quarta-feira, 15 de julho de 2020

Reino de Aragão e Ducado de Barcelona Embriões de Espanha e Catalunha



REINO EFÊMERO:

A cidade de Perpinhão, localizada no Rossilhão, é a capital da Catalunha francesa. O Rossilhão localiza-se no Pireneus orientais, na região francesa do Languedoc. Da cidade de Perpinhão avista-se os Pireneus orientais, uma Cordilheira de proporções monumentais, estendendo-se por 300 quilômetros, da Costa Vermelha no Mar Mediterrâneo ao Oceano Atlântico, na cidade francesa de Biarritz. Tem picos que alcançam até 3.404 metros, como em Aneto. Esse maciço acompanha a fronteira entre as atuais França e Espanha, com exceção do 'Vall d'Aran'. Uma parte da população de Perpinhão é de origem espanhola (muitos espanhóis, durante a guerra civil de 1936/1939, buscaram refúgio na França). O clube local de rugbi homenageia a Catalunha, usando em sua camisa as cores vermelho sangue e dourado. Perpinhão foi uma simples 'villa' romana. Mais tarde, no final do século IX, virou morada dos Condes do Rossilhão. Com efeito, depois do colapso do Império Romano do Ocidente, possessões senhoriais locais se viram encurralados pelo avanço do islã, que vinha pelo sul, e pelo avanço franco, que vinha pelo norte. Cada um desses senhores de terras acabaria por virar um conde ou um visconde, escondendo-se atrás de castelos e torres. A região ficou apinhada de castelos e torres. Alguns desses senhores prosperaram, enquanto que outros definharam. 

UMA SENHOR DE TERRAS SÓ EVOLUÍA, EXPANDIA SUAS POSSES, ÀS CUSTAS DE OUTROS SENHORES FEUDAIS. SÓ OS FORTES SOBREVIVIAM E CRIAVAM DINASTIAS DURADOURAS

"De forma gradual, à medida que o peixe miúdo foi sendo engolido, algumas dinastias dominantes tornaram-se dominantes."
(página 193)

POR QUE ESTAMOS FALANDO DO ROSSILHÃO E DE PERPINHÃO?:

Essas áreas, que hoje pertencem à França, no passado pertenceram ao Condado de Barcelona e ao Reino de Aragão, assuntos que serão abordados a seguir.

ARAGÃO - ORIGENS:

Antes de ser um reino, era uma localização geográfica, pela qual atravessava o um ribeirão de nome Aragão, cujo nome vem do basco ARAN, palavra usada para descrever um Vale. O ribeirão Aragão desce dos Pireneus, desaguando no vale do Rio Ebro. Essa região de Aragão também era conhecida como Jaca. Aragão fazia fronteira com Navarra (planície, na língua basca) a oeste. 

A RELAÇÃO DE CARLOS MAGNO COM A REGIÃO DE ARAGÃO E ADJACÊNCIAS:

Foi no final do primeiro milênio que os senhores cristãos que habitavam Aragão e adjacências começaram a guerra de Reconquista contra a dominação islâmica. Esses senhores cristãos deviam sua origem às campanhas empreendidas por Carlos Magno contra os islâmicos. Essas campanhas se deram quando Carlos Magno atravessou os Pireneus no ano de 778 (século VIII), entrando no que é hoje a Espanha. Em seu avanço pela região de Aragão, Carlos Magno só não conseguiu conquistar a cidade de Saragoça, que continuou sob domínio islâmico. 

Zonas Militares Tampões:

Para obstar o avanço islâmico a partir da Península Ibérica, Carlos Magno criou 4 zonas militares. Uma delas era chamada de Marca Hispânica, que se localizava dos Pireneus centrais até aos Pireneus orientais, onde se localizavam o Rossilhão e o Perpinhão. Abrangia inclusive a atual cidade de Barcelona. A Marca Hispânica era dividida em condados, cada um dos quais administrado por um 'comitatus' (comissário militar). Na Marca Hispânica fundiam-se elementos visigóticos, ibéricos e francos. Essa mescla resultaria na língua falada na Catalunha. 

FRANCOS E ISLÂMICOS PERDIAM FORÇA. ASCENSÃO DOS SENHORES FEUDAIS LOCAIS:

Com o passar do tempo, os francos, no norte, foram perdendo interesse pela Marca Hispânica. Os islâmicos também pararam com seu avanço para o norte. Esse período de tranquilidade no front externo deu ensejo a um fortalecimento dos senhores cristãos locais. Nessa época então duas zonas/localidades ganharam protagonismo:

-Condado de Barcelona: cidades de Girona, Barcelona
-Navarra: cidade de Pamplona

Adjacente a Navarra, a oeste, ficava Aragão. A oeste de Navarra, ficavam os territórios de Castela e Leão. Navarra era governada por Sancho, o Grande.

SANCHO, O GRANDE:

Senhor de Navarra, queria ser o "Rei de todas as Espanhas." (página 202)
Sancho planejou sua sucessão. Entregou Navarra ao seu filho legítimo mais velho. Um segundo filho dele ficou com Leão e Castela. Aragão foi atribuído ao seu filho bastardo, de nome Ramiro.
Os filhos de Sancho eram desunidos e faziam guerras uns contra os outros. Enquanto os filhos legítimos de Sancho brigavam entre si, Ramiro, o filho bastardo, cuidava de Aragão, buscando expandi-la pelos territórios da Marca Hispânica, como por exemplo, Ribagorza. Ramiro ainda conseguiu o título de rei. 

REINO DE ARAGÃO. INÍCIO DIFÍCIL, COM POUCOS RECURSOS. ARAGONISMO:

A principal cidade de Aragão ficava em Chaca ou Jaca, onde, em 1063, tornou-se sede do primeiro bispado aragonês. Havia ainda a cidade de Huesca (antiga 'Osca' Romana).
Ramiro foi morto quando comandava um cerco à uma fortaleza muçulmana. 
No início de sua existência, o Reino de Aragão não tinha boas perspectivas de sobrevivência. pois estava cercada pelos reinos de Castela e Navarra, a oeste. Havia os islâmicos no sul, em Saragoça. A leste havia o condado de Barcelona. Aragão ainda era um reino pobre. Não tinha acesso ao mar. Seu solo não era rico. 

"...planície desértica cujo solo é fino, calcário e salgado."
(página 199)

O verde de Aragão aparece somente nas Montanhas que circundam as planícies, com pastagens, carvalhais, etc.
Essa falta de riqueza colocava o rei de Aragão numa situação desconfortável, pois não tinha como presentear seus nobres/clientes, de forma que se via obrigado a permitir que os senhores feudais de seu reino adquirissem uma autonomia maior em suas áreas. 

"Em contraste com a tradição de Castela, o 'aragonismo' privilegiou o respeito pelas leis locais e descartou a autoridade centralizada."
(página 204)

Enfim, uma Monarquia, como a de Aragão, sem muitas posses, não tinha como agradar seus clientes aristocratas, de modo que estes recebiam do rei mais autonomia em suas localidades.

Legitimidade para um rei comandar:

Em Aragão, contava-se a história (ou lenda) de como o rei de Aragão conseguiu a legitimidade para governar seu povo: teria havia entre o rei e seus súditos uma espécie de pacto, do qual teria nascido a legitimidade do rei para governar seus súditos. 

"Nós (súditos) que valemos tanto quanto vós (rei), tomamos-vos como nosso rei desde que preserveis as nossas leis."
(página 204)

Dilema do Reino de Aragão:

Devorar seus vizinhos ou ser devorado por eles. Navarra, Castela e Leão estava a oeste. Condado de Barcelona estava a leste. Islâmicos estavam no sul. Se o Reino de Aragão avançasse contra seus vizinhos, traria animosidade e vingança contra si; se ficasse quieto, no seu canto, sem mexer com ninguém, poderia enfraquecer na estagnação, atraindo assim a cobiça de seus vizinhos. 

"Naquela época, os senhores da guerra devoravam os vizinhos ou eram por eles devorados."
(página 204)

Aragão resolveu seu dilema. Era melhor devorar seus vizinhos do que ser devorado por eles. No ano de 1118 (século XII), Aragão, sob o reinado de Afonso I, o Batalhador, conquistou a cidade de Saragoça, empurrando as fronteiras do reino para o Rio Ebro. Saragoça iria se tornar a sede do governo de Aragão. O estatuto régio de Aragão foi ainda confirmado pelo Papa. 

Estatuto régio de Aragão confirmado pela Igreja Católica:

A Coroação de um Rei era um ato solene. Era representativo, em todos os reinos medievais, da parceria entre a Igreja Católica e o Estado. No Reino de Aragão, que é o que nos interessa aqui, a cerimônia era realizada na Catedral de Saragoça. Era oferecida ao público uma prova concreta da vocação divina do soberano. Quanto mais elaborada fosse a cerimônia, melhor seria para criar na cabeça dos súditos a ideia de que, aquele sujeito com a coroa na cabeça, tinha realmente uma relação direta com Deus.

EXPANSÃO DE ARAGÃO E AS CRUZADAS DA PENÍNSULA IBÉRICA (GUERRA DE RECONQUISTA):

Aragão, ajudado por cristãos da Calábria, Borgonha e Aquitânia, invadiu a cidade muçulmana de Barbastros, que foi arrasada. Os cristãos tomaram vários muçulmanos como escravos. Os cruzados ainda partiram carregados com as pilhagens feitas na cidade. Apesar de toda essa violência, essa Cruzada foi abençoada pelo Papa. 

Reconquista e Castelões:

A reconquista foi a guerra empreendida pelos espanhóis pela expulsão do muçulmanos da Península Ibérica. Essa guerra não seria possível sem os Castelões, que acabaram se transformando numa poderosa aristocracia fundiária sustentada pelo trabalho de servos camponeses.

"Alguns destes ricos homens construíram pequenos Estados privados, estabelecendo-se primeiro como Condes e depois como duques."
(página 213)

A Espada andava junto com a Religião:

A reconquista da Península Ibérica na guerra contra os muçulmanos criou um catolicismo militante e tornou a espiritualidade mais intensa.

EL CID:

El Cid foi um personagem que viveu em meio ao surgimento do Reino de Aragão.
El Cid (Ruy ou Rodrigo Díaz), cognome 'O Campeador'. Era um Cavalheiro Castelhano de Vivar. Anos de 1040/199. O livro traz duas grafias para o nome de El Cid, Ruy e Rodrigo. El Cid, o Senhor da Guerra. Conhecido herói espanhol, cuja história foi bem diferente daquela que é contada. El Cid foi na verdade um Mercenário, que nada tinha de nobre. Chegou a vender os seus serviços para um emir árabe de Saragoça, Moktadir. 
No ano de 1070, encarregado de cobrar tributos em Sevilha, foi dispensado sob a acusação de peculato. El Cid ainda chegou a sitiar a cidade de Valência, à frente de um exército muçulmano. El Cid ainda devastou áreas adjacentes à cidade de Barcelona, saindo de lá carregado de pilhagens.

MORTE DE AFONSO I, REI DE ARAGÃO E CONQUISTADOR DE SARAGOÇA:

Com a morte de Afonso I, seu irmão, sob o nome de Ramiro II, o Monge, assume o trono. Com o nascimento de sua filha, Ramiro II abdica em favor dela e vai se internar num mosteiro, da qual tinha saído após a morte de seu irmão Afonso, com a missão de dar uma herdeiro ao reino de Aragão.
Dessa forma, Aragão passou a ser governado por um Conselho de Regência. Esse mesmo Conselho desde logo passou a buscar um casamento para a filha de Ramiro II. Esse casamento deveria ser politicamente vantajoso para o Reino de Aragão. Ele foi encontrado no Condado de Barcelona.

CASAMENTO DO REINO DE ARAGÃO COM O CONDADO DE BARCELONA:

No ano de 1137 (século XII), na cidade de Saragoça, capital do Reino de Aragão, Petronilha de Aragão (a filha de Ramiro II), com um ano de idade, foi prometida em casamento a Raimundo Berengário IV de Barcelona, que tinha 24 anos de idade. Passados 14 anos, o casamento foi consumando. Petronilha e Raimundo tiveram 5 filhos. Na prática, Raimundo Berengário governou Aragão e Barcelona. O herdeiro desse casal foi Afonso III de Aragão e I de Barcelona (1162 - Rei de Aragão e Conde de Barcelona).

"...o casamento de duas pessoas resultou no casamento de dois Estados."
(página 210)

RETRATO DA PENÍNSULA IBÉRICA NO ANO DE 1137 (SÉCULO XII):

Sul da Península: Califado de Córdova (cidades de Córdoba, Cádis, Sevilha)
Condado Portucalense (cidade do Porto - atual Portugal)
Noroeste da Península: Leão (cidade Santiago de Compostela)
Castela: Cidades de Toledo, Madrid e Burgos
Navarra: cidade de Pamplona
Aragão: cidades de Huesca, Saragoça. 
Condado de Barcelona: antiga Marca Hispânica. cidades de Perpinhão, no Rossilhão, Girona, Barcelona.

REINO DE ARAGÃO E CONDADO DE BARCELONA - CASAMENTO ESTRANHO:

- ambos conservavam suas leis.
- ambos preservavam suas línguas.
- preservavam suas cortes

O aragonês era mais aparentado com o castelhano do que com o catalão de Barcelona. 
Barcelona tinha mais história do que o Reino de Aragão. Barcelona foi fundada pelo irmão de Aníbal, no século III a.C.. Barcelona foi libertada dos muçulmanos por Carlos Magno. A casa de Condes de Barcelona vinha desde princípio do século IX. O primeiro conde de Barcelona era filho de um seguidor de Carlos Magno. O condado de Barcelona ainda era mais rico e extenso do que o Reino de Aragão.

