domingo, 5 de abril de 2020

Império Romano tardio Século IV Violência Estatal Patronato Mar Mediterrâneo Roma Constantinopla Annona Curia Civilitas Senado Coloni Servi Bárbaros


IMPÉRIO ROMANO TARDIO. INÍCIO DO SÉCULO IV:

⏩ VIOLÊNCIA:

"O mundo romano era habituado à violência e à injustiça."
(página 61)

Exemplos dessa violência que estava entranhada na sociedade romana:

Na administração da Justiça havia o emprego da tortura.

"A violência judicial era corriqueira, certamente merecida (de fato, mesmo testemunhas eram rotineiramente torturadas, a menos que pertencessem às elites), e os ricos escapavam."
(página 61)

"Fazem entrar o ladrão a quem acusam e interrogam-no da maneira que merece. Tortura-se-o. Com os golpes, seu peito fica todo machucado; dependuram-no...espancam-no com varas, açoitam-no; enfrenta todo tipo de torturas, e ele nega. Mas ele tem de ser punido, levam-no à espada. Então fazem entrar outro homem, desta vez inocente, que vem acompanhado por uma vasta rede de padrinhos, todos homens influentes. Este tem boa sorte. Absolvem-no." (Excerto de uma Cartilha Grego-Romana para crianças - início do século IV)
(página 61)

Eventualmente ricos e poderosos também podiam se ver em apuros, vítimas da violência e da injustiça estatal romana. Mas era algo raro, pois suas redes clientelares poderiam vir em seu socorro.
Um exemplo de um poderoso alcançado pela violência estatal romana é extraída de uma história contada pelo Bispo Sinésio, que morava em Ptolemais, na Cirenaica, atual leste da Líbia. De acordo com Sinésio, o governador local, um sujeito chamado Andronikos, era brutal e violento até com os Senadores locais, chegando inclusiva a provocar a morte de um deles por supostas infrações fiscais. 
Sinésio conseguiu que ele fosse demitido, o que mostra que somente um bispo com boas conexões em Constantinopla poderia confrontar o abuso de poder. Nesse relato de Sinésio, além da violência estatal, entra uma outra característica do Império romano, que será vista em seguida: o Patronato.

Gladiadores: Apesar de proibido  pelo Imperador Constantino em 326 d.C., a barbárie representada pelas lutas de gladiadores ainda permanecia na parte ocidental do Império Romano.

"Agostinho (Agostinho de Hipona) um homem intransigente, mas não ingênuo, tinha por certo que essa sede de sangue era normal, porém pecaminosa aos olhos cristãos."
(página 62)

Agostinho nasceu em Tagaste, atual Souk Ahras, no Leste da Argélia. Tornar-se-ia uma figura de destaque na Igreja Católica.

A Sociedade Romana emprestava legitimidade pública à crueldade:
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De fato a violência não era, não foi e não é exclusividade da sociedade romana, mas nela "A CRUELDADE TINHA LEGITIMIDADE PÚBLICA."
(página 61)

Depois que os jogos de Gladiadores finalmente foram encerrados, a sede por violência romana os substituiu por espetáculos com animais selvagens. Havia nessa violência legitimada publicamente "algo de visceral para o poderio romano."
(página 61)

"Na verdade, todas as sociedades pós-romanas, pagãs, cristãs ou muçulmanas, eram igualmente habituadas à violência, principalmente os poderosos; entretanto, no Império Romano, a crueldade tinha legitimidade pública, um elemento do espetáculo semanal, que superava até mesmo a cultura de execução pública na Europa do século XVIII."
(página 62)

"Havia nisso algo de visceral para o poderio romano, pois ainda que os espetáculos de gladiadores tenham terminado no início do século V, a matança pública de animais selvagens prosseguiu por cem anos ou mais."
(página 62)

⏩ PATRONATO:

Os ricos romanos usavam de seu poder para criar uma rede de clientes (apaniguados/clientela). Um rico não existia sozinho; em torno dele uma rede de pessoas se reunia, com boas conexões governamentais ou eclesiásticas. Era preciso ter conexões para sobreviver em Roma. Num mundo injusto, violento e corrupto, como era em Roma, não se poderia viver sem um Patrono.

"não se podia ser bem-sucedido sem patrono. O mundo romano era realmente corrupto e muito violento. O, que para nós, parece ser corrupção nem sempre era assim considerado pelos romanos, a menos para aqueles que compunham a elite; esta tinha suas próprias regras, justificativas e etiquetas. Mas a corrupção e seus análogos privilegiavam os privilegiados,..."
(página 62)

Patronato é o nome que se dava à relação existente entre um Patrono e um Cliente. Na Idade Média esse tipo de relacionamento era visto no liame entre o Senhor e o seu Vassalo.

"Era normal buscar ajuda de um patrono junto aos canais oficiais. Isso podia ser estigmatizado como corrupção, como pensavam frequentemente os moralistas extremos, ou, então, as vítimas; a maioria das pessoas, no entanto, aceitava sua lógica cotidiana. Na verdade, mesmo os canais oficiais eram muitas vezes expressos em termos de patrono-cliente, na forma de apelos pessoais ou coletivos ao Imperador, coisa corriqueira, ou com intermináveis, e legais, pagamentos pessoais (sportulae), que eram esperados pelos burocratas de baixo e médio escalão, que podiam tanto facilitar quanto obstruir um registro fiscal ou um processo judicial. A questão que se punha em um sistema de patronato desse tipo é que, no final, ele envolvia todos, e todos podiam sentir que, de alguma forma, tinham uma participação no sistema social. Eles, muitas vezes, não ganhavam nada com isso, como acontecia com o camponês comum, mas sentiam que podiam auferir alguma proteção dos patronos, - se não fosse daquela vez, seria, então, da próxima. Todas, exceto o Imperador e seus mais poderosos subordinados, precisavam de um patrono, ou, algumas vezes, de vários."
(páginas 84/85)

Para você ser um patrono, bastava usufruir de algum tipo de poder. Até um soldado poderia ter clientes. Exemplo:

"Abinnaios, um soldado de nível médio, destacado no sul do Egito, na década de 340 d.C., cujos arquivos também sobrevivem, preservou pedidos por favores especiais de seus subordinados, mas também de amigos e clientes que eram conselheiros citadinos, padres, artesãos ou camponeses. Ele era solicitado a arbitrar disputas e prender ladrões; pouco disso estava em suas competências oficiais, mas era totalmente normal."
(página 85)

Segundo escreve o autor desse livro, era essa rede de favores que fazia o Império Romano funcionar.

"Os problemas tiveram início quando o patronato começou a não dar mais certo. Quando os camponeses, na África, sentiam que o patronato da Igreja Católica na estava disponível para eles, podiam se voltar para o donatismo."
(página 86)

"Acima de tudo, talvez, quando as elites locais no Ocidente do século V deixaram de acreditar que seus tradicionais patronos nos governos central e provincial eram capazes de ajudá-las, elas podiam, em vez disso, voltar-se para novos líderes militares de tribos 'bárbaras' em suas localidades, e disso resultou uma importante mudança política."
(página 86)

⏩ MAR MEDITERRÂNEO - O NOSSO MAR:

O Império Romano gravitava em torno do Mar Mediterrâneo, que era chamado de 'o nosso mar'.

"...eles (romanos) são o único poder na história que dominou todo o seu litoral (do Mediterrâneo)"
(página 63)

O Mar Mediterrâneo conectava as Províncias Romanas por meio do transporte marítimo.

⏩ ROMA E CONSTANTINOPLA:

Roma, no seu auge (início do Império), tinha um milhão de habitantes. Já no ano 400, sua população caiu para metade. Já não era a capital administrativa do Império, pois tinha sido substituída no século IV por Trier, no norte da Gália, e em 402, por Ravena, no norte da Itália.
Constantinopla tinha 500 mil habitantes no final do século V.

"Cidades desse tamanho, no mundo antigo e medieval, eram mantidas assim tão grandes pelos governos, que desejavam uma grande cidade como seu coração político ou simbólico, por razões ideológicas."
(página 64)

"A importância simbólica dessas cidades era tanta que quando os visigodos saquearam Roma em 410, os   atingiram todo o Império..."
(página 64)

Para facilitar a administração do Império, a partir de 324, havia

"duas capitais permanentes, Roma e Constantinopla."
(página 63)

"O Império teve, desde então, na maior do tempo, uma metade oriental (majoritariamente de língua grega) e uma ocidental (majoritariamente de língua latina), cada uma com seu próprio Imperador e sua própria administração. Mas as duas metades mantiveram-se intimamente conectadas e o latim continuou sendo a língua oficial legal e militar do Oriente até meados do século VI."
(página 63)

Os pobres dessas cidades eram mantidos por meio de subsídios bancados pelo Estado. Dessa forma, Roma e Constantinopla forneciam subsídios para os pobres urbanos que as habitavam. Assim as cidades eram mantidas artificialmente populosas. Eram subsidiados grãos e azeite de oliva, importados da Tunísia, Egito e Síria.

Annona: palavra latina que significava suprimentos alimentares gratuitos. Constituía uma despesa par ao Estado, na ordem de 1/4 ou mais de seu orçamento.

Como dito acima, o uso desses subsídios mantinha as cidades artificialmente grandes, e sua população obviamente aprovava isso, tendo o seu pão e o seu circo, embora no caso do circo, este entretenimento era na maioria dos casos pago com dinheiro privado.

"África e Egito eram as maiores regiões exportadoras de todo o Império."
(página 64)

VIDA NAS CIDADES DO IMPÉRIO ROMANO:

O Império Romano promovia as cidades, a vida nas cidades. As cidades tinham um poder simbólico para o detentor do poder imperial.

"O conjunto do mundo da cultura era associado à civilidade, civilitas em latim - de onde vieram nossas palavras 'civilizado' e 'civilização' -, que precisamente implicava a habitação citadina para os romanos. O Império era, em um sentido, a união de todas as suas cidades.."
(página 64)

Uma cidade romana deveria ter:
-uma assembleia citadina: Curia, em latim. Era autônoma.
-edifícios urbanos (fórum, teatro, termas, templos e, depois do século IV, catedrais e igrejas).
-em algumas cidades havia muralhas.
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"Essas eram as marcas da civilidade."
(página 64)

Civilização para os romanos significava viver nas cidades que continham todos os elementos elencados acima (fórum, teatro, igrejas, etc).

