sábado, 18 de abril de 2020

Parte 2 Prússia Grande Eleitor Frederico Guilherme Junkers Potop Tratado de Wehlau Fehrbellin Guerra do Norte Reino na Prússia Frederico I Ascensão da Prússia Império Alemão Derrotas alemãs em Duas Guerras Extinção da Prússia em 1947



POSIÇÃO CONSTITUCIONAL DO GRANDE ELEITOR:

"Vale a pena elucidar a posição constitucional do Grande Eleitor. A história alemã posterior apresentou-o sempre como um Príncipe do Império Alemão com interesses subsidiários no distante baluarte da Prússia. No entanto, a chave das suas políticas residiu no fato de ele estar sujeito a duas lealdades e não a uma. Enquanto Eleitor de Brandemburgo, dependia do Império Habsburgo, mas, como Duque da Prússia, era dependente e vassalo formal do Reino da Polônia. Nos primeiros anos de seu reinado, em especial, não era de todo claro qual das duas fidelidades seria a mais importante. Mais tarde, tornou-se claro qual das duas fidelidades seria a mais importante. Mais tarde, tornou-se mestre em por um suserano contra outro, mas antes do Tratado de Vestfália (Vestefália), em 1648, quando a Guerra dos Trinta Anos finalmente terminou, pendeu para a Polônia. A Corte de Ladislau IV Vasa, sediada em Varsóvia, onde prevalecia a tolerância religiosa, estava apenas a um dia de viagem de Konigsberg, pelo menos viajando de trenó no inverno, e o jovem Hohenzollern adorava visitar a cidade. Era fluente em mau polaco e, enquanto <>, gostava de participar em todos os encontros e cerimônias. Fez o seu juramento de vassalagem, em 6 de outubro de 1641, no pátio do Castelo de Varsóvia. A sua postura só se alterou nas décadas seguintes, quando a Polônia foi atingida por calamidades tão horríveis como as sofridas antes pela Alemanha."
(página 421)

JUNKERS;

Jung Herr: Jovem Amo (Senhor). Era uma classe social. Classe Social que cresceu junto com o Estado de Brandemburgo-Prússia. A maioria dos Junkers tinha origem na Aristocracia medieval alemã. Estavam concentrados em Brandemburgo-Prússia. 

"Os seus apelidos eram geralmente antecedidos de 'Von' ou 'Zu'."
(página 422)


Posse de terras e serviço militar sempre andaram de mãos dadas na Europa. Mas a situação no leste da Rio Elba, no século XVII, onde havia grandes áreas de terra incultas, foi diferente. A agricultura era capitalista, sendo explorada em grandes áreas. Os Junkers comandavam esse tipo de atividade econômica. Quando não estavam numa guerra ou prestando algum serviço civil para o Estado do Brandemburgo-Prússia, estava em suas grandes propriedades rurais. 

"Por conseguinte, adquiriram praticamente o monopólio dos cargos no exército e na burocracia dos Hohenzollerns, e cultivavam uma ideologia e um etos corporativos que foram definidos como o 'oposto de tudo o que é burguês'."
(página 422)


POTOP (DILÚVIO) NA COMUNIDADE FORMADA PELO REINO DA POLÔNIA E PELO GRÃO-DUCADO DA LITUÂNIA:

A Comunidade Polônia-Lituânia passou por uma grave crise em meados do século XVII. Rebeliões dos Cossacos ucranianos; invasões russas e suecas. Na esteira desses eventos, houve fome, epidemias, pilhagens, etc. 

"Um quarto da população morreu. O governo real entrou em colapso. O Monarca João Casimiro Vasa fugiu do reino no meio da anarquia. O duque da Prússia tentou permanecer neutral. Porém, em 1656, perante o desembarque de um exército sueco em Gdansk (Danzig), o Brandemburgo-Prússia viu-se confrontado com duas opções: juntar forças com os invasores suecos ou arriscar-se a ser invadido. Além do mais, a campanha dos suecos foi apresentada como uma cruzada protestante à qual os protestantes prussianos deviam aderir, e, como Carlos X Vasa se afirmou rei de direito da Polônia, poderia recompensar o duque de Hohenzollern, libertando-o de suas obrigações feudais. Frederico Guilherme Hohenzollern fez a sua opção e, em finais de julho, os prussianos entraram em triunfo em Varsóvia ao lado dos Suecos. Carlos X, monarca sueco, declarou que o Ducado da Prússia era soberano e independente."
(página 423)

TRATADO DE WEHLAU - 1657)

Depois de uma recuperação polonesa, esta e o Brandemburgo-Prússia entram num acordo. Brandemburgo-Prússia abandonava a Suécia e, em troca, veria a Polônia reconhecendo a soberania e a independência do Ducado da Prússia. Finalmente, pelo Tratado de Oliwa, em 1660, os poloneses chancelaram a independência do Ducado da Prússia.
O Tratado de Wehlau foi na verdade o resultado final da quebra do contrato feudal por parte dos Hohenzollern. Quando da invasão sueca, os Hohenzollern abandonara seu juramento de fidelidade aos poloneses e ajudaram a Suécia na invasão à Polônia. No fim, a Polônia teve que engolir essa traição e aceitar um acordo com Brandemburgo-Prússia, com esta se comprometendo a abandonar a Suécia para receber em troca o reconhecimento da independência da Prússia Ducal. A partir de agora, Frederico Guilherme, margrave-duque-eleitor, não teria mais que prestar vassalagem ao monarca polonês.

"Por conseguinte, entre 1657 e 1701, o ducado da Prússia foi um estado independente associado, através de uma união pessoal, ao Estado imperial dependente do Brandemburgo."
(página 424)

Apesar dessa conquista, Frederico Guilherme ainda não era um Monarca. Continuava sendo Margrave-Duque-Eleitor do Brandemburgo-Prússia.

"Não sendo uma monarquia no nome, era-o na substância..."
(página 424)

PROCESSO DE CONCENTRAÇÃO DE PODER:

Frederico Guilherme não era rei mas tinha em Luís XIV um exemplo a ser seguido. Na terra de Frederico Guilherme, os nobres que cumprissem serviço militar ficavam isentos de tributação, desde que cedessem seus direitos a reunirem-se nos Estados (assembleias de nobres que eventualmente poderiam deliberar no sentido de restringir os poderes de Frederico Guilherme). 

"Em 1678, Frederico Guilherme conseguiu criar e financiar um exército permanente considerável."
(página 424)

O DESCONTENTAMENTO DA PRÚSSIA DUCAL COM O AUTORITARISMO DE FREDERICO GUILHERME:

Na época de Frederico Guilherme havia informações sobre o descontentamento dos habitantes da Prússia Ducal com a política do Brandemburgo. Habitantes da Prússia Ducal planejavam uma rebelião contra Frederico Guilherme. 

"Os dois Estados (Prússia Ducal e Brandemburgo) assentavam-se em tradições diferentes no tocante à relação entre governante e os governados."
(página 425)

"Enquanto os teóricos Pró-Hohenzollerns proclamavam que os governados tinham o dever de acreditar e confiar nas boas intenções de um governante  legibus solutus (acima da lei), alguns membros dos estados ducais prussianos, incluindo os burgueses de konigsberg, defendiam o princípio de leis fundamentais que restringissem o poder do governo central. Quem cerceava as suas liberdades era o estranho de Berlim, ao passo que a Coroa Polaca, com a qual tinham formado um corpo, era o seu lar natural. Convictos de que estavam a lidar com um governante estrangeiro, negaram-se a financiar os outros domínios e províncias do eleitor Frederico Guilherme no Império, cuja única ligação que tinham à Prússia era de natureza dinástica. Quererão sugar a última gota de sangue da nobreza prussiana, que não tem nada a ver com o Sacro Império Romano Germânico."
(página 425)

INVASÃO SUECA EM 1675. BATALHA DE FEHRBELLIN:

Em 1675, partindo da cidade de Stettin (Estetino), Suécia invade o Brandemburgo. As defesas de Berlim são rompidas, mas Frederico Guilherme resiste. Em 28 de junho de 1675, os prussianos derrotam os suecos na Batalha de Fehrbellin. Surgia uma nova potência na Europa.
Mas a Suécia não era a única ameaça ao Brandemburgo-Prússia. Na Polônia havia um novo rei, João Sobieski, que deseja o retorno da Prússia Ducal à Polônia. Mas Frederico Guilherme teve sorte, pois no exato momento que João Sobieski planejava retomar a Prússia Ducal, a Polônia se vê ameaça pelo Império Otomano, que avançavam pela Hungria e cercavam Viena. Em 1683, João Sobieski ajudou a romper o cerco otomano a Viena, mas na sequência ficou atolado numa guerra contra os Otomanos, na área do Danúbio. Assim, João Sobieski, ao contrário do que desejava, "nunca subjugou a Prússia." (página 426)

MORTE DE FREDERICO GUILHERME, O GRANDE ELEITOR - 1688:

Com a morte de Frederico Guilherme, Frederico III torna-se o novo Margrave-Duque-Eleitor do Brandemburgo-Prússia. Em 1697, Augusto II, Eleitor da Saxônia, é eleito Rei da Polônia, sucedendo a João Sobieski. 

GRANDE GUERRA DO NORTE E GUERRA DA SUCESSÃO ESPANHOLA. REINO NA PRÚSSIA EM 1701 - FREDERICO I.

A Grande Guerra do Norte durou 21 anos (1700-1721). A Guerra da Sucessão Espanhola durou 13 anos. O Século XVIII iniciou-se com duas guerras. A Grande Guerra do Norte envolveu a Suécia, a Rússia, a Dinamarca e a Saxônia. Enquanto essas guerras aconteciam, Frederico III buscava tirar proveito delas. Ele queria um título real e iria consegui-lo.

"Um título real era mais importante do que à primeira vista parecia. Era um símbolo de legitimidade e era ciosamente defendido. As negociações entre os Hohenzollerns e o Sacro Imperador Romano, o idoso Leopoldo I, foram conduzidas por Charles Ancillon, filho do líder da comunidade huguenote em Berlim. O Imperador era obcecado por protocolo. Era ou tinha sido detentor dos únicos títulos régios autorizados no Império: <>, <> e <>. No entanto, Ancillon reparou que a formação de uma nova grande aliança contra Luís XIV era um objetivo importante para os conselheiros do Imperador, que estavam inclinados a fazer cedências....Em troca de uma aliança contra a França e de um contingente de 8000 granadeiros, o Margrave-Duque-Eleitor teria a sua coroação."
(página 427/428)

Resumindo: Frederico III, então Margrave-Duque-Eleitor do Brandemburgo-Prússia, ajudaria Leopoldo I, Imperador do Sacro Império Romano Germânico, em sua guerra contra a França. Em troca, Frederico III receberia a autorização para se tornar Rei na Prússia, virando Frederico I, Rei na Prússia (janeiro de 1701). 
Frederico I era Rei na Prússia. Não poderia ter sido Rei de Brandemburgo, pois este Estado fazia parte do Sacro Império Romano Germânico. Rei Da Prússia também não poderia, pois havia uma Prússia, a Real, que pertencia ao Reino da Polônia. Daí a denominação Rei Na Prússia (Das Konigreich In Preussen). Quando de sua coroação, Frederico I foi abençoado por Bispos, para que seu reinado fosse visto como algo concedido por Deus. A Coroação de Frederico I foi em Konigsberg, hoje uma cidade russa, Kalininegrado. 

