual Iraque, enfrentaram 10 mil soldados do califado Omíada. O resultado foi a morte de Husayn, que passou para a história como o segundo mártir.

Husayn e Ali passariam para a história como os martirizados e seus partidários passariam para a história como xiitas, o Partido de Ali, contrapondo-se aos sunitas.

ABÁSSIDAS VERSUS OMÍADAS:

O califado Omíada levaria o islã para a Península Ibérica (atuais Portugal e Espanha) e para além do rio Oxus (Amu Daria), na Ásia Central. Mas esse sucesso não fez com que o califado Omíada fosse aceito por todos os muçulmanos. O califado Omíada acabaria por ser derrubado e, no seu lugar, surgiria o Califado Abássida. 

O líder dos Abássidas era Abbas, que dizia descender de um tio de Maomé. Com os Abássidas, o centro do poder islâmico passou de Damasco para Bagdá, no Iraque. 

Mas nem o califado Abássida conseguiria fazer da Umma um todo coeso. O império islâmico era extenso e os califas abássidas não davam conta de torná-lo uniforme e unido. Governadores nomeados para áreas distantes descolavam-se de Bagdá e criavam eles próprios estados independentes. Um governador nomeado no ano 800 para Túnis, na atual Tunísia, fundou sua própria dinastia, a Aglábida. 

UMMA DESUNIDA:

A Umma, a Comunidade Muçulmana, começou como algo coeso, formado apenas pelas tribos árabes que habitavam a península arábica. Com a expansão do século VII, a Umma passou a conter diversos membros de diversas etnias, culturas, religiões, etc. Foram incluídos na Umma os persas, os turcos, os habitantes da península ibérica, os berberes do norte da África, etc. Essa miríade de povos e a extensão do império islâmico, que abarcava o norte da África, a península ibérica, o oriente médio e a Ásia Central, tornou impossível manter a Umma unida sob um só poder. Enfim, apesar de todos esses povos testemunharem que não há deus algum além de Allah e que Muhammad (Maomé) é o seu mensageiro, eles nunca conseguiram se unir de forma a criar um todo coeso, que buscasse andar numa só direção, sob um só comando. 

E foi sempre assim. Durante a Primeira Guerra Mundial, quando o Império Otomano levantou a bandeira da Guerra Santa contra ingleses e franceses, obteve pouco ou nenhum sucesso. As tribos árabes acabaram se unindo com os cristãos ingleses na luta contra o sultão muçulmano líder do Império Otomano.

E mais recentemente, quando Saddam Hussein apelou para uma guerra santa contra os ocidentais, nos anos de 1991 e 2003, igualmente não obteve êxito, vendo-se sozinho na luta contra americanos, ingleses, etc. Os muçulmanos da Síria, da Arábia, do Egito, da Jordânia não vieram em seu socorro, pelo contrário, alguns desses países forneceram bases militares para os exércitos dos EUA. 

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "UMA HISTÓRIA CONCISA DO ORIENTE MÉDIO", DE ARTHUR GOLDSCHMIDT JR, E IBRAHIM AL-MARASHI, EDITORA VOZES



quinta-feira, 26 de agosto de 2021

A Ideologia por trás das Guerras do Afeganistão e do Iraque






POLÍTICAS DE CONTENÇÃO E DE INTERVENÇÃO:

Até o fim da Guerra Fria, no final dos anos 80 do século XX, os EUA praticavam a política da contenção. Contenção significava, na medida do possível, evitar interferir militarmente para ter influência na política interna de outros países.

Com o fim da Guerra Fria, com o fim do fantasma do império soviético. os EUA, como a única potência sobrevivente, passaram a se arvorar como a polícia do mundo, construtores e propagadores das democracias liberais de mercado pelo mundo. Os EUA passaram a se ver como construtores de nações democráticas que fossem soberanas, estáveis e autossuficientes, verdadeiros baluartes da democracia e da economia liberal.

"...a estratégia de contenção da Guerra Fria seria substituída por uma estratégia de transformação messiânica mundial gerida num espírito do que Norman Podhoretz (um neoconservador destacado) descreveu como <<incandescente de clareza moral>>..." (página 24)

Essa ideologia messiânica foi abraçada por pensadores que foram rotulados como os neoconservadores. De acordo com esses neoconservadores, os EUA seriam, a partir de agora, atores que, atuando no mundo, iriam criar sua própria realidade, levando seus valores e instituição para outras partes do mundo.

NEOCONSERVADORES:

Grupo de pensadores que não tinha ficado satisfeito com o fim do comunismo, com o fim da URSS em dezembro de 1991, tampouco com a abordagem mercantilista à China comunista, antes e depois do Massacre da Paz Celestial, em 1989.
Os neoconservadores também atacam qualquer política de apaziguamento. Segundo eles, qualquer ação de apaziguamento deveria sempre ser vista como <<outra Munique>>, em referência ao acordo de Hitler com a Grã-Bretanha e com a França, em 1938, que resultou na destruição da Tchecoslováquia. Os neoconservadores, ainda nessa linha, buscavam comparar, por exemplo, figuras como Saddam Hussein, com Hitler, de forma a demonizá-lo, a ponto de inviabilizar por completo qualquer tentativa de se buscar uma solução diplomática e pacífica de crises. E foi justamente esse comportamento intransigente dos neoconservadores que levou à guerra contra o Iraque, em 2003. 

"A diplomacia torna-se <<apaziguamento>> ou <<outra Munique>>, como se o mundo estivesse parado em 1938." (página 21)

Os neoconservadores, como dito acima, defendem  uma estratégia de transformação messiânica mundial, por meio do uso benigno do poder militar dos EUA, de forma a transformar tiranias, como era o Iraque de Saddam Hussein, numa democracia liberal. 
Mas os neoconservadores, no início dos anos 90 do século XX, não estavam sozinhos nessa cruzada, pois com o fim da União da Repúblicas Socialistas Soviéticas, em dezembro de 1991, todos os grupos políticos passaram a defender o alargamento das democracias no mundo. 

"Quer quisessem quer não, outras sociedades seriam transformadas desde que se conseguisse descobrir um grupo local, mesmo que pequeno, para apoiar essa transformação, normalmente exilados sem grandes contatos com o país natal." (página 25)

Esse messianismo pretendia então levar os valores ocidentais da democracia e dos direitos universais para locais como Somália, Balcãs (conflito entre a Sérvia e a Bósnia, depois Kosovo), Iraque, Afeganistão, etc.

O governo de Bill Clinton, de 1993 a 2000 interviu na Somália e nos conflitos nos Balcãs (desintegração da Iugoslávia). Mas nada fez durante o genocídio em Ruanda, em 1994. Os neoconservadores rotularam Bill Clinton como <<meio imperialista>> (página 24). Já George H.W. Bush, o sucessor de Ronald Reagan na Casa Branca, foi criticado pelos neoconservadores, por não ter acabado de vez com Saddam Hussein, quando teve a chance, durante o conflito de 1991 (Operação Tempestade no Deserto - Primeira Guerra do Iraque). 

A GRANDE OPORTUNIDADE PARA SE COLOCAR EM PRÁTICA A IDEOLOGIA DOS NEOCONSERVADORES:

A oportunidade para os neoconservadores surgiu com os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Nesse dia, terroristas da Alcaida (Al Qaeda) organizaram um ataque terrorista aos EUA, usando aviões comerciais como mísseis, atacando a cidade de Nova York e o Pentágono, em Washington. Esse ataque foi a melhor coisa que poderia ter acontecido para os neoconservadores. 
O presidente americano na época dos ataques terroristas era George W. Bush, eleito no ano de 2000.

"...novo presidente que prometera ser humilde e contido no uso do poder americano e que não gostava dos papéis de polícia do mundo e construtor de nações teve que assumir o espírito do momento. Bush nunca foi um grande pensador e era intelectualmente preguiçoso. Isso deu grande margem de manobra a homens mais velhos à sua volta que lidavam com certezas de um modo mais convincente." (página 25)

Eram então os neoconservadores que passaram a influenciar as políticas de Bush. Assim, com o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 estava aberto o caminho para uma intervenção militar dos EUA. Criou-se a ideia do Eixo do Mal, que seria composto pelo Iraque, pelo Irã e pela Coreia do Norte. 

A primeira ação intervencionista americana foi no Afeganistão. Ali os americanos queriam expulsar o Talibã, que tinha dado abrigo à rede terrorista da Alcaida (Al Qaeda), a mentora e executora dos atentados de 11 de setembro. Mas o Afeganistão, era um alvo pequeno demais para os neoconservadores, que queriam ir além, incluindo em sua cruzada o Iraque de Saddam Hussein. 

Como pretextos a um ataque ao Iraque, o governo os americanos tentaram vincular Saddam Hussein aos ataques terroristas de 11 de setembro. Depois começaram com a história de que o regime iraquiano colocava a segurança do mundo em perigo, em razão de possuir armas de destruição em massa. Armas essas que nunca foram encontradas. E toda essa narrativa vinha sempre dourada pela pílula da liberdade. Era sempre a ideia de que os EUA estavam intervindo para levar seus valores democráticos a outras partes do mundo, transformando tiranias em democracias estáveis. 

