A ROTA DA MORTE E DA DESTRUIÇÃO:
A peste viria em meio às mercadorias importadas da ásia.
CIDADES ITALIANAS EM BUSCA DE NOVAS ROTAS COMERCIAIS NO MAR NEGRO:
Com os portos e as cidades do Levante envolvidas em escaramuças entre cristãos e muçulmanos (séculos XII e XIII), as cidades italianas de Veneza e Gênova já vinham buscando alternativas para suas rotas comerciais. Acharam-na na Crimeia (atual Rússia), na foz do Mar de Azov e na cidade Armênia de Ayas (Cilícia). Os barcos venezianos e genoveses compravam alimentos nas margens sul e norte do Mar Negro e vendiam escravos para os mamelucos que governavam o Egito.
Não havia união entre as cidades italianas, muito pelo contrário. Elas brigavam entre si pelo controle das rotas comerciais. Em 1282, Gênova afundou uma frota de Pisa. Em 1299, o Papa Bonifácio VIII tentou intermediar uma trégua entre as cidades de Veneza e Gênova.
A riqueza dessas cidades-estados italianas vinha da venda de mercadorias do oriente (especiarias, peles das estepes, tecidos, etc). Despachar mercadorias pelo Mar Negro era mais vantajoso pois essa região estava sob o domínio mongol, que cobrava taxas menores (do valor exportado) do que aquelas cobradas no porto egípcio de Alexandria.
"Como qualquer comerciante sabe, as margens afetam tudo."
(página 205)
PRESENÇA MONGOL NO MAR NEGRO. ESTÍMULO AO COMÉRCIO:
"Assim como as conquistas islâmicas do século VII tiveram profundo impacto na economia global à medida que impostos, pagamentos e dinheiro fluíam em direção ao centro vindo de todos os cantos do mundo, os sucessos mongóis do século XIII também reformularam os sistema monetários da Eurásia."
(página 208)
Outra vantagem da área que circundava o Mar Negro era a presença mongol. A administração mongol tornou o comércio mais seguro. Havia estabilidade; os mongóis eram tolerantes com a religião, respeitando cristãos, budistas, islâmicos. Não perseguiam ninguém em razão de sua fé. Os mongóis ainda eram bons administradores. Seu correio, por exemplo, era eficiente, pois usava estações de revezamento, nas quais mensageiros descansavam e trocavam de cavalo, possibilitando assim a superação de grandes distâncias. Era ainda uma administração que prezava o mérito, premiando os melhores, trazendo as pessoas mais competentes para perto do poder. Em sua expansão, o Império Mongol entrou em contato com muitos povos, administrando-os de forma a desuni-los. O método consistia em misturar os diferentes povos que estavam sob seu domínio, mandando um membro de um povo para longe de sua terra de origem, afastando-o de suas raízes culturais, para servir ao lado de membros de outros povos. Dissolvendo esses laços culturais, os mongóis buscavam também suprimir aspectos tribais distintivos, que diferenciavam um membro de uma tribo de outra. Buscava-se uma padronização em favor dos mongóis e em detrimento de qualquer característica distintiva existentes entre povos e tribos.
A política mongol pretendia com isso dissolver as lealdades originárias, criando somente uma lealdade, que deveria ser devotado somente ao Império Mongol.
"Por instinto, os mongóis sabiam como construir um grande Império: tolerância e administração cuidadosa tinham que se seguir à supremacia militar."
(página 207)
O mundo no qual os mongóis se expandiram (séculos XIII/XIV) tinha todos os fatores a seu favor. Havia a China com sua riqueza (agricultura e tecnologia) e sua grande população; na Ásia Central havia estados fragmentados, prontos para serem conquistados e unidos sob um império; ainda havia a Ásia muçulmana e a Europa, ambas com poder aquisitivo para comprar produtos que passavam pelo interior do Império Mongol. Enfim, aquele mundo se apresentava aos mongóis como uma fruta madura que pedia para ser colhida e saboreada.
Os Mongóis e a Rota da Seda:
Os mongóis proporcionavam segurança para os mercadores que transitavam pelo seu território. Obviamente que os mongóis assim agiam porque o comércio os favorecia, por meio do recolhimento de taxas cobradas das caravanas comerciais que passavam pelo seu território.
O comércio expandia os horizontes. Cidades do leste desenvolviam-se com o comércio de tecidos: Nishapur, Bagdá, Herat e Tabriz.
"Os horizontes expandiam-se por toda parte."
(página 213)
↳ No sul da China, o porto de Guangzhou ligava o país às rotas comerciais marítimas. Guangzhou tinha se tornado, na década de 1270, o ponto central de exportações e importações marítimas da China. O viajante Marco Polo relatou: " 'Para cada navio que partia de Alexandria com suprimentos de pimenta para as terras cristãs, relatou Marco Polo, no final do século XIII, mais de uma centena entrava no porto chinês.' " (página 214)
"O comércio no Mediterrâneo era grande; o do Pacífico, imenso."