FORMA DE GOVERNAÇÃO NA IDADE MÉDIA - DINASTIAS REINANTES:

Tudo se iniciava pela existência de uma Dinastia Reinante. A Dinastia reinante em Aragão tinha começado com Sancho, o Grande, que legou o território de Aragão para seu filho bastardo, Ramiro. O Reino de Aragão era apenas um exemplo na colcha de retalhos que era a Europa, cuja diversidade territorial era resultado da diversidade das dinastias reinantes na Europa. O controle político era encabeçado pela Dinastia reinante. A Dinastia reinante guiava-se pelos princípios da proteção da herança, pela defesa do patrimônio e pelas guerras. Nos reinos dinásticos a jurisdição era feudal, baseada na posse da terra; as relações interpessoais eram guiadas por uma hierarquia assentada na relação entre senhores e vassalos. Dinastias reinantes adquiriam terras e títulos por meio de casamentos, pela guerra, por legados, por concessões, pela compra e por doação. Dinastias reinantes perdiam terras e títulos por mortes na família, por derrotas na Justiça, pela venda ou pela derrota na guerra. As Dinastias Reinantes defendiam seus títulos e terras por meio de advogados, guerreiros e pela bênção de um clero que lhe era obediente.

Comparação de uma Dinastia Reinante com uma empresa multinacional:

Atualmente, uma Dinastia Reinante poderia encontrar paralelo com uma empresa multinacional. A Coroa de Aragão, junção do Reino de Aragão com o Condado de Barcelona, poderia ser vista como uma empresa política, com o nome 'Aragão' sendo usado como uma marca, um nome conhecido, para dar credibilidade à entidade criada. 
Sendo a Dinastia Reinante uma empresa política, ela precisa de ativos, que na Coroa de Aragão, nascida em 1137, era constituída por terras e receitas tributáveis.
Essas Dinastias Reinantes ou empresas políticas também tinham filiais, na forma de territórios autônomos, que eram administradas por nobres ligados a elas. Tinham também administradores, pagos pela Dinastia Reinante/Empresa Política.

COROA DE ARAGÃO (CORONA ARAGONENSIS). UNIÃO DO REINO DE ARAGÃO COM O CONDADO DE BARCELONA (1137)

Os governantes da Coroa de Aragão tinham seus nomes grafados em aragonês e em catalão. Alguns exemplos:

- Afonso II, El Casto/Alfons I, El Trubador
- Pedro II, El Católico/ Pere I, El Catolic
- Jaime I, El Conquistador/ Jaume I, El Conquerridor
- Pedro III, El Grande/ Pere II, El Gran

EXPANSÃO DA COROA DE ARAGÃO:

Entre os séculos XII e XV, a Coroa de Aragão foi devorando novos territórios. O peixe maior engolia o peixe menor. Combates contra os muçulmanos resultaram nas conquistas de Tortosa e de Lleida (Lérida). O Rossilhão (Perpinhão) também foi conquistado. A expansão, por meio de um casamento, alcançou a cidade de Montpellier. 

CASAMENTO: FORMA DE UMA DINASTIA ADQUIRIR UM TERRITÓRIO:

Montpellier (atualmente uma cidade francesa) foi adquirida pela Coroa de Aragão por meio de um casamento. No ano de 1204 (século XIII), o Rei de Aragão, Pedro II, casou-se com Maria de Montpellier. O dote foi a cidade. E não era uma cidade qualquer, muito pelo contrário. Localizada na planície do Languedoc-Septimânia, Montpellier cresceu em torno de uma colina fortificada para defesa das incursões muçulmanas. Tinha um comércio dinâmico, pela proximidade do vale do Ródano e da fronteira com o Sacro Império Romano Germânico. Enfim, era uma cidade rica, que poderia gerar uma ótima arrecadação tributária. 

REI TOMA EMPRÉSTIMO. NÃO TEM DINHEIRO PARA PAGÁ-LO. SOLUÇÃO: TERCEIRIZAR A COBRANÇA DE IMPOSTOS PARA O AGIOTA:

Reis normalmente faziam empréstimos. Quando não conseguiam pagá-los. terceirizavam a cobrança dos impostos, passando-a para aquele para aquele que tinha feito o empréstimo. Isso aconteceu com o Rei de Aragão, Jaime I, que contraiu um empréstimo e não conseguiu pagá-lo. 

"Benveniste de Porta (1250-1270), o banqueiro do rei (de Jaime I), avançou empréstimos garantidos pelos pelos impostos reais e, com a Coroa endividada em mais de cem mil coroas, tornou-se o cobrador de impostos do rei."
(página 224)

JAIME, EPÍTETO 'O CONQUISTADOR':

Jaime era filho de Pedro II com Maria de Montpellier. Jaime I tornou-se Rei de Aragão, Conde de Barcelona e Senhor de Montpellier. Jaime I ostentava o epíteto de "O Conquistador." 
Alguns feitos de Jaime I:
- Expulsão dos Mouros e tomada da ilha dos Baleares em 1229. Jaime I proclamou-se Rei de Maiorca.
- Conquista de Valência em 1304
- Tratado de Corbeil, entre França e a Coroa de Aragão, no qual houve um reconhecimento mútuo de fronteiras, títulos e soberania.
Jaime I teve dez filhos legítimos e outros tantos ilegítimos.
Ao morrer, Jaime I dividiu seu reino para seus filhos, cada qual recebendo uma parte da Coroa de Aragão. Essa divisão foi feita em testamento no ano de 1262. A divisão era essa:

- um dos filhos herdaria Aragão, Catalunha e Valência.
- outro herdaria as ilhas Baleares e o título de Rei de Maiorca, o Rossilhão e Montpellier.

UM REINO NO MAR:

O pai de Jaime I, Pedro II, sonhava em edificar um 'regne dins el mar' (um reino no mar). Esse sonho demandava vultosos investimentos. A arma naval preferida era a galé, mistura de remo com vela, uma versão aprimorada das birremes e trirremes gregas. Suas armas ofensivas eram o esporão e as catapultas. Batalhas navais contra os muçulmanos eram comuns. Do lado derrotado, quem não morria virava escravo. 

ILHAS BALEARES:

Chamadas de 'Gimnésias' pelos romanos. Era habitada pelos muçulmanos, um verdadeiro espinho na carne cristã. Os muçulmanos foram expulsos das Baleares pelo Reino de Aragão, no ano de 1229. Obra de Jaime I, o Conquistador. No ataque às Baleares, uma esquadra de galés rebocava navios couraçados de transporte de tropas, cujas proas se abriam para largarem os soldados na ilha.

"...1.500 sarracenos morreram, pois não havia a intenção de fazer prisioneiros."
(página 229)

CONQUISTAS RESULTAVAM NO FORTALECIMENTO DO PODER DA COROA DE ARAGÃO:

As conquistas territoriais da Coroa de Aragão fortaleciam o poder central, o poder do rei. O poder do rei aumentava, diminuía o poder dos nobres locais. A Coroa de Aragão tinha acesso a novas fontes de receita. Por exemplo: Em Minorca, uma das ilhas de Baleares, foi criado um estado vassalo muçulmano, que devia pagar um tributo anual a Aragão. 
O avanço da Coroa de Aragão ainda lhe concedia vantagem na corrida contra Castela. 

MAGNA CARTA DE ARAGÃO - PRIVILÉGIO GERAL DE 1283:

A expansão territorial da Coroa de Aragão só foi possível porque contou com a ajuda dos nobres locais, que por sua vez foram presenteados com terras e honrarias. Mas esses nobres queriam mais. Formaram a União das Liberdades, que exigia que o rei assinasse uma Carta consagrando os direitos e os privilégios dos nobres (garantia da prevalência da lei, promessa de realização de parlamentos anuais, etc). O sucessor de Jaime I assinou essa Carta, que foi confirmada pelos reis que vieram a seguir. 

O IMPÉRIO ARAGONÊS:

Territórios constituintes do Império Aragonês:

Aragão - Huesca, Saragoça
Condado de Barcelona - Barcelona, Girona
Valência
Ilha de Ibiza
Ilhas Baleares
Córsega - 1420
Sicília - 1302
Sardenha - 1323
Ilhas de Malta e Gozo - 1282
Reino de Nápoles - 1442
Grécia - Ducados de Atenas e Neopatras (1319-1390)

SICÍLIA - FREDERICO II HOHENSTAUFEN - ANGEVINOS - VÉSPERAS SICILIANAS - COROA DE ARAGÃO:

Também chamada de Trinátria ou Trinacrium. Os romanos chamavam a ilha da Sicília de Trinacrium, uma alusão a uma estrela de três pontas. Os gregos chamavam a ilha da Sicília de Trinátria, em razão de sua forma triangular.
A Sicília é a maior ilha do Mar Mediterrâneo.
A Sicília foi colonizada por vários povos: Fenícios, Gregos, Romanos, Bizantinos, Árabes e Normandos. Sicília, no início do século XIII, era governada pela Casa de Hohenstaufer, cujo integrante mais famoso foi Frederico II, Imperador do Sacro Império Romano Germânico (1215-1250), o 'stupor mundi' (Pasmo do Mundo). 
Frederico II era desafeto da Igreja Católica, razão pela qual ele e seus filhos foram excomungados pelo Papa. No ano de 1266, o Reino da Sicília, que incluía o sul da Itália, por decreto papal, foi dado a Carlos de Anjou (angevinos). Havia um descontentamento dos habitantes da ilha da Sicília com o governo dos Angevinos. Em 1282, uma revolta se abateu sobre a cidade de Palermo, na ilha da Sicília. Uma guarnição francesa foi massacrada. Essa revolta foi alcunhada de Vésperas Sicilianas. (página 234)
Os revoltados sicilianos, antigos partidários de Frederico II,  buscaram ajuda na Coroa de Aragão, cujo rei, Pedro III, era casado com Constança, neta de Frederico II e filha de Manfredo. A Coroa da Sicília foi oferecida a Pedro III. A revolta na Sicília, denominada de Vésperas Sicilianas, duraram 20 anos. Os sicilianos contaram com a ajuda da Coroa de Aragão, que com seus navios impediram a chegada de ajuda francesa pelo mar. 
Pedro III morreu em 1285. Em seu lugar assumiu seu filho Jaime III, o Justo. O desfecho das Vésperas Sicilianas veio em 1302. Os angevinos (franceses) mantiveram seus territórios no sul da Itália (Nápoles) e a Coroa de Aragão ficou com a ilha da Sicília.
Curiosamente, Nápoles continuou usando o nome de Reino da Sicília.
Jaime III, o Justo, foi coroado em Palermo em meio às Vésperas Sicilianas, em 2/2/1286. Foi coroado em nome de Deus e da Virgem Maria. Os notáveis da ilha se fizeram presentes (bispos, nobres, prelados, etc). Para aumentar o número de seus clientes na ilha, Jaime distribuiu feudos e honrarias locais.
Jaime III era filho de Constança com Pedro III. Constança era filha de Manfredo e neta de Frederico II Hohenstaufen. Constança ainda era viva no ano de 1300 e rainha-mãe de Jaime II de Aragão e de Frederico II da Sicília. 

AS DUAS SICÍLIAS MEDIEVAIS:

Primeiro de tudo: Aquilo que se convencionou chamar de Reino da Sicília foi fundado por Rogério, o Normando, em 1130 (século XII). Ele incluía a ilha da Sicília e o continente adjacente (Nápoles - sul da Itália). Esse Reino da Sicília foi herdado pela Dinastia Hohenstaufen no ano de 1196. Depois, por uma decisão do Papado, o Reino da Sicília foi passado para os Angevinos (dinastia francesa) em 1266.
Segundo ato: Houve a eclosão de uma revolta na ilha da Sicília contra o governo dos Angevinos. Essa revolta passou para a história com o nome de Vésperas Sicilianas (1282-1302). O desfecho dessa revolta redundou com a Ilha da Sicília sendo rebatizada de Reino da Trinátria (trinátria em razão da forma triangular da ilha - nome dado pelos gregos no passado) e atribuída para a Coroa de Aragão. Esse Reino da Trinátria também era chamada de Sicília Insular. Ficou com os descendente de Pedro III até o ano de 1516.
Terceiro ato: Após as Vésperas Sicilianas (1282-1302), como já dito acima, o então Reino da Sicília foi repartido em dois: a Ilha da Sicília passou para a Coroa de Aragão sob o nome de Reino da Trinátria. Já a parte referente ao continente, onde ficava a cidade de Nápoles, recebeu o nome de Reino de Nápoles ou da Sicília Napolitana ou finalmente de Reino da Sicília, e foi atribuída aos franceses da Dinastia dos Angevinos. Esse Reino de Nápoles foi governado pelos Angevinos até o ano de 1442 (século XV), quando então foi adquirida por Afonso V de Aragão, que a separou das suas outras possessões. Foi governado pelos descendentes de Afonso V até o ano de 1516 (século XVI), ano em que passou para a Espanha (páginas 235/236). 

FREDERICO II - LINHA SICILIANA DA CASA DE ARAGÃO. GOVERNOU A SICÍLIA EM PARALELO COM SEUS PARENTES EM BARCELONA E NAS ILHAS BALEARES:

Frederico II, filho de Pedro III e de Constança. Ele sucedeu seu irmão no trono da Sicília. 

AFONSO V DE SICÍLIA:

Afonso V governou a Sicília nos anos de 1416 a 1458. Era rei da Sicília por direito hereditário e, a partir de 1421, herdeiro designado do Reino de Nápoles. Afonso V foi um dos príncipes mais brilhantes da Renascença. Afonso V, o Magnânimo, ainda conquistou a Córsega e Nápoles. Em 1453, Afonso cedeu a Córsega aos genoveses, em troca de um empréstimo do Banco di San Georgio. 