"É possível ver a rede de cidades como o maior elemento da sociedade romana, mais importante ainda que o governo imperial central."
(página 66)

As cidades romanas com suas edificações faziam parte do imagético romano. O poeta gaulês (350 d.C.) Ausônio escrevia sobre as cidades romanas que ele via como ilustres, começando por Roma e chegando à sua cidade natal, Bordeaux. A ligação afetiva pelas cidades era tal que Ausônio usava a palavra pátria, significando terra natal, lugar onde você nasceu, para se referir não só a Bordeaux, onde ele efetivamente havia nascido, mas também a Roma.

A sociedade política no Império Romano tinha suas bases nas cidades. Elas eram, num primeiro momento, autônomas e ser um Conselheiro (curialis) numa delas "era o máximo da ambição local." (página 65)
Mas com a centralização cada vez maior do poder (século IV) imperial, as decisões (maioria delas) saiam do âmbito local e iam para o topo da administração imperial.Com essa centralização do poder, as pessoas importantes localmente não ambicionavam mais a posição de curialis (conselheiros municipais). Agora elas queriam posições de destaque no centro do poder imperial. 

"Os conselheiros municipais tornaram-se, acima de tudo, responsáveis por aumentar e subscrever os impostos, uma função remunerada, mas arriscada. Lentamente, as estruturas formais de tais conselhos enfraqueceram, sobretudo no século V, e, já pelo século VI, a arrecadação de impostos passou a ser responsabilidade dos funcionários do governo central."
(página 65)

Ademais, os curialis, eles mesmos, já se sentiam incomodados com seus encargos fiscais, e que, os mais pobres entre eles, tentavam fugir da função, sendo impedidos pela ação do Estado, que os mantinha na posição. No fim, essa fuga ia acontecendo de qualquer forma, levando-os a abandonar as cidades. 
Com o passar do tempo, a governação das cidades tornou-se mais informal. não suportadas por instituições específicas. As pessoas importantes dessas cidades, como exemplo, senadores e bispos, tomavam para si a responsabilidade pela administração local, formando um grupo ad hoc de elite, "geralmente chamado de proteuontes (os dirigentes). Esses homens patrocinavam as igrejas citadinas, tomavam decisões sobre o reparo de edifícios, festivais e, se necessário, organizavam a defesa do local, sem a necessidade de um papel formal. As cidades tampouco perderam com isso; os séculos V e VI viram os mais grandiosos edifícios construídos em várias cidades  orientais. Depois de depararmos com essa estabilidade pós-curial no Oriente, torna-se mais fácil também encontrá-la no Ocidente. Sidônio Apolinário (viveu c. 430-485),...era de uma das famílias mais ricas de Clermont, na Gália, filho e neto de prefeitos do Pretório e genro do Imperador Epárcio Ávito (455-456). Ele não precisava ser um curiali e dedicou-se principalmente a uma carreira no governo central. Entretanto, acabou por se tornar Bispo de Clermont, prestando entusiástico apoio, em suas cartas, às lealdades locais, inclusive às que residiam na cidade; e seu cunhado, Ecdício, filho de Ávito, defendeu a cidade com um exército particular. Portanto, esse tipo de comprometimento com políticas urbanas não dependia da estrutura tradicional da cúria citadina. Essencialmente, isso continuou enquanto os valores romanos sobreviveram; essas coisas podiam variar, mas, em diversas partes do Império, se mantiveram por um longo tempo, mesmo depois que o próprio Império caiu. Os pressupostos da civilitas alcançaram isso por si mesmos."
(página 65/66)

Civilitas: Era o conjunto do mundo da cultura, encontrada somente nas cidades, com tudo que se relacionava a elas (os edifícios, os jogos)

ADMINISTRAÇÃO DO IMPÉRIO ROMANO:

Mesmo com poucos funcionários para cuidar de todo o Império, ele se manteve unido por vários séculos.

"Segundo os padrões modernos, de fato, o Império Romano era governado superficialmente, com cerca de 30 mil funcionários civis no governo central, que se concentravam nas capitais imperiais e provinciais."
(página 66)

Apesar dessa deficiência, o Império Romano se manteve íntegro, graças ao seu sistema fiscal conseguindo manter um:
-exército
-um Senado
-uma administração civil
-um sistema legal

Havia ainda valores e rituais que davam a sustentação ideológica a tudo isso, e no futuro viria a estrutura da Igreja (cristianismo), que ajudaria a manter o Império.
Ao Imperador, como autocrata que era, cabia administrar cada metade do Império.

"O Império, em certo sentido, era regido por amadores.Mas ao menos o grupo de amadores tinha valores compartilhados e, em muitos casos, também experiências familiares  particularmente no Ocidente, onde havia mais famílias senatoriais antigas e ricas, que eram frequentemente ativas na política nos séculos IV e V. Os seus subordinados eram verdadeiros funcionários de carreira, que se comprometiam com a administração pela vida toda. É essa rede de detentores de cargos que deu coerência ao governo"
(página 68)

Imperadores que podiam apenas viver suas vidas, cumprindo formalmente suas funções públicas. Políticos e burocratas que cumpriam suas funções em caráter intermitente. Mesmo imperadores que se mostrassem ativos poderiam ver suas ações obstadas pela burocracia incompetente e pela ausência de dados. Abaixo desses amadores, vindos de ricas famílias senatoriais, havia aqueles que efetivamente trabalhavam pelo Império (os funcionários de carreira).

Alguns imperadores do Império Romano Tardio dignos de nota:

- Constantino (306-337)
- Valentiniano I ( 364-375- no Ocidente)
- Juliano (360-363): Foi malsucedido em sua tentativa de reverter a cristianização de Constantino.
- Justiniano (Século VI) - 527-565 no Oriente.

"O estado romano não era particularmente esclarecido, nem tampouco estava condenado ao colapso por volta do ano 400. Sua violência (seja publica ou privada), sua corrupção e sua injustiça eram partes de uma estrutura muito estável, que perdurara por séculos, e que possuía algumas óbvias falhas internas. A metade ocidental do Império colapsou no século V, como resultado de uma má condução de eventos imprevistos; o Império, contudo, sobreviveu sem dificuldades no Oriente e provavelmente atingiu seu auge no início do século VI."
(página 62/63)

SENADO ROMANO:

Senadores "viam-se como a melhor parte da raça humano." (página 70)

"O nascimento era importante (Sidônio pôde desdenhar de um rival poderoso, Peônio, o prefeito do Pretório da Gália, porque ele era de origem municipal, ou seja, de uma família curial, não senatorial),.."
(página 70)

"O Senado tinha sua própria identidade, parcialmente separada da burocracia imperial; de fato, no Ocidente, a separação era até mesmo física, uma vez que o governo não estava mais em Roma. Teoricamente, o Senado era o órgão governante do Império, assim como havia sido na época da República Romana, quatro séculos antes, e, mesmo que, pouco tempo depois, o Senado tenha deixado de ser uma realidade, naquele momento ele ainda representava o ápice da aspiração para qualquer cidadão."
(página 69)

Um Senador tinha vários privilégios. Mas era caro entrar no Senado e depois se manter nele, tendo que pagar por cerimônias, jogos, etc. O Senado estava ligado ao governo, mas tinha suas próprias hierarquias e rituais. O Senado era quase uma aristocracia hereditária. A depender do poder de um Senador (illustris), seu filho já teria garantido um lugar ali.

"A existência dessa aristocracia hereditária, de fato, foi uma característica-chave do Império."
(página 70)

O Senado não tinha uma função governamental formal, mas ele controlava o tom do governo. A maioria era de civis. Sua preeminência não vinha de feitos militares, mas da riqueza pessoal, da cultura (compartilhada) e do nascimento.

"Precisava-se de riqueza para ir a qualquer lugar na administração civil, visto que os subornos para nomeações e a manutenção de uma rede custavam dinheiro."
(página 70)

"O Império Romano foi pouco usual na história antiga e medieval visto que sua classe dirigente  era composta por civis, e não (ou não apenas) por figuras militares."
(página 70)

O EXÉRCITO ROMANO:

O Exército romano era muito maior do que a administração civil. O exército sempre foi a maior despesa do Império Romano. Os exércitos eram normalmente mandados para as fronteiras dos Rios Reno e Danúbio, e na fronteira com a Pérsia. Um Imperador vivia mais perto dos militares do que dos administradores civis

MANUTENÇÃO DO IMPÉRIO ROMANO: ARRECADAÇÃO DE TRIBUTOS:

Para manter a máquina do Império Romano funcionando era necessário arrecadar tributos para sustentá-la. O principal desses tributos era um imposto que incidia sobre a propriedade da terra. Algumas fontes falam de 1/4 dos rendimentos da terra recolhidas na forma de impostos.

"Esse é um valor elevado para uma sociedade pré-capitalista  e agrária, com tecnologia relativamente simples."
(página 76)

Cobrar impostos sobre a terra não era uma atividade simples, pois demandava a existência de uma burocracia que iria verificar os registros de propriedade. Os registros deviam ser atualizados, mantê-los organizados para consultas, etc.

"demanda um considerável número de funcionários e intrusiva coleta de informações."
(página 76)

Quem mais sofria com a carga tributária eram os pobres, o campesinato. Por esse motivo, alguns camponeses, para dificultar o trabalha dos coletores de impostos, saiam de suas terras e iam para outros lugares.

"Eles reagiam fugindo das terras. E daí as leis para detê-los."
(página 77)

Para impedir isso, Roma, após o século IV, emitiu leis para reter o campesinato em seu lugar de origem, determinando que os camponeses não poderiam abandonar a terra ou se mudarem dela. Essa lei vinha para facilitar a cobrança dos impostos sobre o campesinato. E esse tipo de lei pegava outras categorias profissionais, para também melhorar a organização do aparato estatal de arrecadação de impostos. Esses outros trabalhadores também teriam que ficar em seu local de origem.

"Os curiales eram presos aos seus cargos, como já vimos, do mesmo modo que os soldados, os trabalhadores das fábricas estatais, os armadores, os padeiros, os açougueiros de Roma, que eram necessários para a annona da capital."
(página 76)

Essas leis serviam para estabilizar a estrutura fiscal do império.