No fim dessas aventuras, os americanos se mostraram eficientes no campo de batalha, no qual derrotaram seus inimigos. De início, no Afeganistão, o Talibã foi contido e, no Iraque, a tirania de Saddam Hussein foi derrubada. Saddam Hussein, capturado pelos americanos, foi enforcado em 2006.

Por outro lado, os americanos não foram eficazes na construção de nações democráticas. Tanto Afeganistão quanto o Iraque afundaram em conflitos internos. O Iraque, um país artificial criado pela Grã-Bretanha, depois da Primeira Guerra Mundial, a partir de três províncias do antigo Império Otomano, nunca conseguiu ser uma nação verdadeiramente democrática, com valores ocidentais. A divisão interna, entre curdos, muçulmanos xiitas e sunitas, perdura até hoje. O Iraque continua sendo um país instável. E para piorar ainda mais as coisas, a intervenção americana no Iraque resultou na criação de mais um grupo islâmico radical, o Estado Islâmico do Iraque e da Síria (ISIS). 

"Havia um abismo entre o ódio ao despotismo - simbolizado pela derrubada das estátuas de Saddam - e os recursos culturais mais profundos necessários para criar uma democracia funcional em qualquer lugar no Oriente Médio." (página 28)

No Afeganistão, os esforços americanos na construção de uma nação liberal e democrática também resultaram num retumbante fracasso. O Talibã, derrotado em 2001, voltou mais forte agora em 2021.

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "UMA HISTÓRIA DO PRESENTE, O MELHOR E O PIOR DOS MUNDOS", MICHAEL BURLEIGH, EDIÇÕES 70, PÁGINA 21/35


domingo, 22 de agosto de 2021

Uzbequistão Mar de Aral Rio Amu Daria Oxus Desastre Ambiental



RIO AMU DARIA - OXUS:

"Assim que deixamos Nukus deparamos com uma grande ponte. Só quando estávamos pelo meio da travessia foi que o rio apareceu sob nossos pés; uma faixa estreita e prateada de água quase estagnada. Isso é tudo que resta do Amu Daria (Amu Darya), chamado pelos gregos de Oxus, o Nilo da Ásia Central, a artéria de vida que pulsa no deserto. Semanas antes, eu estava sentada às margens do mesmo rio no vale do Wakhan, no Tadjiquistão, na fronteira com o Afeganistão. Ainda era um rio, largo e vivo. Desde Pamir, ele corre pelo Turcomenistão e, finalmente, pelo Uzbequistão, onde, através de uma rede de riachos menores, costumava desembocar no Mar de Aral. Os nativos ainda se referem ao Amu Daria com reverência, mas o rio hoje é uma pálida sombra do que foi no passado.  (página 425)

A cidade de Nukus, referida pela autora, é a capital do Caracalpaquistão, no oeste do Uzbequistão, localizada no meio do deserto. 

Os habitantes originais do Caracalpaquistão são chamados de Caracalpaque, que significa "chapéu preto". O seu idioma lembra mais o dos habitantes do Cazaquistão (cazaque) do que o uzbeque. 

Vivendo no deserto, os Caracalpaques dependiam do Rio Amu Daria. Uma das fontes do Rio Amu Daria é o Panj (Piandj), que serve de fronteira entre o Paquistão e o Afeganistão. Foi exatamente esse rio, o Panj, que delimitou a expansão do Império Russo na Ásia Central. Os russos não passariam das terras que hoje compõem o Tadjiquistão. Do outro lado da fronteira fica o Afeganistão, que a URSS tentou invadir no início da década de 80 do século XX, sem sucesso.  

O Rio Amu Daria então, recebendo as águas do Panj na região do Pamir, corre para o oeste, atravessando desertos, na direção do Mar de Aral. Pelo menos era assim no passado, pois hoje o rio Amu Daria não alcança mais o leito do Mar de Aral, morrendo antes nas areias do deserto.

"O Amu Daria não deságua mais num lago, mas vai se esvaindo aos poucos, cada vez mais estreito e sem vida, para desaparecer na areia." (página 425)

O DESASTRE AMBIENTAL:

Em meados do século XX, as autoridades soviéticas, sediadas em Moscou, resolveram transformar o deserto da Ásia Central no maior produtor de algodão do mundo. Para tanto, os soviéticos passaram a usar as águas do Amu Daria (Amu Darya) nesse colossal empreendimento.

"Havia muito que os comunistas sonhavam em transformar as extensas áreas desérticas em lavouras de algodão, e, sob Leonid Brezhnev, (...) esse processo foi acelerado. Milhares de quilômetros de canais foram construídos com a ajuda de tratores, escavadeiras e trabalho braçal." (página 427)

"A natureza deveria obedecer aos comunistas e não o contrário. Na década de 1950, os primeiros tratores e escavadeiras começaram as obras às margens do Amu Daria. Ao mesmo tempo, milhares de pessoas receberam ordens de cavar, cada uma munida da própria pá. Na nova ordem mundial, essas pessoas já não viviam para si e para suas famílias; a partir de agora, viveriam para o partido, para a sociedade, extensão da família. Elas foram obrigadas a dedicar a vida e, não menos importante, a força de trabalho para ajudar a construir o império socialista." (página 426)

O resultado da exploração do Amu Daria e de outros rios da região foi o recuo do Mar de Aral. Imagens de satélite mostraram como o Mar de Aral, que era o quarto maior lado do mundo, acabou minguando até se dividir em dois. A sua parte sul, no Uzbequistão, viu suas águas recuarem de forma dramática. A cidade de Moynaq era a única cidade portuária do Uzbequistão. Moynaq vivia da pesca e do seu processamento. Atualmente, o que sobrou do Mar de Aral está a 200 quilômetros de distância. 

"Demarcando os dias de glória de outrora, uma placa com o desenho de um grande peixe azul ainda dá as boas-vindas aos visitantes de Moynaq. Até a década de 70, Moynaq, que fica a três horas de estrada de Nukus, era a única cidade portuária do Uzbequistão e dispunha de praias, ondas e de uma frota pesqueira ativa. Agora, o mar está a 200 quilômetros de distância." (página 429)

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "SOVIETISTÃO", A HISTÓRIA DO CAZAQUISTÃO, DO UZBEQUISTÃO, DO QUIRGUISTÃO, DO TADJIQUISTÃO E DO TURCOMENISTÃO, DE ERIKA FATLAND, EDITORA ÂYINÉ

domingo, 15 de agosto de 2021

Afeganistão O Estado-tampão entre os Impérios Russo e Britânico Século XIX



VIAJANDO PARA A FRONTEIRA COM O AFEGANISTÃO:

Partindo da capitão do Tadjiquistão (ex-república soviética), Duchambe, o helicóptero nos levará à cidade de Khorog, a capital regional do Pamir, ainda no Tadjiquistão. O Pamir é a  região conhecida como o Teto do Mundo.

Voando a 4.200 metros de altitude numa área cujas montanhas atingem a marca de 5 mil metros de altitude, o helicóptero voará por entre os picos e não acima deles.

"As montanhas se tornavam cada vez mais íngremes e pontiagudas, e não havia nenhuma construção feita pelo homem à vista, apenas as escarpas marrons e os picos nevados da Cordilheira." (página 288)

De Khorog partimos para o sul, para a cidade de Ishkashim, localizada no extremo sul do Tadjiquistão, na fronteira com o Afeganistão. Somente um rio, de águas rasas e correnteza forte, o Panj (Piandj), separa o Tadjiquistão do Afeganistão.

"A fronteira entre o Tadjiquistão e o Afeganistão é permeável como uma peneira: toneladas de cigarros e ópio são contrabandeados através do rio todos os anos, e depois transportados pelo Quirguistão e Cazaquistão para a Rússia e possivelmente para a Europa." (página 291)

Essa fronteira entre o Tadjiquistão e o Afeganistão foi estabelecida no final do século XIX, em meio à disputa entre dois impérios: o russo e o britânico. Essa disputa foi denominada "O Grande Jogo".

O GRANDE JOGO:

Aquilo que ficou conhecido como "O Grande Jogo" constituiu na disputa entre os Impérios Russo e Britânico pelo controle da Ásia Central. Quem viesse a controlar essa área iria ter a chave para a Índia britânica, então constituída pelo atual Paquistão, pela atual Índia e pelo atual Bangladesh. O termo "O Grande Jogo" foi usado pela primeira vez pelo tenente britânico Arthur Conolly. 

A primeira tentativa russa de penetrar na Ásia Central ocorreu ainda no século XVIII, na época do Czar Pedro, o Grande. Essa primeira expedição militar mirou o Canato de Khiva, localizado ao sul do Mar de Aral e atravessado pelo rio Amu-Daria. Essa primeira iniciativa russa resultou num tremendo fracasso. 