"Tinham quebrado a barreira invisível que, numa época religiosa, dividia os ungidos pelo Senhor  (os reis) dos simples executivos principais (margrave-duque-eleitor."
(página 429)

A partir, portanto, de 1701, o vocábulo <> deixava de ser um termo geográfico para se tornar uma Dinastia, uma marca. A partir de agora, todos os domínios dos Hohenzollerns receberiam o selo, a marca com os dizeres "Prússia". Berlim, que ficava em Brandemburgo, tornou-se Prussiana, e assim seria com qualquer território pertencente aos Hohenzollerns, por mais distante que ficasse de Konigsberg. 

ASCENSÃO DA PRÚSSIA:

Nos anos que se seguiram à coroação de Frederico I como Rei Na Prússia, esta, com a ajuda involuntária de seus vizinhos, foi ganhando força: a derrota da Suécia na Grande Guerra do Norte a tirou da disputa pelo domínio do norte da Europa, abrindo espaço para a expansão da Prússia nessa área; o enfraquecimento da Comunidade Polônia/Lituânia e da Saxônia também beneficiaram a Prússia. Em mais na frente, com o desaparecimento do Sacro Império Romano Germânico, em 1806, por obra de Napoleão Bonaparte, a Prússia passou a competir com a Áustria (Império Habsburgo) pelo controle da Alemanha. E no leste, a competição era com a Rússia.
No reinado de Frederico II, o Grande, no ano de 1772, o Reino na Prússia transformou-se em Reino da Prússia, após a anexação da Prússia Real/Polaca/Ocidental, cuja cidade principal era Danzig (Gdansk).

A PRÚSSIA DO SÉCULO XIX:

A Prússia do século XIX,  ia de Aachen no oeste, a antiga capital de Carlos Magno, a Tilsit (atual Sovetsk, no Oblast de Kalininegrado, pertencente à Federação Russa), a leste, às margens do Rio Niemen. No norte, ia da fronteira dinamarquesa à fronteira suíça, no sul. A Prússia do século XIX tinha centros relevantes:
(a) centros industriais no Vale do Ruhr e na Silésia
(b) centro estatal em Berlim, Brandemburgo
(c) centro histórico em Konigsberg, na Prússia Oriental, onde os Hohenzollerns eram coroados

"Era a maior potência industrial da Europa, e o seu gigantesco complexo militar industrial explica o seu papel de liderança no seio do Império Alemão."
(página 438)

GUERRA FRANCO-PRUSSIANA DE 1871 - CRIAÇÃO DO IMPÉRIO ALEMÃO SOB A DINASTIA HOHENZOLLERN:

"O zênite do sucesso da Prússia decorreu da sua vitória na Guerra Franco-Prussiana de 1871, quando o monarca prussiano foi declarado Imperador da Alemanha na Galeria dos Espelhos de Versalhes."
(página 433)

Com o surgimento do Império Alemão em 1871, Berlim superou Konigsberg em importância.
A Leste, surgia um novo adversário, o Império Russo. O Império Russo era então o maior estado do mundo, com população e recursos naturais enormes. A política inicial da Prússia era a de não "provocar os bárbaros russos." (página 439)
A Prússia procurava, em relação ao Império Russo, adotar "uma política calculada de não confrontação." (página 439)

PRONTIDÃO MILITAR COMO CHAVE PARA O ÊXITO NAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS:

A vitória alemã na guerra franco-prussiana de 1871 criou a convicção segundo a qual "a prontidão militar era a chave para o êxito nas relações internacionais. Ninguém estava mais convencido disto do que o Kaiser Guilherme II, último Imperador alemão e último Rei da Prússia (1888/1918)"
(página 442)

KAISER (CÉSAR) GUILHERME II HOHENZOLLERN:

No Império Russo, havia o Czar. No Império Alemão, havia o Kaiser. Os dois termos dizem receito ao título de César, usado no Império Romano.


A Prússia mexia com os sentimentos europeus. Sua ascensão, seu poder industrial, causavam medo em seus vizinhos. A França buscava se unir ao Império Russo para criar um contrapeso ao poderio alemão. A Grã-Bretanha, por sua vez, temia perder a sua hegemonia naval para o Império Alemão.

PLANO SCHLIEFFEN:

O Império Alemão, sob a liderança da Prússia, deveria atacar primeiro antes, tomar a iniciativa, para evitar sofrer um duplo ataque, que lhe deixaria cercada. O Império Alemão temia sofrer um cerco, feito pela França, no oeste, e pelo Império Russo, no leste. Daí a necessidade de agir antes, derrotar rapidamente um desses inimigos (a França, que era vista como a mais frágil), e depois partir para o segundo inimigo, o Império Russo, visto como o mais forte.

ALEMANHA E RÚSSIA QUERIAM A GUERRA:

O autor do livro defende que a Rússia também queria a guerra. Do mesmo modo que a Alemanha tinha dado um cheque em branco para o Império Austríaco, o Império Russo também tinha dado um cheque em branco para a Sérvia.

"A rapidez do ataque em tenaz do exército russo na Frente Oriental demonstrou que o comando militar czarista, tal como o seu homólogo alemão, tinha planejado uma ofensiva preventiva."
(página 443)

"...mas os objetivos de guerra publicados pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros russo em setembro de 1914 revelam as suas intenções. Os russos projetaram: (a) a liquidação total da Prússia Oriental; (b) a recriação do Reino da Polônia, que seria administrado pela Rússia; (c) o estabelecimento de uma nova fronteira russo-alemã nos rios Oder e Neisse Ocidental (exatamente como aconteceu em 1945). Na perspectiva da Alemanha, estes objetivos eram profundamente ameaçadores. Não absolvem a liderança alemã, mas mostram de forma inequívoca que o militarismo não era exclusivo da Prússia."
(página 443)

DERROTA ALEMÃ NA PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL:

A derrota alemã derrubou o Império Alemão, que seria substituído pela República de Weimar. Guilherme II abdicou. Hohenzollerns depostos. Uma paz severa foi imposta à Alemanha.
O fim da Primeira Guerra Mundial tinha pacificado a Frente Ocidental, mas a Frente Oriental continuou instável. A tomada da Russa pelos Bolcheviques deixou a Europa Oriental ainda em pé de guerra. Os revolucionários russos queriam exportar a sua revolução. Foram detidos pela Polônia, em meados de 1920.

ABOLIÇÃO DO REINO DA PRÚSSIA EM 1918:

"A abolição do Reino da Prússia em novembro de 1918, é frequentemente confundida com o fim da história da Prússia. Na realidade, marcou o fim do domínio Hohenzollern, mas não do Estado prussiano. Outra variante do Estado prussiano perdurou, o Freistaat Preussen (Estado Livre da Prússia), primeiro como componente autônomo da República de Weimar do pós-guerra e depois, a partir de 1933, do Terceiro Reich, embora nessa altura a sua autonomia fosse apenas nominal."
(página 445)

FREISTAAT PREUSSEN (ESTADO LIVRE DA PRÚSSIA):

De 1920 a 1932, foi governado pelo Primeiro Ministro Social Democrata Otto Braun. Em 1933, com Hitler assumindo a Chancelaria, Hermann Goring assume o cargo de Primeiro Ministro do Estado Livre da Prússia.

SEGUNDA GUERRA MUNDIAL:

O autor do presente livro defende que a Segunda Guerra Mundial deve ser vista sobretudo como uma luta entre dois monstros totalitários, a Alemanha Nazista e a Rússia Comunista. Ambas lutavam para recuperarem os territórios que tinham perdido ao final da Primeira Guerra Mundial. A Alemanha, por exemplo, tinha perdido a Prússia Real/Polaca. A Rússia, por sua vez, perdeu os países bálticos (Lituânia, Letônia e Estônia), parte da Ucrânia, etc. No meio desse conflito titânico, encontrava-se a Prússia Oriental. Se a Alemanha Nazista tivesse vencido a guerra, a Prússia Oriental seria um portal para o Lebensraum, o espaço vital no leste. Se a Alemanha Nazista perdesse a guerra, a Prússia Oriental seria riscada do mapa.

AGONIA DA PRÚSSIA. FINAIS DO VERÃO DE 1944:

Com a derrotada da Alemanha Nazista, em maio de 1945, a Prússia Oriental caiu nas mãos dos russos. Em finais do verão de 1944, tropas soviéticas já estavam na fronteira oriental da Prússia. Os russos empreenderam uma rápida incursão pelo interior da Prússia, na "aldeia de Nemmersdorf, deixando para trás um rastro de atrocidades. Mas Stálin (Estaline) tinha, naquele momento, tinha dado prioridade à conquista dos Balcãs, e os seus exércitos ficaram postados mais a norte, no Rio Niemen e no médio Vístula."
(página 448)

Os russos, portanto, concederam um tempo a mais para a Prússia. Hitler mesmo só saiu da Wolfsschanze (Toca do Lobo), perto de Rastenburg, na Prússia Oriental, em novembro de 1944. Além dos russos, os britânicos também atacaram, pelo ar, a Prússia Oriental. Aviões da RAF bombardearam a cidade de Konigsberg, em finais de agosto de 1944.
Em janeiro de 1945, a URSS finalmente resolveu invadir a Prússia Oriental. O avanço foi rápido, com exceção da cidade de Konigsberg. Civis alemães tentaram fugir do avanço russo, por terra e pelo mar. Essa fuga foi denominada de Fluchtaus dem Osten - Fuga do Leste.
Os residentes de Konigsberg (atual Kalininegrado) tentaram fugir primeiramente por terra, até Danzig (Gdansk) e Elbing, ou por trem até Allenstein. Quando os russos trancaram as rotas de fuga terrestres, sobrou a fuga pelo mar. Foi preciso atravessar o gelo da Frisches Haff (Lagoa de Água Doce) até Pillau, onde a marinha nazista (Kriegsmarine) estava. Os alemães prepararam a Operação Hannibal, que tinha por objetivo pegar os alemães em Pillau e leva-los para Stettin (Estetino), no rio Oder (21 de janeiro de 1945).

"Mil cargueiros e navios de guerra realizaram travessias ininterruptas entre Pillau, Danzig (Gdansk) e Stettin (Estetino), sob os ataques dos bombardeios e submarinos soviéticos. Sofreram perdas horríveis, incluindo o Wilhelm Gustloff, cujo afundamento foi o maior desastre da história mundial, com a morte de cerca de 10.000 pessoas." 
(página 450)

Obs.: Stettin ou Estetino, atual Szczecin na Polônia, no Rio Oder.
Em 4 de abril, o que sobrou da cidade de Konigsberg se rendeu aos russos. 80% da cidade estava em ruínas.

"Os defensores sobreviventes foram levados para o cativeiro, e os civis sujeitos a um reinado de assassinatos, violações e pilhagens."
(página 452)

Stálin obliterou Konigsberg e a Prússia. Mulheres foram estupradas pelos soldados soviéticos. Os soviéticos queriam destruir a história de Konigsberg. (página 452)

"Exterminou os prussianos orientais de forma tão completa como os Cavaleiros Teutônicos exterminaram os Prusai, mas em vez de um século, levou poucos anos."
(página 453)

Com a passagem do Exército russo pela Prússia Oriental, esta deixou de existir na prática. Mas ainda era necessário exterminá-la juridicamente, formalmente.