"Some-se a isso a própria coleta de impostos - que poderia ser uma tensa e violenta ação certamente realizada por homens armados - e vemos que o impacto do sistema fiscal imperial era continuo, capital e potencialmente coercitivo para quase todas as pessoas do Império."
(página 77)



"A Tributação, dessa forma, sustentava a própria unidade imperial, pois era o mais evidente elemento de impacto do Estado sobre a população em geral, assim como o alicerce do exército, da administração, do sistema legal e do transporte de bens através do Mediterrâneo e por outros lugares - todos os elementos que mantinham integrado o vasto território. Se falhasse, o Império simplesmente quebraria."
(página 77)

E havia igualmente corrupção no sistema fiscal romana:

"Os ricos podiam comprar imunidade mediante corrupção; assessores e coletores, se dúvida, tornavam-se ricos através da corrupção. As vítimas eram quase sempre os pobres. Eles reagiam fugindo das terras (daí a lei para detê-los), ou procurando proteção (patronato) junto aos poderosos para não pagar impostos ao Estado."
(página 77)

POPULAÇÃO DO IMPÉRIO:

Maioria composta por campesinos. Podiam ter sua terra ou arrendavam uma área para nela trabalharem. Viviam dos alimentos que produziam; excedente, quando havia, ia para os senhores de terras (caso houvesse), para pagar o aluguel do arrendamento e como tributo para o Estado.

"Vários deles eram servi, não livres, sem direitos legais, particularmente em algumas partes do Ocidente, mas a escravidão nas plantações das antigas Itália e Grécia Imperiais tinha quase desaparecido ao final do Império, e campesinos livres e não livres viviam, agora, suas vidas de maneiras semelhantes (este livro, em consequência, não usa a palavra 'escravo' para camponeses não livres, pois o termo comporta mal-entendidos; essa palavra será usada somente para os servos domésticos não livres, que eram alimentados e mantidos por seus senhores, como haviam sido os escravos de plantações). No início da Idade Média, os camponeses constituíam 90% ou mais da população; a proporção deve ter sido menor ao final do Império, uma vez que mais pessoas viviam nas cidades - no Egito, excepcionalmente, até um terço do total da população -, mas poderia ter atingido 80%, uma proporção ainda muito alta."
(página 78)

ARRENDAMENTO DAS TERRAS:

Os camponeses que arrendavam terras eram em maior número. O 'coloni" era o arrendatário. Do lado de quem arrendava a terra, estavam os Proprietários de Terras: o Imperador; os Senadores; as elites Provinciais e Curiais. Havia portante milhares de arrendatários (coloni) que pagavam aluguel aos grandes proprietários pelo uso da terra.
Havia poucos casos nos quais os camponeses eram donos de suas próprias terras. Exemplo: Aldeia de Aphrodite, atual Kom Ishqaw, no Egito. Com efeito, havia mais camponeses proprietários no Oriente do que no Ocidente. No Ocidente, os proprietários de terra tinham grandes quantidades de terra, nada comparado com o que acontece hoje. A diferença entre ricos e pobres era maior no Ocidente do que no Oriente romanos. E quanto maior o distanciamento entre ricos e pobres, maior era a hostilidade reinante.

PRODUÇÃO ARTESANAL E COMÉRCIO:

Tecidos: Itália, Gália, Egito e Síria se destacavam nesse segmento, sendo os maiores exportadores. Escavações arqueológicas que encontram ânforas indicam a existência de comércio de vinho, azeite e molho de peixe. O azeite poderia ser oriundo de ilhas na Mar Egeu, da Síria, do sul da Itália ou Palestino.

"Navios zarpavam da África para a Itália a cada outono, levando grãos e azeites estatais para Roma como "annona"; indubitavelmente, eles também levavam bens comerciais, cerâmicas e, novamente, azeite, cujo custo de transporte era pago, assim, pelo Estado; tais produtos podiam ser vendidos do outro lado do Mediterrâneo a preços mais competitivos, quer seja em Roma ou em outros portos."
(página 83)

A DUPLA FACE DO IMPÉRIO ROMANO:

O mundo romano tardio tinha duas caras:

Uma cara Local
Uma cara Imperial

Muitas línguas eram faladas: latim, grego, Proto-Galês (na Britânia), Basco (partes da Hispânia), Berbere (África), Copta (Egito), Hebreu, árabe, aramaico/siríaco (Levante), Gaulês (Gália), Isaurio e armênio (Anatólia). E havia muito mais.
Mesmo com todas essas diferenças, Roma conseguiu impor um certo grau de homogeneização.

"As pessoas sentiam-se parte de um único mundo romano, uma consciência que se estendeu não apenas às elites citadinas, mas também às aldeias."
(página 84)

Esse sentimento de pertencimento a uma mesma comunidade era reforçado pela prática do Patronato.

OS OUTROS:

O mundo romano era cercado pelos outros.
Os romanos costumavam desprezá-los e não conseguiam ter a exata compreensão sobre eles. Mas mesmo assim havia alguma interação entre os romanos e os outros.
Quem eram esses outros que cercavam o Império Romano:

👉PERSAS: No leste, havia o Império Persa, governado pela dinastia Sassânida (220-640). Localizava-se na Eurásia Centro-Ocidental. A tensão com a Pérsia era constante. Em 363, o Imperador Juliano invadiu o que hoje é o atual Iraque e que em 363 d.C. pertencia ao Império Persa. A invasão romana foi obstada e repelida. Nos anos de 614-628, foi a vez do Império Persa passar para a ofensiva, conquistando o oriente romano, mesmo que temporariamente.

"...era quase tão grande quanto o Império Romano, estendendo-se a leste para a Ásia Central e para o atual Afeganistão."
(página 86).

A religião do Império Persa era o Zoroastrismo. Tinha ainda minorias cristãs e judaicas.

👉 BERBERES: Os outros 'barbari' (bárbaros) estavam no sul do Império Romano, na África. Eram tribos nômades e seminômades que falavam a língua berbere.

👉BRITÂNIA: Na Bretanha, os romanos se viam cercados pelos Pictos no Norte e pelos irlandeses no Oeste

👉GERMANI: Os romanos viam os povos que ficavam nas fronteiras dos rios Reno e Danúbio como um bloco único, denominando-os de Germani. Mas não eram um bloco único. Os povos que ficavam nas fronteiras dos rios Reno e Danúbio eram:

- Francos: baixo Reno (século IV)
- Alamanos: centro e baixo Reno (século IV)
- Godos: baixo Danúbio e noroeste das estepes do que hoje é a Ucrânia (século IV)
- Frísios: moderna Holanda
- Saxões: norte da Moderna Alemanha
- Vândalos ou Lombardos: leste
- Quados: viviam no que hoje são Eslováquia e Hungria. Prováveis descendentes: Suevos e Rúgios

"A transformação dos Quados é apenas um exemplo, dentre vários, de uma característica crucial de todas essas comunidades tribais: elas eram muito mutáveis."
(página 88)

nenhuma delas era constituída de grupos étnicos unidos, todas consistiam em tribos menores, cada uma com um líder específico
numa guerra, esses líderes podiam unir suas forças, criando uma confederação

"Isso encaixa na descrição dos alamanos das décadas de 350 a 370, segundo Amiano, cujos 7 reis (reges) se uniram para combater Juliano, em 357, sob o comando de Conodomário e seu sobrinho Serápio, os quais também eram apoiados por 10 líderes menores, 'regales', além de aristocratas de várias 'nationes'. Será que todas essas 'nationes' sequer pensavam em si como alamanos, ou será esse, assim como germânicos, apenas um termo romano para uma realidade muito mais incipiente?"
(página )

Esses 'outros' formavam sociedades de camponeses, vivendo da agricultura, exceto os nômades Berberes do Saara), vivendo em Vilas, com a elite geralmente vivendo ao lado dos agricultores. Eram sociedades assentadas e estáveis; normalmente não se deslocavam. O contato dessas tribos com os romanos pode ter levado ao enriquecimento de seus líderes. Achados arqueológicos encontraram líderes bárbaros enterrados ricamente, ao lado de manufaturas romanas. Os ricos entre os bárbaros estavam se tornando mais ricos.

"Os romanos comercializavam para além das fronteiras; também empregavam 'bárbaros' como soldados pagos, em todos os séculos."
(página 89)

FRONTEIRAS MAIS CRÍTICAS PARA OS ROMANOS:

As fronteiras mais criticas estavam no norte da Gália e nos Balcãs. Tornaram-se regiões militarizadas. Bárbaros, como anotamos, eram usados no exército romano. Bárbaros eventualmente também podiam ser assentados no lado romano. Do outro lado da fronteira, os bárbaros começaram a emular a hierarquia romana em seus territórios. Lentamente, as sociedades romana e 'bárbara' tornavam-se semelhantes.

"Esse tipo de observação tem sido utilizado por alguns historiadores recentes  como base para o argumentos de que nada realmente mudou quando os 'bárbaros' entraram no Império Romano nos século V, e substituíram a metade ocidental com seus próprios reinos. Havia muito tempo que os imperadores se originavam, em grande parte de famílias militares das fronteiras; os estados sucessores tinham reis de um tipo similar, apenas vinham de mais além da fronteira."
(página 90)

"Esse é um argumento melhor do que o tradicional, que apela para ondas de germanos migrantes que foram dominando os enfraquecidos (porque barbarizados) exército e estado romano, mas também vai longe demais."
(página 90)

HUNOS:

Povo nômade da Ásia Central. Ancestrais dos mongóis. Dizia-se que comiam carne crua, viviam no lombo de cavalos. Eram grandes guerreiros. Em seu avanço para o oeste, os hunos empurraram outras tribos para a fronteira romana. Os Tervíngios, uma tribo gótica, empurrados pelo avanço huno, tentou entrar no Império Romano, em 376. Outras tribos ficaram ao norte do Rio Danúbio, aceitando o domínio huno.

FRONTEIRAS ROMANAS FORÇADAS POR MIGRANTES:

Dois séculos antes dos Hunos, as fronteiras romanas já eram forçadas por migrantes. Essa situação podia resultar em:
- as tribos eram derrotadas e escravizadas
- absorvidas pelo Império
- repatriadas/conduzidas de volta

Havia casos de Tribos que realmente pediam asilo aos romanos. Num caso, os Godos foram aceitos nos Balcãs. Mas eles foram maltratados pelos romanos, de forma que se revoltaram e depois derrotaram um exército romano em Edirne (Adrianópolis, atual Turquia) em 378. Valente, Imperador Oriental (364/378), comandava o exército romano que foi derrotado. Na sequência, Godos e Romanos fizeram as pazes.