A segunda investida russa na Ásia Central só voltaria a acontecer no ano de 1839, Sob o pretexto de libertar russos aprisionados no Canato de Khiva, para lá se dirigiu um exército composto por 5.200 homens e 20 mil camelos. Mais uma vez os russos fracassaram. A travessia do Deserto de Karakum, somado a um inverno rigoroso, acarretou o fracasso da expedição antes mesmo de ser disparado um tiro. 

Os ingleses, por sua vez, acompanhavam essas ações russas com agonia crescente, pois temiam que um sucesso do Império Russo na Ásia Central o fizesse se aproximar ainda mais da Índia britânica.

A AVENTURA BRITÂNICA NO AFEGANISTÃO:

Em meio a sua disputa com os russos pelo controle da Ásia Central, os britânicos tentaram instalar um governo amigo em Cabul, no Afeganistão. Tudo começou no ano de 1838, quando chegaram aos britânicos rumores de uma aproximação entre a Rússia e o governo do Afeganistão, sob o comando do Emir Dost Mohammad Khan. Os ingleses temiam que a Rússia usasse o território do Afeganistão como passagem numa invasão da Índia, de forma que era inadmissível qualquer influência russa naquele território. Então, em dezembro de 1838, mais de 20 mil soldados britânicos e indianos marcharam para Cabul. Ao chegarem lá, Dost Mohammad Khan se viu forçado a fugir. Em seu lugar assumiu Shah Shojah, um aliado dos britânicos.

Na sequência, tudo correu mal para o britânicos. Shojah era um líder fraco e a presença dos britânicos em Cabul irritava os afegãos. Em dezembro de 1841 distúrbios eclodiram em Cabul e os britânicos e seus aliados tiveram que bater em retirada. No caminho para Jalalabad, cidade na qual ficava uma fortaleza britânica, os ingleses e seus aliados foram emboscados por tropas afegãs. O resultado foi desastroso para os britânicos. Quem não morreu acabou virando prisioneiro. A aventura britânica no Afeganistão chegava ao fim. Shah Shojah foi morto e Dost Mohammad reassumiu o poder em Cabul. 

Após os fracassos britânico e russo na Ásia Central, houve um período de trégua. 

A RETOMADA DO IMPÉRIO RUSSO NO CAMINHO DA ÁSIA CENTRAL:

Em 1865 a Rússia voltou a acelerar no caminho da Ásia Central. Ainda em 1865, a Rússia anexou a cidade de Tashkent, atualmente situada no moderno Estado do Usbequistão. 

"Na ocasião, Tashkent contava com cem mil habitantes e era a cidade mais rica da Ásia Central, resultado da combinação dos territórios férteis com o comércio próspero que surgiu depois que os russos conquistaram o Cazaquistão, no século XVIII." (página 301)

Em 1868, Samarcanda, uma outra grande cidade da Ásia Central, localizada atualmente no Usbequistão, também caiu em mãos russas. Com ela, também caiu o Emirado de Bukhara. Em 1873, foi a vez do Canato de Khiva cair sob o domínio russo. Em 1876 foi a vez do Canato de Kokand ser dissolvido e anexado ao Turquestão russo. A partir de 1879 os russos investiram contra a fortaleza turcomana de Geok Depe e contra a cidade de Merv, ambos situadas no que hoje é o Turcomenistão. 

E os ingleses, como viam esse avanço russo na Ásia Central? 

"Os ingleses, que estoicamente assistiram aos russos conquistarem Canato após o outro, agora estavam preocupados. Merv estava estrategicamente entre Herat e Kandahar, no Afeganistão, e, portanto, muito próximo da Índia." (página 305)

O Afeganistão era visto pelos ingleses como um Estado-tampão, que impedia que o Império Russo se aproximasse da fronteira do Império Britânico, na Índia. 

O ESTABELECIMENTO DEFINITIVO DA FRONTEIRA DO AFEGANISTÃO:

Em 1887, russos e britânicos tentaram estabelecer um acordo sobre as fronteiras de seus impérios na Ásia. Um acordo foi firmado, mas ele logo foi violado pelos próprios russos que acabaram se expandindo para a região de Pamir, na fronteira do atual Tadjiquistão. 

Em 1895 russos e britânicos voltaram a se encontrar. A presença russa na região de Pamir era um fato consumado. Restou à Grã-Bretanha então elaborar um plano que pelo menos isolasse o Pamir russo da fronteira do Império Britânico, evitando assim uma coincidência entre as fronteiras dos dois impérios. 

Dessa forma, foi anexado ao Afeganistão a parte sul do Corredor de Wakham. O Corredor de Wakham era constituído por uma longa e estreita faixa de terra entre os atuais Tadjiquistão e o Paquistão. Lembre-se que o atual Paquistão, no final do século XIX, fazia parte da Índia britânica. 

Na direita da imagem, vê-se a exígua faixa de terra que separa o Tadjiquistão, uma ex-república soviética, que pertenceu também ao antigo Império Russo, do atual Paquistão, que no passado fez parte da Índia Britânica. Essa exígua faixa de terra, o Corredor Wakham, como assinalado no mapa, faz parte do território do Afeganistão. Esse arranjo, acordado entre os Impérios russo e britânico, no final do século XIX, perdura até hoje.


"Embora o lado afegão do Corredor de Wakham não tenha mais do que alguns quilômetros de largura em alguns trechos, o Afeganistão agora servia de Estado-tampão também entre o Pamir e a Índia, por menor que fosse a faixa de terra." (página 307)

Os russos conseguiram praticamente tudo o que queriam e saíram do jogo como a equipe vencedora. No início do século XIX, mais de dois mil quilômetros a Rússia da Índia britânica. Agora, no final do século XIX, em alguns trechos da fronteira essa diferença era de menos de 20 quilômetros. (página 308)

Assim então terminou o Grande Jogo entre os Impérios russo e britânico. A Ásia Central foi repartida entre eles, tendo o Afeganistão como Estado-tampão, impedindo que as fronteiras dos dois impérios se encontrassem. 

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "SOVIETISTÃO", UMA HISTÓRIA DO CAZAQUISTÃO, DO TURCOMENISTÃO, DO QUIRGUISTÃO, DO TADJIQUISTÃO E DO USBEQUISTÃO, EDITORA ÂYINÉ

sábado, 7 de agosto de 2021

Turcomenistão Sovietistão



ORIGEM DO TURCOMENISTÃO:

Tribos turcomenas chegaram ao atual Turcomenistão há pelo menos 1000 anos, junto com outros povos turcos emigrados da Sibéria oriental (página 51)

Até o século XIX, quando os russos chegaram, não havia uma Nação Turcomena. A ideia de um Turcomenistão como país não existia. Havia ali apenas tribos dispersas. 

"Conceitos como cultura e nacionalidade, fronteiras geográficas, até mesmo a língua turcomena, se originaram na era soviética." (página 51)

 ASHGABAT - CAPITAL DO TURCOMENISTÃO:

Uma cidade no meio do deserto. Em 1881, a Rússia czarista, fundou um quartel ali. Em 1948, um terremoto destruiu a cidade. O governo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), da qual o Turcomenistão fazia parte, reerguei a cidade.

Ruas desertas. Blocos de prédios de mármore branco. Avenidas com oito faixas de rolamento, mas com poucos carros. 

"Os carros, que podiam ser contados numa só mão, estavam impecavelmente limpos. Os Mercedes eram a absoluta maioria. Pelas largas calçadas não se viam pessoas, exceto um policial de quando em vez, ..." (página 35)

DITADURA:

Não há democracia no Turcomenistão. O Turcomenistão é uma ditadura. Desde o seu desligamento da URSS, em 1991, o Turcomenistão teve dois ditadores:

1) Saparmurat Niyasov, conhecido como Turkmenbashi, o Pai dos Turcomenos.: 

Nasceu em 1940, nos arredores de Ashgabat. Órfão, foi criado pelo tio. Adulto, estudou em Leningrado, atual São Petersburgo, onde se formou Engenheiro Elétrico. Em 1985, Gorbachev o nomeou Primeiro Secretário do Partido Comunista no Turcomenistão. 

Com a ruína da URSS, Niyasov foi eleito pelo Soviete Supremo de Ashgabat como Presidente do Turcomenistão.

"A maioria das pessoas que ocupavam posições importantes durante a era soviética se manteve em cargos equivalentes no novo Estado." (página 47)

O Turcomenistão permaneceu um Estado unipartidário. O único partido existente era o Partido Democrático do Turcomenistão, criado a partir do antigo Partido Comunista do Turcomenistão.

Niyasov tornou-se então um ditador de fato. A propaganda estatal vendia Niyasov como pai unificador do país. Em 1993, a propaganda estatal rotulou Niyasov como Pai dos Turcomenos (Turkmenbashi). 