"Neste aspecto, os historiadores devem distinguir entre a Província da Prússia oriental e o Estado da Prússia. A Província da Prússia oriental foi eliminada pela Conferência de Postdam, o Estado não. Apesar das afirmações em contrário dos Aliados, a Conferência de Potsdam, realizada em julho e agosto de 1945, não teve qualquer sustentação legal. Foi um esquema improvisado entre os líderes vitoriosos que se reuniram para debater a gestão da Alemanha derrotada e, enquanto não se realizasse a Conferência de Paz projetada, para tomar decisões provisórias sobre questões urgentes. A agenda foi preparada por um Conselho de Ministros dos Negócios Estrangeiros, mas, como a conferência (de Paz) nunca se realizou, as decisões tomadas em Potsdam, ao contrário das corporizadas no Tratado de Versalhes, não foram sancionadas por um tratado internacional. Em relação à Konigsberg e à Prússia Oriental, as decisões foram extremamente vagas e provisórias: A conferência examinou uma proposta do Governo Soviético no sentido de, enquanto não for definido...o acordo de paz, a secção da fronteira ocidental da URSS adjacente ao Mar Báltico transite de um ponto da margem oriental da Baía de Danzig, a leste, a norte de Braunsberg-Goldap, para o ponto de encontro das fronteiras da Lituânia, da República Polaca e da Prússia Oriental. A conferência aceitou em princípio...a transferência definitiva da cidade de Konigsberg e da zona adjacente para a URSS tal como é supra-referido, sujeito à avaliação de especialistas..."
(página 454)

No fim, o mapa que vemos hoje foi acertado entre a URSS e seus clientes comunistas poloneses. no Tratado Polaco-Soviético de agosto de 1945. Esse tratado dividiu a Prússia Oriental entre a Polônia e a URSS. Isso não tinha sido discutido em Potsdam.

EXTINÇÃO FORMAL/JURÍDICA DO ESTADO DA PRÚSSIA - UBI SOLITUDINEM FACIUNT, PACEM APPELANT (CRIAM UM DESERTO E CHAMAM-LHE PAZ)

De acordo com a Lei número 46, de 25 de fevereiro de 1947, emanada pela Comissão de Controle Aliada (EUA, Grã-Bretanha, França e URSS), o Estado da Prússia (Freistaat Preussen) foi abolido, riscado do mapa.

"A Lei nº 46 limitou-se a pregar o último prego no caixão vazio da Prússia. O corpo da Prússia, a substância viva, a comunidade de seres humanos que tinha permanecido intacta até janeiro de 1945, já tinha sido dispersada. Em 1947, não restava praticamente nada. A Prússia teve o destino de Cartago: <> Criam um deserto e chamam-lhe paz."
(página 455)

"TODAS AS NAÇÕES QUE VIVERAM DEIXARAM PEGADAS NA AREIA." (PÁGINA 460)

No caso da Prússia, pegadas foram deixadas pelas Tribos Prusai, pelos eslavos, pelos alemães da Ordem dos Cavaleiros Teutônicos, pelos poloneses, pelos alemães novamente (hohenzollerns, weimar e terceiro reich) e, por fim, pelos russos de Kalininegrado.
A antiga Tvangste das Tribo Prusai virou Konigsberg (Montanha do Rei) em 1255, sob a administração dos Cavaleiros Teutônicos. Em 1701, Frederico I foi coroado Rei na Prússia, nessa mesma localidade. Hoje, Konigsberg não existe mais. Em seu lugar, existe uma cidade russa, Kalininegrado.

MILITARISMO PRUSSIANO VERSUS MILITARISMO RUSSO:

O autor Norman Davies fala que os critérios usados para julgar a Prússia e o seu militarismo não são adotados quando do julgamento do militarismo russo (Império Russo dos Romanov e sua sucessora, a URSS).

"Fala-se do militarismo prussiano, mas não do militarismo russo...O Imperialismo e o expansionismo russos, apesar de muito mais extensivos do que tudo o que consta no cadastro da Alemanha, são de alguma forma considerados normais. A ideia alemã do Lebensraum (espaço vital), muito anterior à Hitler, é singularmente agressiva e obnóxia. O desenvolvimento da Rússia, em especial na sua forma soviética, que com Lênin e Stálin seguiu uma via que abundou em desgraças humanas e chacinas em massa, é por vezes descrito como uma experiência nobre que se perdeu pelo caminho."
(página 434/437)

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DO LIVRO "REINOS DESAPARECIDOS, HISTÓRIA DE UMA EUROPA QUASE ESQUECIDA, NORMAN DAVIES, EDITORA EDIÇÕES 70: Capítulo 7, Borússia, A Terra das águas dos prusai, 1230-1945, páginas 383/461

quarta-feira, 15 de abril de 2020

PARTE 1 Prússia Kalininegrado Terra dos Prusai Borússia Cavaleiros Teutônicos Ordenstaat Brandemburgo Batalha de Grunwald Tratado de Thorn Prússia Real Prússia Ducal



KALININEGRADO. ATUAL CIDADE RUSSA, ANTIGA CIDADE ALEMÃ DE KONIGSBERG:

Cidade batizada em homenagem a Mikhail Kalinine, um acólito do ditador Stálin (Staline). Localiza-se no Rio Pregolya, a 45 km da costa sul do Mar Báltico. 
Kalininegrado, a cidade russa mais ocidental da Federação Russa, foi edificada sobre uma antiga cidade alemã, Konigsberg, que se localizava na Prússia. Konigsberg e Prússia não existem mais. Konigsberg foi a cidade natal de Immanuel Kant (1727/1804) e significa "Montanha do Rei". A Prússia foi extinta em 1947, por decisão dos países aliados que derrotaram a Alemanha nazista na 2º Guerra Mundial. Uma parte daquilo que foi a Prússia alemã é hoje um território russo, um Oblast (distrito administrativo), também denominado de Kalininegrado, situado na costa sul do Mar Báltico, fazendo fronteira com a Lituânia e com a Polônia.
A Rússia ainda tem duas bases navais no Mar Báltico, uma em Kronstadt, perto de São Petersburgo, e Baltiysk, no istmo da Curlândia, a oeste da cidade de Kalininegrado (antiga Konigsberg). 

TERRA DOS PRUSAI:

A área que nos interessa localiza-se no litoral sul do Mar Báltico, que era conhecida como a costa do âmbar. Essa região era habitada por povos bálticos, dos quais os prusai faziam parte, ao lado de lituanos e letões. Os prusai formavam o grupo mais ocidental. Esses povos eram subdivididos em tribos, cujos nomes foram coletados por missionários.

"No século IX, o afamano geógrafo 'Bávaro' registrou o nome latino de BORÚSSIA - ou seja, a terra dos Prusai -, do qual derivam todas as variantes modernas do nome da região: Prussia (latim e inglês); Preussen (alemão); Prusse (francês); Prusy (polonês). 
(página 397)

"Tribos que ali habitavam viviam da caça, da pesca e das incursões contra os seus vizinhos."
(página 395)

Por incursões contra seus vizinhos, leia-se roubar gado, roubar grãos de celeiros.

"Chamavam-se a si mesmos de prusai ou pruzzi - um nome que deriva de uma raiz indo-europeia relacionada com a água. Dado que tenham se identificado sobretudo com o seu meio ambiente, é plausível chamar-lhes <> ou <> ou ainda, tendo em conta a notável configuração do litora, <>."
(página 396)

Os Prusai viveram intocados até ao século XIII. Escavações arqueológicas descobriram moedas romanas onde os Prusai viviam, fruto do comércio do âmbar, sinal de que eles sabiam da existência do Império Romano. Mas a ascensão e a queda o Império Romano em nada influenciou a vida deles. 
Os Prusai eram analfabetos, pagãos e predadores. Não conheciam a agricultura.

GEOGRAFIA DA BORÚSSIA:

O isolamento dos povos bálticos (prusai, letões, lituanos) foi facilitado pela constituição da sua geografia. Istmos de areia estendiam-se pelo litoral, dificultando a penetração em seus rios. Entre esses istmos e o litoral, eram formados lagoas, como exemplo, a lagoa da Curlândia. No interior havia muitos lagos. 

TENTATIVA FRUSTRADA DE CONVERSÃO DOS PRUSAI PARA O CRISTIANISMO:

Um Príncipe da Boêmia, em 997, Vojtech, tentou converter os Prusai. Acabou morto por eles. Seu corpo foi resgatado e levado como relíquia para a Catedral de Gniezno. Tornou-se Santo Adalberto da Prússia.

FIM DO ISOLAMENTO DOS PRUSAI:

A oeste, para além do Rio Vístula,  havia eslavos ocidentais (cassubianos) reunidos no ducado da Pomerânia. A sul havia o ducado polaco da Mazóvia, com capital em Varsóvia. A leste havia outros povo bálticos, que acabariam por formar o Grão-Ducado da Lituânia e Estados da Livônia. 

SURGIMENTO DAS HORDAS MONGÓIS NO SÉCULO XIII:

No século XIII, hordas mongóis devastaram o leste e o centro da Europa. Moscóvia (atual Rússia), Kiev (atual Ucrânia), Polônia, Hungria e Dalmácia, no litoral do Adriático (atual Croácia), foram devastados pelos mongóis. Pilhagens e assassinatos ficaram pelo caminho dos mongóis. Ao mesmo tempo que as hordas mongóis criaram devastação, elas criaram oportunidades:
- colonos alemães dirigiram-se para o leste, para colonizar as áreas devastadas e despovoadas.
- oportunidade para ordens militares religiosas no patrulhamento das fronteiras orientais da cristandade.

MIGRAÇÃO DE COLONOS ALEMÃES PARA O LESTE:

Antes das hordas mongóis oportunizarem áreas para a colonização alemã no leste, o ducado da Pomerânia, governada então por Boguslau, em 1180, jurou fidelidade ao Imperador do Sacro Império Romano Germânico. O resultado é que a Pomerânia foi aberta para a colonização alemã. Essa Pomerânia Ocidental, antes um reino eslavo, tornou-se um feudo do Sacro Império Romano Germânico a partir de 1181. Essa mesma Pomerânia voltaria para a Polônia, ao final da Segunda Guerra Mundial. 
Simultaneamente à migração alemã para o leste, Cruzados do norte, tendo à frente os Cavaleiros da Espada e Dinamarqueses, estabeleciam-se na Livônia, onde foram construídas as cidades de Riga (atual capital da Letônia) e Reval (Tallinn - atual Estônia). 

UM DUQUE POLONÊS PEDE AJUDA AOS ALEMÃES - 1220: 

Em 1220, um duque polonês, Conrado, Duque da Mazóvia, não conseguindo lidar com as depredações dos prusai, pediu ajuda aos Cavaleiros Teutônicos. Ele queria que os Cavaleiros Teutônicos acabassem de vez com os prusai, que agiam na fronteira polonesa, saqueando vilarejos locais. Conrado então ofereceu aos Cavaleiros Teutônicos "um feudo na região de Chelmno (Kulm), na Kulmerlândia, para usarem como base de contenção dos prusai. Segundo se disse depois, parece que Conrado teve apenas em mente uma iniciativa local e limitada. De certeza que não previu que os seus convidados se tornariam rapidamente mais poderosos do que ele."
(página 398/399)

CAVALEIROS TEUTÔNICOS:

"Ordem dos Irmãos da Casa Teutônica da Virgem Maria de Jerusalém (Cavaleiros Teutônicos) fora fundada no século anterior como uma das várias organizações militares criadas pelos Estados Cruzados do Outremer, na Terra Santa, dedicadas à conversão dos infiéis."
(página 399)

HERMANN VON SALZA:

Foi um grã-mestre dos Cavaleiros Teutônicos (1179-1239). O Grã-Meste era escolhido numa eleição pelos irmãos cavaleiros e depois tinha que ser confirmado pelo Papa. Era o comandante em chefe e executivo principal, nomeando os governadores provinciais e os comandantes distritais. Hermann Von Salza participou das negociações que resultaram na presença dos Cavaleiros Teutônicos na Polônia. Era um sujeito que contava com a simpatia do Papado e do Império (Sacro Império Romano Germânico - Frederico II Hohenstaufen). Ele tinha interlocução tanto com o Papa quanto com o Imperador. Isso abriu portas para os Cavaleiros Teutônicos. Essa influência de Hermann Von Salva seria usada nas disputas da Ordem Teutônica com os governantes seculares em cujos territórios a Ordem atuava. 