REINO DE NÁPOLES:

Originalmente tratava-se de uma parte separada do Reino da Sicília, que após 1282 tinha ficado com os Angevinos. A Ilha da Sicília, nesse mesmo ano de 1282, ficou com a Coroa de Aragão. Localizava-se no sul da Itália. Era o maior e mais populoso Estado da Itália medieval, ocupando toda a metade sul da Península itálica desde a fronteira da Romanha ao calcanhar da 'Bota'. O Reino de Nápoles compreendia as regiões da Campânia, Molise, Abruzios, Puglia, Calábria e Basilicata. Essas regiões são conhecidas como Il Mezzogiorno, isto é, a Terra do Sol do Meio-Dia

"Sendo os Angevinos clientes do Papa, o reino era um protetorado tradicional do Papado."
(página 255)

"Durante 150 anos, depois da Guerra das Vésperas Sicilianas, os monarcas angevinos conseguiram manter-se na posse de sua herança napolitana. A sua disponibilidade para combaterem contra os seus parentes angevinos só era ultrapassada pela sua determinação em excluir os seus rivais aragoneses."
(página 254)

RAINHA JOANA II DO REINO DE NÁPOLES:

Reinou de 1414 a 1435. Governou um reino devastado pela violência e por escândalos. Governava em parceria com seus amantes. Não teve filhos. Não tinha herdeiros óbvio, de forma que saiu a procura deles. Mas era incapaz de tomar uma decisão a respeito de seu herdeiro. Era inconstante. Escolhia um sucessor e depois o descartava. Escolheu um angevino apoiado pelo Papa e depois mudou de ideia, escolhendo Afonso V (dinastia de Aragão) para depois também descartá-lo. Essa inconstância valeu para Joana II a fama de 'La regin é mobile'. (página 255)
Depois de escolher e rejeitar Afonso V, Joana II escolheu René de Anjou, conde de Provença. Isso tudo resultou em guerras pela sucessão napolitana (1420/1424 e 1435/1443).
Em 1442, René de Anjou fugiu de Nápoles, diante da aproximação das forças de Afonso V. Afonso entrou em Nápoles e:👇

"Governou ambos os reinos da Sicília, dando origem a uma união pessoal e a uma emanação precoce do Regnum Utriusque Siciliae, o <<Reino das Duas Sicílias>>. "
(página 255)

"Durante os sessenta anos seguintes, Nápoles esteve firmemente nas mãos de Afonso, o Magnânimo ou dos seus filhos"
(página 255)

MORTE DE AFONSO V, O MAGNÂNIMO:

Afonso V morreu em 1458. Foi sucedido por seu filho bastardo, Fernando I, Dom Ferrante. Vieram na sequência: Afonso II; Fernando II e Frederico.
Em 1504, o legado de Afonso V foi herdado pelos reis católicos Fernando e Isabel. 

DUCADOS DE ATENAS E NEOPATRIAS (1319-1390):

O Império Bizantino, acossado pelo avanço dos Otomanos, contratou os serviços de Mercenários em Barcelona. Esses mercenários catalães se reuniram numa Companhia Catalã, sob o comando de um ex-templário, Rogério de Flor/Ruggier Desflors ou ainda Roger Deslaur. Esses mercenários combatiam os otomanos na Anatólia. Por algum tempo, prestaram um bom serviço ao Império Bizantino. Mas com o passar do tempo, a indisciplina desses mercenários catalães se sobrepôs à sua utilidade, de forma que o Império Bizantino tentou se livrar deles, buscando eliminá-los. Aqueles que sobreviveram se uniram novamente, buscando novos membros entre bandoleiros dos Bálcãs. Os mercenários catalães então revigorados criaram os ducados de Atenas e Neopatrias (Grécia central). Atenas um "Mini-Estado catalão." (página 238).

PROBLEMAS CAUSADOS PELA EXPANSÃO TERRITORIAL DA COROA DE ARAGÃO:

"...forças centrífugas que puxaram as dependências para longe do núcleo."
(página 239)
por exemplo, puxavam as dependência (Reino de Maiorca) para longe do núcleo (as áreas ancestrais da Coroa de Aragão, com centro em Huesca, em Saragoça).

"Os ramos cadetes da Casa Reinante desdenharam dos seus superiores; os regimes autônomos implementaram políticas egoístas, e abriu-se um fosso cada vez maior entre o centro e as periferias."
(página 239)
por ramos cadetes ou periferia entenda, como exemplo, o Reino de Maiorca. Por seus "superiores", entenda o Reino de Aragão propriamente dito, com centro nas cidades de Huesca e Saragoça.

EXEMPLO DESSAS FORÇAS CENTRÍFUGAS:

1276: Conflito fratricida entre dois irmãos. Eram filhos de Jaime, o Conquistador. Um era Rei de Aragão. Outro era Rei de Maiorca. Durou mais de 50 anos! Os irmãos eram Pedro III e Jaime. Pedro III tinha herdado os territórios originais da dinastia, a sul e a oeste dos Pireneus (Huesca, Saragoça, Barcelona, Valência). Jaime era o irmão mais novo. Recebeu as Ilhas Baleares, o Rossilhão (Perpinhão) e Montpellier. O irmão mais velho, Pedro, não aceitava dividir seu poder com seu irmão mais novo. Que que seu irmão mais novo lhe prestasse vassalagem, dizendo que um rei de verdade não poderia se sujeitar aos desejos de um outro rei. No fim, Pedro saiu vencedor. Num episódio, as forças de Pedro ocuparam a ilha de Minorca, que faz parte das Ilhas Baleares. Minorca era governava por um emirato vassalo do Reino de Maiorca. As forças de Pedro entraram na ilha e fizeram 40 mil muçulmanos locais de escravos, vendendo-os em mercados localizados no norte da África (1287). A ilha foi repovoada por catalães. 
Apesar da derrota de Jaime, seu reino (Reino de Maiorca) prosperou sob o ponto de vista econômico, tornando-se um entreposto comercial entre o norte da África e a Europa. Súditos do Reino de Maiorca comerciavam com Londres, Bruges e exploraram até as Ilhas Canárias, no Atlântico. 

SARDENHA:

Foi conquistada em 1326 pelo ramo siciliano da Coroa de Aragão (linha trinacriana). Foi criado o Reino da Sardenha. O autor do feito foi o infante Afonso, cuja expedição zarpou da ilha de Maiorca, nas Baleares. Com a conquista, todos os cargos públicos na ilha foram reservados para os catalães, aragoneses e maiorquinos.

REINADO PEDRO IV:

1319 a 1387. Pedro IV era filho de Afonso IV e Tereza de Entença. Ao subir ao trono no ano de 1336, herdou domínios que se estendiam pelo Mediterrâneo, de Valência a Atenas. A vida de Pedro IV foi plena de guerras: guerra contra seus parentes; guerra contra os nobres locais; guerra contra o Rei de Castela, Pedro, o Cruel. Pedro IV conseguiu a façanha de sobreviver à Peste Negra, que matou sua mulher Leonor de Portugal. Pedro ainda eliminou o Reino de Maiorca. Perpinhão, no Rossilhão, e Maiorca, nas Ilhas Baleares, foram tomadas por tropas aragonesas. A Corte de Maiorca foi exilada. Em 1349, Jaime III, do extinto Reino de Maiorca, vendeu Montpellier para arrecadar fundos para tentar retomar seu reino. Fracassou, sendo morto em batalha, no ano de 1349. O filho de Jaime III, Jaime IV, viveu em Nápoles, como consorte da Rainha Joana I.
Como resultado de sua vitória, Pedro IV finalizou o processo de consolidação monárquica. Conseguiu impedir a fragmentação da Coroa Aragonesa.
Pedro IV morreu no ano de 1387
A morte de Pedro IV veio num momento em que a Coroa Aragonesa ganhavam em sofisticação. A administração tinha melhorado em função da expansão territorial. Havia um setor chamado de Memória do Rei (Chancelaria do Rei), onde se guardava cópias de documentos, cartas e leis. O papel era de fácil acesso devido à conquista de uma fábrica muçulmana de Xativa, em Valência, por Jaime, o Conquistador. 

"...foi a primeira fábrica de papel da Europa."
(página 249)

Na administração da Coroa aragonesa ainda existia a Bolsa do Rei, seu Tesouro Real, que mantinha registrado todas as transações financeiras realizadas. Havia ainda a Casa Real, ou o Corpo do Rei, com seus funcionários, burocratas e parentes reais.

REVOLTA DOS NOBRES NA COROA ARAGONESA - 1347

Em Aragão, o amo (senhor) podia maltratar o vassalo sempre que houvesse justa causa.

"...o controle da nobreza sobre os seus servos, cujo único recurso que tinham era a clemência dos opressores, tornara-se quase absoluto."
(página 245)

Você estará numa situação ruim se depender da clemência daquele que lhe oprime. Era exatamente essa a situação dos servos na Coroa de Aragão. Mas esses mesmos nobres que oprimiam seus servos não queriam ser oprimidos pelo Rei de Aragão, que era legalmente o suserano de todos eles. Dessa forma, os nobres se uniram outra vez, numa segunda União das Liberdades, para exigir da Coroa de Aragão mais direitos, inclusive o direito de rebelião contra a Coroa. A rebelião acabou num banho de sangue, na Batalha de Épila, perto de Saragoça, no ano de 1348. Mesmo saindo vitorioso, Pedro IV não chegou a implantar o despotismo régio. E no meio dessa violência, ainda havia a Peste Negra, que começou em Valência, em maio de 1348, onde matava 300 pessoas por dia. 

MARINHA ARAGONESA NO SÉCULO XIV:

Era a terceira marinha, perdendo apenas para Gênova e para os Emirados muçulmanos do Norte da África. Seus estaleiros encontravam-se em Barcelona, em Palma (ilhas Baleares - Maiorca) e em Valência. 

DESASTRES DINÁSTICOS EM ARAGÃO E CASTELA:

O desastre começava quando um rei morria sem deixar herdeiros ou deixando herdeiros menores. Em Castela, no ano de 1406, morreu Henrique III, o Doente, cujo filho e herdeiro tinha 1 ano de idade. Instalou-se uma regência com a rainha-mãe e com o irmão mais novo do rei falecido, Fernando de Antequera. Fernando tinha o epíteto de 'Antequera" porque foi nessa localidade que ele venceu os muçulmanos em uma batalha em 1410 (Andaluzia). Paralelamente outra crise dinástica acontecia na vizinha Aragão, cujo rei, Martim I, o Humano,  morreu sem deixar herdeiros óbvios. Vários pretendentes ao Trono de Aragão se apresentaram. Foi escolhido Fernando de Antequera de Castela. Fernando era de Castela mas sua mãe, Leonor, era filha do rei aragonês Pedro IV. Fernando não falava catalão. Fernando ainda teve que se impor, derrotando a oposição ao seu nome. Na Batalha de Montearagón, nos arredores de Huesca, impôs uma derrotava definitiva aos seus opositores. Dessa forma, Fernando de Antequera, de Castela, tornou-se Fernando I de Aragão. Reinou de 1412 a 1416. Em Barcelona, era conhecido como Ferran de Antequera.

FERNANDO I DE ARAGÃO:

Teve um reinado curto, de 1412 a 1416. Mas seu título era extenso:

"Ferdinandus, Dei Gratia Rex Aragonum, Sicilie, Valencie..."
(página 252)

"Fernando, pela Graça de Deus, rei de Aragão, Sicília, Valência..."
(página 252)
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e continuava...Maiorca, Sardenha, Córsega, Conde de Barcelona, Duque de Atenas, Duque de Neopatria, Conde do Rossilhão, Conde da Cerdanha.

TUDO EM FAMÍLIA:

Enquanto Fernando I governava a Coroa de Aragão, seu sobrinho era agora Rei de Castela, com o nome de João II. Um outro rei de João II iria governar a Coroa de Aragão. Esse João II de Aragão era o filho de Fernando I e primo do rei João II de Castela. Os rei de Castela, João II e o rei de Aragão João II, além de terem o mesmo nome, eram primos. 
As relações de parentesco entre as dinastias de Castela e Aragão iriam além. 

Havia duas Marias. Uma Maria era de Castela, irmã de João II de Castela. Ela iria se casar com Afonso de Aragão. A outra Maria era a de Aragão, irmã de João II de Aragão. Ela iria se casar com João II de Castela. Maria de Aragão e Maria de Castela eram primas e cada uma delas se casou com um primo.
O rei João II de Castela, além de primo de do rei João II de Aragão, agora seria também o seu cunhado. 

"A frase 'manter a coisa em família' adquire um novo significado"
(página 252)

MORTE DE FERNANDO I DE ARAGÃO:

Fernando I morreu em 1416. Seus dois filhos, João e Afonso, iriam suceder-lhe.

REINADO DE JOÃO II DE ARAGÃO:

João II sucedeu seu irmão Afonso. Casou-se com uma navarresa, passando 50 anos como governante 'jure uxoris (por direito da mulher) do Reino de Navarra. (página 253)
João II enfrentou uma guerra civil em Navarra (1450). Guerreou contra Luís XI da França e ainda enfrentou uma revolta catalã. 

O MATRIMÔNIO ENTRE ARAGÃO E CASTELA:

No dia 19 de outubro de 1469, em Valladolid, Fernando, de Aragão, e Isabel, de Castela, se casam. Fernando era o filho mais novo de João II de Aragão. Isabel era a filha única de João II de Castela. Esse casal seria conhecido como Fernando e Isabel, os reis católicos. 

PROEMINÊNCIA INTERNACIONAL DE ARAGÃO: COMBATE AOS OTOMANOS E BERÇO DE UM PAPA POLÊMICO:

1) Época de Afonso V, o Magnânimo: 
Aragão era um ator internacional desde há dois séculos, mas foi com Afonso V, no século XV, que o protagonismo de Aragão cresceu. 