"Escolas, ruas, vilas, mesquitas, fábricas, aeroportos, marcas de vodka, perfumes e até uma cidade inteira, Krasnovodsk, a antiga fortaleza russa à beira do mar Cáspio, agora passavam a se chamar Turkmenbashi." (página 47)

"As estátuas de Lênin e Marx foram efetivamente removidas da cena urbana e substituídas por estátuas banhadas a ouro do Turkmenbashi de terno e gravata." (página 48)

Em 1999, Niyasov foi nomeado Presidente vitalício do Turcomenistão. A megalomania de Niyasov não tinha limites. Niyasov declarou ser um profeta e descender diretamente de Alexandre, o Grande, e do próprio Maomé. 

"O poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente, observou o historiador britânico Lord Acton em seu tempo. Poucos exemplos ilustram isso melhor do que a trajetória do Turkmenbashi. Como o órfão Saparmurat Niyasov se converteu no Turkmenbashi, um ditador que proibiu desde circos até cachorros, e mandou aprisionar todos os seus opositores? Uma explicação está no sistema soviético - corrupto, autoritário e marcadamente personalista. O Turkmenbashi cresceu nesse sistema e se sentia à vontade nele. Quando a União Soviética se desintegrou, não havia mais quem pudesse detê-lo. Ele podia fazer o que bem entendesse." (página 53)

Os demais políticos estavam também acostumados à subserviência existente no sistema soviético e assim continuaram sob o governo ditatorial turcomeno. 

O país, apesar de rico em gás, não investia em educação, tampouco em saúde. Para camuflar a miséria, "...os médicos eram proibidos de fazer diagnósticos de doenças como AIDS ou tuberculose." (página 54)

Professores não podiam dar notas ruins. Enfim, tudo era feito para camuflar a realidade. E isso Turkmenbashi aprendeu com os soviéticos, fazendo com que a realidade que não correspondesse às expectativas fosse manipulada, de forma a torná-la palatável para o consumo interno.

Em 2006, Niyasov foi destronado pela única força capaz de destituir um Ditador como ele: a Biologia. Niyasov sofreu um infarto agudo e morreu aos 66 anos.

A ditadura de Niyasov durou 21 anos, sustentada por um aparelho repressor impiedoso e por algumas benesses dadas ao povo, como a gratuidade de alguns serviços (eletricidade, sal de cozinha, gás, gasolina).

"Quando uma resposta é o chicote, a outra costuma ser a cenoura." (página 56)

2) Gurbanguly Berdimuhamedov: 

Sucessor de Niyasov, manteve a ditadura de seu antecessor. Nascido em 1957. Estudou odontologia em Moscou. Em 1997, foi nomeado Ministro da Saúde. Em 2001, assumiu o segundo cargo mais importante do país, o de Vice Primeiro Ministro. Quando Niyasov morreu em 2006, Gurbanguly assumiu o poder. No poder, Gurbanguly não só manteve a mão de ferro sobre o Turcomenistão como a aperfeiçoou. 

DESERTO DE KARAKUM:

O deserto de Karakum ocupa 70% do território do Turcomenistão. Karakum significa "areia preta" (página 69)

"O deserto de Karakum era considerado um dos trechos mais perigosos da Rota da Seda." (página 69)

"Antes que navios e aviões passassem a transportar pessoas e mercadorias entre continentes, a Ásia Central era o elo entre o Oriente e o Ocidente." (página 95)

E esse elo entre o Oriente e o Ocidente era chamada de a Rota da Seda, na qual caravanas carregadas com produtos como seda, papel, cerâmica, pimenta, provenientes da Índia e da China, chegavam ao Império Romano. 

Esse comércio acabou por enriquecer várias cidade da Ásia Central, uma delas atendia pelo nome de Merv, no atual Turcomenistão Oriental. Hoje resta pouco da cidade original, pelo fato de ter sido construída com o solo argiloso local. Muralhas, por exemplo, viraram elevações na paisagem.

No ano de 1221, o exército de Gengis Khan devastou a cidade, com 90% de sua população sendo morta. Naquela época, Merv fazia parte da Corásmia, um reino que abrangia grande parte do Afeganistão, Irã, Uzbequistão e Turcomenistão. 

Tribos inamistosas habitavam Karakum e assaltavam as caravanas que faziam a rota da seda. Havia ainda verões implacáveis e, no inverno, tempestades e tormentas traiçoeiras. 

O VERDADEIRO TURCOMENISTÃO:

Mais da metade da população vive em pequenos assentamentos e aldeias no deserto, vivendo "das mãos para a boca." (página 72)

São pessoas miseráveis, que vivem com poucos utensílios, vivendo da terra, com seus camelos e cabras, apartados da economia movida a gás natural. 

"Esses agricultores pobres vivem e morrem em suas aldeias, distantes das classes mais abastadas e ignorados pelo Estado, que se concentra nas cidades, nas usinas de gás e nas residências de mármore onde vive a elite política." (página 73)

PAIXÕES DO TURCOMENOS:

Os habitantes do Turcomenistão têm duas paixões: Cavalos e Tapetes. Os turcomenos têm uma relação quase religiosa com os seus cavalos, principalmente a raça Ahal Teke, considerada como uma das mais antigas do mundo e reconhecida por sua resistência.

NUMA DITADURA, O DITADOR DECIDE QUE O QUE HAVIA ACONTECIDO NÃO ACONTECEU:

A autora do livro nos relata uma história que demonstra bem o que é viver sob uma ditadura. Ela foi convidada a assistir um evento num Hipódromo nas proximidades de Ashgabat.

Nesse evento, o ditador do país, Gurbanguly, montou num cavalo e passou a disputar uma corrida. Em dado momento, o cavalo que levava o ditador refugou, jogando-o no chão. O que se passou a seguir foi uma correria para contornar a situação, de forma a mostrar que o que havia acontecido, o que todo mundo tinha visto, isto é, a queda do Ditador, não aconteceu. Agente de segurança correram para apreender máquinas fotográficas, câmeras. Mesmo com todo esse cuidado, alguém conseguiu filmar a queda do ditador e postar no Youtube. Sorte do ditador que o Youtube é proibido no Turcomenistão.

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https://www.youtube.com/watch?v=pIkurFloebs


ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "SOVIETISTÃO", UMA VIAGEM PELO TURCOMENISTÃO, CAZAQUISTÃO, TADJIQUISTÃO, QUIRGUISTÃO E UZBEQUISTÃO, ERICA FATLAND, EDITORA ÂYINÉ



quinta-feira, 29 de julho de 2021

Genocídio de Ruanda 1994 Tútsis Hútus




MITO DAS ORIGENS DOS TÚTSIS, HÚTUS E TWAS:

De acordo com o Mito oralmente transmitido de geração em geração, os Hútus (Gahutu), os Tútsis (Gatutsi) e Twas (Gatwa) seriam filhos daquilo que teria sido o primeiro homem, "...irmãos, uma única semente, um único sangue." (página 25)

Ainda segundo o mito, o deus Imana teria colocado esses três irmãos para competirem entre si, sempre acontecendo de Gatutsi se sair melhor nessa competição. Dessa forma, o próprio mito tratou de estabelecer uma diferença hierárquica entre Tútsis (Gatutsi), Hútus e Twas.

A HISTÓRIA REAL SOBRE OS TÚTSIS, HÚTUS E TWAS:

A origem dos Tútsis remonta ao século XV. Eram criadores de gado vindos das terras que hoje constituem a atual Etiópia. Como o gado simbolizava a força e o poder, os Tútsis acabaram por se constituir na aristocracia local. 

"Quase todos os livros sobre Ruanda falam a respeito disto, mas é preciso reiterar: o Rei de Ruanda, Mwami, sempre foi um Tútsi. Alguns estudiosos da cultura afirmam que isso ocorre pelo menos desde a passagem do século XI para o XII, quando Gihanga, o criador do país, e da bovinocultura, estava no trono. Mas a maioria dos historiadores inclina-se à teoria de que os Tútsis vieram para cá das terras da atual Etiópia, pela bacia do Nilo, no século XV. Eles trouxeram as vacas. " (página 26)

Abaixo dos Tútsis, havia os Hútus e os Twas, habitantes originais do que hoje é Ruanda. Os Hútus eram camponeses e os Twas viviam da coleta e do trabalho na terra. 

"O pastor Tútsi era o patrão do Hútu. Dava ao camponês proteção e estabilidade." (página 27)

Apesar essa diferença no status social, Tútsis, Hútus e Twas formavam uma mesma comunidade, que atendia pelo nome de Banyarwanda. 

"Todos falam a mesma língua, creem nas mesmas coisas, comem a mesma comida, constroem da mesma maneira e moram do mesmo jeito. Na mesma terra." (página 25)

A mesma terra, leia-se, a atual Ruanda, no centro da África. 

"Uma comunidade, uma nação. Mas dividida - como talvez disséssemos na Europa - em classes ou estados sociais. Não em grupos étnicos." (página 28)

Talvez ainda Tútsis, Hútus e Twas poderiam ser enquadrados no modelo de castas no estilo existente na Índia.