(página 214)
Os mongóis ainda sabiam como usar pessoas de outros povos para seu proveito. Um exemplo foi aquele que iria se tornar Ivan IV, o Terrível. Ivan, no início de sua escalada ao poder, era um vassalo dos mongóis, coletando tributos para eles. Nesse tempo, Ivan era conhecido como Kalita (Ivan Sacolas de Dinheiro). Ao se sujeitar aos mongóis, Ivan foi enriquecendo e cimentando seu poder na embrionária Moscóvia, destacando-se em meio a outros príncipes russos.
"...alguns estudiosos defendem que foi o sistema de governo mongol que constituiu a base para a transformação da Rússia numa autocracia madura por meio do empoderamento de um punhado de indivíduos (por exemplo, Ivan IV) que passaram a dominar a população, assim como seus pares."
(página 208)
A PESTE NEGRA:
Pelas rotas comerciais não fluíam apenas mercadorias. Fluíam também doenças.
A origem da Peste Negra:
Além de abrigar animais de criação (cavalos, Camelos, cabras, etc) e nômades por milhares de anos, as estepes eurasianas também formam uma das grandes bacias de pragas do mundo, com uma série de focos interligados que se estendem do Mar Negro até a Manchúria, no Pacífico.
A peste negra vinha da bactéria yersinia pestis que, por meio de pulgas, que parasitavam ratos, transitavam depois para um outro hospedeiro, o ser humano, que então era acometido da doença e morria. A pulga pegava a bactéria do rato e depois o repassava para o ser humano. E dessa forma a doença se alastrou, das estepes eurasianas para a Europa, para o Egito, Oriente Médio, Península Arábica, Irã, etc.
"As rotas comerciais que ligavam a Europa ao resto do mundo tornaram-se estradas letais para a transmissão da Peste Negra. Em 1347, a doença chegou a Constantinopla e depois a Gênova, Veneza e ao Mediterrâneo, trazida por comerciantes e mercadores que fugiam de casa. Quando a população de Messina, na Sicília, percebeu que havia algo de errado com os genoveses, que chegavam cobertos de bolhas, vomitando sem parar e tossindo sangue antes de morrer, já era tarde demais, embora as galés genovesas fossem expulsas, a doença se instalou e devastou a população local."
(página 216)
A peste se espalhou rapidamente a partir de meados do século XIV.
Em meados de 1348, a peste chegou às cidades do norte da França e da Baviera. Chegou também à Inglaterra, trazida por mercadores e marinheiros. Morria tanta gente que ficava difícil achar gente para enterrar aqueles que tinham morrido (página 217)
Navios que antes traziam bens e artigos de luxo, agora traziam a morte, a peste.
E não era só a Europa que sofria:
"Em Damasco, escreveu Ibn Al-Wardi, a praga sentou-se como um rei em seu trono e governou com poder, matando todo dia mil ou mais, e dizimando a população."
(página 217)
"As estradas entre o Cairo e a Palestina ficaram cobertas de corpos de vítimas, enquanto os cães rasgavam os cadáveres empilhados contra os muros das Mesquitas em Bilbais."
(página 217)
Em Veneza, 3/4 da população foi dizimada (página 217).
Boccaccio, autor humanista italiano, observou "mais de 100 mil perderam a vida apenas em Florença." (página 217)
As pessoas achavam que o Apocalipse tinha chegado. Buscavam se refugiar na fé. As pessoas rezavam, faziam jejum, procissões; fiéis flagelavam-se. Era uma forma de aplacar a ira divina, da qual suspeitavam ser a fonte da peste. Alguns culpavam as roupas femininas, que seriam ousadas demais e que por isso a ira divina tinha sido despertada.
"Um padre sueco recomendava evitar o sexo e todos os desejos carnais com mulheres..."
(página 218)
Na Alemanha começava-se a culpar os judeus. Acreditava-se que a peste negra tinha sido criada pelos judeus, que teriam envenenado poços e rios com a peste.
"Era perigoso ter crenças diferentes em tempos de crise."
(página 219)
"A Europa perdeu pelo menos um terço de sua população para a praga, e talvez muito mais, com as estimativas conservadoras do número de mortos apontando algo em torno de 25 milhões numa população total de talvez 75 milhões."