Os Godos
 "Por volta de 394, estavam lutando no exército romano do Oriente, contra um usurpador ocidental colocado por Arbogasto. Todavia, eles não se tornaram romanos, e permaneceram como um agrupamento étnico separado, o primeiro grupo dentro do Império Romano a fazê-lo."
(página 92)

INTERPENETRAÇÃO:

Os romanos não souberam usar essa interpenetração a seu favor. Em 405/406, mais bárbaros empurrados pelos Hunos forçavam as fronteiras do Império Romano. Alguns conseguiam entrar. Mas os romanos não souberam lidar com esses migrantes; não conseguiram cooptá-los para a sua causa. A entrada desses elementos não tinha "que ir, de forma alguma, contra as estruturas romanas de poder e, no Oriente, não ia." (página 92)

Mas erros políticos foram cometidos pelos romanos ao lidar com essas ondas migratórias. "a inaptidão estratégica diante de uma situação política em constante mudança, por fim, contribuiu para afundar a metade Ocidental do Império Romano." (página 92)


ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "O LEGADO DE ROMA, ILUMINANDO A IDADE DAS TREVAS, 400-1000, CHRIS WICKHAM, EDITORA UNICAMP, imprensa oficial Governo do Estado de São Paulo, capítulo 1, o Peso do Império.



quinta-feira, 2 de abril de 2020

Henrique VIII Morte de Jane Seymour Herdeiro Eduardo Ana de Cleves Queda de Thomas Cromwell A Traição de Catarina Howard Vitória Inglesa em Solway Moss O último casamento com Catarina Parr



CONSIDERAÇÕES SOBRE UM CASAMENTO REAL:

Buscar uma mulher para contrair núpcias com o rei importava várias considerações. Era preciso ver se a mulher agradava Henrique. Havia a questão diplomática e por fim a necessidade de se conseguir um filho legítimo e saudável, para dar prosseguimento à Dinastia Tudor. 

AS PRIMEIRAS ESPOSAS DE HENRIQUE VIII:

A Primeira esposa de Henrique foi Catarina de Aragão. 

"Na década de 1530, em ataque direto à Igreja Católica, anulara a união com a primeira mulher, Catarina de Aragão, argumentando com a incerta consumação do casamento dela com o seu irmão mais velho, Artur, antes de este morrer aos 15 anos, de tuberculose, em 2 de abril de 1502, menos de cinco meses depois de casarem"
(página 19)

Depois veio Ana Bolena, que foi decapitada em 19 de maio de 1536.
O esperado herdeiro, Eduardo,  veio finalmente em outubro de 1537, por meio da terceira esposa de Henrique, Jane Seymour. 

"Jane morreu passados doze dias, pouco antes da meia-noite, de febre puerperal e septicemia provocadas por uma infecção contraída durante os dois dias e três noite de trabalho de parto..."
(página 20)

Tão logo Jane morreu, começaram as negociações para um quarto casamento para Henrique VIII. Era necessário um novo casamento para que Henrique tivesse um herdeiro sobressalente, herdeiro estepe, caso Eduardo viesse a falecer, numa das inúmeras pestes e febres que atormentavam os londrinos. Havia também a necessidade diplomática. Num primeiro momento, cogitou-se numa esposa francesa, de forma a impedir a união entre as monarquias católicas espanhola e francesa, que poderia se voltar contra a Inglaterra. Buscou-se então uma francesa para Henrique. Vários nomes foram cogitados para depois serem descartados. Nesse meio tempo, o comportamento de Henrique causou um desconforto na corte francesa, pois aquele manifestou seu desejo de viajar para Calais, possessão britânica em território francês, para pessoalmente passar em revista uma seleção de várias francesas, da quais escolheria uma para ser sua rainha. Os franceses sentiram-se ofendidos com essa proposta de Henrique.

"Henrique tinha receio de escolhas que não fossem atraentes, do ponto de vista físico. Por conseguinte, pediu para ser ele próprio a inspecionar sete ou oito princesas francesas, numa marquesa montada na fronteira entre a França e a sua possessão inglesa em Calais, antes da opção final para noiva. Embora fossem devidamente acompanhadas pela rainha francesa, o rei, Francisco I, sentiu-se ultrajado com o pedido e mandou Castillon comunicar a Henrique, em agosto de 1538: 'Não é costume da França mandar donzelas de famílias nobres e principescas para serem vistas como se fossem cavalos para venda' "
(página 21)

"Outros métodos de seleção real mais aceites, que envolviam ponderados relatos diplomáticos sobre a conformidade e aparência, foram firmemente rejeitados por Londres, insistindo Henrique: 'Por Deus! Não confio em ninguém que não em mim. A coisa toca-me de mais. Desejo vê-las e conhecê-las antes de decidir.' "
(página 21)

Mas o esperneio de Henrique VIII de nada adiantou. Ele teria que acreditar no julgamento de terceiros, em pinturas (quadros pintados com a imagem da candidata) para encontrar a sua quarta esposa.
E a ocasião surgiu quando França e Espanha estabeleceram um tratado em 18 de junho de 1538, que obrigou a Inglaterra a arranjar uma esposa numa casa principesca protestante alemã, de forma a evitar o isolamento da Inglaterra na política europeia.

"A 18 de junho de 1583, a França e a Espanha acordaram um rapprochement diplomático, assinado em Nice tréguas para dez anos. Pressionado pelo Papa, Paulo III, planejaram uma ação coordenada contra a heresia religiosa, começando com um embargo comercial. Parecia agora provável a invasão da Inglaterra pelos poderes católicos..."
(página 24)

A escolhida então foi Ana de Cleves, "de 24 anos, vinda de um lugarejo ducal do Baixo Reno." (página 24)

Era uma das duas irmãs solteiras do Duque Guilherme. As negociações chegaram ao fim e o casamento entre Ana de Cleves e Henrique VIII foi acertado à distância. Henrique VIII teve que confiar num retrato pintado de Ana, em depoimentos de enviados. Seria um voo às cegas. 
Em 11 de dezembro, Ana de Cleves, vinda de Dusseldorf, chegou a Calais, onde aguardaria o melhor momento para atravessar o Canal da Mancha. 

O RECEIO DE DIZER A VERDADE AO TODO-PODEROSO HENRIQUE VIII. NÃO ERA BOM NEGÓCIO SER O PORTADOR DE MÁS NOTÍCIAS PARA UM SOBERANO ABSOLUTISTA.O DESCONTENTAMENTO PODERIA IR ALÉM DA NOTÍCIA EM SI E ABARCAR AQUELE QUE APENAS A TRANSMITIA:

O Conde de Southampton, então Lorde Almirante-mor, fora o designado para fazer a travessia do Canal da Mancha, levando Ana de Cleves para a Inglaterra. O Conde mandou uma carta a Henrique elogiando sua recém adquirida esposa alemã. O que mais ele poderia fazer? "Mas quem poderia culpar Southampton pela ânsia de agradar ao seu real senhor, 'o Nero inglês?' Habitualmente, o portador de más notícias para o todo-poderoso pagava um preço pouco invejável e ele não via motivo razoável para por à prova o instável temperamento de Henrique."
(página 25)

Ana de Cleves desembarcou na Inglaterra em 27 de dezembro de 1539. Henrique VIII estava ansioso para conhecê-la, decidindo então fazer uma visita surpresa para ela.

"O rei voltava a ser um jovem ardente e amante; deixava para trás o velho monarca que, chegado aos 48 anos, com as pernas gravemente ulcerosas e doloridas, há muito tivera o seu auge."
(página 26)

"O primeiro vislumbre de nova rainha deixou Henrique assombrado de espanto e desconcertado (...) Parecia mais velha para a idade, faltava-lhe sem dúvida a beleza anunciada e tinha o rosto pálido desfigurado por cicatrizes de varíola."
(página 27)

Ao voltar de sua visita surpresa a Ana de Cleves, Henrique VIII lamentava a sua falta de sorte, dizendo:

"Ai de mim! Em quem deve um homem confiar? Juro-te que nada vejo nela do que me mostraram e apoquenta-me que lhe tenham elogiado como fizeram. Pois que dela não gosto."
(página 27)

Desesperado, Henrique perguntava a seu Ministro Chefe, Thomas Cromwell, se não havia um jeito de se desvencilhar daquele casamento. Cromwell não encontrava saída jurídica para atender seu chefe. Não era uma boa situação para Cromwell. Se você trabalhava para um Monarca Absolutista e não conseguia fazer valer os desejos dele, você estaria em péssima situação. Henrique ainda iria descontar sua fúria nas pessoas que, na visão dele, o tinham orientado mal sobre as negociações que desembocaram no casamento com Ana de Cleves.
Mas não havia remédio para Henrique, que se viu obrigado a casar com Ana de Cleves, em 6 de abril de 1540. 

CASAMENTO NÃO CONSUMADO:

Henrique VIII não sentia nenhuma atração por Ana, de forma que não conseguiu consumar o ato. 
Sir Thomas Heneage, o camareiro da Latrina Real, comentaria depois:

"Por todas as vezes que Sua graça (o rei) com ela se deitou, reclamou sempre e disse claramente que não confiava que fosse donzela, pelos seios descaídos e outras características. Além disso, não conseguia ter apetite por ela para fazer o que um homem deve fazer com a sua mulher, pelos ares tão desagradáveis que nela sentia."
(página 29)

HENRIQUE VIII QUERIA ACHAR UMA FORMA DE SE LIVRA DE ANA DE CLEVES:

Nessas circunstâncias, Henrique VIII teria que se livrar de Ana. As pessoas que o cercavam teriam que achar uma solução. Henrique não aceitava nada que não fosse o atendimento de seus desejos.

"Wriothesley, muito lamentando que sua majestade se mostrasse tão incomodado, pressionou o amigo Cromwell - por amor de Deus - para congeminar um estratagema no sentido de livrar o rei da mulher não desejada, pois se ele continuar com sua dor e infortúnio, todos eles um dia haveriam de sofrer com isso. Cromwell, sem qualquer esperança, só conseguiu responder: 'Sim! Como?' "
(página 30)

O primeiro a cair em desgraça foi Thomas Cromwell que, do nada, de Ministro-Chefe de Henrique VIII, tornou-se 'traidor". Cromwell foi preso em 10 de junho de 1540.
Cromwell prestou muitos serviços valiosos a Henrique VIII. Foi arquiteto da Dissolução dos Mosteiros, esteve ao lado de Henrique quando esteve brigava com o Papa. Tinha sido até agraciado com a Ordem da Jarreteira, uma grande honraria, concedida a quem tinha prestado valiosos serviços ao Estado (rei). Mas bastou um fracasso ( não achar uma saída para anular o casamento de Henrique com Ana de Cleves), para torná-lo 'traidor'. A vida na Corte de Henrique VIII era incerta, era como andar sobre areia movediça.

"Cromwell, conspirador-mor e arquiteto da Dissolução dos Mosteiros, que tão frutuosa se revelou em termos financeiros, esperara tempo de mais para se conseguir salvar. Pagaria com a vida um dos poucos fracassos de entre todos os serviços zelosos que prestou ao rei."
(página 31)

Cromwell foi condenado sem julgamento, por Ato de Proscrição, em 29 de junho. Henrique aproveitou para confiscar o patrimônio de Cromwell. Dinheiro e móveis em valores superiores a 6 milhões de libras (em valores de 2004) foram levados para o cofre do rei. Havia ainda títulos de terras e outros rendimentos. Era uma herança inesperada para o rei. 