"Essa estratégia fracassou na Hungria, de onde a Ordem Teutônica foi expulsa, em 1225. Na Mazóvia, funcionou na perfeição."
(página 399)

BULA DOURADA DE RIMINI:

"Em 1226, o Imperador do Sacro Império Romano Germânico determinou que o Duque da Mazóvia deveria equipar a Ordem para o combate contra os pagãos e que os territórios conquistados seriam REICHSFREI, isto é, ficariam fora da Jurisdição Imperial. Em 1230, o Tratado de Kruszwica, supostamente assinado pela Ordem e pelo duque, mas do qual não existem vestígios documentais, declarou que a Kulmerlândia ficaria na posse da Ordem como feuda da Mazóvia. Em 1234, a Bula Dourada de Rieti, um documento contraditório emanado do Papa Gregório IX, confirmou as disposições anteriores e sujeitou exclusivamente a Ordem à autoridade papal."
(página 399/400)

Protegidos pelo Papa e pelo Imperador, agora os Cavaleiros Teutônicos não seriam expulsos da Polônia como foram na Hungria. Seguros de sua posição, os Cavaleiros Teutônicos agora iriam se voltar contra os Prusai. A Ordem da Espada foi absorvida pelos Cavaleiros Teutônicos. As campanhas começaram, e na esteira delas vinham os colonos alemães. Era preciso cultivar a terra conquistada. Cidades foram construídas. Pântanos foram drenados e os prusai foram exterminados. A Ordem Teutônica começou a explorar o comércio do âmbar, passou a cobrar impostos, a recrutar soldados. A Ordem acabou se organizando numa espécie de Estado, a ORDENSTAAT. 

CONQUISTA DA BORÚSSIA:

A Conquista da Borússia demandou 6 décadas de lutas. Terminou em 1283. 

"Não restam dúvidas de que as Cruzadas do Norte foram empreendidas com grande ferocidade de ambos os lados. Diz-se que os cavaleiros teutônicos capturados eram assados vivos com a armadura envergada. Os prusai, quando resistiam à conversão, não tinham melhor destino."
(página 401)

À medida que avançavam, os Cavaleiros Teutônicos iam construindo áreas fortificadas: Elbing, Thorn, Allenstein, Marienwerder, Konigsberg - Montanha do Rei (atual Kalininegrado, fundada em 1255), Marienburg, a Fortaleza da Virgem, no Rio Nogat, em 1274.

PREUSSEN - ORDENSTAAT:

O Ordenstaat defendia o valor supremo do Estado e a subordinação cívica aos fins desse mesmo Estado.

Regiões do Ordenstaat:

Kulmerlândia: Kulm (Chelmno), Thor (Torun), Plock
Região de lagos a norte: povoada por colonos polacos da Mazóvia, os mazúrios (Mazúria/Masurem)
Pomesânia: zona marítima a leste do Vístula - Elbing (Elblag)
Vármia ou Emelândia: Frauenburgo (Frombork) - cidade natal de Nicolau Copérnico.
Samlândia: conquistada pela Ordem em 1250. Península que separa as duas lagoas costeiras: Frisches Haff e Kurisches Haff

RIVALIDADE ENTRE POLÔNIA E ORDEM TEUTÔNICA:

Os poloneses nunca perdoaram os alemães da Ordem Teutônica por eles terem abusado da hospitalidade polonesa. Os alemães foram além do combinado. O combinado era impedir que os Prusai depredassem as vilas polonesas. No fim, os Cavaleiros Teutônicos criaram um Estado. E para enfurecer ainda mais os poloneses, a Ordem Teutônica agora ameaçava tomar a área do baixo Vístula, que cortaria o acesso da Polônia ao mar. 

"Desde que os godos tinham partido do Baixo Vístula, no início do milênio, a área fora sistematicamente povoada por tribos eslavas. Juntamente com o porto de Gdansk, tinha pertencido ao Reino da Polônia durante séculos e era o funil pelo qual os contatos da Polônia com o mar tinham de passar. Agora, estava sob uma dupla pressão provocada pelo crescimento constante do Brandemburgo, ao longo da costa para o oeste, e do Estado da Ordem Teutônica, a leste."
(página 404/405)

BRANDEMBURGO:

"Baseado num território estéril e pouco prometedor para além do rio Oder, na Nordmark (Marca do Norte) do Sacro Império Romano Germânico, era originalmente habitado por eslavos, que lhe chamavam Brennidor. Ainda não era um eleitorado do Império nem tinha caído na posse da família Hohenzollern. Era governado pela Casa de Ascania, os herdeiros de Alberto, o Urso (1100 - 1170), primeiro Margrave do Brandemburgo e fundador de Berlim. Um século depois da morte de Alberto, os brandemburgueses atravessaram o Oder e entrincheiraram-se na margem oriental, na Neumark (nova marca). Estavam separados dos domínios mais próximos da Ordem Teutônica por mais de 300 km de territórios da Polônia e da Pomerânia, que era controlada pela Polônia."
(página 405)

"Os poloneses estavam demasiado divididos ou foram demasiado lentos para evitarem o perigo."
(página 405)

"A sua capital localizava-se bastante longe, em Cracóvia, e os seus governantes tinham negligenciado os seus interesses no norte."
(página 405)

"Na década iniciada em 1300, o trono polaco foi temporariamente ocupado pela dinastia boêmia  dos Premislidas, que também governava a Hungria e que estava nas tintas para o Báltico."
(página 405)

"O momento crucial foi em 1308/1309, quando um grupo de magnatas da Pomerânia Oriental, ciente das distrações dos seus suseranos nominais polacos, transferiu a sua fidelidade para os brandemburgueses. Depois, numa repetição do erro fatal cometido pelo Duque Conrado da Mazóvia oitenta anos antes, uma facção pró-polaca da Pomerânia pediu ajuda aos cavaleiros teutônicos na defesa da cidade de Gdansk (Danzig). Os teutônicos deitaram mão à cidade, onde, segundo relatos, para facilitar a introdução de colonos alemães submissos, massacraram toda a população. Passado pouco tempo, tinham anexado a totalidade do Baixo Vístula, e a corte polaca apelou em vão a um tribunal papal. Os cavaleiros teutônicos tinham passado do combate aos pagãos para o combate aos seus irmãos católicos."
(página 405)

"No século XIV, as possessões territoriais do Ordenstaat atingiram a sua máxima extensão. A curlândia e a livônia foram fundidas. As últimas rebeliões indígenas foram sufocadas, a economia rural prosperou e várias cidades - Danzig (Gdansk), Marienburgo, Elbing e Konigsberg - aderiram à rede comercial internacional da Liga Hanseática. Construíram-se belas igrejas, como a Marienkirche, em Danzig, ou a Catedral de Frauenburgo...A cruzada prosseguiu fora da Prússia, convertendo-se numa rotina de campanhas sazonais na Lituânia...Os cavaleiros teutônicos tinham criado um Estado disciplinado, determinado e próspero."
(páginas 405/406)

Localidades abrangida pelo Estado da Ordem Teutônica (Ordenstaat):

-CURLÂNDIA: Cidade de Riga, atual capital da Letônia, localizada no Golfo da Curlândia, que se abre para o Mar Báltico.
-MEMEL: Cidade localizada na atual Lituânia, no litoral do Mar Báltico. O território do Ordenstaat ainda abrangia a cidade de Kaunas.
-LIVÔNIA: Cidades de Dorpat e Reval (Tallinn), na atual Estônia.
-PRÚSSIA: Cidades de Konigsberg, Thorn (Torun), Danzig (atual Gdansk, na Polônia), Marienburgo.

REAÇÃO POLONESA AO AVANÇO DOS CAVALEIROS TEUTÔNICOS:

Os polacos iriam começar a agir contra o avanço dos alemães do Ordenstaat. Mas antes de enfrentá-los, era preciso primeiramente unir a Polônia. Em 1320, o Reino da Polônia foi reunificado. Em 1333-1370, a Polônia incorporou a Rutênia Vermelha e cedeu a Silésia ao Sacro Império Romano Germânico. Em 1385, a Polônia se une ao Grão-Ducado da Lituânia, criando o maior Estado europeu daquela época. Era uma união pessoal. Poloneses e Lituanos então iriam preparar um ataque aos Cavaleiros Teutônicos.

BATALHA DE GRUNWALD - 1404:

A batalha aconteceu em território prussiano, em Allenstein (Olsztyn). Poloneses e Lituanos derrotaram os Cavaleiros Teutônicos. Essa batalha marca o início do declínio militar da Ordem Teutônica.

CATÓLICOS BRIGANDO ENTRE SI:

Poloneses e Cavaleiros Teutônicos eram católicos. Mas eram diferentes. Tinha visões diferentes sobre a religião. O Reino Polonês era tolerante, aceitando religiões diversas (cristãos ortodoxos, muçulmanos, judeus, católicos). O Reino Polonês via a religiosidade dos Cavaleiros Teutônicos como uma fachada apenas, atrás da qual escondiam seus verdadeiros objetivos: a expansão territorial.

"Os cavaleiros teutônicos pertenciam à tradição brutal e supremacista das cruzadas da Europa Ocidental, assente no pressuposto de que os infiéis e outros crentes eram para extirpar."
(página 408)

INÍCIO DO DECLÍNIO DO ORDENSTAAT:

A derrota em Grunwald, em 1410, foi apenas o início da derrocada dos Cavaleiros Teutônicos. Outras derrotas viriam. Com a necessidade de reformar o seu exército, os Cavaleiros Teutônicos começaram a aumentar a cobrança de impostos, o que acabou gerando a revolta em algumas cidades mercantis, como por exemplo Danzig. Essas cidades buscaram auxílio no Reino Polonês, o que obviamente desagradou ao Ordenstaat.

TERCEIRA GUERRA POLACO-LITUANO-TEUTÔNICO:

Meados do século XV. Essa guerra durou 13 anos. A Polônia saiu vencedora.

TRATADO DE THORN - 1466:

Com a vitória polonesa na terceira guerra Polaco-Lituano-Teutônico, os Cavaleiros Teutônicos tiveram que aceitar os termos do Tratado de Thorn, que dividiu o Ordenstaat em duas partes:

"A parte ocidental, doravante conhecida por Prússia Real, e que incluía Danzig (Gdansk), foi devolvida ao Reino da Polônia depois de um hiato de 157 anos. A parte oriental, centrada em Konigsberg, permaneceu na posse dos Cavaleiros Teutônicos como feudo polaco. A Ordem perdeu mais de metade dos seus recursos humanos e econômicos."
(página 409)

"A divisão do Ordenstaat em 1466 deu origem a distinções que duraram até à Segunda Guerra Mundial. Apesar de sua história política complicada e de várias mudanças de nomenclatura, a parte ocidental (Prússia Real, Prússia Polaca, Prússia Ocidental e, na terminologia nazista, Corredor Polonês), nunca se voltou a fundir plenamente com a Oriental (Prússia Ducal, Prússia Prussiana, Prússia Oriental). Na perspectiva dos admiradores  do Ordenstaat que lamentam as suas desgraças, o Tratado de Thorn foi o princípio da partilha da Prússia."
(página 409)





PRÚSSIA REAL (OCIDENTAL, POLACA OU CORREDOR POLONÊS PARA OS NAZISTAS):

A Prússia Real (Ocidental ou Polaca) tinha uma população etnicamente mista (polaca e alemã). A população alemã predominava nas cidades.
O território da Prússia Real (Ocidental ou Polaca) abrangia o vale do Rio Vístula (baixo Vístula), desde o cotovelo do rio, perto de Thorn (Torun), até ao litoral báltico, "e ainda a província protuberante da Vármia. Os três centros principais  eram Gdansk (Danzig), Elbing (Elblag), e Thorn (Torun).
A Prússia Real via na Polônia uma aliada e no vizinho Estado Hohenzollern, um inimigo.