(página 219)
O Mundo foi tomado pelo:
→Medo
→Descrença
→Ansiedade
"Os efeitos foram arrasadores. 'Nossas esperanças de futuro foram enterradas junto com nossos amigos', escreveu o poeta italiano Petrarca. Os planos e as ambições de chegar a maiores descobertas no Oriente e a possíveis fortunas foram ofuscados por pensamentos mais sombrios. O único consolo, prossegue Petrarca, era saber que 'iremos seguir aqueles que foram antes'. 'Não sei quanto tempo teremos que esperar, mas sei que não pode ser muito'. Todas as riquezas do Oceano Índico, do Mar Cáspio ou do Mar Negro, escreveu, 'não podem compensar o que foi levado embora.' "
(página 219)
EFEITOS "POSITIVOS" DA PESTE NEGRA:
Estruturas sociais reconfiguradas:
O despovoamento causado pelas mortes fez aumentar o valor que se pagava pelo trabalho. Havia escassez de mão de obra: escassez de servo, artesãos, agricultores e lavradores.
"...salários urbanos aumentaram de forma drástica nas décadas que se seguiram a Peste Negra."
(página 220)
"O empoderamento do campesinato, dos trabalhadores e das mulheres foi acompanhado por um enfraquecimento das classes proprietárias, já que os senhores de terras foram obrigados a aceitar o pagamento de alugueis menores por suas posses - e acabavam decidindo que era melhor receber alguma renda do que nada."
(página 220)
Com a renda melhor distribuída, mais gente entrou no mercado consumidor. Esse mercado consumidor ia atrás, por exemplo, de têxteis, o que resultou num maior desenvolvimento dessa indústria na Europa. A Europa passou inclusive a exportar têxteis para o Oriente. E as importações de têxteis da Europa caíram.
Veneza retomou o comércio:
Veneza retomou seu comércio de especiárias. Importavam especiarias especialmente de Alexandria, no Egito. Veneza então as revendia com um bom lucro. Embarcações que partiam de Veneza iam para diversos lugares: Costa da África, Beirute, Alexandria, terras gregas, sul da França e Flandres.
CHINA - MEADOS DO SÉCULO XIV:
A Dinastia Mongol (Yuan) foi substituída pela Dinastia Ming. A nova dinastia realizou incursões em direção ao Camboja e pelo Sião. Os chineses iam atrás de produtos. Em troca, oferecia a paz. Os chineses ainda buscavam o comércio marítimo com o sul da Índia. A frota naval chinesa era comandada pelo almirante Zheng He. Zheng He buscava abrir rotas comerciais pelo Oceano Índico, pelo Golfo Pérsico e pelo Mar Vermelho.
TARMELÃO OU TIMUR - SÉCULO XIV - ÁSIA CENTRAL:
A partir da década de 1360, Tarmelão dá início à edificação de um grande Império, que ia da Ásia Menor ao Himalaia. Tarmelão, um guerreiro muito bem sucedido, oriundo do atual Usbequistão, na Ásia Central, esbanjava recursos na construção de palácios. A sua corte ficava em Samarcanda, no atual Usbequistão. O seu dinheiro vinha dos povos que ele tinha conquistado, subjugados. Vivia no luxo, comprava sedas da China. Era uma vida de esbanjamento.
Tarmelão morreu no início do século XV, em 1405, quando planejava uma invasão à China. Na esteira de sua morte, seu Império se desfez em várias partes.
CRISE FINANCEIRA GLOBAL NO SÉCULO XV:
No século XV houve uma crise financeira de âmbito global. Havia uma desvalorização monetária. Havia mercados supersaturados. Havia balanças de pagamento desequilibradas (países nos quais os recursos eram todos direcionados para importar produtos, ocasionando uma sangria na riqueza do país). Havia produtos demais para absorver, cujos valores eram altos e para os quais não havia mais dinheiro para adquiri-los. A Europa não tinha mais recursos para continuar importando esses produtos de luxo.
A China produzia demais para um mundo que não tinha mais dinheiro para adquiri-los.
"O resultado tem sido descrito com frequência como uma escassez de lingotes de ouro. Hoje, nós a chamamos de escassez de crédito."
(página 226)
Na China, no primeiro quarto do século XV, a bolha de crescimento estourou. A China teve que frear a sua expansão, cortar gastos, como por exemplo suspender as caras expedições navais e suspender a construção de um canal de navegação, que ligaria a sua capital a Hangzhou.
Não havia mais dinheiro suficiente em circulação.
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"...é que os suprimentos globais de dinheiro estavam escassos....mercadores na península Malaia assumiram o problema nas próprias mãos e cunharam uma nova moeda tosca a partir do estanho, do qual havia localmente um suprimento abundante. Mas, em resumo, o suprimento de metal precioso que havia proporcionado uma moeda corrente comum ligando um lado do mundo conhecido a outro - embora nem sempre com padrão de unidade, peso ou excelência - entrou em colapso: não havia dinheiro suficiente em circulação."
(página 227)
ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "O CORAÇÃO DO MUNDO, UMA NOVA HISTÓRIA UNIVERSAL A PARTIR DA ROTA DA SEDA: O ENCONTRO DO ORIENTE COM O OCIDENTE", PETER FRANKOPAN, EDITORA CRÍTICA, Capítulo 10: A Rota da Morte e da Destruição, páginas 204/230
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