sábado, 11 de abril de 2020

Pedro, o Grande Moscou do Século XVII Cidade de Madeira Czar Aleixo Direito Divino Responsável Somente Perante Deus Cossacos


MOSCÓVIA:

A cidade de Moscou era apinhada de Igrejas. No centro dela, ficava a Fortaleza do Kremlin, que "era por si só, uma cidade." (página 2). O Kremlin era uma cidade dentro de uma outra cidade. A fortaleza do Kremlin ficava situada numa colina, 40 metros acima do Rio Moscou. Kreml, em russo, é igual a Fortaleza. O Czar e o Patriarca viviam no Kremlin. Dali governavam seus mundos, o Czar, o secular, e o Patriarca, o espiritual.
Outro ponto de destaque em Moscou era a Praça Vermelha, que localizava-se numa área abaixo da Catedral de São Basílio e do Kremlin. A Praça Vermelha, no século XVII, não era pavimentada e era um "mercado aberto e movimentado, com toras de madeira no chão para cobrir a lama." (página 3). Abaixo da Praça Vermelha...

"colina abaixo, mais perto do Rio Moscou, animais eram vendidos, além de peixes retirados vivos na hora de tanques. Na margem, perto da nova ponte de pedra, filas de mulheres se inclinavam sore a água para lavar roupas."
(página 4)

Anoitecer em Moscou do século XVII...

"Ao anoitecer....poucos cidadãos honestos se aventuravam nas ruas escuras, as quais se tornavam o habitat de ladrões e de pedintes armados determinados a extrair à força, na escuridão, aquilo que não tinham conquistado por meio das súplicas durante as horas do dia."
(página 4)

A Moscou do século XVII tinha espaços abertos deixados como corta fogo que eram tomados pela grama. Essa medida era necessária, pois a Moscou de 1670 era uma cidade de madeira. Até as ruas eram feitas de madeira, forradas com tábuas irregulares e pranchas. Madeira como calçamento das ruas, que afundava na lama durante o período de chuvas e que ficavam cheia de pó no verão. 
Você poderia se encontrar com homens nus que tinham vendido todas as suas posses, inclusive suas roupas, para comprar bebidas. Assassinatos eram comuns durante a noite em Moscou.

CZAR ALEIXO MIKHAILOVICH:

Era o segundo Czar Romanov. A população aprendia a ver o Czar como se ele fosse uma criatura semidivina.
No ano de 1645 Aleixo sucede seu pai e torna-se o novo Czar russo. Contava com 17 anos de idade e o apelido dele era Jovem Monge.
A cabeça de Aleixo funcionava assim:

"Em momento algum questionou seu direito divino de reinar; em sua mente, ele e todos os monarcas eram escolhidos por Deus e responsáveis apenas perante Deus."
(página 13)

Aleixo estendia esse pensamento do direito divino para outros monarcas, como por exemplo para o monarca inglês Carlos I, que foi decapitado pelo Parlamento inglês:

"Quando membros do Parlamento Inglês decapitaram o Rei Carlos I, em 1649, o Czar Aleixo ficou tão chocado e pessoalmente indignado que expulsou todos os mercadores ingleses do interior da Rússia...Enquanto o Rei Carlos II permanecia no exílio, Aleixo lhe enviou dinheiro..."
(página 13 - N.A.)

Provérbios russos:

"Só Deus e o Czar sabem."
(página 10)

"O Sol brilha no Céu e o Czar brilha na Terra."
(página 10)

"O Soberano é o pai; a Terra, a Mãe."
(página 10)

A Terra era vista como a Mãe madura e fértil dos Russos (rodina em russo). O Czar, por sua vez, era o Pai do povo, chamado de Batushka.