PRÚSSIA ORIENTAL (PRÚSSIA DUCAL/PRÚSSIA PRUSSIANA):

Na Prússia Oriental, os Cavaleiros Teutônicos já não tinham pagãos para converter.

"Os Cavaleiros Teutônicos tinham um problema adicional. O Tratado de Thorn (1466) exigia que os grãos-mestres prestassem vassalagem ao rei polaco. O juramento da vassalagem era uma prática feudal normal e, dado que as terras da Ordem se localizavam fora do Império, não era uma questão na qual o Sacro Império Romano Germânico pudesse interferir. Porém, mesmo assim, era ofensivo."
(página 411/412)

No Século XVI os Cavaleiros Teutônicos fazem uma mudança radical. Abandonam o catolicismo e passam a adotar a religião protestante. Assim, o Grão-Mestre Alberto Hohenzollert, excomungado pelo Papa, demitiu-se.

"A Ordem, juntamente com os cavaleiros que o desejavam, retirou-se para a sua província no norte, a Curlândia-Livônia e os restantes juraram fidelidade à nova fé luterana. De seguida, conforme previamente acordado, Alberto de Hohenzollern (o grão-mestre que tinha se demitido) deslocou-se a Cracóvia para proclamar a sua fidelidade ao rei da Polônia e receber a Prússia como feudo. Segundo o Tratado de Cracóvia, o antigo grão-mestre foi elevado a duque, e as suas possessões tornaram-se um ducado."
(página 412)

O juramento de vassalagem de Alberto de Hohenzollern para o Rei da Polônia (Rei Sigismundo I) foi realizado em abril de 1525. Esse juramento era refeito sempre que havia uma mudança de rei na Polônia ou de Duque na Prússia.

"A Europa esquecer-se-ia, mas houve uma altura em que o rei da Polônia era o chefe, e o Hohenzollern o subordinado."
(página 413)

Houve um tempo em que membros da Dinastia Hohenzollern, que iria governar o Império Alemão nos séculos XIX e início do século XX, iriam prestar vassalagem a reis poloneses. Esse era o tipo de informação que não constaria nos livros de História durante a Alemanha Nazista.
A partir de 1525, como já registrado, o Ducado da Prússia, sucessor do Ordenstaat, foi um feudo do Reino polonês. Manteve esse estatuto em 1569, quando, através da União de Lublin, o Reino da Polônia e o Grão-Ducado da Lituânia formaram a RZECZPOSPOLITA ou Comunidade da Polônia-Lituânia.
A Prússia Ducal era protestante. A sua suserana, a Polônia, era católica. Mas a Polônia era um reino tolerante, de forma que não foi uma entusiasta da Contrarreforma.
A capital da Prússia Ducal era Konigsberg, que os poloneses chamavam de Królewiec. Tinha uma Universidade Protestante independente, a Albertina (a partir de 1544). Tinha uma Casa da Moeda ducal que cunhou moedas de qualidade com a inscrição em latim << Justus Ex Fide Vivit >> (O Justo vive pela fé).

ALBERTO HOHENZOLLERN:

Em 1525, torna-se Duque da Prússia. Sua mãe era polonesa. Reis poloneses eram seus parentes (um primo e um tio). O seu governo na Prússia durou mais de 40 anos, durante o qual enfrentou revoltas de camponeses, que queriam acabar com a miséria e a servidão. Alberto as sufocou com ferocidade. Em 1530, Alberto aliou-se a outros pequenos Estados alemães numa luta contra o Sacro Império Romano Germânico (Guerra da Liga de Schmalkalden). A luta era para conquistar para os Estados protestantes o direito de autodeterminação, terminando com a aceitação do Príncípio "cuius regio, eius religio." (a religião do rei é a religião do povo).

FAMÍLIA HOHENZOLLERN:

Alberto Hohenzollern, duque da Prússia, era católico. Mas seus primos em Brandemburgo eram católicos. Joaquim I Nestor (1491/1535), primo de Alberto e Margrave-eleitor de Brandemburgo, abrigou os filhos, sob pena de deserção, jurar fidelidade eterna à fé católica. 

Margrave eleitor ou Príncipe Eleitor do Sacro Império Romano Germânico (Kurfurst): Secular como o de Brandemburgo, havia mais 4, como o Rei da Boêmia e o Duque da Saxônia. Havia a palavra 'eleitor' porque eles elegiam o Imperador do Sacro Império Romano Germânico.
Em 1555, Joaquim II Heitor (1535/1571), sucessor de Nestor , mudou a religião de Brandemburgo, e "proclamou formalmente o luteranismo como a religião do Brandemburgo." (página 416)

APROXIMAÇÃO DOS HOHENZOLLERNS DA PRÚSSIA COM OS HOHENZOLLERNS DE BRANDEMBURGO:


Tudo começou com a morte de Alberto Hohenzollerns. Seu filho, Alberto Frederico, era doente, mas mesmo assim teve um longo reinado. 


"Segundo o costume, um feudo podia ser revogado em casos de inexistência de herdeiros ou de incapacidade de herdeiro, e a família viu-se obrigada a tomar precauções. Primeiro, os Hohenzollerns de Berlim (Brandemburgo) persuadiram o monarca polonês a vender-lhes os direitos à reversão do ducado. Isto significaria que caso Alberto Frederico ficasse incapacitado de forma permanente, os Brandemburgueses tinham o direito de agir como seus herdeiros legais. Segundo, os Hohenzollerns de Berlim nomearam um berlinense como regente da Prússia. Terceiro, em 1594, casaram a filha do duque doente Alberto Frederico  com o filho do Margrave-Eleitor, João Sigismundo. 

(página 417)

E os poloneses? Viam toda essa movimentação e não faziam nada? Na realidade, nesse momento, o Reino Polonês era governado por um sueco da Dinastia Vasa, que estava mais interessado na guerra civil que se desenrolava em seu país do que com o destino da Prússia.


1618: MORRE ALBERTO FREDERICO.

Com a morte de Alberto Frederico, acontece uma União Pessoal entre Brandemburgo e a Prússia Ducal, sob o governo de João Sigismundo. Mas João Sigismundo, inesperadamente, morreu um ano depois. Seu filho, Jorge Guilherme, teve dificuldades em manter essa União Pessoal entre a Prússia Ducal e Brandemburgo. Mas no fim, após negociações com os poloneses, ele conseguiu manter a união entre Brandemburgo e a Prússia Ducal.

ESTADO DUAL: BRANDEMBURGO E PRÚSSIA DUCAL:

Criado em 1621, com o jovem Jorge Guilherme jurando fidelidade ao seu suserano, o rei Polonês, pois a Prússia Ducal continuava sendo um feudo polonês. Jorge Guilherme agora era Margrave-Duque-Eleitor.
A Dinastia Hohenzollern pode ser entendida como uma espécie de empresa familiar. E ela não estava sozinha na sua época e o modo de agir era igual para todas as dinastias. No caso particular da família Hohenzollern, ela possuía o eleitorado de Brandemburgo. Mas como toda empresa, ela queria expandir seus negócios, adquirindo mais. E essa aquisição veio na forma da Prússia Ducal. A oportunidade surgiu e o negócio foi feito. A Prússia Ducal foi uma ativo a mais adquirido pela Dinastia Hohenzollern, acrescentando poder a ela.

"Entre 1621 e 1657, o Ducado da Prússia foi governado a partir de Berlim, mas como elemento separado e distinto do Estado Dual independente do Brandemburgo-Prússia. A sua ligação feudal à Polônia impunha algumas obrigações residuais, mas na prática resumia-se a não fazer oposição aos interesses de política externa do suserano."
(página 420)

O Ducado da Prússia, portanto, apesar de ser parte do Estado Dual Brandemburgo-Prússia, continuava sendo um feudo polonês e, como tal, tinha ainda obrigações residuais com esta.

FREDERICO GUILHERME - O GRANDE ELEITOR - DER GROSSEN KURFURST:

Com a morte de Jorge Guilherme, Frederico Guilherme, seu único filho, torna-se duque da Prússia e eleitor de Brandemburgo. Frederico Guilherme, o Grande Eleitor, governou de 1640 a 1688. Ele tentava se equilibrar entre duas lealdades: lealdade à Polônia, por ser o Duque da Prússia, que era um feudo polonês; e lealdade ao Sacro Império Romano Germânico, governado por um Habsburgo, por ser um eleitor de um Estado alemão.
A administração de Frederico Guilherme, o Grande Eleitor, tornou notável o Estado Hohenzollern, por adotar uma política mercantilista, militarista e de tolerância religiosa. Era tolerante porque via que a Tolerância religiosa, adotada na vizinha Polônia, era algo positivo. Tornou-se militarista por constatar que, a Polônia, um dos maiores países da Europa, tinha deficiências, por não possuir um exército profissional e permanente. Ele, Frederico Guilherme, iria criar um exército permanente e profissional para o seu pequeno Estado, pois era a única forma de sobreviver. E para manter esse exército profissional e permanente, era necessário ter dinheiro, que viria com uma administração eficiente da economia (mercantilismo).


ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "REINOS DESAPARECIDOS, HISTÓRIA DE UMA EUROPA QUASE ESQUECIDA", NORMAN DAVIES, EDITORA EDIÇÕES 70, páginas 385/423

sábado, 11 de abril de 2020

Pedro, o Grande Moscou do Século XVII Cidade de Madeira Czar Aleixo Direito Divino Responsável Somente Perante Deus Cossacos


MOSCÓVIA:

A cidade de Moscou era apinhada de Igrejas. No centro dela, ficava a Fortaleza do Kremlin, que "era por si só, uma cidade." (página 2). O Kremlin era uma cidade dentro de uma outra cidade. A fortaleza do Kremlin ficava situada numa colina, 40 metros acima do Rio Moscou. Kreml, em russo, é igual a Fortaleza. O Czar e o Patriarca viviam no Kremlin. Dali governavam seus mundos, o Czar, o secular, e o Patriarca, o espiritual.
Outro ponto de destaque em Moscou era a Praça Vermelha, que localizava-se numa área abaixo da Catedral de São Basílio e do Kremlin. A Praça Vermelha, no século XVII, não era pavimentada e era um "mercado aberto e movimentado, com toras de madeira no chão para cobrir a lama." (página 3). Abaixo da Praça Vermelha...

"colina abaixo, mais perto do Rio Moscou, animais eram vendidos, além de peixes retirados vivos na hora de tanques. Na margem, perto da nova ponte de pedra, filas de mulheres se inclinavam sore a água para lavar roupas."
(página 4)

Anoitecer em Moscou do século XVII...

"Ao anoitecer....poucos cidadãos honestos se aventuravam nas ruas escuras, as quais se tornavam o habitat de ladrões e de pedintes armados determinados a extrair à força, na escuridão, aquilo que não tinham conquistado por meio das súplicas durante as horas do dia."
(página 4)

A Moscou do século XVII tinha espaços abertos deixados como corta fogo que eram tomados pela grama. Essa medida era necessária, pois a Moscou de 1670 era uma cidade de madeira. Até as ruas eram feitas de madeira, forradas com tábuas irregulares e pranchas. Madeira como calçamento das ruas, que afundava na lama durante o período de chuvas e que ficavam cheia de pó no verão. 
Você poderia se encontrar com homens nus que tinham vendido todas as suas posses, inclusive suas roupas, para comprar bebidas. Assassinatos eram comuns durante a noite em Moscou.