"Parceiro igual no Conglomerado Ibérico, controlava também uma grande parte da península italiana e tinha muita influência no papado."
(página 256)

Pela posse se várias ilhas (Baleares, Ibiza, Córsega, Sardenha, Sicília, Malta), Aragão passou a ter o controle do comércio e da navegação. Com os Otomanos em Constantinopla a partir de 1453, Aragão assumiu a incumbência de enfrentar os turcos. 

2) Uma Família Aragonesa alçada ao estrelato internacional:
Estamos falando de uma família que originalmente habitou a Vila de Borja, na Província de Saragoça. Os membros dessa família trabalhavam com comércio. Mudaram-se para Valência. Alfons de Borja (1378-1458), era professor de direito na Universidade de Lleida. Pelos serviços prestados à Coroa de Aragão, fazendo a paz entre o rei aragonês e o papa, durante o Concílio da Basileia, acabou se tornando Cardeal. Em Roma, o Cardeal Alfons de Borja era chamado 'di Borgia'. Foi ainda eleito Papa com o nome de Calisto III, no ano de 1455. Como Papa, excomungou o cometa Halley, em 1456, quando ele passava pela terra. Anulou o julgamento de Joana D'arc. Ainda encheu Roma de funcionários aragoneses. Morreu em 1458. Mas antes de morrer, teve tempo de transformar seus sobrinhos Cardeais. Criou-se então em Roma uma facção denominada BÓRGIA. que se tornaria célebre pela corrupção e pelo nepotismo. Um desses sobrinhos foi Roderic Llançol de Borja (1431-1503). Ele controlou a administração da Igreja durante a vigência de cinco papas e foi pai de vários bastardos. (página 258)

"Em 1492, num conclave inundado de ducados de ouro, garantiu para si próprio o trono de São Pedro e, com o nome de Alexandre VI, liderou os destinos do Papado durante a sua era mais sacrílega."
(página 259)

Feitos do Papado de Alexandre VI:

- exploração das indulgências que desencadeou a Reforma Luterana
- bula alexandrina de 1493 que dividiu o mundo (o Novo Mundo) entre Espanha e Portugal
- ascensão e queda de Savonarola em Florença

"Dos seus filhos, Giovanni, duque de Gandia, foi assassinado; a muito difamada Lucrécia era fonte de histórias sinistras; e dizia-se que César Bórgia fora o modelo para o Príncipe de Maquiavel."
(página 259)

REINO DA ESPANHA:

Convencionalmente diz-se que o Reino da Espanha nasceu através da união pessoal de Fernando de Aragão com Isabel de Castela, no ano de 1469. Isabel e Fernando eram denominados os Reis Católicos. Foi o Papa Aragonês, Alexandre VI, que alcunhou Fernando e Isabel como Los Reyes Católicos, um epíteto com certeza merecido, pois esses dois reis adotaram várias políticas que favoreceram a Igreja Católica. Ei-las:

- Em 1474, Fernando e Isabel uniram seus Reinos adotando a Santa Irmandade, um sistema extrajudicial de política política e religiosa.
- Em 1482, Fernando e Isabel lançaram a Inquisição em toda a Espanha, liderada pelo dominicano Tomás de Torquemada. 

"Em 1492, depois da queda de Granada, expulsaram muitos judeus e mouros que não se quiseram converter ao catolicismo."
(página 262)

Isabel morreu em 1504. Fernando então torna-se rei hereditário de Aragão e regente de Castela. 

"....Fernando e seus sucessores reinaram sobre os dois reinos (Castela e Aragão) numa união pessoal plena."
(página 260)

Essa União entre Castela e Aragão criou um conglomerado formado pelos seguintes territórios:

Reino de Castela: Burgos, Santiago de Compostela (Leão), Madri, Córdoba, Cádis e Múrcia
Reino de Aragão: Saragoça, Huesca, Barcelona, Perpinhão, Valência, Ilhas Baleares

Vizinhos desses territórios unidos de Castela e Aragão, tínhamos o Reino de Portugal, Granada (emirado islâmico), Reino de Navarra (Pamplona). 

"As Coroas de Aragão e Castela foram mantidas estritamente separadas. A posição de Aragão é comparável à da Escócia depois da união das Coroas com a Inglaterra, em 1603; o monarca partiu para feitos maiores mas o velho reino permaneceu intacto."
(página 263)

DIFICULDADE NA SUCESSÃO DOS REIS CATÓLICOS:

Isabel e Fernando tiveram 5 filhos. Mas três morreram antes da mãe. O neto mais velho e herdeiro também morreu antes de Isabel. A quarta filha era Joana, de epíteto a "Louca". Teve que ser descartada. A quinta filha, Catarina, foi a azarada que se casou com o rei inglês Henrique VIII. Foi a primeira esposa de Henrique. Foi a primeira de um total de 6. 

CARLOS E FERNANDO, OS FILHOS DE JOANA, A LOUCA:

A solução foi encontrada nos filhos de Joana, a Louca. Eles eram Carlos e Fernando. Carlos e Fernando eram filhos de de Joana e de Filipe, o Belo, um Habsburgo da Borgonha. 
Em 1506, aquando da morte de Filipe, o Belo, a Borgonha de Filipe foi repassada para Carlos, o filho mais velho. Em 1516 Carlos ainda sucedeu seu avô Fernando em Castela e em Aragão. Em 1519 Carlos ainda foi eleito Imperador do Sacro Império Romano Germânico, adotando o nome de Carlos V. 
Algumas ações de Carlos V:

- nomeação de seu irmão mais novo, Fernando, para Imperador interino em Viena, no ano de 1521.
- em 1555 fez a divisão permanente dos territórios habsburgos; e limitou a governação de seu filho, Filipe II, aos territórios espanhóis.



ABDICAÇÃO DE CARLOS V EM 1556:

Subiram ao trono 4 reis da Casa de Habsburgo:

- Filipe II, o Prudente ( 1556-1598)
- Filipe III, o Piedoso (1598-1621)
- Filipe IV, o Grande (1621-1625)
- Carlos II, o Enfeitiçado (1665-1700)

Observação: Filipe II foi o primeiro homem a usar o título de Rei da Espanha.

TERRITÓRIOS NÃO IMPERIAIS DO IMPERADOR:

Quando Carlos I, rei de Castela e Aragão, tornou-se Carlos V, Imperador do Sacro Império Romano Germânico, os territórios de Castela e Aragão eram denominados de territórios NÃO IMPERIAIS do Imperador. Traduzindo: Aragão e Castela eram territórios do Imperador Carlos X, mas não faziam parte do Sacro Império Romano Germânico.
Aragão e Castela permaneciam numa união pessoal mas não constitucional e a eleição de Carlos V não as tornou uma dependência do Império Sacro Romano Germânico. 

UNIDOS MAS SEPARADOS:

Mesmo depois de 1555, o Reino-Condado (Aragão e Barcelona) continuou vivo, mantendo suas leis, instituições, línguas, tradições e suas ligações culturais e comerciais com seu antigo império. E houve revoltas contra as pretensões de hegemonia demonstradas por Castela. Castela, pela posse das Américas, tinha mais peso no Conglomerado Aragão-Castela). 

"Apesar da predominância de Castela e da sucessão das medidas centralizadoras emanadas da nova capital, Madrid, o particularismo aragonês fez-se sentir ao princípio do século XVIII"
(página 265)

INSURREIÇÕES CONTRA O PODER CENTRAL DE MADRID:

Sublevação da Catalunha em 1640-1652: Provocado por um período de tributação excessiva e pelo recebimento forçado de tropas nas zonas rurais. Esse conflito saiu caro para os cofres espanhóis. Muito sangue foi derramado. Um exército francês se aproveitou da confusão e entrou no norte da Catalunha. A sublevação acabou com o Tratado de Paz do Pireneus (1659). O preço da paz foi a entrega do Rossilhão e a Cerdanha para os franceses. Perpinhão agora pertencia à França. 
Outras revoltas:
Revolta das Barretinas, também na Catalunha (1687-1697).
3º Insurreição 1700-1713: Eclodiu no contexto da Guerra da Sucessão Espanhola. Aragão, Valência e Catalunha se organizaram numa federação autônoma e declararam apoio ao candidato austríaco Dom Carlos de Habsburgo. Castela e França estavam do lado oposto. Exércitos de Castela e da França uniram suas forças para esmagar os rebeldes. Barcelona caiu em 1714; Valência caiu em 1707; Aragão caiu em 1708. Com a Paz de Utreque (Utrech), Dom Carlos voltou para Viena. O candidato francês, Filipe de Bourbon, já estava em Madrid como Filipe IV. Preparava-se para introduzir leis e práticas de Castela em toda a Espanha. A língua catalão foi proibida em 1714. 

"A partir dessa altura, os costumes, a língua e governação castelhanos seriam monopolistas."
(página 268)

O nome Aragão perdurou como pouco mais do que uma unidade administrativa espanhola.
Aragão passou a ser visto apenas como uma região histórica da Espanha e não mais como um Estado soberano. 

SENTIMENTO DE INDEPENDÊNCIA DA CATALUNHA:

Aragão foi esquecido inclusive por seus antigos parceiros do Reino-Condado, os catalães.
Os catalães preferiam se ver como um Estado Catalão Medieval ou um Império Catalão ou ainda por vezes um <<reino>> não identificado. 
O sentimento de independência catalã era tão grande que, na década de 80 do século passado (século XX), quando Aragão confeccionou uma bandeira usando as cores dourada com listas vermelhas, os catalães prontamente protestaram, dizendo que somente a catalunha poderia usar uma bandeira com esse desenho. Com efeito, a bandeira da catalunha é dourada com quatro listas vermelhas, cuja história remonta há mais de mil anos atrás, quando a bandeira nacional da Catalunha, a Senyera, foi dada a Vilfredo Cabeludo. Segundo a lenda, "o guerreiro hirsuto jazia ferido no campo de batalha. O imperador Luís meteu os dedos nas tripas do conde e fez quatro riscos sangrentos no tecido dourado da capa. Aragão ainda não tinha nascido."
(página 269)


ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "REINOS DESAPARECIDOS", história de uma Europa quase esquecida, Norman Davies, Edições 70, Capítulo 4, Aragão, páginas 189-272

sábado, 4 de julho de 2020

Introdução para uma História da Holanda O Fastio de viver em meio a circunstâncias tranquilas e cômodas



O TEMPERAMENTO BATAVO:

História Social e História Política eram ligadas na Holanda republicana:

No Holanda, a nação ideal ligava-se ao ideal de uma boa família. Uma família bem ajustada ligava-se à uma nação ideal.

OBJETO DESSE LIVRO:

Esse livro retrata a visão da  elite holandesa (classe proprietária), que era compartilhada pelos artesãos e comerciantes, que na Inglaterra eram chamados de the middling sort (os remediados). 

RECEITA PARA UMA SOCIEDADE ESTÁVEL NO SÉCULO XVII:

A sociedade holandesa era estável. Essa estabilidade se devia a duas coisas:

- os holandeses se alimentavam bem
- os holandeses moravam bem

COMUNIDADE DA NAÇÃO:

Supunha-se que a entidade denominada "Comunidade da Nação" era inexistente antes da Revolução Francesa. Todavia, na Holanda, escritores e pregadores já falavam de sua pátria. 
Mas essa ideia de existência de uma comunidade da nação (holandesa) correspondia à realidade ou era apenas usada para justificar o papel da burguesia, que usava os instrumentos do Estado holandês para consolidar o seu poder na produção de bens e no exercício do comércio?
Se a resposta a essa pergunta for sim, então seria correto ver na comunidade da nação holandesa uma expressão dos interesses da sua burguesia. Assim sendo, os holandeses seriam vistos apenas como uma das etapas da evolução do capitalismo europeu, iniciado pelos mercadores medievais, seguido pelos Banqueiros do Renascimento e pela economia internacional holandesa, chegando finalmente à industrialização inglesa.

Visão do autor do livro:

O autor do presente livro não enxerga no termo (pátria) um subterfúgio para encobrir os interesses da classe burguesa holandesa.

BURGUÊS:

"No centro do mundo holandês, havia um burger (burguês no sentido de habitante do burgo), não um bourgeois (burguês no sentido de membro da burguesia)."
(página 18)

"Existe uma diferença...pois o habitante do burgo era primeiro um cidadão e depois um 'homo oeconomicus'. E as obrigações cívicas condicionavam as oportunidades de prosperar."
(página 18)

FORTUNA E O PERIGO:

O que tornou os holandeses únicos em relação aos seus pares europeus? 
Foram a fortuna e o perigo. 
A Holanda foi precoce ao se tornar um Império mundial em duas gerações. O sucesso rápido lhe subiu à cabeça e a comunidade da nação holandesa foi acometida de fastio. Uma terra fértil, com rios piscosos e com facilidade na importação de produtos. Mas apesar de toda essa riqueza, era infeliz.
É possível fazer uma analogia entre a Holanda do século XVII e o comentário de Tocqueville sobre os EUA do século XIX, que viviam um processo de expansão econômica precoce:

"Aquela estranha melancolia que com frequência assalta os habitantes de países democráticos em meio à sua abundância e o fastio de viver que por vezes os domina em meio a  circunstâncias tranquilas e cômodas."
(página 20)

Enfim, o holandês era acometido por um desconforto, com sua consciência abalada por pensamentos sobre sua mortalidade e sobre a perda de seus bens. A precariedade da vida o atormentava. A riqueza presente não o deixava esquecer da precariedade de todas as coisas.