ÉPOCA DA COLONIZAÇÃO EUROPEIA NA ÁFRICA:

Antes da colonização europeia, não havia conflitos importantes entre Tútsis, Hútus e Twas. 

"Quando era necessário lutar em nome do rei, todos lutavam juntos." (página 34)

Os primeiros colonizadores europeus, onde hoje situa-se o moderno Estado de Ruanda, foram os alemães. Com o final da Primeira Guerra Mundial, os alemães foram substituídos pelos belgas.

E foram os belgas que dividiram os Tútsis, Hútus e Twas em termos raciais. Nesse novo contexto, os Tútsis então seriam, na visão dos colonizadores europeus, os "...inteligentes, delicados, belos, não totalmente brancos, mas também não totalmente negros." (página 36)

Os Tútsis, ouviram dos colonizadores europeus que, ao contrário dos seus vizinhos, os Hútus, não eram macacos e, rapidamente, passaram a acreditar em sua superioridade. Os Tútsis passaram a se ver como uma raça superior. 

Já os Hútus foram rotulados como sendo os negros na acepção do termo, com seus olhos que pareciam com os de um chimpanzé, o nariz achatado, etc. E, por fim, havia o pequeno grupo dos Twas, que era constituído pelos pigmeus, que viviam geralmente na floresta, como coletores.

"O colonizador belga completou esse trabalho no início dos anos 30, quando introduziu os documentos de identidade de Ruanda. Esse fato é considerado o momento da divisão definitiva. Desde aquela época, até o genocídio de 1994, todos os ruandeses tinham sua raça inscrita na carteira de identidade: Tútsi, Hútu ou Twa." (página )

INDEPENDÊNCIA DE RUANDA:

Os Tútsis governavam Ruanda, então uma colônia belga. Quando os Tútsis começaram a declarar o desejo de independência, os belgas se uniram aos Hútus para derrubar o governo Tútsi. 

Com os Hútus no poder, os Tútsis começaram a deixar Ruanda (década de 50 do século XX). Nessa mesma época, os Tútsis que ficaram passaram a ser alvos de perseguição, um embrião do que seria o Genocídio de 1994.

A independência de Ruanda veio em 1962, sob o comando dos Hútus. Mas os Hútus não apenas governavam Ruanda, como brigavam entre si. Em 1973 houve um golpe de estado, com a instauração de um regime de partido único, representado pelo partido Hútu, com a Presidência de Juvénal Habyarimana.

Os Tútsis que tinham se exilado de Ruanda, enquanto isso, criaram a Frente Patriótica Ruandesa - RPF (Rwandan Patriotic Front). "

Entre os líderes da RPF, estava o atual Presidente de Ruanda (quando esse livro foi escrito), Paul Kagame.

O objetivo da RPF era retomar o país. Para isso, empreenderam uma guerrilha, que começou em outubro de 1990. 

CONTAGEM REGRESSIVA PARA O GENOCÍDIO DE 1994:

Em Ruanda, no início dos anos 90 do século XX, os partidários de Juvénal Habyarimana criaram uma atmosfera de medo pela aproximação da RPF da capital do país, Kigali. O medo se estendia para os Tútsis locais, que então passaram a ser vistos como uma espécie de quinta coluna da RPF, esperando pela chegada dos guerrilheiros da RPF. 

Em resposta a essa ameaça, os Hútus, com a ajuda do governo do país, criaram uma milícia, a Interhamwe, que significa Unidade. Era composta por pessoas comuns. Tinha por objetivo eliminar os Tútsis de Ruanda. A iniciativa para a criação da Interhamwe veio do clã do Presidente Juvénal Habyarimana. 

Com o decorrer da guerra, a RPF passou a ocupar uma parte do território de Ruanda, no qual também cometia atrocidades contra os Hútus locais. 

Em 1993, uma iniciativa para pacificar Ruanda, tendo a ONU como intermediária, tentou estabelecer um sistema de convívio pacífico entre o governo Ruandês, governado pelos Hútus, e a guerrilha Tústi representada pela RPF. Na esteira dessa tentativa de pacificar Ruanda, um governo provisório foi criado. O Presidente Juvénal Habyarimana permitiu a participação de partidos de oposição. Mas ao tempo que essas iniciativas eram colocadas em prática, na surdina, o governo Hútu elaborava listas com nomes de Tútsis que deveriam ser eliminados. Dinheiro do governo importou milhares de facões da China que seriam usados no Genocídio de 1994. A Rádio Mil Colinas, enquanto isso, amedrontava a população Hútu, dizendo que os rebeldes da RPF estavam se aproximando da capital do país, Kigali. A Rádio ainda espalhava que os guerrilheiros da RPF iriam estuprar as mulheres dos Hútus e iriam confiscar suas terras.

ESTOPIM DO GENOCÍDIO DE 1994:

Com esse pano de fundo, descrito acima, veio então aquilo que constituiu o estopim que deu início ao Genocídio de 1994. Na noite de 6 de abril de 1994, o avião que trazia a bordo o então Presidente do país, Juvénal Habyarimana, foi derrubado, quando sobrevoava a capital Kigali. Até hoje não se sabe o autor do atentado, mas na época todos culparam os Tútsis.

Então, todo o medo, todo o ódio e preconceitos, represado por anos, foi liberado, com os Hútus saindo à caça dos Tútsis, dando origem ao Genocídio dos Tútsis pelos Hútus  no ano de 1994.

"As crianças, antes de morrer, tinham de olhar suas mães serem estupradas (os netos - suas avós serem estupradas). Os homens olhavam suas esposas serem estupradas (os avós - suas netas). E enfiarem garrafas entre suas pernas. Era assim que com mais frequência matavam as mulheres tútsis: com um golpe na barriga e embaixo. Antes de morrerem assistiam à morte de seus filhos. E de seus pais também."(página 16)

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "HOJE VAMOS DESENHAR A MORTE", W.L. TOCHMAN, EDITORA ÂYINÉ



segunda-feira, 19 de julho de 2021

Papas Perversos Doação de Constantino Synod Horrenda



PARTE 1

ROMA:

A tradição conta que a cidade de Roma foi fundada por Rômulo, no ano de 443 após a queda de Tróia. 

No século III d.C., o Imperador Aurélio construiu grandes muralhas para cercá-la, protegendo-a de seus inimigos. 

Fora dessas muralhas e do outro lado do Rio Tibre, nas encostas da colina do Vaticano, uma nova era começava. Era o cristianismo que ganhava força e seguidores e que viria a dominar "Roma nos seus anos vindouros." (página 13)

Na área que compreendia a Colina do Vaticano uma nova cidade viria a ser construída, na qual Nero iria construir uma área de lazer, "...onde no seu famoso Circo, e segundo a tradição cristã, o Apóstolo Pedro foi crucificado durante aquela noite de insana crueldade de 64 d.C..."(página 14).

Então, na mesma área em que Pedro foi sepultado, por volta do ano 160 d.C., "...um santuário humilde mas identificável marcava a sepultura, sobre a qual foi construída a primeira Basílica de São Pedro no começo do século IV." (página 14)

No início do século IX, a Basílica de São Pedro já contava com uma riqueza formidável. Mas mesmo com toda essa riqueza, ela permanecia desprotegida, fora das muralhas que protegiam a cidade de Roma. Aproveitando-se disso, os Sarracenos, no ano de 846, lançaram um ataque a Roma. A cidade de Roma, graças às suas muralhas, passou ilesa, mas a contígua região do Vaticano, que não era protegida, foi saqueada. As riquezas da Basílica de São Pedro foram saqueadas pelos muçulmanos. 

Apesar da Basílica de São Pedro situar-se no subúrbio de Roma, nas Colinas do Vaticano, por um bom tempo a sede da Igreja Católica, isto é, a residência do Bispo de Roma, o Papa, ficava em Roma, no Palácio de Latrão (do século IV até o século XIV). O Palácio de Latrão, originalmente, pertencia a uma rica família romana, os Laterani, daí o nome Latrão. Depois, o Palácio passou para as mãos do Imperador Constantino, que, por sua vez, depois de sua conversão ao Cristianismo, o repassou/doou para os Bispos de Roma.

"O Palácio de Latrão desempenhou seu papel honroso, embora limitado, como residência do Bispo de Roma durante uns 400 anos. Depois, em finais do século VIII, o elo tênue que ligava o Imperador à sua cidade titular foi quebrado, começando o Papado o longo caminho do domínio temporal e fazendo de Latrão o centro do domínio romano." (página 17)

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O Imperador citado acima é o do Oriente. Trata-se do Império Romano do Oriente, com sede em Constantinopla, que deu origem ao Império Bizantino. A partir do Século VIII, portanto, os romanos do ocidente, com sede em Roma, começaram a se desvincular dos romanos do oriente, com sede em Constantinopla, antiga Bizâncio. 