CZAR ALEIXO MIKHAILOVICH:

Era o segundo Czar Romanov. A população aprendia a ver o Czar como se ele fosse uma criatura semidivina.
No ano de 1645 Aleixo sucede seu pai e torna-se o novo Czar russo. Contava com 17 anos de idade e o apelido dele era Jovem Monge.
A cabeça de Aleixo funcionava assim:

"Em momento algum questionou seu direito divino de reinar; em sua mente, ele e todos os monarcas eram escolhidos por Deus e responsáveis apenas perante Deus."
(página 13)

Aleixo estendia esse pensamento do direito divino para outros monarcas, como por exemplo para o monarca inglês Carlos I, que foi decapitado pelo Parlamento inglês:

"Quando membros do Parlamento Inglês decapitaram o Rei Carlos I, em 1649, o Czar Aleixo ficou tão chocado e pessoalmente indignado que expulsou todos os mercadores ingleses do interior da Rússia...Enquanto o Rei Carlos II permanecia no exílio, Aleixo lhe enviou dinheiro..."
(página 13 - N.A.)

Provérbios russos:

"Só Deus e o Czar sabem."
(página 10)

"O Sol brilha no Céu e o Czar brilha na Terra."
(página 10)

"O Soberano é o pai; a Terra, a Mãe."
(página 10)

A Terra era vista como a Mãe madura e fértil dos Russos (rodina em russo). O Czar, por sua vez, era o Pai do povo, chamado de Batushka.

"Em certo sentido, muito antes do comunismo, a terra russa já era comunal. Pertencia ao Czar como um pai, mas também ao povo, à sua família. A disposição do solo pertencia ao Czar - ele poderia conceder áreas enormes a nobres favorecidos -, mas, ainda assim, a terra continuava sendo propriedade conjunta da família nacional."
(página 10/11)

"Seu governo autocrata era patriarcal. Ele (Czar) se dirigia aos súditos como filhos e exercia sobre eles o mesmo poder ilimitado que um pai detém sobre sua prole."
(página 10)

Um nobre, mesmo um nobre, se dirigia dessa forma ao Czar, chamando a si mesmo de "escravo" e seu filho de "desprezível":

"Nós, seu escravo Artemon Matveiev, com o desprezível, meu filho Adrushka, humildemente imploramos, diante do alto trono de Sua Real Majestade, abaixando nossas cabeças à terra..."
(página 11)

O Governo do Czar: 

A Burocracia que tocava o governo russo era corrupta e ineficiente. Aleixo governava o maior país do mundo, que se estendia da fronteira polonesa ao Pacífico. Seu centro ficava em Moscou.
A Rússia tinha 8 milhões de habitantes. A maioria dos russos vivia no interior, tirando seu sustento da terra, dos rios e das florestas. Os russos conseguiam tudo do que precisavam da floresta, que se estendia como um oceano: peles para vestir; madeira para construir casas e para aquecer no inverno; etc. Em meio às árvores encontrava-se o povo russo comunal, reunido em "pequenos vilarejos construídos em clareiras, na borda de lagos ou na margem dos rios de águas lentas." (página 16).
Nessa mesma época, a França de Luís XIV tinha 19 milhões de habitantes. A Suécia tinha menos de 2 milhões de habitantes. A Inglaterra tinha um pouco mais do que 5 milhões de habitantes.

Principais cidades russas na época do nascimento de Pedro:

Novgorod, Moscou, Pskov, Arcangel, Yaroslavl, Tula, Tver, Suzdal, Astracã, Cazã (Kazan), Smolensk e Kiev.

SOCIEDADE RUSSA NO SÉCULO XVII:

Imagine uma Pirâmide. Sobre tudo, estava DEUS. Abaixo de Deus, vinha o Czar Russo. Abaixo do Czar, vinham os Boiardos, que eram os nobres pertencentes a famílias principescas, latifundiários hereditários. Abaixo dos Boiardos, apareciam os membros da nobreza menor, que recebiam propriedades por seus serviços. Abaixo da nobreza menor, vinham os citadinos, mercadores, artesãos. E abaixo de tudo isso, vinham os camponeses servos.

COSSACOS:


"Kiev e as regiões férteis tanto a leste quando a oeste do Dnieper era o território dos Cossacos, um povo ortodoxo, originalmente composto por vagabundos, saqueadores e fugitivos que haviam deixado para trás as duras condições de vida na antiga Moscóvia para formar bandos de cavalaria não oficiais, tornando-se depois desbravadores, estabelecendo fazendas, vilas e cidades por todo o norte da Ucrânia."
(página 15)

Essa região do rio Dnieper era uma espécie de Velho Oeste americano para os russos. Uma terra sem lei. Para piorar, quem morava ali ainda era fustigado por saques e pilhagens feitas tártaros das estepes e da Crimeia. Além dos saques, ainda podiam virar escravos nas mãos dos muçulmanos. Nos anos de 1382 e 1571, a própria cidade de Moscou foi saqueada e queimada pelos tártaros.
Essa região habitada pelos cossacos ficava a 500/600 km de distância da costa do Mar Negro. Essa área que separava os cossacos da costa do Mar Negro era a "...famosa estepe de terra negra da parte baixa da Ucrânia - permanecia vazio. Ali, a grama crescia tanto que às vezes somente a cabeça e os ombros de um homem a cavalo poderiam ser vistos se movimentando acima da vegetação. Nos tempos de Aleixo, essa estepe era terra de caça e pastoreio dos tártaros da Crimeia - descendentes islâmicos dos antigos conquistadores mongóis e vassalos do sultão muçulmano."
(página 15)

RÚSSIA DURANTE NO NASCIMENTO DE PEDRO:

Moscou, a capital da Moscóvia, que viria a ser Império Russo, localizava-se numa área bem provida de rios.
Rio Volga
Rio Don
Rio Dnieper
Rio Duína
A norte de Moscou havia a nascente do Rio Volga, que corria para leste, passando por Tver, Yaroslavl e Nijni-Novgorod, onde se encontrava com o Rio Oka, que por sua vez passava pela cidade de Tula (sul de Moscou), dirigindo-se para o leste, recebendo pelo caminho as águas do Rio Moscou. Com as águas do Rio Oka, o Rio Volga, segue ainda para o leste, até a cidade de Kazan (Cazã), de onde finalmente dirige-se para o sul, passando por Samara, Tsaritsin (Stalingrado) e Astracã (Mar Cáspio).
No sul de Moscou ainda pode ser encontrado a nascente do Rio Don. Esse rio corre sempre para o sul, passando por Voronej, Rostov, até desaguar no Mar de Azov. Havia ainda o Rio Dnieper, que também estava a sul de Moscou, igualmente correndo sempre na direção sul, até desaguar no Mar Negro.
Ao Norte/Nordeste de Moscou, temos o rio Duína, que corre em direção ao Mar Branco, em Arcangel. Na época, era o único porto russo, que ficava a maior parte do tempo congelado. Dele,  quando não estava congelado, partia-se para o Mar Báltico, passando pelo círculo polar.

RÚSSIA: O GIGANTE SEM SAÍDA VIÁVEL PARA O MAR:

A Rússia já se estendia profundamente para o leste, passando por Kazan (Cazã), indo ainda mais longe, passando pelos Montes Urais, alcançando a Sibéria e chegando no Pacífico. Ao sul dessa área, a fronteira era delimitada com a China pelo Rio Amur.
A Oeste de Moscou encontrava-se o Reino da Comunidade Polônia/Lituânia. No norte dessa fronteira, ficava a cidade russa de Smolensk. Ao sul dela, ficava Kiev.
Mais a norte e noroeste de Moscou ficava a fronteira com a Suécia. A Suécia ocupava a Livônia (atuais Letônia e Estônia), a Ingria (costa do Mar Báltico) e a Carélia (Golfo da Finlândia). A presença sueca nessa área obstava a passagem russa para o Mar Báltico. O gigante russo se via cercado, sem acesso ao mar, exceto pela cidade de Arcangel, no Mar Branco. Outra opção seria o Pacífico, percorrendo milhares de quilômetros, passando pelos Montes Urais, pela Sibéria, sem estradas, passando por uma região hostil, tornava-se totalmente inviável de ser explorado durante os séculos XVII e XVIII.

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "PEDRO, O GRANDE, SUA VIDA E SEU MUNDO, ROBERT K. MASSIE, EDITORA AMARILYS, capítulo 1, Moscóvia Antiga, páginas 2/18.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

O Rebento de Deus Eduardo Herdeiro de Henrique VIII Catarina Parr Regente



FINALMENTE HENRIQUE VIII TEM UM FILHO VARÃO:

Em 12 de outubro de 1537, nasce Eduardo, filho de Henrique VIII com Jane Seymour

"um herdeiro legítimo e incontestado para herdar uma Inglaterra Tudor sólida."
(página 66)

Alguns dias depois, a rainha Jane Seymour morreria. O Parto tinha sido um verdadeiro ordálio. A falta de higiene médica no século XVI fez o resto do serviço.

EDUARDO E AS FILHAS:

Além do herdeiro Eduardo, Henrique VIII tinha ainda duas filhas: Maria (com Catarina de Aragão) e Isabel (com Ana Bolena). Mas por segurança era necessário ter mais um herdeiro, que se tornaria duque de York, no caso de Eduardo morrer. E por esse motivo, Henrique teria que se casar mais uma vez.

"A principal preocupação de Henrique era agora a segurança futura da dinastia real Tudor, que teria de ser protegida tanto de seus inimigos como do adversário igualmente fatal, a doença."
(página 69)

Henrique VIII temia que seu herdeiro Eduardo viesse a falecer em razão de alguma febre (epidemia) , comum naquela época. Henrique VIII também temia inimigos humanos, daí a necessidade de provar a comida de Eduardo antes que ele a comesse, para evitar alguma tentativa de envenenamento. Eduardo era a joia mais preciosa do Reino.

OS PLANOS PARA EDUARDO:

Um dos principais papeis exercidos pelo herdeiro de uma coroa:

- conseguir um casamento diplomaticamente vantajoso. O plano de Henrique para Eduardo era fazê-lo casar com Maria, filha recém-nascida do Rei escocês James V. A vitória inglesa contra os escoceses em Solway Mass (novembro de 1542) abria um caminho para o domínio da Escócia. Mas os planos de Henrique foram obstados pelo Conde de Arras, que fora nomeado Governador enquanto Maria fosse menor.
Mas um acordo de paz assinado entre Escócia e Inglaterra, em julho de 1543, acertou que os filhos reais (Eduardo e Maria) das duas nações tinham sido prometidos em casamento. Assim, acertou-se que, Maria, filha do falecido rei escocês James V, iria para a Inglaterra assim que completasse 10 anos. Esse tratado acabou por ser abandonado, de forma que Maria foi levada para a França, em 1548.

ISABEL E MARIA NA LINHA SUCESSÓRIA DE EDUARDO:

"Foi reabilitada para a vida familiar em parte graças à reentrada de ambas as princesas na linha sucessória da coroa, depois de Eduardo e seus herdeiros, consagrada em Acto aprovado no Parlamento em 1544."
(página 79)

Catarina Parr, sexta e última esposa de Henrique VIII, era mais próxima de Isabel do que de Maria:

"Catarina, arraigada ao pensamento humanista moderno, não era tão chegada da Princesa Maria, católica resoluta, embora a cobrisse de presentes..."
(página 80)

JULHO DE 1544: HENRIQUE VIII PARTE PARA SUA ÚLTIMA CAMPANHA MILITAR:

Em julho de 1544 Henrique VIII parte para a França, em sua última campanha militar. Catarina Parr, sua esposa, de seu sexto e último casamento, fica como regente.
Catarina, além de regente enquanto Henrique VIII estava na França, escrevia livros. Exemplo: "Lamentações de uma Pecadora" (Lamentations of a Sinner): "...retratando o rei (Henrique VIII) como um Moisés que subtraíra a Inglaterra à servidão de Roma." (página 80)
As crenças de Catarina quase a levaram à morte:

"As crenças e opiniões da rainha (Catarina Parr) arrastá-la-iam para águas muito perigosas de fato: o turbilhão provocado pelo permanente conflito que alimentou dentro do Conselho Privado de Henrique, por causa da reforma religiosa. Quase lhe custou a vida."
(página 81)

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "OS ÚLTIMOS DIAS DE HENRIQUE VIII, CONSPIRAÇÕES, TRAIÇÕES E HERESIAS NA CORTE DO REI TIRANO, ROBERT HUTCHINSON, EDITORA CASA DAS LETRAS, CAPÍTULO 2, PÁGINAS 63/81, REBENTO DE DEUS.