CONSCIÊNCIA COMUM OU COLETIVA:

A Consciência comum ou coletiva é formada pelas convicções e costumes em interação, que formam um sistema determinado que adquire vida própria, criando uma realidade distinta (Émile Durkheim). Está difundida em todas as áreas da sociedade. 
O autor desse livro procurará demonstrar essa consciência coletiva ou comum por meio de depoimentos visuais e textuais. 
O autor procurará a história da Holanda por meio da sua arte. O livro é recheado com fotos e imagens de obras artísticas justamente com esse objetivo. 

"...a arte holandesa era o registro do aqui-e-agora, de 'la vie vivante', ancorada em época e em lugar específico." (Théophile Thoré) - página 21

Apesar disso, o autor desse livro faz uma ressalva:

"...utilizei a arte holandesa não como registro literal da experiência social mas como documento de convicções." 
(página 21)

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "O DESCONFORTO DA RIQUEZA, A CULTURA HOLANDESA NA ÉPOCA DE OURO, SIMON SCHAMA, EDITORA COMPANHIA DAS LETRAS, Introdução. O Temperamento Batavo.

sexta-feira, 3 de julho de 2020

A Herança de Frederico II O Grande



A HERANÇA DE FREDERICO II. DINASTIA REINANTE HOHENZOLLERN:

Frederico II, o Grande, é o personagem tratado nesse livro. Reinou de 1740 até 1786. Não teve filhos. Foi sucedido pelo seu sobrinho, Frederico Guilherme II. 

Antes de Frederico II, o Grande, vieram os seguintes personagens:

👉Eleitor João Sigismundo de Brandemburgo (1610-1618). O Reino da Prússia ainda não existia. Existia o eleitorado de Brandemburgo, integrante do Sacro Império Romano Germânico. O título de Eleitor derivava da prerrogativa de participar do colégio eleitoral que elegia o Sacro Imperador Romano Germânico.
👉Eleitor Jorge Guilherme de Brandemburgo (1619-1640). 
👉Grande Eleitor Frederico Guilherme de Brandemburgo (1640-1688). O epíteto "O Grande" foi conseguido por Frederico Guilherme no ano de 1675, quando Brandemburgo derrotou os suecos na batalha de Fehrbellin
👉Eleitor Frederico III de Brandemburgo. Em 1701, tem seu status elevado para Frederico I, Rei na Prússia. De 1701 em diante, todas as possessões territoriais da Dinastia Reinante da Casa Hohenzollern teriam o nome de Prússia, inclusive o território de Brandemburgo, onde se localiza a atual capital da Alemanha, Berlim. Frederico I passou incólume pelas seguintes guerras: Guerra dos Nove Anos (1688-1697); Grande Guerra do Norte (1700-1721); Guerra da Sucessão Espanhola (1701-1714). Seu exército ajudou a Inglaterra (Duque de Marlborough) e a Áustria (Príncipe Eugênio de Saboia) na vitória sobre os franceses na batalha de Blenheim, em 1704.
👉Frederico Guilherme I, Rei na Prússia (1713-1740). Pai de Frederico II, o Grande. Ainda como Príncipe herdeiro, participou, ao lado de seu pai, Frederico I, da batalha de Malplaquet, no ano de 1709, durante a Guerra da Sucessão Espanhola, na qual os franceses foram derrotados. Na oportunidade, os exércitos prussianos lutaram ao lado dos exércitos da Inglaterra, comandados pelo Duque de Marlborough, e dos exército da Áustria. Frederico Guilherme, já Rei na Prússia, instituiu o recrutamento cantonal. Cada Cantão do reino ficava responsável por criar um regimento. Crianças de dez anos já eram registradas para esse fim. "Todos os habitantes nascem a serviço do país." (página 14)

A HERANÇA DE FREDERICO II - TERRITÓRIOS DA CASA REINANTE HOHENZOLLERN:

A Dinastia Hohenzollern era a proprietária de vários territórios espalhados pelo norte da Europa, dentre eles podemos citar Brandemburgo (onde se localiza a atual capital da Alemanha, Berlim), Pomerânia (Stettin/Estetino, atual cidade polonesa de Szczecin - foz do rio Oder), Magdeburgo (situado nas margens do Rio Elba), Condado de Cleves (situado nas duas margens do rio Reno, na fronteira com a Holanda), Condado de Mark (Rio Ruhr) e Prússia Oriental (Konigsberg, atual cidade russa de Kalininegrado).
Essa colcha de retalhos de territórios não contíguos, espalhados pelo norte da Europa, tinha como elo, além da governança da dinastia Hohenzollern, a religião (protestantismo). Também eram unidos pela língua alemã e pelo fato de pertencerem ao Sacro Império Romano Germânico.

TERRA ➨PODER

"No mundo agrário, a terra é status, terra é poder." (página 6)

O capitalismo ainda não tinha chegado, de forma que a Terra (propriedade de terra) era a base do poder. O rei era o maior proprietário de terras agricultáveis em seus Estado. A Dinastia Hohenzollern detinha 1/3 das terras agricultáveis da Prússia. Um quarto ainda de seu Estado era constituída de propriedades pertencentes à dinastia Hohenzollern. O rei poderia administrá-las de forma direta ou sublocá-las, arrendá-las. Essas terras foram adquiridas (compradas) ou obtidas quando da secularização das terras que pertenciam à Igreja Católica (após a reforma).
As terras que não pertenciam ao rei geralmente pertenciam aos Junkers (jovem senhor), a classe social que dava sustentação ao regime prussiano. O Junker era geralmente o filho mais jovem de algum senhor. Esse jovem saia do interior da Alemanha em busca de fortuna no leste (idade média).
A propriedade comportava função econômica e social. O Junker era uma espécie de autoridade judicial e política em sua área. Os camponeses trabalhavam a terra do Junker, arando-a, colhendo, etc. O camponês precisava da autorização do Junker para casar, ir embora da propriedade, mudar de profissão. Em troca, o camponês recebia um lote de terra e assistência em caso de velhice e doença.
Dentro de sua propriedade, o Junker nomeava o pastor da Igreja e o diretor da escola. 

A HERANÇA DE FREDERICO II, O GRANDE. RECEBIMENTO DE UM ESTADO CUJO PODER ERA CENTRALIZADO NAS MÃOS DE SEU REI:

Processo de Centralização de Poder. Processo de centralização do poder nas mãos de Frederico Guilherme, o Grande. 

O poder centralizado usufruído por Frederico II, o Grande, não foi criação dele. Esse processo de centralização de poder começou com Frederico Guilherme, o Grande Eleitor. No início, os Junkers, em suas propriedades, formavam Assembleias. Frederico Guilherme, o Grande, deu início ao processo de centralização do poder nas mãos da Dinastia Hohenzollern. Buscou criar um exército permanente e um sistema de melhor arrecadação. Criou ainda um Conselho Privado (autoridade central - independente das assembleias dos Junkers). Em 1656, as Assembleias Junkers (Landstande - Propriedade) cederam poder a Frederico Guilherme. Mas essa concessão dos nobres não saiu de graça. Em troca dessa concessão, os Junkers receberam mais poder sobre seus camponeses. Nessa história, todos ganharam, Frederico Guilherme e os nobres (Junkers). Só os camponeses perderam.

Junkers e sua família:

Os Junkers davam sustentação ao governo de Frederico Guilherme. Ao mesmo tempo, Frederico Guilherme dava sustentação ao exercício de poder desses mesmos Junkers sobre seus camponeses. Os Junkers prestavam serviços ao Estado, no exército e na administração civil. Havia convocação obrigatória dos filhos dos Junkers para o serviço militar. As famílias Junkers não eram tão ricas (não eram ricas como a dinastia Hohenzollern) a ponto de permitir que mesmo o filho mais velho vivesse na propriedade da família como um nobre, esbanjando dinheiro. Dessa forma, fazer parte do exército era uma forma de obter uma renda, desafogando financeiramente a sua família. Os nobres (Junkers) de Brandemburgo e depois do Reino da Prússia eram mais pobres do que os seus congêneres na França e na Inglaterra.
O exército passava a ser uma boa opção para uma família Junker. Seu filho teria uma boa educação na Academia Militar. Poderia sair dali com uma posição que iria lhe possibilitar uma renda. Lembrando que numa terra Protestante não havia a opção de seguir uma carreira eclesiástica lucrativa. 

Conselheiro Distrital (Landrat) :

O Junker poderia passar do serviço militar para o serviço civil. Ele poderia ser tornar um Conselheiro Distrital (Landrat). Como Conselheiro Distrital, o Landrat servia de elo entre o governo central e os proprietários de terra locais. O Landrate podia ter 80 membros. Eles supervisionavam a coleta de impostos, cuidavam das tropas que passavam por seus distritos. divulgavam decretos do governo central, regulavam as relações entre os senhores e camponeses. Um Conselheiro Distrital era escolhido entre seus colegas Junkers, mas precisava ser nomeado pelo Eleitor de Brandemburgo e depois Rei na Prússia.
O Landrate representava uma parceria entre o governante central (Eleitor de Brandemburgo e depois Rei na Prússia) e os senhores de terra locais (Junker).

"Não por acaso, os governos locais mais eficientes da Europa eram os da Inglaterra e o da Prússia, pois ambos se baseavam na parceria entre o soberano, no centro, e os ilustres nas localidades. Se os juízes de paz ingleses eram parceiros na oligarquia, os Landerate prussianos eram parceiros na autocracia."
(página 9)

O GOVERNO DO ELEITORADO DE BRANDEMBURGO (DEPOIS REINO DA PRÚSSIA - 1701) SUSTENTAVA-SE SOBRE UMA COOPERAÇÃO ENTRE O GOVERNANTE HOHENZOLLERN (ELEITOR DE BRANDEMBURGO E DEPOIS REI DA PRÚSSIA), NO CENTRO DO PODER, E SEUS NOBRES LOCAIS, OS JUNKERS. (JUNG - JOVEM; HERR - SENHOR)

Criação de um funcionalismo público no século XVII:

Frederico Guilherme, o Grande Eleitor de Brandemburgo, criou algo idêntico a um funcionalismo público, constituído por um misto de origem social (nascimento nobre) e meritocracia (bons serviços prestados ao Estado). O Estado pagava para essa pessoa. 

HERANÇA DE FREDERICO II, O GRANDE. MELHOR SER O PREDADOR DO QUE SER A PRESA:

Frederico Guilherme, o Grande Eleitor de Brandemburgo, se deu conta de que era melhor ser o predador do que ser a presa. Ele viu o estrago que a guerra dos Trinta Anos (1618-1648) fez em seu país. Daí a necessidade de ter um exército permanente e um Estado organizado de forma a poder sustentá-lo. 

HERANÇA DE FREDERICO II, O GRANDE. O PIETISMO:

O Pietismo foi resultado de um movimento de reforma dentro do luteranismo, ocorrido na segunda metade do século XVII. O pietismo estava no centro daquilo que se chamava de senso de dever prussiano. Ele pregava o trabalho construtivo como sendo a melhor forma de afastar as tentações pecaminosas. Os preguiçosos e ociosos estavam condenados ao inferno. O Pietismo defendia a necessidade de uma renovação de fé, buscando a luz interior, afirmando o sacerdócio de todos os crentes. 
Na época de Frederico Guilherme I, a figura de proa do pietismo atendia pelo nome de August Hermann Francke (1663-1727). Era um pietista que tinha rompido com a ortodoxia luterana, que tinha uma experiência de luta pela penitência e de medo da danação eterna. Como dito acima, para os pietistas o trabalho era um meio de reparação e um bem por si só. Trabalhar era um dever sagrado para todos os fiéis. 

"No cânone pietista, os pobres não mereciam o reino dos céus."
(página 16)

Motivo político para o apoio aos pietistas:

Brandemburgo tinha um motivo político para apoiar os pietistas. Brandemburgo tinha como rival o eleitorado da Saxônia, berço do luteranismo ortodoxo, com suas faculdades em Wittenberg e Leipzig. Brandemburgo criou a Universidade de Halle, um centro do pietismo, em Magdeburgo, para fazer frente ao luteranismo ortodoxo da Saxônia.

Tolerância religiosa:

Brandemburgo era religiosamente tolerante. Essa tolerância era fomentada pela convicção, pela tradição e pela necessidade de repovoar um território que foi devastado durante a guerra dos Trinta Anos (1618-1648). 

HERANÇA DE FREDERICO II: O SACRO IMPÉRIO ROMANO GERMÂNICO:

O Sacro Império Romano Germânico comportavam centenas de territórios, cujos governantes desfrutavam da maioria dos poderes associados a um soberano (mas não todos). 
O Sacro Império Romano Germânico era um ESTADO MÚLTIPLO.
Era composto por mais de 100 governantes, que tinham muito poder, mas não todos os poderes associados a um Soberano, como por exemplo, um Luís XIV na França ou um Henrique VIII na Inglaterra.

O Sacro Império Romano Germânico era um "Estado Múltiplo, composto por cerca de 300 territórios, cujos governantes desfrutavam da maioria dos poderes - mas não todos - associados a um soberano."
(página 20)

Esses cerca de 300 governantes eram unidos em função da lealdade ao Imperador. Submetiam-se a uma lei imperial, que era aplicada por duas cortes imperiais. Também se uniam por meio de representantes na imperiais, no Reichstag, a Dieta Imperial em Rastibona. 
Essa Dieta Imperial era dividida em três colégios eleitorais:

PRIMEIRO COLÉGIO: Era composto pelos nove eleitores:

-Mainz
-Trier
-Colônia
-Boêmia
-Saxônia
-Brandemburgo
-Baviera 
-Hanôver
-Palatinado

SEGUNDO COLÉGIO: Era composto por príncipes, condes e Abadias/Monastérios:

-34 Príncipes Eclesiásticos
-Havia dois votos coletivos compartilhados por Abadias e Monastérios
-Havia 60 príncipes seculares
-Havia 4 votos coletivos compartilhados por cerca de Condes Imperiais

TERCEIRO COLÉGIO: Era formado por cidades imperiais livres

-51 cidades imperiais livres, que eram república autogovernadas, sujeitas apenas à autoridade do Imperador.