PARTE 2

SEPARAÇÃO DOS ROMANOS DO OCIDENTE DOS ROMANOS DO ORIENTE:

"Em 328 d.C., Constantino transferiu a capital do Império Romano para a nova cidade de Constantinopla, alterando assim, inevitavelmente, o centro de gravidade do mundo romano. Gradualmente, o trono imperial foi ocupado exclusivamente por gregos, o latim cedeu lugar ao grego como língua oficial,..." (página 18)

Com a queda do Império Romano do Ocidente, a península itálica se viu repartida entre os novos reinos bárbaros e algumas áreas nas quais reinava o Império Romano do Oriente, com sede na cidade de Constantinopla, atual Istambul, na Turquia. Um desses locais que ainda eram dominados pelo Império Romano do Oriente era a cidade de Roma e seu entorno. O Bispo de Roma e os nobres locais, como resultado disso, eram súditos do Império Romano do Oriente, buscando nele a sua legitimidade. 

"Os grandes se irritavam sob o jugo. Era humilhante para o Bispo de Roma poder ser convocado a Constantinopla como qualquer funcionário." (página 19)

O Império Romano do Oriente, por meio de seu Imperador, exercia conjuntamente o poder secular e o poder espiritual. O Imperador então podia se meter em assuntos de Estado e em assuntos da Igreja. Por esse motivo, o Bispo de Roma se encontrava subordinado às ordens dadas pelo Imperador em Constantinopla, fossem elas sobre assuntos de Estado, fossem elas sobre assuntos religiosos. 

A relação entre Constantinopla e Roma ia bem até que, no ano de 726 d.C. (século VIII), um Édito iconoclasta, da lavra do Imperador Leão III, resultou numa oposição ferrenha por parte do Bispo de Roma. E os cristãos da Península Itálica se uniram ao Bispo de Roma nessa oposição ao Édito iconoclasta de Leão III.

Esse Édito de Leão III, que causou tanto descontentamento no Ocidente romano, dizia respeito à necessidade de se acabar com a adoração de imagens. A devoção às imagens deveria acabar em toda a cristandade. O Édito então ordenava que as imagens fossem destruídas em todo o Império, tanto no Oriente como no Ocidente. 

O Bispo de Roma, naquela altura, era Gregório II. Como já dito acima, ele protestou veementemente contra a destruição das imagens, dizendo que os cristãos não tinham trazido de volta a idolatria da Antiguidade, asseverando que os cristãos, ao contrário do que dizia Leão III, não adoravam as imagens, mas apenas "honravam-nas como memórias..." (página 20)

Por fim, o conflito em torno do Édito mencionado acima acabou descambando para uma guerra. Em 731, deu-se então uma cisão, com o Império Romano do Oriente perdendo influência e poder sobre a Itália.

"O Imperador (Romano do Oriente) e os seus teólogos eram rejeitados pela Itália e era inevitável que o Bispo de Roma preenchesse o vácuo de poder criado." (página 21)

PARTE 3

A DOAÇÃO DE CONSTANTINO

Aquilo que ficou conhecido como a "Doação de Constantino", foi na verdade uma falsificação feita por um funcionário papal, que atendia pelo nome de Cristóforo. 

Cristóforo pretendia criar uma narrativa por meio da qual a coroa do Império Romano iria para o Papa. Para tanto, Cristóforo baseou-se na figura lendária de São Silvestre.

Conta a lenda que o então Imperador Romano Constantino teria ficado doente, vitimado pela Lepra. Então Constantino teria tido uma visão, na qual lhe foi dito para chamar São Silvestre, que era então o líder dos cristãos em Roma. Pela visão, somente São Silvestre poderia curá-lo. Então São Silvestre foi se encontrar com Constantino, ao qual recomendou que se batizasse. Após ser batizado, como que por um milagre, Constantino curou-se da lepra e, como pagamento, ordenou que Cristo fosse adorado em todo o Império Romano. Ordenou ainda a arrecadação de dízimos para a construção de Igrejas pelo Império e ainda doou o Palácio de Latrão para São Silvestre e para os bispos de Roma que viessem a sucedê-lo. 

"A lenda, embora fantasiosa na atribuição do motivo (cura da lepra de Constantino), não se afasta muito dos pormenores conhecidos do fato - a doação do Palácio de Latrão, a construção de basílicas, a suprema condição religiosa atribuída à Cristandade." (página 22/23)

Mas a narrativa de Cristóforo foi além disso, colocando na boca de Constantino o que ele não disse, buscando assim dizer que Constantino teria transferido a coroa imperial romano para São Silvestre e para os bispos que viriam a sucedê-lo. 

"Cristóforo fez parecer que a Coroa Imperial havia sido realmente dada a São Silvestre, mas que este a recusara por não ser adequada para o detentor do ministério espiritual, e, em vez disso, havia aceitado um simples barrete frígio branco, humilde antecessor da grande tiara tripla. No entanto, o fato de a Coroa Imperial ter sido oferecida implicava que Constantino a viria possuir somente com a permissão do Papa." (página 23)

A Doação de Constantino foi usada a favor do Papado quando a Itália se viu acossada pelas invasões do Lombardos. Paralelamente a isso, o Império Romano do Oriente perdia força na Itália, vendo seus territórios sendo tomados pelos Lombardos. 

Em meio a tudo isso, o Bispo de Roma, o então Papa Estevão, resolver ir pedir ajuda ao reino dos Francos. Dessa forma, no ano de 755 d.C. (século VIII), Papa Estevão atravessou os alpes e foi se encontrar com o rei dos Francos, Pepino. Com sua lábia e com a Doação de Constantino a tiracolo, Papa Estevão conseguiu fazer de Pepino seu aliado contra os Lombardos. Os Francos então invadiram a Itália e derrotaram os Lombardos. Ainda ignoraram o pedido de ajuda dos Bizantinos. Pepino, com efeito, só tinha um aliado na Itália: o Papado. Assim, Pepino, acreditando na narrativa da Doação de Constantino, concedeu ao Papa o que viria a se tornar os Estados Papais, também conhecido como patrimônio de São Pedro. Essa concessão de terras dos Francos para o Papado foi feita com base na falsificação da Doação de Constantino, convertendo o Papa num senhor feudal, conferindo ao seu cargo um valor financeiro. O Papa então passou a possuir não só as chaves do céu como as chaves de várias cidades, que se encontravam  no interior dos Estados Papais. Com todo esse poder financeiro e espiritual nas mãos, o cargo de Papa passou a ser ambicionado pelos poderosos da época. 

Com o novo status adquirido, a posição de Papa passou a ser disputada por meio de lutas que redundaram até em assassinatos. Matava-se e morria-se pelo cargo de Papa.

Luta de vida e morte para se tornar Papa:

Um exemplo dessa luta pode ser encontrada num evento, que passou para a história com o nome de Synod Horrenda

A luta pelo cargo de Papa, como dito acima, se tornou tão disputada, que chegou-se ao cúmulo de se realizar o julgamento de um Papa que já tinha morrido. 

Assim, no ano de 896 (século IX), durante aquilo que se passou a chamar de Synod Horrenda, o então Papa Estevão VII decidiu realizar o julgamento de seu antecessor e inimigo, o Papa Formoso, que já tinha morrido. Estevão VII mandou que o corpo de Formoso fosse desenterrado e trazido para julgamento. Então foi encenado um julgamento, com a presença do cadáver desenterrado de Formoso. O objetivo de Estevão VII, ao vilipendiar a memória de Formoso, era o de atacar os aliados deste, que ainda estavam vivos e ativos e que lhe faziam oposição. Estevão VII e Formoso, com efeito, faziam parte de facções opostos, que se odiavam e que lutavam pelo cargo de Papa. 

E havia mais um benefício para quem se tornava Papa, pois o Papado contava agora com a proteção do monarca germânico. Num primeiro momento, quando ainda era vivo Carlos Magno, então Rei dos Francos, filho de Pepino, no ano de 800 d.C. ele foi Coroado Imperador do Ocidente, pelo então Papa Leão III. A partir do ano 800 havia dois Impérios, um do Ocidente, com sede na cidade alemã de Aachen, e aquele do Oriente, com sede em Constantinopla.

Com a criação do Império do Ocidente, que viria a se tornar no futuro o Sacro Império Romano Germânico, o Imperador e o Papa passaram a ser vistos como os dois vigários de Cristo, o primeiro brandindo a espada temporal, enquanto o segundo brandia a espada espiritual, num Império Sagrado. A relação entre esses dois vigários de cristo iria se mostrar extremamente tumultuada. 

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "PAPAS PERVERSOS", RUSSEL CHAMBERLIN, A HISTÓRIA COMO ROMANCE, EDITORA EDIÇÕES 70



quarta-feira, 7 de julho de 2021

A Família Burguesa A Inimiga do Comunismo O Comunismo exigia um novo tipo de Ser Humano



NOCIVIDADE SOCIAL DA FAMÍLIA BURGUESA:

Para os comunistas, a nocividade social da família burguesa era uma verdade inquestionável. (página 43)

Depois de vencerem a guerra civil, os bolcheviques se viam agora em uma nova arena de luta: a família burguesa.