O CASAMENTO DE HENRIQUE VIII E ANA DE CLEVES SERIA ANULADO:

"O casamento iria ser anulado pelos seus dois Arcebispos, seis bispos e cento e trinta e nove acadêmicos ilustres, com o sútil argumento legal de que Henrique não o consumara (pois sabia que estava fora da lei), devido ao esquivo pré-contrato com Francis de Lorraine."
(página 31)

Ana de Cleves, quando era criança, teriam em nome dela estabelecido um pré-contrato de casamento com Francis Lorraine. Ana tinha 12 anos e Francis tinha 10 anos. Tal acordo seria abandonado e esquecido. Mas Henrique VIII achou uma forma de desenterrá-lo para justificar a anulação de seu casamento. Os advogados de Ana dizia que o contrato não tinha validade, pois Ana era menor quando o assinou. Mas isso não importava para Henrique que queria apenas achar qualquer argumento para acabar com o seu casamento.

COMPENSAÇÕES PARA ANA DE CLEVES E PARA SEU IRMÃO, O DUQUE DE CLEVES:

Ana ficaria na Inglaterra, usufruindo de uma gorda pensão e sendo tratada como boa irmã do rei e primeira dama de toda a Inglaterra. Ana anuiu aos termos do acordo, até porque não tinha alternativa, sabedora como ela era dos métodos de Henrique, já conhecido por ter mandado cortar a cabeça de Ana Bolena. 
Em 6 de julho o casamento tinha sido desfeito. Ana ainda escreveu uma carta (provavelmente ditada pelos funcionários de Henrique) a seu irmão, Guilherme, para que aceitasse o acordo e não viesse a criar problemas com a Inglaterra. 
Henrique VIII estava mais uma vez livre.

"E quanto a Henrique, tratava-se de fim mais limpo e mais conveniente de qualquer dos seus casamentos. E resolveu-se em seis dias apenas em vez dos seis desconfortáveis anos que levou a livrar-se de Catarina de Aragão."
(página 35)

 HENRIQUE VIII E CATARINA HOWARD:

Henrique agora que se casar com Catarina Howard, prima direta de Ana Bolena e sobrinha do reacionário Thomas, terceiro duque de Norfolk. Era filha de Lorde Edmund Howard, filho do segundo duque de Norfolk. A pessoa mais importante de sua família era seu tio Thomas Howard, "que sucedeu ao pai no título em 1524, era soldado, conde-marechal e Lorde tesoureiro-mor da Inglaterra, terceiro posto mais importante do reino. Era também um dos líderes da facção dos conservadores religiosos."
(página 37)

Conservadores religiosos: Thomas Howard, aliado de Gardiner, bispo de Winchester, sonhava com o retorno da Inglaterra à religião tradicional, com uma reconciliação com Roma. 

28 DE JULHO DE 1540: CROMWELL DECAPITADO E HENRIQUE VIII CASA-SE COM CATARINA HOWARD:

A alegria de Henrique VIII duraria pouco. Mais uma sobrinha de Thomas Howard iria decepcioná-lo. A primeira fora Ana Bolena. Agora seria Catarina Howard, cujas provas sobre sua promiscuidade se avolumavam de forma estonteante.

CATARINA HOWARD, A RAINHA PROMÍSCUA:

Para imensa infelicidade de Henrique, provas e mais provas eram colhidas e todas elas apontavam que a sua atual esposa, Catarina Howard, era uma promíscua, antes e provavelmente depois do casamento. Para piorar ainda mais a situação, a rainha tinha traído Henrique com um sujeito de nome Culpeper, que tinha começado a vida na corte como pajem, ascendido à posição de criado e, finalmente, promovido a fidalgo da Câmara Privada do rei, o que lhe dava acesso privilegiado à pessoa do Soberano.
Não eram apenas Catarina, Culpeper e Henrique que estavam arrasados com toda essa história (saude célebre). Thomas Norfolk, tio de Catarina, estava arrasado. Via todos seus planos políticos se desmancharem de uma hora para outra. Ana Bolena e agora Catarina o colocavam numa situação extremamente difícil. A sua casa (de Norfolk) poderia ser alvo da fúria de Henrique.
Thomas chegou a escrever uma carta a Henrique, dizendo-se escandalizado com a conduta de Catarina e dizendo-se totalmente fiel a ele. Thomas temia o futuro de sua casa, a de Norfolk. Temia que a fúria de Henrique se voltasse para ela.
Carta de Thomas a Henrique:

"Prostrado a vossos pés reais, imploro a vossa majestade com toda a humildade que assim eu possa, caso seja de vossa agrado, ser advertido (informado) claramente de como se inclina vossa alteza em relação a mim. Dando garantias a vossa alteza que a menos que saiba que vossa majestade continua a ser o meu bom e gracioso Senhor, como éreis antes de cometidas as ofensas, não voltarei a desejar viver neste mundo."
(página 49)

Thomas estava morrendo de medo, ansioso por saber como Henrique VIII o via depois de mais uma sobrinha dele (de Thomas: Ana Bolena e agora Catarina) ter aprontado contra o rei. Enquanto não soubesse, ficaria numa ansiedade sem fim. E ainda diz que prefere morrer a perder a graciosidade de seu Senhor. Esse era poder que um Monarca Absoluto exercia sobre seus súditos, mesmo aqueles que também tinham poder, como no caso de Norfolk.
Norfolk não demoraria a perceber que a sua influência na Corte de Henrique VIII tinha acabado. 

CATARINA INCONSEQUENTE:

Catarina era inconsequente. Mandava cartas de amor para Culpeper. Uma dessas cartas (billet doux) foi encontrado em uma revista realizada no quarto de Culpeper, em Westminster. Dizia uma parte da carta:

'Entrego-me a vós de todo coração, suplicando-vos que me mandeis novas sobre o vosso estado de saúde. Soube que estivestes doente e nunca desejei não tão ardentemente como ver-nos. Morre-me o coração só de pensar que não posso estar sempre na vossa companhia."
(página 47)

Catarina ainda assinava essa carta com esses dizeres:

"Vossa, enquanto durar a vida, Catarina."
(página 48)

Coitado de Henrique VIII tendo acesso a esse material probatório. Ele tinha sido traído. 

CATARINA HOWARD PERDE O TÍTULO DE RAINHA:

Em 22 de novembro de 1541, Catarina perdeu o título de rainha da Inglaterra. Em 10 de dezembro de 1541, Culpeper foi decapitado.
Em 11 de fevereiro de 1542, Catarina Howard foi condenada à morte por traição.

"...morreu, piedosamente, com um golpe de machado que separou a outrora frívola e tonta cabeça do seu corpo jovem."
(página 51)

"Era o fim do quinto casamento de Henrique e o corpo da mulher foi enterrado na Igreja de São Pedro de Vincula, no interior da Torre de Londres, ao lado de Ana Bolena, a segunda mulher de Henrique, executada quase cinco anos antes."
(página 51)

HENRIQUE VIII, 51 ANOS, GORDO E DE SAÚDE DÉBIL. UMA PERNA ULCEROSA:

Depois do caso Catarina Howard, o Parlamento inglês estabeleceu legislação dizendo que seria ofensa de traição uma mulher casar com o rei escondendo um "eventual passado menos casto." (página 51)
Chapuys, embaixador espanhol na corte de Henrique VIII, conhecedor da flexibilidade moral sexual naquela corte, ao saber da recente lei aprovada pelo Parlamento inglês, comentou:

"Hoje, são poucas, se algumas, as damas da corte que aspiram a honra de se tornar uma das mulheres do rei ou desejar que para tal sejam escolhidas." 
(página 51)

Depois da traição de Catarina, Henrique, aos 51 anos, com uma saúde débil, com uma perna ulcerosa, afogou suas mágoas na comida. Engordou ainda mais. Mas uma notícia iria animar Henrique: a vitória inglesa sobre os escoceses, em Solway Moss, em novembro de 1542. Dias depois, o rei escocês, James V, morreu, deixando uma filha, Maria.
Rememorando: 1542/1543: Henrique VIII tinha duas filhas e um filho. As filhas eram Maria, de seu casamento com Catarina de Aragão, e Isabel, de seu casamento com Ana Bolena. E tinha um filho, Eduardo, com Jane Seymour. Eduardo tinha quase 5 anos, Maria era a mais velha, com 26 anos e Isabel tinha 8 anos e meio. 

HENRIQUE VIII SAI DA TRISTEZA E VAI ATRÁS DE SUA 6º E ÚLTIMA ESPOSA:

Em 1543, Henrique deixa a tristeza de lado e volta a festejar. Sua filha mais velha, Maria, tornou-se anfitriã nos Palácios do pai.

CATARINA PARR:

Catarina Parr seria a sexta e última mulher de Henrique VIII. Era filha de um poderoso magnata do Norte, Sir Thomas Parr, de Kendal, no Cumberland. Tinha sido casada duas vezes, enviuvando duas vezes. Não teve filhos com seus maridos. Seu último marido morreu em dezembro de 1542.
Em fevereiro de 1543, Henrique começou a cortejá-la.

"O que o rei desejava, o rei conseguia."
(página 56)

"Embora grotescamente obeso e a sofrer com as feridas dolorosas e pestilentas das pernas, o vaidoso Henrique ainda acreditava que sabia dar a volta a uma mulher."
(página 57)

Henrique ainda usou de compadrio para trazer a família de Catarina Parr para o seu lado. O irmão dela, William barão Parr de Kendal, foi feito membro do Conselho Privado, e recebeu ainda a honraria como Cavaleiro da Ordem da Jarreteira e ainda "nomeado como guarda dos marches escoceses, territórios fronteiriços onde brilhava aquando das últimas campanhas militares contra o irascível vizinho da Inglaterra."
(página 57)

JULHO DE 1543. O DERRADEIRO CASAMENTO DE HENRIQUE VIII:

Henrique VIII casa-se com Catarina Parr.


ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "OS ÚLTIMOS DIAS DE HENRIQUE VIII, CONSPIRAÇÕES, TRAIÇÕES E HERESIAS NA CORTE DO REI TIRANO, ROBERT HUTCHINSON, EDITORA CASA DAS LETRAS, capítulo 1, Uma Honra Perigosa, páginas 19/62.


domingo, 29 de março de 2020

1917 O Ano que Mudou o Mundo Janeiro e Fevereiro Guerra Submarina Revolução Mexicana À terceira vez é de vez Soldados condenados à Morte quando desertavam pela terceira vez


JANEIRO DE 1917:

▶Áustria passou rapidamente do delírio de guerra para o desejo de paz

▶Houve uma tentativa de encerrar o conflito. Negociações de Paz entabuladas em Neuchatel (Suíça). Em junho, são abandonadas.

▶Guerra Submarina. Em 31 de janeiro de 1917, Bethmann Hollweg, chefe de governo alemão, anuncia a guerra submarina. U-BOOTS. O "u" era de Unterwasser. Barcos submarinos. Em setembro de 1914, um desses afunda o navio britânico Pathfinder.
Em 7 de maio de 1915, barco submarino alemão afunda o navio Lusitânia. 129 americanos mortos. Os alemães perdiam a guerra da propaganda.
O exército alemão dominou a política. Hindenburg era visto como um Deus. Ludendorf era o Profeta. A Imprensa alemã era anexionista, vendo na guerra uma possibilidade da Alemanha aumentar o seu território. Havia uma soma: Direita Nacionalista + Exército + Interesses Econômicos = Defesa da Guerra.

▶1917 foi o ano do cansaço e da revolta. A guerra tinha começado em 1914. Caminhava-se para 3 anos de carnificina, sem que se visse uma saída. O entusiasmo dos voluntários desaparece.

▶Rompe-se a interdição moral de se fazer greve em tempo de guerra. Havia greves em Paris, na Itália

FEVEREIRO DE 1917:

"...alguns, culpados ou não, sejam condenados à morte" 
(página 47)
O ano de 1917 foi um ano de cansaço. Para manter a disciplina no Exército, era preciso agir com severidade, condenando-se à morte, fossem os soldados inocentes ou culpados. Assim ficariam com medo e passariam a obedecer cegamente as ordens que vinha de seus superiores.
Ao agravamento das condições do conflito no front corresponde, porém, não uma tentativa para melhorar a vida dos soldados, mas um agravamento da situação jurídica-política dos combatentes.
"à terceira vez é de vez." - mote 
(página 48)
Traduzindo o mote: Condenar à morte aqueles que desertam pela terceira vez (third strike - termo do Beisebol)
"Na realidade, a lei sobre a recidiva chamada third strike , aprovada em referendo popular, vem de uma regra do Beisebol, third strike and you are out (ao terceiro strike estás fora)."
(página 48)
O Governo Italiano, em 4 de fevereiro, criou um decreto que alargava a possibilidade de condenar à morte os soldados que desertavam pela terceira vez. À terceira vez é de vez.

▶A guerra, mãe de dor, geradora de miséria, sofrimento e luto, também produz riqueza. Havia os Tubarões da Guerra, os capitalistas que tinham aumentado seus lucros graças à Guerra.

▶Gramsci via na Grande Guerra, que depois seria denominada de 1º Guerra Mundial, uma oportunidade para "sacudir como um golpe de vento os indiferentes."
(página 51)

▶Lênin dizia que o Imperialismo era a fase superior do Capitalismo
Soviete: Forma organizadora do Estado Proletário.
Parlamento: Forma organizadora do Estado Burguês

▶Constituição Mexicana de 1917: Foi a primeira do mundo a reconhecer as garantias sociais e os direitos dos trabalhadores. 
"No sul do continente americano, encontramos o México mergulhado numa revolução que dura desde 1910, com vicissitudes alternadas e protagonistas em conflito: um processo, em suma, conturbado e moroso, que deve ter em conta também a intervenção externa por parte dos EUA, convencidos, já então, de poderem e deverem intervir - pela moral suasion, com pressões econômicas e com recursos às armas - no quintal de casas latino-americanas. A revolução mexicana, na década de 1910-1920, custará, feitas as contas, mais de um milhão de mortos. Entre 1917 e 1920, desenrola-se a sua quarta e derradeira fase, caracterizado por um programa robustamente reformador, que nas décadas seguintes será aplicado e pouco a pouco abandonado ou corrompido. Este programa tem início em fevereiro de 1917, com a aprovação de uma Constituição de enorme relevância....a primeira do mundo a reconhecer as garantias sociais e os direitos dos trabalhadores, incluindo os direitos sindicais ( a começar pela liberdade de greve),.."
(página 55)


ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "1917, O ANO QUE MUDOU O MUNDO", ANGELO D' ORSI, EDITORA BERTRAND EDITORA, páginas 37/59

Franconia Oriental Embrião da Alemanha atual Conrado I Henrique da Saxônia Luidolfings Otão I Igreja Imperial Nomeação régia de Bispos e abades Otão II Otão III Henrique II



FRANCONIA ORIENTAL:

Com o Tratado de Verdun, o Império Carolíngio foi dividido em três pedaços. Um desses pedaços é o que interessa para a História alemã: a Franconia Oriental, embrião da futura Alemanha, como a conhecemos hoje.
Após Verdun, a Franconia Oriental era governada por Luís, com cognome não histórico de 'o Germânico". Luís era um dos filhos de Luís, o Piedoso, último imperador Carolíngio. 
- Luís: ✝876
- Arnulfo da Caríntia: ✝899
- Luís, a Criança: ✝911 - Último representante da dinastia carolíngia

"...é necessário ter em conta o seguinte: as regiões setentrionais do reino central - a Lorena e a Alsácia - não se juntaram à Alemanha em 870 e 880 e tão-pouco foram conquistadas pela Alemanha. Tratava-se de divisões dinásticas dentro de um Império, divisões essas que prepararam, no entanto, um estabelecimento de fronteiras entre a França e a Alemanha que viria a revelar-se muito importante do ponto de vista histórico."
(página 37)

FIM DA DINASTIA CAROLÍNGIA NA FRANCONIA ORIENTAL COM A MORTE DE LUÍS, A CRIANÇA ✝911 (SÉCULO X). O NOVO REI FOI ELEITO, O QUE TORNAVA A ALEMANHA MEDIEVAL UMA MONARQUIA ELETIVA:

Em lugar de se associar à Franconia Ocidental, governada por Carlos, o Simples - como fizeram os Lorenos - a nobreza tribal dos francos, suábios, bávaros e saxões elegeu como novo rei Conrado I (911-918). Reparem que Conrado I foi eleito. Era uma Monarquia eletiva e não hereditária. O império alemão medieval era eletivo e não hereditário. Conrado pertencia à Casa Franca dos Conradinos. Mesmo chegando ao poder por meio de uma eleição, Conrado I passou seu governo tendo problemas com as autoridades tribais (jovens ducados da Baviera, Saxônia, Franconia, Suábia). Essas tribos eram ciosas de seu poder e não abririam a mão dele. Conrado procurava apoio na Igreja, para contrabalançar esse poder dos ducados. Conrado também fracassou na tentativa de reconquista a Lorena e na defesa contra os húngaros.

"Apesar disso, os primórdios dos temas centrais da história posterior do Império já podem ser reconhecidos nesta fase: os conflitos entre o poder central e a reivindicação de poder por parte dos eleitores do rei, assim como a aliança entre o rei e a igreja."
(página 39)

FRANCONIA ORIENTAL GOVERNADA PELA PRIMEIRA VEZ POR ALGUÉM QUE NÃO ERA ORIUNDO DA TRIBO DOS FRANCOS:

O sucessor de Conrado I foi Henrique, o duque da Saxônia, Casa dos Luidolfings (919-936). Alguns veem a ascensão de um Duque da Saxônia ao trono da Franconia Oriental como a última fase, de três no total, que resultou no aparecimento de um Reino Alemão. A construção do Reino Alemão teria se dado então por meio de três fases:
1-Separação da Franconia Oriental (Tratado de Verdun)
2-Fim dos Carolíngios com a morte de Luís, a Criança, em 911
3-Henrique, duque da Saxônia, primeiro rei não pertencente à tribo dos Francos
Todavia, nem todos concordam com a ideia de que o Reino Alemão teria nascido após percorrer as três fases acima elencadas. Objeções foram levantadas. Vejam:

"Estas objeções prendem-se com o significado da palavra <> (= língua do povo), a falta de uma consciência nacional alemã e as fortes linhas de continuidade com o período franco, carolíngio. E se alguém argumentar sobretudo com a preservação da designação <>, podemos perguntar o seguinte: que outro título teria sido possível, tendo em conta a mentalidade de legitimação medieval, num território que fizeram parte, até à data, do Império Carolíngio dos Francos? (...) Portanto, podemos continuar a considerar que o governo da Casa da Saxônia constitui o início da história alemã - com as devidas limitações e tomando-o como referência cronológica."
(página 39)

Em seu governo, Henrique buscou regularizar a situação com a Franconia Ocidental, além de defender as fronteiras norte e leste. Procurou ter uma boa convivência com os poderes tribais (Baviera, Suábia, etc). O território da Lorena continuava a ser um objeto de disputa entre a Franconia Oriental e a Franconia Ocidental. Em 921, Henrique desistiu da Lorena para conseguir o reconhecimento de Carlos III. Quatro anos mais tarde, todavia, conseguiu reunir outra vez a Lorena ao seu reino. 

"Este acontecimento teve consequências: a fronteira entre a Franconia Ocidental e o reino central estabelecida no Tratado de Verdun (843) passou a constituir a fronteira duradoura (ou, melhor: o espaço fronteiriço) entre a Alemanha e a França, a partir de 925."
(página 39/40)

Sucessos militares de Henrique contra dinamarqueses, húngaros e eslavos deram a ele supremacia na Europa Central e a oportunidade de indicar seu filho, Otão, como seu sucessor. 

OTÃO I, FILHO DE HENRIQUE, DUQUE DA SAXÔNIA/REI DA ALEMANHA. CASA DE LUIDOLFING: 

Otão I reinou de 936 a 973). Era filho de Henrique I. Otão queria exercer um poder Soberano sobre a Igreja, como por exemplo, nomeando os bispos em seu reino.
Após abafar uma revolta (938/939), Otão I ficou com o ducado da Franconia, "criando, assim, a tradição da proximidade com o rei das regiões à volta do rio Meno e do Reno Médio - P. Moraw."
(página 41)

Otão I incluiu a Igreja Imperial ao seu sistema de governação. Essa ação de Otão I redundaria numa crise entre o Imperador e a Igreja Católica, no último terço do século XI.
Otão I assim teve que agir porque políticas de acordo e políticas apoiadas em relações familiares tinham fracassado, de forma que era preciso recorrer ao poder da igreja:

"baseando-se, mais uma vez, nas tradições carolíngias - recorresse cada vez mais ao apoio da Igreja (bispos e abades de nomeação régia). Bruno, irmão de Otão I, arcebispo de Colônia e, simultaneamente, duque de Lorena, constitui um exemplo acabado dessa evolução. O reino otoniano começou a dispor de instrumentos de poder sem concorrência, graças ao sistema da igreja imperial, embora o potencial de perigo tenha acabado por prevalecer, a longo prazo."
(página 40)

BATALHA DE LECHFELD (955):

Otão I derrotou os húngaros na batalha de Lechfeld, no ano de 955. 