"As estruturas institucionais foram fixadas em torno do ano de 1500, mas o mundo desde então havia mudado, separando Poder de Aparência."
(página 20)

Na segunda metade do século XVI, o poder não era mais aparência e sim essência, daí a necessidade demonstrada pela aquisição de títulos reais.

"Ficar parado significava ficar para trás."
(página 21)

HERANÇA DE FREDERICO II - O ELEITOR DE BRANDEMBURGO TORNA-SE REI NA PRÚSSIA:

Onda de Reificações no Sacro Império Romano Germânico:

Todos queriam ser reis. Ficar parado, significava ficar para trás.

👉O Eleitor da Saxônia, Augusto, o Forte, torna-se Rei na Polônia, em 1697. Para virar rei da Polônia, Augusto teve que abandonar o protestantismo, convertendo-se ao catolicismo.

👉O Eleitor de Hanover torna-se Rei em 1714. A Casa de Brunsvique Luneburg governava Hanover. Em 1692, o Duque Ernesto Augusto sob de status e torna-se Eleitor de Hanover. Ernesto Augusto casou-se com Sófia, neta do Rei da Inglaterra, Jaime I. Em 1714, o filho de Sofia com Ernesto Augusto torna-se Rei da Inglaterra, com o nome de George I. George I era Rei da Inglaterra e Eleitor de Hanover.

👉O Eleitor de Brandemburgo, Frederico III,  torna-se Rei na Prússia em 1701.

Qual era a importância de um título real nos séculos XVII e XVIII? Por que alguém como Frederico III, que já era Eleitor de Brandemburgo-Prússia, fez tanto esforço para se tornar Rei? Qual era a importância de ter um título régio?

"Naquela época, a resposta era: muitíssimo."
(página 20)

"Em um período em que a representação de poder não era aparência, e sim essência, realeza era poder"
(página 20)

Um rei era soberano porque podia fazer e desfazer nobres. Ser rei significava independência total, o que um Eleitor do Sacro Império Romano Germânico não tinha. 
E Frederico teve que se esforçar para conseguir seu título régio. Conseguiu seu título de rei por meio de uma barganha feita com o Imperador do Sacro Império Romano Germânico. A barganha consistia no empréstimo, por Frederico III, de soldados para o Imperador, que estava na iminência de entrar em guerra contra a França, no contexto da Guerra da Sucessão Espanhola. Feito esse empréstimo de 8 mil homens, o Imperador abriu as portas para que Frederico III, Eleitor de Brandemburgo-Prússia, se transformasse em Rei na Prússia (1701). Rei NA Prússia, e não Rei DA Prússia. A razão para essa diferença de terminologia residia no fato de haver uma outra Prússia, a Prússia Ocidental, que pertencia à Polônia. E por que Frederico não se tornou Rei de Brandemburgo? A resposta é que Brandemburgo fazia parte do Sacro Império Romano Germânico, enquanto que a Prússia Oriental era uma possessão soberana fora do Império.

HERANÇA DEFINITIVA DE FREDERICO GUILHERME I PARA SEU FILHO FREDERICO II, O GRANDE:

- Um exército grande, bem equipado e bem treinado
- Uma administração civil eficiente
- Uma nobreza leal, acostumada a servir
- Cofres reais cheios.

De posse dessa herança, Frederico II empreendeu a expansão do Reino na Prússia.

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "FREDERICO, O GRANDE, O REI DA PRÚSSIA", DE TIM BLANNING, EDITORA AMARILYS, capítulo 1, A Herança.


terça-feira, 30 de junho de 2020

Heréticos O Menino Crucificado Século XVI Judeu como Bode Expiatório


Roma, século XVI.
Um menino é encontrado morto numa cruz.
Era semana de Páscoa.
Judeus são os suspeitos de sempre. Em meio ao populacho corria a história de que os judeus tinham matado e crucificado a criança.
Fatos semelhantes tinham acontecido na Espanha no ano de 1492, quando judeus foram expulsos daquele país.
O caso caiu nas mãos do Papa Marcelo II. A cidade de Roma estava em polvorosa com o assassinato. A população acreditava que os judeus eram culpados pela morte do menino, pois celebravam a Páscoa com o ritual de assassinar uma criança cristã, crucificando-a.
A população queria expulsar os judeus de Roma. Queria também matá-los e saquear seus bens.
O Papa Marcelo II delegou a investigação do assassinato para o Cardeal Alessandro Farnese.
Incumbido da investigação, o Cardeal Alessandro Farnece foi averiguar o ocorrido. Chegando ao local dos fatos, se deparou com o menino assassinado preso a uma cruz. A população de Roma se fazia presente, instigada por Alessandro Fanseschi, um judeu convertido, que discursava acusando os judeus pelo assassinato, já condenando-os de antemão.
O Cardeal Fanese se dirigiu a Alessandro Fanseschi, vendo no zelo deste pela sua nova religião, o cristianismo, algo de vulgar, "assim como as injúrias que invectivavam a sua antiga identidade (judaica)" (página 70).
Fanese repreendeu Fanseschi pela forma como ele agia, condenando os judeus de antemão, instigando a população a agir contra a comunidade judaica.
Faneschi retrucou a reprimenda sofrida, dizendo achar estranho que um Cardeal da Igreja Católica, cuja instituição sempre atacou a comunidade judaica, viesse agora admoestá-lo por acusar os judeus de um assassinato ritualístico.
Ao ouvir a resposta de Fanseschi, o Cardeal Alessandro Fanese intimamente concordou com ela. Mas guardou os pensamentos para si. A Igreja Católica realmente tinha fomentado o ódio aos judeus. Mas o Cardeal só podia pensar essas coisas, não dizê-las. O que ele disse foi para que o judeu convertido se calasse, parando imediatamente de atiçar a população contra os judeus.
Em seguida, Cardeal Fanese foi ao bairro romano onde residia a comunidade judaica. Ali ele se encontrou com representantes judeus e disse que uma investigação seria feita, começando pela busca da identidade da criança assassinada.
No dia seguinte, um médico local descobriu a identidade da criança, como sendo a de um filho de um espanhol. Ao irem à casa desse espanhol, os investigadores encontraram ali outras duas pessoas, um outro espanhol e uma mulher. Esse outro espanhol não era o pai da criança, mas amigo do pai. O pai da criança tinha morrido e passado para ele a incumbência de cuidar dela. Mas o espanhol que foi encontrado pelos investigadores resolveu matar a criança para ficar com a herança dela. E a crucificou para se desvincular do caso, jogando a culpa na comunidade judaica. 
Dessa forma foi reconhecida a inocência da comunidade judaica. O judeus comemoraram.
Os judeus não seriam mais expulsos de Roma. 
Mas o Papa que veio a substituir Marcelo II decretou que os judeus iriam passar a viver confinados num bairro, o Gueto. 


ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DO LIVRO "HERÉTICOS", A HISTÓRIA COMO ROMANCE, DE ANNA FOA, EDITORA EDIÇÕES 70. Capítulo V, O Menino Crucificado, páginas 65/73

terça-feira, 23 de junho de 2020

Sabáudia Savoia Savoie Saboia Reino Desaparecido Origem do Reino da Itália



ORIGEM DO REINO DA ITÁLIA:

O Reino da Itália começou na Sabáudia ou Savoia, ou ainda Savoie (em francês) e Saboia, localizada no que é hoje a França. Sabáudia estava localizada no centro de um entroncamento daquilo que no futuro seria o encontro das fronteiras de três países: França, Itália e Suíça. O seu primeiro governante foi Humbertus/Hupertus I/Humberto, o Mãos Brancas/Umberto Biancamano (980/1047). Humberto, o Mãos Brancas foi o primeiro Conde da Sabáudia. 
O território sobre o qual Sabáudia se assentava abrangia a área do Lago Leman e as zonas alpinas em torno do Monte Branco.
Humberto, o Mãos Brancas, tornou-se Conde da Sabáudia pelas mãos de Conrado II, o Sálico, Imperador do Sacro Império Romano Germânico. Foi um prêmio por Humberto ter lutado contra os inimigos do Imperador, virando conde graças aos bons serviços militares prestados ao Sacro Império Romano Germânico. 
Humberto e os condes que o sucederam eram súdidos do Imperador do Sacro Império Romano Germânico.

"Floresceram recorrendo às estratégias medievais do costume: explorando os seus vassalos, combatendo os seus vizinhos, expandindo seus territórios e fazendo bons casamentos."
(página 471)

Os condes da Sabáudia procuraram se expandir a leste, controlando os desfiladeiros alpinos, aproximando-se da área denominada Piemonte (o Pé dos Montes), localizada na atual Itália. 
Cidades da Sabáudia: Chambery (sua segunda capital), Annecy, Thonon, Bonneville, Moutiers, Saint-Jean Maurienne (seu primeiro centro político), Cournayeur.

ALGUNS CONDES DA SABÁUDIA:

👉Amadeu III (1103-1148): Morreu em Rodes, durante a segunda cruzada
👉Amadeu IV (1343-1383): Foi vitimado pela peste após uma longa carreira militar
👉Pedro II (1263-1268): Expandiu a Sabáudia, conduzindo seus cavaleiros pelo Grande São Bernardo, derrotando o Conde Zahringen, conquistando o Castelo de Chillon, no Lago Leman, partindo depois para conquistar o País de Vaud (onde hoje se situa a cidade de Lausanne, na Suíça). Nessa época das conquistas de Pedro, o País de Vaud pertencia ao Reino da Borgonha, que por sua vez pertencia ao Sacro Império Romano Germânico. 
👉Conde Amadeu VIII (1391-1440): Em 1416, Amadeu ganhou o Imperador do Sacro Império Romano Germânico um novo status: o de Duque. Sua independência formal também foi reconhecida.
Pouco depois disso, Amadou tomou posse de Turim (atual Itália), seu mais rico tesouro. O senhor da Sabáudia era agora também senhor do Estado do Piemonte-Saboia. 

"...governando territórios que se estendiam dos arredores de Lyon à nascente do Ródano, perto de Andermatt, e do Lago de Neuchâtel até o Mar Tirreno."
(página 475)

👉Emanuel Filiberto (1553-1580): Fez da cidade de Turim a capítal do Piemonte-Saboia em 1563.

GUERRAS DA ITÁLIA EM MEADOS DO SÉCULO XVI:

Emanuel Filiberto estava numa posição delicada. Serviu como general nas forças do Sacro Império Romano Germânico, mas estava casado com a irmã do Rei da França. O ducado de Emanuel foi ocupado por tropas francesas. Seu território foi devastado. Em 1557, comandando forças espanholas, Emanuel obteve uma vitória em Saint-Quentin, conseguindo a restituição de seus domínios em 1559, passando a governar de forma absoluta. A partir daí, Emanuel Filiberto passou a adotar o nome italiano de Savoia para denominar a sua dinastia (Casa de Savoia).

ALVORECER DO SÉCULO XVII:

Apesar da adoção no nome italiano de Savoia, havia regiões do Piemonte-Savoia que eram pró-França, como por exemplo a cidade de Annecy. 

CONFLITOS RELIGIOSOS NO PIEMONTE-SAVOIA:

Havia uma comunidade religiosa denominada Valdense ou Vaudense. Era uma comunidade cristão não católica. Enraizada nos Vales Alpinos, uniu forças com os calvinistas. A contrarreforma queria erradicá-los. O carrasco foi o Duque do Piemonte-Savoia, Carlos Emanuel II (1638-1675) que empreendeu um massacre contra a comunidade Valdense.

"Foi um banho de sangue como a Europa não via desde a noite de São Bartolomeu."
(página 477)

NICE/NIZZA:

Nice atualmente é uma cidade francesa, banhada pelo Mar Mediterrâneo. Nos séculos XVI/XVII, Nice pertencia ao Piemonte-Savoia. Carlos Emanuel II viabilizou uma estrada Transalpina através do desfiladeiro de Tende, através do qual a cidade de Nice se unia ao restante do Piemonte-Savoia. Dessa forma, Savoia, Piemonte e Nice estavam ligados economicamente e politicamente.

TRONO REAL PARA A CASA DE SAVOIA:

Vitor Amadeu  II (1675-1730) conseguiu um trono real para a sua dinastia. Vitor Amadeu II se aproveitou da Guerra da Sucessão Espanhola, sendo beneficiado pelo Tratado de Utrecht/Utreque, em 1713, que lhe deu o trono real da Sicília, que pertencia ao reino espanhol. Mas em 1720, pelo Tratado de Haia, após um entendimento com os austríacos, o governante do Piemonte-Savoia trocou a Sicília pela Sardenha. Agora, além de governante da Savoia, do Piemonte e de Nice, o líder da Casa de Savoia também era rei da Sardenha.

A CHAVE PARA A ITÁLIA:

Os territórios governados pela Casa de Savoia eram vistos como a Chave para a Itália. Mesmo não sendo uma potência de primeira linha na Europa, o agora Reino da Sardenha era independente e cortejado por outros países para ser um aliado. No ano de 1750, o Reino da Sardenha (Savoia, Piemonte, Nice e ilha da Sardenha) fazia fronteira com a França (oeste), com a Suíça (norte), com a República de Gênova (sul), com o Mar Mediterrâneo (sul) e com a Lombardia austríaca (leste). 
A residência do Reino da Sardenha ficava em Turim, junto ao rio Pó.
Os reis da Sardenha, senhores de desfiladeiros que ligavam a Itália e a França, se aproveitavam dessa vantagem geográfica, para cobrar taxas dos comerciantes que precisavam atravessá-los para a sua atividade comercial. 