"...ela (família burguesa) olhava para dentro de si própria e era conservadora, uma fortaleza da religião, da superstição, da ignorância e do preconceito; ela fomentava o egotismo e as aquisições materiais, além de oprimir mulher e crianças."

A família era o maior obstáculo, por exemplo, à socialização das crianças. Por amar a criança, a família a transforma num ser egotista. encorajando-a se ver como o centro do universo. (página 43)

Esse amor egotista, fomentado no interior da família burguesa, deveria ser trocado pelo amor racional de uma família social mais ampla, que englobaria toda a comunidade, na construção de um modo de vida coletivo.

Era necessário eliminar os hábitos e costumes burgueses do Império Russo dos Romanov. 

"Uma guerra revolucionária pela liberação da personalidade comunista por meio da erradicação do comportamento individualista (burguês) e de hábitos fora dos padrões (prostituição, alcoolismo, vandalismo, religião), herdados da antiga sociedade." (página 42)

Os bolcheviques esperavam que a família desaparecesse conforme a Rússia soviética se desenvolvesse até se transformar em um sistema totalmente socialista, no qual o Estado assumiria a responsabilidade por todas as funções básicas do lar, oferecendo creches, lavanderias e refeitórios em centros públicos e em prédios residenciais. 

UM EXEMPLO DE UMA POLÍTICA COMUNISTA PARA DESINTEGRAR A FAMÍLIA BURGUESA:

UPLOTNIE (CONDENSAÇÃO): 

Era a política da condensação, por meio da qual as famílias seriam obrigadas a dividir suas casas com outras pessoas, combatendo o privilégio e as forçando a se tornarem comunistas (página 44). Essa política matava dois coelhos com uma paulada só. Primeiramente, resolvia o problema habitacional na grandes cidades, ajudando na propaganda do Partido Comunista, centrada no combate aos privilégios e projetando um modo de vida coletivo. Depois, com essa política, o Estado Soviético acreditava que forçando as pessoas no compartilhamento de espaços comunais, elas iriam se tornar naturalmente comunistas em seus pensamentos. A vida do indivíduo passaria a ser imersa na comunidade. 

"Enquanto isso, os bolcheviques adotaram diversas estratégias - como a transformação do espaço doméstico - cujas intenções eram acelerar a desintegração da família. Para lidar com a falta de casas nas cidades superlotadas, os bolcheviques forçaram famílias ricas a dividirem seus apartamentos com os pobres urbanos." (página 44)

"Durante a década de 20, o tipo mais comum de apartamento comunal era aquele em que os proprietários originais ocupavam os cômodos principais na parte da frente, enquanto os quartos dos fundos eram ocupados por outras famílias." (página 44)

"Naquela época, os proprietários antigos podiam selecionar os comoradores..." (página 44)

Seguindo ainda essa política, foram planejadas Casas Comunais - Doma Kommuny - nas quais tudo seria compartilhado, inclusive roupas íntimas. As tarefas domésticas, como cuidar das crianças e cozinhar, seriam designadas rotativamente a grupos. Todos ainda dormiriam em um grande dormitório, dividido por gênero, com quartos particulares reservados para as práticas sexuais. (página 45). 

Esse tipo de iniciativa visava a destruição da esfera privada na vida das pessoas. Essas construções foram planejadas por arquitetos russos que foram denominados de Construtivistas. Era a arquitetura a serviço da utopia comunista, que deveria afastar o indivíduo da esfera privada/burguesa, inserindo-o num modo de vida coletivo.

Todavia, poucas dessas casas foram construídas. Elas ficaram apenas no campo da utopia e de romances, como o romance futurista "Nós", de Yevgeny Zamiatin (página 45).

"Mas o objetivo continuava a ser dominar a arquitetura de modo a induzir o indivíduo a afastar-se das formas privavas (burguesas) de domesticidade, dirigindo-se a um modo de vida mais coletivo." (página 45)

"O espaço e a propriedade privada desapareceriam, a família individual (burguesa) seria substituída pela fraternidade e por organizações comunistas, e a vida do indivíduo passaria a ser imersa na comunidade." (página 44)

SONHO DOS BOLCHEVIQUES:

O Estado soviético assumiria o lugar das famílias.

A vida privada, para os comunistas, era inimiga do regime bolchevique.

PARTIDO COMUNISTA EM PRIMEIRO LUGAR:

Os comunistas eram ensinados a "colocar o comprometimento com o proletariado acima do amor romântico ou da família." (página 46)

Nesse sentido, uma vida promíscua seria melhor do que estabelecer uma família, que poderia levar seus membros a se afastarem da lealdade ao Partido Comunista. 

O Partido Comunista vinha em primeiro lugar nada poderia colocar em dúvida a lealdade a ele. A pessoa só devia verdadeiramente se comprometer com o Partido. Constituição de uma família, o amor romântico, tudo isso só servia para desviar as pessoas daquilo que realmente importava: a causa comunista. Família e amor romântico eram coisas de burguês. 

Coisas de burguês também eram as mobílias que guarneciam uma residência. Um comunista raiz deveria viver numa casa guarnecida somente por mobílias funcionais, necessárias. O homem soviético não poderia se deixar escravizar pelo consumismo. Era precisa levar uma vida ascética, abandonando o estilo de vida burguês, com seus perfumes, roupas elegantes, cosméticos, anéis, etc. 

RENUNCIAMOS AO ANTIGO MUNDO

TIRAMOS SUA POEIRA DE NOSSOS PÉS

(Internacional Comunista, página 53)

Um comunista deveria sentir vergonha de desfrutar de um bom café da manhã que seria inacessível para um simples trabalhador. 

O COMUNISMO EXIGIA UM NOVO TIPO DE SER HUMANO:

Enfim, como dito por Máximo Gorki, para que o Comunismo triunfasse, seria necessário a criação de uma Personalidade Coletiva, contrapondo-se à personalidade individual.

Na visão dos bolcheviques, "...o ativista revolucionário era um protótipo de uma nova espécie de ser humano - uma personalidade coletiva que viveria apenas pelo bem comum - que popularia o futuro da sociedade comunista. Muitos socialistas viam a criação desse tipo de ser humano como o objetivo fundamental da Revolução. 'A nova estrutura da vida política exige de nós uma nova estrutura da alma', escreveu Máximo Gorki na primavera de 1917." (página 38)

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "SUSSURROS, A VIDA PRIVADA NA RÚSSIA DE STALIN", ORLANDO FIGES, EDITORA RECORD



terça-feira, 6 de julho de 2021

As Estratégias de Santo Agostinho e Maquiavel




O POLITEÍSMO E O MONOTEÍSMO:

No início da história humana vigorava o politeísmo. O medo daquilo que está além da compreensão humana é a fonte criadora das religiões, dos deuses. Desde sempre deuses e espíritos personificaram, materializaram as manifestações da natureza (raios, enchentes, temporais, vulcões, terremotos, eclipses, etc), doenças, etc. Enfim, tudo aquilo que se encontrava além da compreensão humana era materializado na forma de um deus, de um espírito. Daí surgiu a adoção do politeísmo na Antiguidade. Havia uma miríade de deuses e espíritos venerados e temidos pelos seres humanos. 

Enquanto vigorava o politeísmo, a religião se mostrava inofensiva para a administração dos Estados. 

"Os deuses passavam tanto tempo discutindo entre si que os mortais mantinham uma espécie de equilíbrio aqui na terra." (página 97)

Mas quando o monoteísmo superou o politeísmo, surgiram várias perguntas:

- as pessoas deviam obediência a César (Estado) ou a esse Deus único, onisciente e onipotente?

- o Estado agora precisaria da aprovação da Igreja para que seus atos fossem legitimados?

- a Igreja sobreviveria sem a proteção do Estado?

Para resolver essas questões foram elaboradas duas estratégias, uma por Santo Agostinho e outra por Maquiavel. 

SANTO AGOSTINHO BUSCAVA, ANTES DE TUDO, CONCILIAR RAZÃO E FÉ:

Como conciliar a ideia de um Deus onipotente e onisciente com o mundo imperfeito no qual vivemos, onde até um inocente bebê, na visão de Santo Agostinho, assume a forma de um verme voraz?

"Se os bebês são inocentes, não é por lhes faltarem o desejo de fazerem o mal, mas por lhes faltarem forças." (página 99)

Será por meio da Razão que Santo Agostinho tentará explicar essa contradição envolvendo um Deus onipotente e um mundo imperfeito. Esse mundo imperfeito estava nos pecados confessados pelo próprio Santo Agostinho, em seu livro "Confissões". A imperfeição do mundo ainda estava na decadência do Império Romano. Santo Agostinho vivenciou as invasões dos bárbaros, a tomada de Roma pelos visigodos de Alarico, no ano de 410. 