Cristianismo versus Paganismo Inovações do Cristianismo para o Mundo Romano



FINAL DA DÉCADA DE 460 d.C. REQUISITOS PARA A ESCOLHA DE BISPOS NUMA LOCALIDADE DA GÁLIA (IMPÉRIO ROMANO):

O que os candidatos a Bispo diziam a favor de si, para conseguirem votos?

- um dizia que deveria ser o escolhido porque a sua família era antiga;
- outro dizia que tinha ajudado a localidade/cidade, alimentando-a;
- um terceiro candidato a Bispo dizia que daria terras da Igreja para quem o apoiasse;
- outro dizia que deveria ser escolhido por ser um notável local (aristocrata) e oriundo de uma família senatorial
- outro candidato dizia que deveria ser escolhido porque sua família é repleta de prefeitos e bispos e que ela (a família dele) tinha defendido a cidade perante os chefes romanos e bárbaros.

Naquela época, mesmo uma pessoa casada poderia ser eleito Bispo. O ofício de Bispo era atraente.

"...a hierarquia tradicional do mundo romano tinha efetivamente absorvido as novas estruturas de poder do cristianismo."
(página 98)

Apesar disso, poderia haver exceções, como no exemplo de alguém ser escolhido Bispo sem ser um notável local, que tenha por mérito próprio, e não por nascimento, galgado posições na estrutura da Igreja em razão de seu talento. Isso aconteceu com João, escolhido bispo em Chalon-Sur-Saône, em 460 d.C. .

CRISTIANISMO VERSUS PAGANISMO:

Pagão: A religião Greco-Romana tradicional não tinha nenhuma palavra para denominar seus praticantes. Mas no século III, "paganus" (rústico) era utilizado para designar um sujeito que não era cristão (ou judeu). > (notas, página 127)

"O Império Romano não era, em absoluto, totalmente cristão, em 400 d.C.. Havia ainda aristocratas pagãos em Roma, embora talvez, já não existissem em 450; em Constantinopla, havia alguns ainda um século mais tarde."
(página 99)

A existência ainda do paganismo em terras romanas demandava atividade missionária. Além dos pagãos, havia comunidades judaicas. A cristianização do Império Romano não tinha acontecido do dia para a noite, resultado de uma decisão de cima para baixo, tomada por Constantino. Havia trabalho missionário ainda a ser feito para que o cristianismo realmente tomasse conta do Império.
No século V, visando extirpar de vez o paganismo, o Imperador Justiniano impôs "o batismo sob pena de confisco e, às vezes, de execução." (página 108)

TIPO DE CRISTIANISMO EXISTENTE NO IMPÉRIO ROMANO TARDIO:

Um Bispo poderia até, intimamente, guardando o pensamento para si, não concordar com a opinião da maioria das pessoas sobre a ressurreição. Ele ainda poderia não renunciar à sua mulher nem ao projeto de ter filhos. Esse era o caso de Sinésio de Cirene, feito Bispo no norte da África, pelo Patriarca de Alexandria, Teófilo, em 411 d.C. . Sinésio era secular, casado e filósofo. Era um aristocrata local, que intercedia junto a Constantinopla para conseguir menos impostos para a sua região, a Cirenaica, atual leste da Líbia. Sinésio ainda organizava sua defesa militar contra invasões de tribos berberes.

"O cristianismo, em 400, estava definido de forma simples, em certo nível, como a religião do Novo Testamento; se alguém acreditava na Trindade Divina do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e admitia que Jesus Cristo, crucifixado por volta de 33 d.C., era filho de Deus, e que não existiam outros deuses, logo, era cristão."
(página 100)

E havia ainda alguns cristãos que iam mais além, os ascetas:

"Essas crenças geralmente iam acompanhadas de uma exaltação da pobreza - já que o bom cristão deve dar tudo aos pobres - e do pressuposto de que este mundo é apenas um breve campo de prova antes das alegrias eternas do céu ou das torturas eternas do inferno, o que significava que o prazer era arriscado e que o ascetismo - às vezes, a auto-mortificação - era cada vez mais visto como virtuoso."
(página 100)

Nos séculos IV a VI, você tinha de um lado autores que se colocavam como críticos de um "mundo descontraído" (página 101), que desejavam reformar (Agostinho, Jerônimo, Salviano e narrativas hagiográficas de santos ascéticos como Antão ou Simeão Estilita). De outro lado você tinha a absorção das estruturas de poder do cristianismo pela hierarquia romana, quando por exemplo aristocratas casados se tornavam bispos. Entre esses dois lados, "havia um oceano de diferentes tipos de práticas religiosas realizadas por todos os outros, cujo significado deve adivinhar-se através de relatos de observadores hostis." (página 101)

FESTIVIDADES:

O Natal cristão era ironicamente o substituto de um festival pagão, o Solstício de inverno. Já o 1º de Janeiro da religião greco-romana (pagã), comemorado por 3 dias com a realização de sacrifícios, teve de ser  modificado, com a retirada dos sacrifícios, tornando-o um evento religiosamente neutro.
O Calendário do Cristianismo ia basicamente de dezembro a maio (Natal, Quaresma, Páscoa, Pentecostes). No resto do ano havia celebrações de santos locais.

"...o tempo cristão substituiu o tempo pagão."
(página 102)

Escritores como Agostinho criticavam que as festas cristãs fossem comemoradas como as festas pagãs, com bebedeiras e diversões. Agostinho defendia que as pessoas cantassem salmos na Igreja. O problema era combinar isso com o povo, que poderia não ver incompatibilidade entre festejar e beber ao mesmo tempo em que celebrava um santo local.

"...essa visão dupla iria permanecer por muito tempo."
(página 102)

Havia dentro da Igreja dois entendimentos sobre ela deveria guiar seus fiéis. Uma parte aprovava o ritual coletivo na Igreja, que trazia solidariedade moral e social. Esse entendimento aprovava as festas religiosas e as peregrinações. Um outro grupo de religiosos entendia que o foco deveria estar na valorização da crença, alcançada por meio da disciplina mental das pessoas para se atingir a salvação individual.

A CRISTIANIZAÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO:

"...enquanto aos olhos pagãos, toda paisagem podia ser luminosa, aos olhos cristãos, apenas os locais de culto específicos eram pontos de luz em um espaço, de outro modo secular."
(página 103)

"Estes eram sempre ou logo se tornavam, as igrejas, já que eram muito visíveis."
(página 103)

As Igrejas, num primeiro momento, ficavam fora das cidades, pois, estas, eram associadas ao paganismo, com templos pagãos localizados nos centros das cidades do Império, próximos ao Fórum local. Mas com o passar do tempo, as igrejas começaram a ser construídas dentro das cidades. Ao mesmo tempo, era costume cristão enterrar seus santos perto das igrejas ou em seu interior. As igrejas ainda mantinham relíquias de santos (geralmente, parte de seus corpos). Esse costume cristão derrubou o preconceito existente na comunidade grego-romana, que não admitia que as pessoas mortas fossem enterradas dentro das cidades:

"A tradicional religião greco-romana considerava as pessoas falecidas perigosas e poluentes."
(página 103)

As pessoas agora queriam ser enterradas perto dos santos, de forma que os enterros passaram a ser realizados no interior das cidades, onde ficavam as igrejas.

"Os primeiros enterros de pessoas não santas dentro das cidades datam do fim do século V e começo do VI, na maior parte do Império Romano; primeiro foram os bispos e aristocratas locais, depois os cidadãos comuns. No século VII, os cemitérios urbanos eram cada vez mais frequentes."
(página 104)

MUNDO INVISÍVEL:

"O mundo invisível também mudou. Para a maioria dos pagãos, o ar estaria repleto de poderosos seres espirituais, 'daimones' em grego, que às vezes eram benéficos, às vezes, não, por vezes controláveis por magia, mas acima de tudo bastante neutros para a raça humana. Para vários cristãos - incluindo os autores das nossas fontes, certamente, mas também as pessoas comuns que aparecem nas hagiografias -, esse mundo invisível passou como claramente dividido em dois, os anjos bons e demônios maus. E a palavra daimones ainda era utilizada; o cristianismo herdou esse dualismo do judaísmo que, por sua vez, pode ter sido influenciado por crenças paralelas do zoroastrismo."
(página 104)

"Além disso, começamos a ouvir mais sobre demônios, que passaram a intervir com mais frequência na vida diária. A cristianização, portanto, desenvolveu a sensação de que esse mundo invisível estava mais repleto de perigo do que previamente tinha sido (isso afetou a vida após a morte, já que o inferno cristão podia conter muitos mais pecados do que o tártaro grego ou a geena judaica). Os demônios, aos olhos cristãos, causavam doenças, má sorte e todo tipo de estragos; a possessão demoníaca era comumente vista como uma causa de distúrbios mentais. Os demônios viviam, entre outros lugares, em santuários e ídolos pagãos, em áreas não cultivadas, como os desertos, e também em túmulos (tal crença era, em parte, uma herança das crenças tradicionais sobre a contaminação dos mortos). Eles podiam ser derrotados por exorcismo clerical."
(página 104)

A CARIDADE:

Ao contrário dos pagãos, os cristãos criaram organizações para ajudar os pobres. Ajudar os pobres também seria uma forma de justificar o aumento da riqueza das Igrejas.

"Esse acento na caridade viria a ser herdado pelo islã também."
(página 106)

PROCISSÕES:

Procissões eram comuns para o recebimento, por exemplo, de um Imperador (adventus). Com o passar do tempo, os cristãos passaram a adotá-las.



INOVAÇÕES TRAZIDAS PELO CRISTIANISMO AO MUNDO ROMANO:

👉Igreja como Instituição
👉Importância Política daquilo que seria considerada a crença correta
👉Novos espaços sociais para rigoristas religiosos e ascetas

👉IGREJA COMO INSTITUIÇÃO:

Judeus e Pagãos tinham como marca a descentralização. Com o Cristianismo seria diferente.

O cristianismo, no entanto, teve uma hierarquia complexa, coincidindo, em parte, com a do Estado. Em 400, havia quatro Patriarcas: em Roma, em Constantinopla (desde 381), em Antioquia e em Alexandria. Um 5º Patriarca foi adicionado para Jerusalém, em 451.
A riqueza da Igreja crescia como resultado de doação de crentes. A Igreja não era parte do Estado mas colaborava com ele. Tratava-se de uma parceria inevitável para os governantes seculares (reis, Imperador). A Igreja ainda exercia uma autoridade informal nas cidades. A Igreja ainda era grande proprietária de terras. Havia estabilidade porque os bens da Igreja não podiam ser alienados. Todo esse poder atraia a atenção da elite, cujos membros queriam se tornar bispos, arcebispos. E como a Igreja Cristã não dependia financeiramente do Império Romano, ela sobreviveu a ele.