"A vitória sobre os húngaros em Lechfeld em 955 não constitui, por si só, um marco histórico, mas representa um claro sinal da mudança radical da situação política da Europa. A diminuição da ameaça externa em todas as fronteiras favoreceu o crescimento demográfico e econômico, permitindo à cristandade ocidental passar da defensiva à ofensiva."
(página 42)

Obviamente que a vitória de Otão I sobre os húngaros aumentou o seu prestígio. Com esse prestígio em alta, Otão I buscou retomar a política carolíngia em relação à Itália. 

"Otão conseguiu renovar o Império Ocidental, em Roma, no mês de fevereiro de 962, graças a uma estreita cooperação com o Papa - consagrada no Pactum Ottonianum."
(página 42)

Essa ação de Otão I em Roma iria moldar a história alemã até bem recentemente, pois a "adoção da ideia carolíngia do grande império significava a reivindicação do domínio potencial sobre toda a cristandade." (página 42)

"Este objetivo já era criticado pelos vizinhos da Alemanha na Alta Idade Média (século XII), levando  a que na Alemanha , ao contrário da Inglaterra e da França, não tenha podido surgir um reino central, um <> fechado. Isso deu origem a que muitos alemães do século XIX partilhassem a convicção de terem chegado demasiado tarde e de serem prejudicados."
(página 42)

MORTE DE OTÃO I EM 973:

Criação da Arquidiocese de Magdeburgo em 967. Rumo ao leste.
Ano de 972, casamento de Otão II com Teofânia, filha do Imperador Bizantino, em Roma.

REINADO DE OTÃO II (973-983):

Otão II sofreu uma pesada derrota para os árabes, no sul da Itália. Em 983, uma revolta eslava causou grandes danos nas obras missionárias entre os rios Elba e Oder.

REINADO DE OTÃO III (983-1002) E "RENOVATIO IMPERII ROMANORUM"

Otão III só assumiu o poder quando atingiu a maioridade, em 994. Antes disso, o reino ficou sob o comando de sua mãe, Teofânia e à sua avó, Adelaide. Já no governo, Otão III, desenvolveu a sua governação e a sua ideia de Império com a ajuda de Gerberto Aurillac, Arcebispo de Reims,  queria a renovação do antigo Império Romano com a capital em Roma e que o Imperador fosse o titular do poder terreno e espiritual.

" A criação de organizações eclesiásticas com ligação direta a Roma - já não à igreja imperial alemã! - na Polônia (ano 1000) e na Hungria (ano 1001), a construção de um Palácio imperial em Roma, a introdução do cerimonial imperial romano-bizantino provam até que ponto Otão III levava a sério os seus planos. Acabou por fracassar, sobretudo devido à resistência da população da cidade de Roma (levantamento em 1001)"
(página 43)

HENRIQUE II (1002-1004). ÚLTIMO IMPERADOR DA DINASTIA SAXÔNICA:

Henrique II chegou ao poder não como um sucessor designado (por linhagem) e aceito por todos, mas por meio de uma eleição, da qual participaram eleitores seculares e dignatários eclesiásticos. Isso era inédito, dignatários eclesiásticos e eleitores seculares elegendo um governante alemão.

"Portanto, o direito sucessório não se conseguiu impor no império, apesar de as sucessões anteriores entre pais e filhos terem ocorrido sem qualquer problema."
(página 43)

RENOVATIO IMPERII ROMANORUM VERSUS RENOVATIO REGNI FRANCORUM:

Henrique II preferia a Renovatio Regni Francorum. Apesar disso, na governação de Henrique II houve intervenções na Itália e na fronteira oriental, contra o duque polaco Boleslau, o Valente, confirmando a aposta na ideia de um grande império e de um imperador.
Henrique II apoiou a Igreja Imperial, criando dioceses, como em Bamberg. Mas se ele ajudava a Igreja Imperial, simultaneamente exigia ser ajudado por ela.


ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "HISTÓRIA ALEMÃ, DO SÉCULO VI AOS NOSSOS DIAS", VÁRIOS AUTORES, EDITORA EDIÇÕES 70, página 37/43, Ulf Dirlmeier.




História da Alemanha. Alta Idade Média. Antecedentes. Império Carolíngio. Tratado de Verdun. Franconia Oriental


ALTA IDADE MÉDIA SÉCULOS X A XIII:

Características da Época:

⁕maior poder da Igreja com a participação de Bispos católicos na governação dos Estados
⁕invasões normandas e islâmicas. O poder o Sacro Império Romano Germânico enfraquecia-se à medida que não conseguia defender seus súditos, dando marge para o crescimento de Poderes Regionais.
⁕O território do império franco-germânico a emergir a norte dos Alpes, era, em termos gerais, menos densamente povoado e menos desenvolvido do que a metade ocidental do império carolíngio - a futura França. Porém, esta região também registrou uma retomada do crescimento, em meados do século X, que se intensificou no final do século, fazendo a passagem para a fase de expansão da Alta Idade Média, cujo termo se situa - não sem polêmica - em finais do século XIII ou na primeira metade do século XIV. 
 ⁕o crescimento demográfico deu um salto no território franco-germânico a emergir a norte dos Alpes, no século XII. Isso permitiu um avanço para povoamento do leste e um renascimento das cidades, com ainda um aumento da área cultivada, que todavia não impediu crises de abastecimento e surtos de fome. "A produção dos cereais acabaria por ficar aquém do crescimento demográfico, muito provavelmente por causa do problema da adubação, por resolver." (página 31)
"A evolução na Alta Idade Média permitiu uma melhoria da situação jurídica e material de parte da população agrícola. À perspectiva de uma maior liberdade pessoal associou-se a participação no arroteamento das terras e no movimento de povoamento do Leste ou a migração para a ciade, sendo que a dissolução generalizada dos sistemas senhoriais permitiu a transformação das obrigações de trabalho braçal ( até mais de três dias de trabalho forçado por semana) em pagamentos fixos em dinheiro, os quais, no entanto, perderiam o seu peso, devido à desvalorização contínua da moeda de prata."
(página 30)
⁕Mais pessoas vivendo em cidades reorientava a produção agrícola para o comércio. A procura por carnes levou ao incremento na criação de Gado, que ia de lugares como o Mar do Norte até aos Alpes. O comércio de vinho era conduzido pela Alsácia e pelo Rheingau. O setor têxtil era atendido pelo cultivo de linho, por exemplo, na Alta Suábia.
⁕Houve um incremento na fundação de cidades. "No final da Idade Media, o Império contava com cerca de 4.000 cidades, a maioria das quais fundadas antes de 1350. Colônia, com cerca de 35 mila 40 mil habitantes no início do século XIV, era a cidade mais importante, mas a grande maioria das cidades tinha menos de 2.000 habitantes."
(página 32)
⁕Cidades no norte da Itália e a norte dos Alpes: "A partir de finais do século XI, desenvolveu-se um direito urbano específico. As cidades episcopais e reais, conseguiram, de fato, uma independência significativa dos senhores das cidades, sob liderança da elite (patriciado, na maioria das vezes constituído pela nobreza urbana e por comerciantes). Os conflitos associados a este processo, por vezes bastante acesos, terminaram no século XIII. As desigualdades jurídicas entre livres e não livres (ministerialis, censuales, servos) dentro do burgo também foram eliminadas, enquanto se acentuavam, simultaneamente, as diferenciações sociais. A riqueza constituía a característica decisiva do estatuto social, determinando, simultaneamente, a participação diferenciada dos habitantes das cidades na decisões políticas. A orientação para o sucesso econômico facilitava, até certo ponto, a mobilidade social, mas a participação daqueles que ascenderam na governação da cidade não foi conseguida sem conflitos internos; as lutas constitucionais multiplicaram-se a partir do início do século XIV. Em muitos casos, levaram parte dos habitantes das cidades, organizados em corporações, a conseguir aceder ao conselho."
(página 32)
⁕Havia cidades cujos habitantes viviam basicamente da agricultura. Ao lado delas, havia cidades que eram centros econômicos que irradiavam efeitos regionalmente, como, por exemplo, Lubeck, Colônia, Nuremberg (Nuremberga), Augsburgo, que eram dominados pelo negócio e pelos ofícios especializados. Os setores têxtil e metalúrgico estavam em ascensão. 
⁕Revolução Comercial entre o século XI e XIII: caracterizado pelo aumento da procura por produtos manufaturados. Na esteira disso, organizações comerciais nasceram. 
"A sociedade, ainda relativamente aberta, da Alta Idade Média, oferecia outras possibilidades de ascensão para o mundo da nobreza fora das cidades que não o comércio e a aquisição de riqueza. A prestação de vassalagem a reis e príncipes sobretudo aos ministerialis  (anteriormente servos) ascender à baixa nobreza."
(página 33)
"A intolerância em relação a minorias com motivos mutas vezes apenas aparentemente religiosos e com uma virulência desconhecida até então, constitui um dos aspectos mais tristes da sociedade na Alta Idade Média. Esta intolerância atingiu não só os hereges, mas sobretudo também os judeus, cuja situação legal e material começou a degradar-se cada vez mais após os pogroms associados às cruzadas, em finais do século XI, numa alternância permanente entre perseguição e tolerância por motivos fiscais. Porém, os grandes mutuantes judeus, ao serviço dos senhores locais - por exemplo, do arcebispo de Tréveris - ou em cidades como Estrasburgo, Augsburgo e Nuremberg, conseguiram afirmar-se até à primeira metade do século XIV."
(página 34)

SUCESSOR DE CARLOS MAGNO E PROBLEMAS DO SACRO IMPÉRIO ROMANO GERMÂNICO:

Luís Piedoso sucedeu Carlos Magno no trono do Império Sacro Romano Germânico. Era o direito de sucedê-lo no poder em razão do direito de sangue. Ao lado desse direito de herdar o poder por direito de sangue, havia a necessidade de manter a Unidade do Império. Essa unidade iria deixar de existir justamente por causa desse direito de sangue.
O Império Sacro Romano Germânico tinha outros problemas, além dessa dicotomia entre Direito de Sangue e a manutenção da Unidade do Império. Um deles dizia respeito aos vínculos feudais que não eram suficientes para colmatar a ausência de um Poder Central organizado. 