Nessa busca de tentar conciliar a onipotência de Deus com um mundo imperfeito, Santo Agostinho buscará, por exemplo, justificar a guerra, uma conduta obviamente pecaminosa do homem, mas que podia ser justificada, por meio do seguinte pensamento: a guerra existe porque Deus talvez quisesse punir o homem para o seu próprio bem ou, se ele fosse morto no campo de batalha, viesse a ser transportado para um mundo melhor.

Enfim. sua luta para conciliar fé e razão, para conciliar um Deus onipotente com um mundo imperfeito, Santo Agostinho buscava coisas positivas em coisas ruins, pois isso refletiria de alguma forma a vontade de Deus. Santo Agostinho procurava lógica nos infortúnios, nas imperfeições do mundo, buscando justificá-los dizendo que refletiam a vontade de Deus.

A ESTRATÉGIA DE SANTO AGOSTINHO PARA CONCILIAR O ESTADO (CÉSAR) E A IGREJA (DEUS):

No seu esforço para tentar conciliar Deus e Estado Agostinho escreveu a obra "Cidade de Deus", na qual declara que só há um Deus e só há um Estado (Cesar), e você deve obediência aos dois. 

Mas como servir a dois senhores simultaneamente? Como ser leal a dois senhores? Como ser simultaneamente leal a Deus e a César (Estado)? Uma pessoa então teria que se equilibrar entre esses dois poderes, o terreno, representado pelo Estado, e o celestial, representado por Deus. 

Esse equilíbrio é então "a maior das tarefas estratégicas, pois exige alinhar capacidades humanas limitadas com uma aspiração - a vida após a morte - sem limites." (página 101)

Para buscar esse equilíbrio, Santo Agostinho buscava conciliar a Fé com a Razão. Para isso, ele buscava criar um guia de comportamento, um checklist que deveria ser seguido pelas pessoas, na condução/direção de suas vidas aqui na Terra (Cidade dos Homens). Se a pessoa agisse de acordo com as orientações de Santo Agostinho, ela então teria direito à vida eterna, podendo então entrar na Cidade de Deus. 

A obra "Cidade de Deus" é então é a tentativa de mostrar ao cristão como ele deveria agir para se equilibrar entre suas obrigações terrenas, em relação ao Estado, e suas obrigações com Deus, de forma a salvar a sua alma. 

Ao agir, o homem deveria equilibrar suas ações entre, fazer suas escolhas, entre as seguintes polaridades:

ORDEM - JUSTIÇA

GUERRA - PAZ

CÉSAR (ESTADO) - DEUS

"A Cidade de Deus é uma estrutura frágil dentro da pecaminosa Cidade dos Homens." (página 103)

AS JUSTIFICATIVAS DE SANTO AGOSTINHO PARA A GUERRA, O ESTADO E A ORDEM:

Santo Agostinho, na sua busca para conciliar a Fé com a Razão, buscou justificar a existência do Estado, da Guerra e da Ordem. 

- Existência do Estado:

Se Deus é Todo-Poderoso, por que há a necessidade da existência de um Estado? Santo Agostinho respondia dizendo que sem um Estado não haveria cristãos, e essa não podia ser a vontade de Deus.

De fato, não obstante períodos de perseguição, o Estado representado pelo Império Romano propiciou o desenvolvimento do cristianismo, inclusive reconhecendo-o, por meio do então Imperador Constantino. 

Agostinho tinha motivos de sobra para pensar dessa forma. Ele temia que a decadência do Império Romano, então tomado pelas invasões bárbaras (Roma foi saqueada pelo Visigodo Alarico, em 410 d.C), viesse a colocar em risco o próprio cristianismo. Santo Agostinho temia que o cristianismo, sem um Estado forte que o protegesse, submergisse diante das invasões dos bárbaros.

"Uma fé pacífica - a única forma de justiça para os cristãos - não pode florescer sem alguma forma de proteção proporcionada por um Estado." (página 103)

- A Ordem deve preceder a Justiça:

Diante então dessa desordem verificada no século V, com o Império Romano sendo invadido por povos bárbaros, Santo Agostinho procurou justificar que a Ordem deveria preceder a Justiça.

"Estabeleceu-se, então, que a ordem deve preceder a justiça, pois direitos podem existir mesmo sob terror constante." (página 103)

- Existência da Guerra:

Santo Agostinho foi o primeiro cristão a criar exceção para a  conduta de dar a outra face após ser ofendido/agredido. O cristão não deveria dar a outra face e sim lutar e, se necessário, matar o seu inimigo. Em seguida, Santo Agostinho estabeleceu um guia para justificar o emprego da guerra:

- teria ocorrido uma provocação?

- seria o recurso à violência um meio escolhido, não um fim em si mesmo?

- seria o uso da força proporcional a seu propósito de forma a não destruir o que deveria defender?

- teria a autoridade competente esgotado todas as alternativas pacíficas?

CONCLUSÃO:

A estratégia de Santo Agostinho, para um cristão conciliar suas obrigações com o Estado e com Deus, para conciliar as suas aspirações (ilimitadas) à Justiça, à Paz e à Vida Eterna com as realidades mundanas (capacidades limitadas) da Ordem, da Guerra e do Estado, baseava-se na adoção da PROPORCIONALIDADE, isto é, "os meios devem ser adequados, ou, pelo menos, não prejudiciais aos fins almejados." (página 107)

A ESTRAGÉGIA DE MAQUIAVEL:

Maquiavel tinha várias diferenças em relação a Santo Agostinho. Primeiro de tudo, Maquiavel não era santo. Ao contrário de Santo Agostinho, dizia que "DEUS NÃO QUER DECIDIR TUDO."

Contrariando ainda mais Santo Agostinho, Maquiavel nunca tentou restringir o livre-arbítrio do ser humano nos limites de sua razão. Com efeito, o livre-arbítrio de Santo Agostinho estava limitado pela razão, na medida em que as escolhas que o homem fazia entre Deus e César (Estado), entre a Justiça e a Ordem e entre a Paz e a Guerra, deveriam ser feitas sempre por meio da Razão, seguindo as instruções dadas por ele mesmo, isto é, retiradas de seus ensinamentos. Se assim agisse, o homem salvaria a sua alma e teria direito à vida eterna. 

Então, contrariando frontalmente o pensamento de Santo Agostinho, Maquiavel dizia:

"Deus não quer decidir tudo. Para que nosso livre-arbítrio não se anule e parte de nossa glória dependa de nós." (página 109).

Num mundo religioso como o do século XVI,  dizer que Deus não queria decidir tudo, era revolucionário. Se Deus não queria decidir sobre tudo que acontecia no mundo, abria para o ser humano a chance de atuar para corrigir a direção das coisas. Dessa forma, ao contrário de Santo Agostinho, Maquiavel não via o mundo como algo predeterminado.  

Maquiavel dava como exemplo um Estado governado erroneamente, no qual a cobiça dos homens logo irá destruí-lo, quer por uma revolta interna, quer por uma guerra externa. Mas se um Estado for governado com sabedoria, ele poderá obter bons resultados, como no caso de uma cidade que, para evitar enchentes, constrói diques, comportas e barragens, de forma a regular as cheias de um rio. Para Maquiavel, eram os homens que deveriam agir para evitar que uma cidade fosse destruída por uma enchente, por meio de obras de engenharia, e não ficar esperando pela boa vontade de Deus, afinal de contas, Deus não quer decidir tudo.

ESTRATÉGIAS QUE UM GOVERNANTE DEVERIA ADOTAR, SEGUNDO MAQUIAVEL:

Primeiramente, já que Deus não queria decidir sobre tudo, então o governante não precisaria, ao tomar uma decisão, buscar discernir a vontade de Deus. Seria presunçoso e temerário se um governante, antes de agir, ficasse perquirindo sobre qual seria a vontade de Deus no tratamento de um determinado assunto. 

A estratégia de Maquiavel também pode ser resumida na adoção da proporcionalidade, entendida esta na ideia de que o homem deve fazer o que é exigido de acordo com a necessidade, mas não à sua mercê em todos os aspectos. (página 113)

RESUMO DAS DIFERENÇAS DAS ESTRATÉGIAS DE SANTO AGOSTINHO E MAQUIAVEL:

SANTO AGOSTINHO buscou estratégias para se defender do caos na Terra e das labaredas do inferno

MAQUIAVEL buscou estratégias para se esquivar do governantes e Estados incompetentes

SANTO AGOSTINHO buscou razão num único Deus

MAQUIAVEL elaborou sua estratégia ignorando Deus

SANTO AGOSTINHO criou uma cidade imaginária num livro

MAQUIAVEL preparou um guia para os príncipes de como governar seus Estados


ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "AS GRANDES ESTRATÉGIAS, DE SUN TZU A FRANKLIN ROOSEVELT, COMO OS GRANDES LÍDERES MUDARAM O MUNDO", DE JOHN LEWIS GADDIS, EDITORA CRÍTICA.