BISPOS:

Havia dois níveis de Bispos:

- Arcebispos: supervisionavam e consagravam Bispos de cada Província secular
- Bispos: sua diocese correspondia ao território secular de sua cidade

👉A IMPORTÂNCIA POLÍTICA NA ADOÇÃO DE UMA CRENÇA CORRETA:

A Heresia, a crença desviante, era um assunto de Estado. No paganismo não havia essa preocupação na uniformização da crença, de forma que comportava várias divisões, sem maiores consequências, ao contrário do que iria acontecer com o cristianismo, que queria a uniformidade de pensamento, com todos os cristãos marchando juntos com a mesma crença. O Imperador Constantino tentou buscar essa uniformização, mas não conseguiu obter um consenso. Era importante uniformizar a crença cristã pois isso iria ajudar o Império Romano enquanto coletividade. Dissensões, divisões e desacordos nunca ajudam. O melhor é que as pessoas pensem da mesma forma.

Exemplos de dissensões no cristianismo:

- Donatistas versus Cecilianistas.

Local da desavença: África (norte). Não era um dissensão causada por diferenças de fé. Era mais um cisma. A discussão era em torno da legitimidade de determinado Bispo em consagrar outros bispos. Se houvesse um problema com o primeiro, os bispos consagrados por ele perderiam a função? Em 411 d.C. essa dissensão perdeu força.

- Pelagianismo:

Foi declarada heresia (crença desviante) pelo Imperador Honório, em 418 d.C..

"Pelágio argumentava que um cristão convicto podia evitar o pecado através do livre-arbítrio dado por Deus, o que Agostinho considerava impossível."
(página 109)

Pelágio não criou maiores problemas. Serviu apenas para que Agostinho criasse a sua teoria da Predestinação à salvação por meio da graça de Deus.

- A Natureza de Jesus Cristo:

Prevaleceu a ideia segundo a qual o Filho era idêntico ou igual em substância com o Pai, na Trindade. Essa posição foi chancelada pelo Concílio de Niceia (atual Turquia), em 325 d.C., o qual foi presidido pelo Imperador romano da época, Constantino. Daí o credo de Niceia, que usado até hoje, na fórmula Em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Os membros dessa Trindade são iguais. Nem todos concordavam com isso, como exemplo o Presbítero Ário, de Alexandria, que dizia que Jesus Cristo não tinha dimensão divina. Ele era humano como nós e só (arianismo). O arianismo foi um tipo de cristianismo adotado por tribos bárbaras: godos, lombardos, vândalos.
A vitória do Credo Niceno significava que Jesus Cristo, apesar de humano e passível de sofrimento, era visto completamente como divino também. Um problema resolvido (natureza de Jesus Cristo) e surge uma nova pergunta: como essa combinação humana e divina acontecia em Jesus Cristo?

- A forma pela qual se dava a combinação humana e divina em Jesus Cristo:

Havia duas posições. Uma via essas duas naturezas de Jesus Cristo, humana e divina, separadas como se você olhasse para um copo em cujo interior fossem despejados água e óleo. A separação fica visível. Havia, portanto, para essa primeira corrente, uma separação visível entre as naturezas divina e humana de Jesus Cristo. A segunda linha de pensamento dizia que as naturezas humana e divina de Jesus Cristo deveriam ser vistas como um copo no qual fossem despejados água e vinho. Nesse caso, a mistura seria perfeita, de forma a não ser possível ver nenhuma separação. E assim era com Jesus Cristo, suas partes divina e humana coexistiam de forma a não deixar nenhuma linha de separação visível.
A primeira posição era defendida pelo Patriarca de Constantinopla Nestório. A segunda posição era defendida por Cirilo, Patriarca de Alexandria.

"O patriarca Cirilo de Alexandria (412-444) argumentava que os elementos humano e divino, na natureza de Cristo, não podiam ser separados; antioquenos (Antioquia, atual Turquia), como Nestório, patriarca de Constantinopla (428/431), via-os como distintos."
(página 111)

As duas formas de pensar, a de Cirilo e a de Nestório, comportavam riscos. O monofisista Cirilo corria o risco de tirar a humanidade de Jesus Cristo. Já em Nestório o perigo residia em ver Jesus Cristo como se ele fosse duas pessoas.
Essa briga foi resolvida no Concílio da Calcedônia, quando ficou acertado que "Cristo existiu em duas naturezas, divina e humana, porém em uma só pessoa." (página 111)
Calcedônia rejeitou, portanto, a posição monofisista e, ao mesmo tempo, manteve a rejeição a Nestório.

👉Desenvolvimento de novas esferas de comportamento social:

Para se aproximar de Deus era necessário adotar novas formas de comportamento: isolamento social; auto-privação de alimentos e conforto. Esse era o ascetismo de Antão, um eremita que se isolou da sociedade indo morar no deserto do Egito (357 d.C.). Havia ainda outras ascetas notáveis, como Simeão, o velho (m. 459 d.C), que ficavam no alto de Colunas, fazendo daquele lugar uma espécie de deserto pessoal. Ao mesmo tempo, ficavam visíveis para o público que ia visitá-los e se aconselhar com eles.

"Um estilita influente, Daniel (m. 493), tinha sua coluna ao lado de um dos principais portos do Bósforo, ao leste de Constantinopla - ele, certamente, estaria no centro das atenções (alguém até perguntou-lhe como ele defecava: de forma seca, como uma ovelha, ele respondeu."
(página 114)

"A influência desses ascetas quebrou todas as regras sociais romanas: poucos eram aristocratas, poucos eram educados, mas as pessoas procuravam seu conselho, persistentemente."
(página 115)

Na sequência dos ascetas vieram os monges (monasticismo). Comunidades monásticas surgiram em grande número, primeiro, no Egito. Os monges não chegavam ao extremo dos ascetas, mas eram grupos de celibatários que viviam isolados no deserto. Deviam obediência absoluta a um abade e seguiam uma rotina estabelecida.

CULTURA:

Jogos: Estádios onde se realizavam corridas de carros puxados por cavalos atraiam a atenção dos romanos. Mas além das corridas, ocorriam ali manifestações políticas. Essas aglomerações populares serviam como canais de comunicação com a autoridade que também se fazia presente, em seu camarote. 

"Em certas ocasiões, as coisas saíam de controle, como ocorreu com os distúrbios de Nika, que..., em 532, durante as quais grande parte da cidade foi saqueada e Justiniano quase foi derrubado; mas os tumultos de circo, nas principais cidades, tenderam a ser mais uma válvula de segurança, uma advertência de descontentamento, que os imperadores eventualmente levavam em consideração."
(página 118)

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA:

O público tinha participação nas decisões políticas. E quando se diz 'público', leia-se Elite.

"A comunidade política significava a elite, claro, e não havia nada nem remotamente democrático nos procedimentos políticos romanos; mas seus resultados eram comunicados verbalmente em público, muitas vezes com bastante rapidez, ao menos nas cidades. As leis imperiais também eram proclamadas; quando Anastácio aboliu o impopular imposto sobre comerciantes e artesãos, em 498, o decreto foi lido em voz alta em Edessa - um importante entreposto comercial, mas muito distante  de Constantinopla - no mesmo ano e ocasionou uma comemoração espontânea."
(página 119)

"O Imperador tinha uma relação ambígua com o mundo público. O Império Romano tardio foi um período no qual o cerimonial imperial tornou-se cada vez mais elaborado, em parte para distanciar o Imperador de outras pessoas, 'presas dentro dos limites do Palácio', segundo uma expressão de Sidônio. No Palácio, a etiqueta também era muito elaborada. Comer com o Imperador - uma grande honra - era um ato cuidadosamente controlado."
(página 119)

De toda forma, o Império buscava passar a impressão de que o Imperador era acessível, na medida que se podia peticionar para ele.

"...de fato, as leis dos códigos imperiais são muitas vezes respostas explícitas a petições."
(página 119)

"Os peticionários raramente se encontravam com o Imperador em pessoa, e, obviamente, quem realmente lidava com os seus pedidos (ou então os ignorava) era a burocracia, mas o princípio da resposta direta era preservado. Em 475, Daniel, o Estilita, deixou momentaneamente sua coluna para protestar contra o apoio de Basilisco, imperador usurpador, ao monofisismo, dirigindo-lhe cartas críticas, e, finalmente, conseguiu que este se retratasse publicamente na própria Catedral de Constantinopla."
(página 119)

CARÁTER DIVINO DO IMPERADOR:

"Os enviados romanos à corte de Átila, em 449, ofenderam muito os hunos quando disseram que, embora Átila fosse um homem, Teodósio II era um deus; essa era uma afirmação evidente aos olhos romanos, embora esses enviados fossem, sem dúvida, em sua grande maioria cristãos. Os deuses tinham desaparecido, mas o status imperial mantivera-se inalterado - 'divinus' - permanecera um termo técnico que significava 'imperial'." 
(página 120)

CASA EM ROMA:

A casa era a unidade básica. Era chamada de 'domus' quando fazia referência à sua localização física. Era chamada 'familia' quando se fazia referência às pessoas que nela viviam. A família nuclear era composta pelo homem, pela esposa, filhos.

"...outros parentes eram, normalmente, mais distantes, partes de alianças políticas mais do que parte da estrutura familiar."
(página 120)

O PÚBLICO E O PRIVADO:

A política (sentido formal) ocorria fora da habitação privada. A casa do romano era separada da atividade pública.

"...e, exceto no caso de crimes extremos, o comportamento dos membros da família dentro das paredes de uma casa era de responsabilidade do paterfamilias, o chefe masculino da casa, e estava fora da competência do direito público."
(página 120)

Escravos também faziam parte da família, na forma de trabalhadores domésticos não livres.
A família era hierárquica. O chefe inconteste era o paterfamilias, Ele podia bater nas crianças e nos escravos. Um homem deveria proteger a sua mulher e esta deveria ser servil ao seu marido. Nem o cristianismo conseguiu mexer nesses costumes familiares.

MULHERES:

"Legalmente, as mulheres estavam sujeitas aos pais, e, efetivamente, a seus maridos."
(página 122)

Mulheres não podiam ocupar cargos públicos. Uma exceção à essa regra foi Patrícia, governadora da cidade egípcia de Antaiópolis (553). Ainda nos séculos V e VI haveria imperatrizes poderosas.
As mulheres, apesar de serem vistas como "fracas e ignorantes" (página 123), havia mulheres que conseguiam destaque no debate público, como por exemplo Hipátia de Alexandria. As mulheres ainda tinham direitos na área de herança.
O ocidente da Alta Idade Média impôs, frequentemente, restrições legais e sociais muito mais intransigentes sobre o agir feminino do que o Império Romano Tardio.

O QUE SOBROU DA RUÍNA DO IMPÉRIO ROMANO?:

- estruturas da Igreja
- espaço público para a prática política
- senso de poder público
- instituições públicas do Império Romano sobreviveram como um modelo político fundamental tanto para Bizâncio quanto para o Califado árabe; e mesmo com a fragmentação dessas instituições, o que sobrava ainda podia fornecer um sistema governamental básico, de estilo romano, para os reinos romano-germânicos (Francos na Gália, Visigodos da Hispânia, Lombardos na Itália).

"...estava o peso do passado romano que, por mais fragmentado que se encontrasse, criou os elementos constitutivos para a prática política, cultural e social de todas as sociedades pós-romanas nos séculos vindouros."
(página 126)



ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DO LIVRO "O LEGADO DE ROMA, ILUMINANDO A IDADE DAS TREVAS, 400-1000, CHRIS WICKHAM, EDITORA UNICAMP, IMPRENSA OFICIAL, GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, Capítulo 2, Cultura e Crença no Mundo Romano, página 97/130.