INVASÃO DE NAPOLEÃO:

Tudo corria bem com o Reino da Sardenha durante o século XVIII até Vítor Amadeu III declarar guerra à França revolucionária. O resultado foi desastroso. Napoleão atravessou os alpes em 1796 . Savoia foi anexada pela França. Piemonte virou uma região militar francesa. Nice também foi tomada pelos franceses. O Rei da Sardenha e seu filho tiveram que fugir, exilando-se na Ilha da Sardenha. Napoleão Bonaparte não tinha apreço pela Igreja Católica. Em sua passagem por Savoia, a abadia de Hautecombe foi saqueada e virou uma fábrica de azulejos. 

QUEDA DE NAPOLEÃO E RESTAURAÇÃO DO REINO DA SARDENHA:

Com a derrota de Napoleão e com a realização do Congresso de Viena, o Reino da Sardenha foi restaurado, recuperando seus territórios (Nice, Savoia, Piemonte) e ganhando a República de Gênova. Apesar disso, restaurar o "status quo ante" seria um desafio aos monarcas restaurados, tendo em vista que as ideias da revolução francesa tinham criado raízes por onde passaram. Seria difícil recolocar o gênio da revolução de volta para a garrafa. 

"...a Europa pós-Napoleônica era muito diferente da Europa pré-Revolucionária."
(página 483)

Uma das ideias trazidas pela revolução francesa tinha a ver com a Nação - criação de um Estado-Nação inspirado pelo modelo francês. Na Itália, para que um Estado-Nação fosse criado, divisões teriam que ser enfrentados.

- Norte da Itália: Dominado pelo Império Austríaco (Veneza, Lombardia)
- Centro da Itália: Governado por um conjunto de monarcas reacionários, incluindo o Papa em Roma
- Sul da Itália: Localização do Reino das Duas Sicílias pertencente à Dinastia Bourbon.

PIEMONTE E SABOIA:

Piemonte e Saboia pertenciam ao Reino da Sardenha. Apesar disso, esses dois territórios não eram homogêneos. 
Piemonte flertava com os nacionalistas italianos, que queriam usar o Reino da Sardenha como plataforma de lançamento de uma Itália unificada, ao mesmo tempo contendo os radicais, encorajando o protagonismo dos moderados e buscando negociar com as potências europeias.
Savoia, por sua vez, flertava com uma separação, saindo do Reino da Sardenha, estabelecendo uma administração francesa. Escritores na Savoia buscavam ligar seus habitantes modernos com uma identidade franco-saboiana, dizendo que os habitantes de Savoia que falavam francês estariam ligados a uma tribo celta, os alóbroges, que tinham habitado a região na época dos romanos.

"Allobroges valentes! Nós vossos campos verdes/Dai-me sempre asilo e segurança; Porque gosto de respirar o ar puro de vossas montanhas. Sou a liberdade! A Liberdade." (Joseph Dessay 1817-1870)
(página 484)

GOVERNANTES APÓS A RESTAURAÇÃO DO REINO DA SARDENHA:

- Vitor Emanuel I (1802-1821) 
- Carlos Félix (1821-1831), Il Feroce
- Carlos Alberto (1831-1849) "Introduziu uma administração burocrática e paternalista, à qual chamou Il Buon Governo. " (página 485)

Carlos Alberto, em razão das revoluções de 1848, proclamou uma Constituição liberal, o Statuto Albertino. Essa Constituição, apesar de reservar ao rei todas as decisões executivas, como declarar guerra e paz, garantiu a liberdade de imprensa, a liberdade de reunião, etc.
Apesar dessas concessões liberais, as tensões no reino do Piemonte/Saboia permaneciam. E as tensões eram criadas pelos sentimentos nacionalistas. Na Saboia, havia os francófilos, que desejavam uma aproximação com a França. E no Piemonte havia os italianófilos, que desejavam que o Reino do Piemonte/Saboia fosse uma plataforma de lançamento de uma Itália Unificada. 

PATRONO DO RISORGIMENTO - UNIFICAÇÃO ITALIANA - VITOR EMANUEL II:

O patrono do Risorgimento (Unificação Italiana) foi o rei da Sardenha (Piemonte/Saboia) Vitor Emanuel II (1849-1861 e 1861-1878). Seu Ministro de Negócios Estrangeiros era o Conde Cavour, que dizia ter encontrando uma forma para enganar seus colegas diplomatas: "Digo-lhes a verdade e eles não acreditam em mim." (página 487)

QUESTÃO ITALIANA:

Metternich dissera que a Itália era apenas uma expressão geográfica. Mas isso iria mudar a partir de 1861, com a unificação italiana. Foi um processo longo e doloroso, que precisou da participação de vários atores, dentre os quais citamos:

-Napoleão III, Imperador da França. 
-Cavour, Camilo Benso, Ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino do Piemonte/Saboia e depois Primeiro Ministro.
-Giuseppe Garibaldi, um revolucionário.
-Giuseppe Mazzini, outro revolucionário.
-Vitor Emanuel II, rei da Sardenha (Piemonte/Saboia).

No ano de 1858, em Plombières Les-Bains, nos Vosges, houve um encontro decisivo para a história da Itália, entre Napoleão III e Conde Cavour. Nele ficou acertado que a França ajudaria a expulsar os austríacos do norte da Itália. Em troca, o Reino de Piemonte-Saboia cederia Nice e Saboia para a França.
Cavour "...arriscou a perda de cerca de um terço das possessões do seu soberano na esperança incerta de ganhar algo mais." (página 492)
Esse algo mais que Cavour esperava ganhar era a expansão do Reino da Sardenha em direção da Lombardia e de outros territórios italianos dominados pelos austríacos. 

INÍCIO DA GUERRA:

Junho de 1859: Exército francês avança para o norte da Itália. Batalhas sangrentas se seguiram ao avanço francês: Solferino, Magenta e San Martino. O sofrimento causado nesses combates foi tão grande que levou à criação da Cruz Vermelha. O exército francês contou com a colaboração do exército do reino da Sardenha e dos Caçadores da Itália, que eram formados por voluntários reunidos por Giuseppe Garibaldi. Forças da Sardenha entram em Milão, na Lombardia. Austríacos batem em retirada. 
Mas houve percalços pelo caminho. Napoleão III fez uma paz em separado com a Áustria, sem consultar o Reino da Sardenha. Parecia que Napoleão III não queria a unificação da Itália, com um Reino da Sardenha expandido. Queria apenas uma Confederação Italiana sobre a proteção francesa.

CAMINHO PARA A UNIFICAÇÃO ITALIANA:

Na segunda metade de 1859, os Duques de Parma e Módena, e o Grão-Duque da Toscânia, depois de perderem a proteção da Áustria, foram derrubados por revoluções locais. No Romanha, localizada na parte norte dos Estados Papais, administradores locais do Papa foram expulsos após uma revolta popular. Esses territórios uniram-se num grupo pró-Reino da Sardenha, denominado Províncias Unidas da Itália Central. 
Em 24 de março de 1860 é assinado o Tratado de Turim, no qual fica acertado que França e o Reino da Sardenha iriam fazer Plebiscitos em Nice, na Saboia e nas Províncias Unidas da Itália Central. 

Plebiscito = Scitum Plebis ( escolha do povo)

As populações de Nice e Saboia decidiram pela união com a França. Os habitantes das Províncias Unidas da Itália Central decidiram pela união com o Reino da Sardenha.

FIM DE 8 SÉCULOS DE HISTÓRIA:

Quando o povo de Saboia votou pela união com a França, 8 séculos de história, iniciadas por Humberto, o Mãos Brancas, tinham terminado. A Saboia, embrião de um Reino italiano unificado, deixava de pertencer à Casa de Savoia e agora passaria a pertencer à França.

CASA DE SAVOIA:

A Dinastia da Casa de Savoia perdeu sua ancestral Saboia mas ganhou o reino Italiano, que passou a governar, primeiramente a partir de Turim e depois a partir de Roma. A Casa de Savoia sobreviveu à Primeira Guerra Mundial, enquanto outras dinastias morriam: Hohenzollerns na Alemanha, Romanov na Rússia e Habsburgo na Áustria.

FIM DA CASA DE SAVOIA:

A Casa de Savoia não sobreviveu à derrota italiana na Segunda Guerra Mundial. Num Referendo realizado no ano de 1946, a Monarquia Italiana, sob a Casa de Savoia, deixava de existir. A Itália agora seria uma república. Era o fim da história que tinha sido iniciada por Humberto, o Mãos Brancas.


ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "REINOS DESAPARECIDOS, HISTÓRIA DE UMA EUROPA QUASE ESQUECIDA", NORMAN DAVIES, EDITORA EDIÇÕES 70, capítulo 8, Sabáudia, páginas 464/511

quinta-feira, 18 de junho de 2020

Comunidade Banto Sul de Camarões Migrações para o Sul e Leste da África



MIGRAÇÕES NO INTERIOR DO CONTINENTE AFRICANO:

No que hoje é o sul de Camarões, tem início uma onda de grandes migrações de comunidades de língua Banta, pertencentes a um grupo maior, a nigero-congolesa. O grupo nigero-congolesa ocupava uma área que ia do Rio Senegal, a oeste, até Camarões, a leste (início do IV milênio  a.C.)

Banto: Pessoas
Ba (prefixo) = Plural
NTU = Ser Humano

O grupo linguístico Banto fazia parte de uma família mais ampla, a nigero-congolesa (IV milênio a.C.). Não se sabe as razões dessa migração. O que se sabe é que ela foi descoberta por meio da identificação de elementos da língua Banta no centro sul da África, "mas a pátria original dos povos de língua banta eram as terras altas de Camarões, a mais de 4 mil quilômetros de distância." (página 38)

A Comunidade Banto vivia da agricultura (cultivavam o inhame), da pesca (construíam canoas). Também cultivavam Palmeiras, das quais extraíam azeite de dendê (culturas arbóreas). Veneravam seus espíritos ancestrais. Atravessando a Floresta Tropical, migraram para o sul, atual Congo, onde havia povos coletores e caçadores, os ba-twas - pigmeus (ano 1000 a.C., ano em que a metalurgia chegou à África). O avanço pela floresta ocorria na base de 20 quilômetros por década. Além das florestas do Congo, ficavam as savanas do sul e do leste da África, habitadas por povos caçadores-coletores, que possuíam várias habilidades adquiridas em meio a uma vida itinerante na Savana. Esses povos das Savanas fabricavam ferramentes de madeira, osso e pedra.

OUTRAS MIGRAÇÕES:

"Desde o IV milênio a.C. , o domínio de caçadores-coletores, na África Orienta, atraía vários grupos de migrantes africanos. Do planalto etíope a nordeste, vieram pastores de língua kushita, trazendo gado e habilidades agrícolas; no segundo milênio a.C., eles tinham chegado ao seu limite ao sul, nas planícies do Serengeti, na Tanzânia moderna. Do Vale do Nilo, a noroeste, vieram pastores nilóticos, que plantavam culturas como o sorgo. Mas foi a chegada de migrantes bantos da região da floresta do Congo, a oeste, que produziu o impacto de maior alcance."
(página 40)

Os Bantos se espalharam pela África oriental em direção à costa.

ADVENTO DA TECNOLOGIA DO FERRO:

Meados do Primeiro Milênio a.C.

A metalurgia do ferro foi estabelecida na região entre a Bacia do Chade e os Grandes Lagos da África Oriental. Havia também a atividade de metalurgia na região onde hoje é a Nigéria (planalto de Jos).
Havia também a prática de metalurgia em Djenné-Jeno, no médio Níger.
Lanças e flechas com pontas de ferro e instrumentos agrícolas de ferro aumentaram a produtividade geral. A prática da metalurgia (pelos Bantos de Mashariki) no leste da África (região dos Grandes Lagos) causou uma grande devastação nas florestas locais, derrubadas para a obtenção de carvão vegetal, para a alimentação de fornos para a metalurgia.

MIGRAÇÃO DO POVO BANTO MAIS PARA O SUL DO CONTINENTE AFRICANO (SÉCULO III a.C.): 

O Povo Banto continuou sua migração para o sul do continente africano. Do leste para o sul, empreenderam a migração munidos com utensílios de ferro, trazendo consigo gado bovino e ovino. No século II  d.C. chegaram na moderna província de Natal, na moderna África do Sul. O avanço terminou um pouco antes da Província do Cabo, na moderna África do Sul. 
O intercâmbio com o leste da África resultou na introdução do gado, que depois expandiu para áreas do sul da África. 
O gado adquiriu crescente importância econômica, conferindo ao seu proprietários 'status' e prestígio muito acima daquele desfrutado pelos agricultores. Grupos subiam ao poder pelo domínio de propriedade com rebanho.

"À medida que as comunidades agrícolas iam se fixando, começaram a desenvolver identidades e culturas regionais distintas."
(página 41)


ANOTAÇÕES EXTRAÍDA DA LEITURA DO LIVRO "O DESTINO DA ÁFRICA, CINCO MIL ANOS DE RIQUEZAS, GANÂNCIA E DESAFIOS, MARTIN MEREDITH, EDITORA ZAHAR, Parte 1, A África e o Mundo Antigo, Capítulo 2, Empreendimentos no Interior.

domingo, 14 de junho de 2020

A Rota da Morte e da Destruição. Peste Negra



A ROTA DA MORTE E DA DESTRUIÇÃO:
A peste viria em meio às mercadorias importadas da ásia. 