IGREJA CATÓLICA E OS FRANCOS:

Pepino, o Breve: (anos 741/768 d.C.): Era filho de Carlos Martel. Era o Rei dos Francos. Em 751 foi ungido pela Igreja Católica. 
Carlos Magno: Feito Imperado do Sacro Império Romano Germânico pelo Papa no ano 800. Carlos Magno agora seria o líder da Cristandade Ocidental. A conduta do Papa, de alçar Carlos Magno a protetor da Cristandade Ocidental,  provocou tensões com o Império Bizantino.

LUTA FRATICIDA PELA DIVISÃO DO SACRO IMPÉRIO ROMANO GERMÂNICO ENTRE TRÊS IRMÃOS: LOTÁRIO I, LUÍS, O GERMÂNICO E CARLOS, O CALVO:

Ano de 843: Tratado de Verdum: Divisão do Sacro Império Romano Germânico. O Direito de Sangue, segundo o qual todos os herdeiros tinham o direito de participar no poder, acabou por vencer a Preservação da Unidade do Império. O Império Sacro Romano Germânico acabou dividido, atendendo-se assim ao Direito de Sangue e jogando-se no lixo a unidade do Império. Interesses particulares dos herdeiros, que queriam seu quinhão de poder, acabaram por prevalecer sobre a manutenção da unidade do Império.
Em 843, é estabelecido o TRATADO DE VERDUN, entre os filhos de Luís, o Piedoso. O Império de Carlos Magno seria dividido em três pedaços. Em 870, é estabelecido o Tratado de Meersen, sobre a divisão da Lotaríngia, entre Carlos, o Calvo, e Luís, o Germânico.

DISTINÇÃO ENTRE GERMÂNICO, FRANCO E ALEMÃO. IMPOSSIBILIDADE DE SE FIXAR UMA DATA PARA O INÍCIO DA HISTÓRIA ALEMÃ:

"É óbvio que o Império Carolíngio constituía algo fundamentalmente diferente do império dos alemães, mas também é claro que tanto a Alemanha como a França têm origem neste Império da Idade Média Arcaica. No entanto, ainda não se conseguiu - e tal como as coisas estão, nunca se conseguira - definir uma data fixa para assinalar o início da história alemã. As tentativas vão desde a datação precoce, proposta pela investigação mais antiga (Tratado de Verdun, em 843), até à datação atual, que situa a criação do Império Alemão numa fase mais tardia, nomeadamente no século XI, senão mesmo no século XII (C. Bruhl). Só existe um consenso generalizado no que diz respeito à impossibilidade de existência, sequer, de uma data pontual de início, uma vez que a transição da parte carolíngia para o império medieval dos alemães constituiu um processo prolongado."
(página 36)

TRATADO DE VERDUN - 843. NESSA ÉPOCA, NÃO HAVIA MOTIVOS DE ORDEM NACIONAL. TRATAVA-SE APENAS UMA NECESSIDADE DE REPARTIR O IMPÉRIO CAROLÍNGIO EM TRÊS PEDAÇOS, COM CADA UM DELES SENDO ATRIBUÍDO A UM DOS FILHOS DE LUÍS, O PIEDOSO.

Colocou fim ao Império Carolíngio dos Francos.
Desse fim nasceram reinos autônomos. Percorrendo num eixo norte-sul, havia três reinos:
✅um ocidental, predominantemente romano, que viria a constituir a França atual (Franconia Ocidental - cidades: Paris).
✅um reino oriental, predominantemente germânico (Franconia Oriental - cidades: Regensburgo, Speyer, Mainz, Worms). Esse reino era o embrião da Alemanha atual.
✅um reino central, de caráter misto (Lotaríngia - cidades: Aachen/Aix La Chapelle; Verdun, Roma) Lotaríngia percorria, como os outros reinos, num eixo norte-sul, do Mar do Norte até a Itália, pegando partes das atuais Alemanha, França e Holanda/Países Baixos). Deveria ser a parte mais importante, pois nela encontrava-se Aachen, a capital do Império de Carlos Magno.

"É, contudo, necessário sublinhar que não existiam quaisquer motivos 'nacionais' decisivos neste processo: pretendia-se tão-só que os três irmãos com direito de sucessão - Carlos, Lotário e Luís (com o cognome não histórico, de 'o Germânico') - recebessem partes iguais e, o mais velho, Lotário, ficasse com as duas residências imperiais de Aachen e Roma."
(página 36)

O Reino Central, atribuído ao filho mais velho, Lotário (Lotaríngia), revelou-se o mais instável dos três. Veja abaixo como a Lotaríngia começou a ser despedaçada.

"Os outros tratados de divisão, Meersen, em 870, e Ribemont, em 880, permitiram que a parte setentrional do reino - a Alsácia e a Lorena - se juntasse à Franconia Oriental. A parte meridional deu origem ao primeiro dos regna independentes após o fim do domínio carolíngio sobre todo o império (Carlos III morreu em 888): a Alta Borgonha e a Itália."
(página 37)

ANOTAÇÕES EXTRAÍDA DO LIVRO "HISTÓRIA ALEMÃ, DO SÉCULO VI AOS NOSSOS DIAS", VÁRIOS AUTORES, EDITORA EDIÇÕES 70, páginas 29/37, Alta Idade Média, Enquadramento Geral, século X a XIII, Ulf Dirlmeier)

sábado, 28 de março de 2020

Fim do Reinado de Henrique VIII Funeral Ascensão de Eduardo Corte Movediça Chance para a Igreja Católica retomar a Inglaterra



MORTE DE HENRIQUE VIII AOS 55 ANOS DE IDADE:

Henrique VIII (dinastia Tudor), filho de Henrique VII e de Isabel de York, morreu em 28 de janeiro de 1547.

"Henrique VIII - 'pela graça de Deus, Rei de Inglaterra de da França e Lorde da Irlanda, Defensor da Fé e da Igreja de Inglaterra...Supremo Chefe na terra' - deixou finalmente a sua vida longa e turbulenta, sozinho e sem amigos, por volta das duas horas da manhã de sexta-feira, 28 de janeiro de 1547."
(página 13)

Ao lado da cama de Henrique VIII, encontrava-se o Arcebispo de Cantuária, Thomas Cranmer. Havia ainda no quarto outros membros do Conselho Privado de Henrique: Thomas Wriothesley (Lorde Chanceler), Sir William Paget (secretário-mor do rei), Sir William Paulet (tesoureiro-mor da Casa Real). Estavam ali também Sir William Herbert e Sir Anthony Denny (fidalgos-mor da Câmara Privada).

"Estes dignatários pomposos tinham todos sobrevivido a uma existência precária na corte de Henrique, sempre sob a ameaça de seu temperamento errático e do seu ego hipertrofiado. O receio de cair subitamente em desgraça junto ao rei impregnava cada canto dos muitos magníficos palácios e casas reais como uma doença contagiosa invisível. Num dado momento, podiam talvez estar a subir nas graças do rei; no instante seguinte, ser presos pelo capitão da guarda, acompanhados por uma coluna de alabardeiros, falsamente acusados de traição ou heresia. A vida ou a morte, a pobreza ou a riqueza, podiam estar suspensas pelos caprichos irascíveis de um rei simultaneamente agastado pela dor e frustrado com a imobilidade e limitações impostas pela velhice e pelas diversas maleitas, ou pelos resultados das conspirações tortuosas, congeminadas pelas facções político-religiosas da sua corte, no meio das suas próprias lutas por poder e influência"
(página 14)

A Corte era um lugar movediço. Por mais que eventualmente você fizesse um grande serviço ao rei, isso não iria lhe conferir segurança total. Você poderia encontrar ingratidão e pessoas que lhe desejavam o pior, sem que você tenha desejado o mesmo para elas.
Ao saber da morte de Henrique VIII, assim o Papa (Bispo de Roma, líder da Igreja Católica) teria se pronunciado:

"O Papa tem notícias de França que confirmam a morte do rei de Inglaterra e dá-lhes grande importância, considerando que não se pode deixar escapar esta oportunidade de voltar a dominar o país" (Juan de Vega, embaixador espanhol em Roma, numa carta diplomática confidencial para o Imperador Carlos V, em 19/02/1547)
(página 13)

Nos seus últimos meses de vida, Henrique VIII foi poucas vezes visto em público. Estava obeso e inchado.
Henrique VIII governou de forma Absoluta por 37 anos, nove meses e cinco dias.

28/29/01/1547: HERDEIRO EDUARDO, de 9 anos, FILHO DE HENRIQUE VIII COM JANE SEYMOUR:

O tio de Eduardo, Edward Seymour, era o Conde de Hertford. Ao saber da morte de Henrique, ele foi se encontrar com Eduardo, para lhe dar a notícia da Morte de seu pai Henrique VIII.
Por segurança, as estradas para Londres passaram a ser vigiadas por soldados e os portos ingleses foram fechados, para isolar a Inglaterra do resto da Europa.

A MORTE DE HENRIQUE VIII FOI MANTIDA EM SEGREDO POR TRÊS DIAS:

A Corte nada dizia. Era preciso manter a aparência de normalidade. Depois disso, Eduardo foi finalmente proclamado rei, entre uma saraivada de tiros de canhão disparados de navios ancorados no Rio Tâmisa. Só nesse dia a morte de Henrique foi divulgada. Proclama-se um novo rei e divulga-se a morte do rei anterior. O testamento de Henrique foi lido no Parlamento, que depois foi dissolvido.

FUNERAL DE HENRIQUE VIII:

"A primeira prioridade foi estabilizar o corpo de Henrique, entretanto apodrecido pelo sangue e pus das pernas ulceradas, o que foi feito purificando, lavando, desentranhando, cauterizando, embalsamando, adornando e tratando com espécies. Paulet pediu ao fidalgo boticário da Casa Real, Thomas Alsop, que fornecesse unguentos - entre os quais, cravinho, óleo de bálsamo, estopa, mirra e nigela e almíscar de cheiro adocicado -, em pó e divididos em sete lotes para os cirurgiões usarem no embalsamento, ou guardados em dez sacos para por no caixão."
(página 17)


ANOTAÇÕES EXTRAÍDA DO LIVRO "OS ÚLTIMOS DIAS DE HENRIQUE VIII, CONSPIRAÇÕES, TRAIÇÕES E HERESIAS NA CORTE DO REI TIRANO", ROBERT HUTCHINSON, EDITORA CASA DAS LETRAS, Prólogo, páginas 13/18