CIDADES ITALIANAS EM BUSCA DE NOVAS ROTAS COMERCIAIS NO MAR NEGRO:

Com os portos e as cidades do Levante envolvidas em escaramuças entre cristãos e muçulmanos (séculos XII e XIII), as cidades italianas de Veneza e Gênova já vinham buscando alternativas para suas rotas comerciais. Acharam-na na Crimeia (atual Rússia), na foz do Mar de Azov e na cidade Armênia de Ayas (Cilícia). Os barcos venezianos e genoveses compravam alimentos nas margens sul e norte do Mar Negro e vendiam escravos para os mamelucos que governavam o Egito. 
Não havia união entre as cidades italianas, muito pelo contrário. Elas brigavam entre si pelo controle das rotas comerciais. Em 1282, Gênova afundou uma frota de Pisa. Em 1299, o Papa Bonifácio VIII tentou intermediar uma trégua entre as cidades de Veneza e Gênova.
A riqueza dessas cidades-estados italianas vinha da venda de mercadorias do oriente (especiarias, peles das estepes, tecidos, etc). Despachar mercadorias pelo Mar Negro era mais vantajoso pois essa região estava sob o domínio mongol, que cobrava taxas menores (do valor exportado) do que aquelas cobradas no porto egípcio de Alexandria. 

"Como qualquer comerciante sabe, as margens afetam tudo."
(página 205)

PRESENÇA MONGOL NO MAR NEGRO. ESTÍMULO AO COMÉRCIO:

"Assim como as conquistas islâmicas do século VII tiveram profundo impacto na economia global à medida que impostos, pagamentos e dinheiro fluíam em direção ao centro vindo de todos os cantos do mundo, os sucessos mongóis do século XIII também reformularam os sistema monetários da Eurásia."
(página 208)

Outra vantagem da área que circundava o Mar Negro era a presença mongol. A administração mongol tornou o comércio mais seguro. Havia estabilidade; os mongóis eram tolerantes com a religião, respeitando cristãos, budistas, islâmicos. Não perseguiam ninguém em razão de sua fé. Os mongóis ainda eram bons administradores. Seu correio, por exemplo, era eficiente, pois usava estações de revezamento, nas quais mensageiros descansavam e trocavam de cavalo, possibilitando assim a superação de grandes distâncias. Era ainda uma administração que prezava o mérito, premiando os melhores, trazendo as pessoas mais competentes para perto do poder. Em sua expansão, o Império Mongol entrou em contato com muitos povos, administrando-os de forma a desuni-los. O método consistia em misturar os diferentes povos que estavam sob seu domínio, mandando um membro de um povo para longe de sua terra de origem, afastando-o de suas raízes culturais, para servir ao lado de membros de outros povos. Dissolvendo esses laços culturais, os mongóis buscavam também suprimir aspectos tribais distintivos, que diferenciavam um membro de uma tribo de outra. Buscava-se uma padronização em favor dos mongóis e em detrimento de qualquer característica distintiva existentes entre povos e tribos.
A política mongol pretendia com isso dissolver as lealdades originárias, criando somente uma lealdade, que deveria ser devotado somente ao Império Mongol. 

"Por instinto, os mongóis sabiam como construir um grande Império: tolerância e administração cuidadosa tinham que se seguir à supremacia militar."
(página 207)

O mundo no qual os mongóis se expandiram (séculos XIII/XIV) tinha todos os fatores a seu favor. Havia a China com sua riqueza (agricultura e tecnologia) e sua grande população; na Ásia Central havia estados fragmentados, prontos para serem conquistados e unidos sob um império; ainda havia a Ásia muçulmana e a Europa, ambas com poder aquisitivo para comprar produtos que passavam pelo interior do Império Mongol. Enfim, aquele mundo se apresentava aos mongóis como uma fruta madura que pedia para ser colhida e saboreada. 

Os Mongóis e a Rota da Seda:

Os mongóis proporcionavam segurança para os mercadores que transitavam pelo seu território. Obviamente que os mongóis assim agiam porque o comércio os favorecia, por meio do recolhimento de taxas cobradas das caravanas comerciais que passavam pelo seu território. 
O comércio expandia os horizontes. Cidades do leste desenvolviam-se com o comércio de tecidos: Nishapur, Bagdá, Herat e Tabriz. 

"Os horizontes expandiam-se por toda parte."
(página 213)
No sul da China, o porto de Guangzhou ligava o país às rotas comerciais marítimas. Guangzhou tinha se tornado, na década de 1270, o ponto central de exportações e importações marítimas da China. O viajante Marco Polo relatou: " 'Para cada navio que partia de Alexandria com suprimentos de pimenta para as terras cristãs, relatou Marco Polo, no final do século XIII, mais de uma centena entrava no porto chinês.' " (página 214)

"O comércio no Mediterrâneo era grande; o do Pacífico, imenso."
(página 214)

Os mongóis ainda sabiam como usar pessoas de outros povos para seu proveito. Um exemplo foi aquele que iria se tornar Ivan IV, o Terrível. Ivan, no início de sua escalada ao poder, era um vassalo dos mongóis, coletando tributos para eles. Nesse tempo, Ivan era conhecido como Kalita (Ivan Sacolas de Dinheiro). Ao se sujeitar aos mongóis, Ivan foi enriquecendo e cimentando seu poder na embrionária Moscóvia, destacando-se em meio a outros príncipes russos.

"...alguns estudiosos defendem que foi o sistema de governo mongol que constituiu a base para a transformação da Rússia numa autocracia madura por meio do empoderamento de um punhado de indivíduos (por exemplo, Ivan IV) que passaram a dominar a população, assim como seus pares."
(página 208)

A PESTE NEGRA:

Pelas rotas comerciais não fluíam apenas mercadorias. Fluíam também doenças. 

A origem da Peste Negra:

Além de abrigar animais de criação (cavalos, Camelos, cabras, etc) e nômades por milhares de anos, as estepes eurasianas também formam uma das grandes bacias de pragas do mundo, com uma série de focos interligados que se estendem do Mar Negro até a Manchúria, no Pacífico.
A peste negra vinha da bactéria yersinia pestis que, por meio de pulgas, que parasitavam ratos, transitavam depois para um outro hospedeiro, o ser humano, que então era acometido da doença e morria. A pulga pegava a bactéria do rato e depois o repassava para o ser humano. E dessa forma a doença se alastrou, das estepes eurasianas para a Europa, para o Egito, Oriente Médio, Península Arábica, Irã, etc.

"As rotas comerciais que ligavam a Europa ao resto do mundo tornaram-se estradas letais para a transmissão da Peste Negra. Em 1347, a doença chegou a Constantinopla e depois a Gênova, Veneza e ao Mediterrâneo, trazida por comerciantes e mercadores que fugiam de casa. Quando a população de Messina, na Sicília, percebeu que havia algo de errado com os genoveses, que chegavam cobertos de bolhas, vomitando sem parar e tossindo sangue antes de morrer, já era tarde demais, embora as galés genovesas fossem expulsas, a doença se instalou e devastou a população local."
(página 216) 

A peste se espalhou rapidamente a partir de meados do século XIV. 
Em meados de 1348, a peste chegou às cidades do norte da França e da Baviera. Chegou também à Inglaterra, trazida por mercadores e marinheiros. Morria tanta gente que ficava difícil achar gente para enterrar aqueles que tinham morrido (página 217)
Navios que antes traziam bens e artigos de luxo, agora traziam a morte, a peste. 
E não era só a Europa que sofria:

"Em Damasco, escreveu Ibn Al-Wardi, a praga sentou-se como um rei em seu trono e governou com poder, matando todo dia mil ou mais, e dizimando a população."
(página 217)

"As estradas entre o Cairo e a Palestina ficaram cobertas de corpos de vítimas, enquanto os cães rasgavam os cadáveres empilhados contra os muros das Mesquitas em Bilbais."
(página 217)

Em Veneza, 3/4 da população foi dizimada (página 217).

Boccaccio, autor humanista italiano, observou "mais de 100 mil perderam a vida apenas em Florença." (página 217)

As pessoas achavam que o Apocalipse tinha chegado. Buscavam se refugiar na fé. As pessoas rezavam, faziam jejum, procissões; fiéis flagelavam-se. Era uma forma de aplacar a ira divina, da qual suspeitavam ser a fonte da peste. Alguns culpavam as roupas femininas, que seriam ousadas demais e que por isso a ira divina tinha sido despertada.

"Um padre sueco recomendava evitar o sexo e todos os desejos carnais com mulheres..."
(página 218)

Na Alemanha começava-se a culpar os judeus. Acreditava-se que a peste negra tinha sido criada pelos judeus, que teriam envenenado poços e rios com a peste. 

"Era perigoso ter crenças diferentes em tempos de crise."
(página 219)

"A Europa perdeu pelo menos um terço de sua população para a praga, e talvez muito mais, com as estimativas conservadoras do número de mortos apontando algo em torno de 25 milhões numa população total de talvez 75 milhões."
(página 219)

O Mundo foi tomado pelo:

→Medo
→Descrença
→Ansiedade

"Os efeitos foram arrasadores. 'Nossas esperanças de futuro foram enterradas junto com nossos amigos', escreveu o poeta italiano Petrarca. Os planos e as ambições de chegar a maiores descobertas no Oriente e a possíveis fortunas foram ofuscados por pensamentos mais sombrios. O único consolo, prossegue Petrarca, era saber que 'iremos seguir aqueles que foram antes'. 'Não sei quanto tempo teremos que esperar, mas sei que não pode ser muito'. Todas as riquezas do Oceano Índico, do Mar Cáspio ou do Mar Negro, escreveu, 'não podem compensar o que foi levado embora.' "
(página 219)

EFEITOS "POSITIVOS" DA PESTE NEGRA:

Estruturas sociais reconfiguradas: 

O despovoamento causado pelas mortes fez aumentar o valor que se pagava pelo trabalho. Havia escassez de mão de obra: escassez de servo, artesãos, agricultores e lavradores.

"...salários urbanos aumentaram de forma drástica nas décadas que se seguiram a Peste Negra."
(página 220)

"O empoderamento do campesinato, dos trabalhadores e das mulheres foi acompanhado por um enfraquecimento das classes proprietárias, já que os senhores de terras foram obrigados a aceitar o pagamento de alugueis menores por suas posses - e acabavam decidindo que era melhor receber alguma renda do que nada."
(página 220)

Com a renda melhor distribuída, mais gente entrou no mercado consumidor. Esse mercado consumidor ia atrás, por exemplo, de têxteis, o que resultou num maior desenvolvimento dessa indústria na Europa. A Europa passou inclusive a exportar têxteis para o Oriente. E as importações de têxteis da Europa caíram. 

Veneza retomou o comércio:

Veneza retomou seu comércio de especiárias. Importavam especiarias especialmente de Alexandria, no Egito. Veneza então as revendia com um bom lucro. Embarcações que partiam de Veneza iam para diversos lugares: Costa da África, Beirute, Alexandria, terras gregas, sul da França e Flandres.

CHINA - MEADOS DO SÉCULO XIV:

A Dinastia Mongol (Yuan) foi substituída pela Dinastia Ming. A nova dinastia realizou incursões em direção ao Camboja e pelo Sião. Os chineses iam atrás de produtos. Em troca, oferecia a paz. Os chineses ainda buscavam o comércio marítimo com o sul da Índia. A frota naval chinesa era comandada pelo almirante Zheng He. Zheng He buscava abrir rotas comerciais pelo Oceano Índico, pelo Golfo Pérsico e pelo Mar Vermelho. 

TARMELÃO OU TIMUR - SÉCULO XIV - ÁSIA CENTRAL:

A partir da década de 1360, Tarmelão dá início à edificação de um grande Império, que ia da Ásia Menor ao Himalaia. Tarmelão, um guerreiro muito bem sucedido, oriundo do atual Usbequistão, na Ásia Central, esbanjava recursos na construção de palácios. A sua corte ficava em Samarcanda, no atual Usbequistão. O seu dinheiro vinha dos povos que ele tinha conquistado, subjugados. Vivia no luxo, comprava sedas da China. Era uma vida de esbanjamento. 
Tarmelão morreu no início do século XV, em 1405, quando planejava uma invasão à China. Na esteira de sua morte, seu Império se desfez em várias partes. 

CRISE FINANCEIRA GLOBAL NO SÉCULO XV:

No século XV houve uma crise financeira de âmbito global. Havia uma desvalorização monetária. Havia mercados supersaturados. Havia balanças de pagamento desequilibradas (países nos quais os recursos eram todos direcionados para importar produtos, ocasionando uma sangria na riqueza do país). Havia produtos demais para absorver, cujos valores eram altos e para os quais não havia mais dinheiro para adquiri-los. A Europa não tinha mais recursos para continuar importando esses produtos de luxo. 
A China produzia demais para um mundo que não tinha mais dinheiro para adquiri-los. 

"O resultado tem sido descrito com frequência como uma escassez de lingotes de ouro. Hoje, nós a chamamos de escassez de crédito."
(página 226)

Na China, no primeiro quarto do século XV, a bolha de crescimento estourou. A China teve que frear a sua expansão, cortar gastos, como por exemplo suspender as caras expedições navais e suspender a construção de um canal de navegação, que ligaria a sua capital a Hangzhou.

Não havia mais dinheiro suficiente em circulação.
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"...é que os suprimentos globais de dinheiro estavam escassos....mercadores na península Malaia assumiram o problema nas próprias mãos e cunharam uma nova moeda tosca a partir do estanho, do qual havia localmente um suprimento abundante. Mas, em resumo, o suprimento de metal precioso que havia proporcionado uma moeda corrente comum ligando um lado do mundo conhecido a outro - embora nem sempre com padrão de unidade, peso ou excelência - entrou em colapso: não havia dinheiro suficiente em circulação."
(página 227)

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "O CORAÇÃO DO MUNDO, UMA NOVA HISTÓRIA UNIVERSAL A PARTIR DA ROTA DA SEDA: O ENCONTRO DO ORIENTE COM O OCIDENTE", PETER FRANKOPAN, EDITORA CRÍTICA, Capítulo 10: A Rota da Morte e da Destruição, páginas 204/230