"Em certo sentido, muito antes do comunismo, a terra russa já era comunal. Pertencia ao Czar como um pai, mas também ao povo, à sua família. A disposição do solo pertencia ao Czar - ele poderia conceder áreas enormes a nobres favorecidos -, mas, ainda assim, a terra continuava sendo propriedade conjunta da família nacional."
(página 10/11)

"Seu governo autocrata era patriarcal. Ele (Czar) se dirigia aos súditos como filhos e exercia sobre eles o mesmo poder ilimitado que um pai detém sobre sua prole."
(página 10)

Um nobre, mesmo um nobre, se dirigia dessa forma ao Czar, chamando a si mesmo de "escravo" e seu filho de "desprezível":

"Nós, seu escravo Artemon Matveiev, com o desprezível, meu filho Adrushka, humildemente imploramos, diante do alto trono de Sua Real Majestade, abaixando nossas cabeças à terra..."
(página 11)

O Governo do Czar: 

A Burocracia que tocava o governo russo era corrupta e ineficiente. Aleixo governava o maior país do mundo, que se estendia da fronteira polonesa ao Pacífico. Seu centro ficava em Moscou.
A Rússia tinha 8 milhões de habitantes. A maioria dos russos vivia no interior, tirando seu sustento da terra, dos rios e das florestas. Os russos conseguiam tudo do que precisavam da floresta, que se estendia como um oceano: peles para vestir; madeira para construir casas e para aquecer no inverno; etc. Em meio às árvores encontrava-se o povo russo comunal, reunido em "pequenos vilarejos construídos em clareiras, na borda de lagos ou na margem dos rios de águas lentas." (página 16).
Nessa mesma época, a França de Luís XIV tinha 19 milhões de habitantes. A Suécia tinha menos de 2 milhões de habitantes. A Inglaterra tinha um pouco mais do que 5 milhões de habitantes.

Principais cidades russas na época do nascimento de Pedro:

Novgorod, Moscou, Pskov, Arcangel, Yaroslavl, Tula, Tver, Suzdal, Astracã, Cazã (Kazan), Smolensk e Kiev.

SOCIEDADE RUSSA NO SÉCULO XVII:

Imagine uma Pirâmide. Sobre tudo, estava DEUS. Abaixo de Deus, vinha o Czar Russo. Abaixo do Czar, vinham os Boiardos, que eram os nobres pertencentes a famílias principescas, latifundiários hereditários. Abaixo dos Boiardos, apareciam os membros da nobreza menor, que recebiam propriedades por seus serviços. Abaixo da nobreza menor, vinham os citadinos, mercadores, artesãos. E abaixo de tudo isso, vinham os camponeses servos.

COSSACOS:


"Kiev e as regiões férteis tanto a leste quando a oeste do Dnieper era o território dos Cossacos, um povo ortodoxo, originalmente composto por vagabundos, saqueadores e fugitivos que haviam deixado para trás as duras condições de vida na antiga Moscóvia para formar bandos de cavalaria não oficiais, tornando-se depois desbravadores, estabelecendo fazendas, vilas e cidades por todo o norte da Ucrânia."
(página 15)

Essa região do rio Dnieper era uma espécie de Velho Oeste americano para os russos. Uma terra sem lei. Para piorar, quem morava ali ainda era fustigado por saques e pilhagens feitas tártaros das estepes e da Crimeia. Além dos saques, ainda podiam virar escravos nas mãos dos muçulmanos. Nos anos de 1382 e 1571, a própria cidade de Moscou foi saqueada e queimada pelos tártaros.
Essa região habitada pelos cossacos ficava a 500/600 km de distância da costa do Mar Negro. Essa área que separava os cossacos da costa do Mar Negro era a "...famosa estepe de terra negra da parte baixa da Ucrânia - permanecia vazio. Ali, a grama crescia tanto que às vezes somente a cabeça e os ombros de um homem a cavalo poderiam ser vistos se movimentando acima da vegetação. Nos tempos de Aleixo, essa estepe era terra de caça e pastoreio dos tártaros da Crimeia - descendentes islâmicos dos antigos conquistadores mongóis e vassalos do sultão muçulmano."
(página 15)

RÚSSIA DURANTE NO NASCIMENTO DE PEDRO:

Moscou, a capital da Moscóvia, que viria a ser Império Russo, localizava-se numa área bem provida de rios.
Rio Volga
Rio Don
Rio Dnieper
Rio Duína
A norte de Moscou havia a nascente do Rio Volga, que corria para leste, passando por Tver, Yaroslavl e Nijni-Novgorod, onde se encontrava com o Rio Oka, que por sua vez passava pela cidade de Tula (sul de Moscou), dirigindo-se para o leste, recebendo pelo caminho as águas do Rio Moscou. Com as águas do Rio Oka, o Rio Volga, segue ainda para o leste, até a cidade de Kazan (Cazã), de onde finalmente dirige-se para o sul, passando por Samara, Tsaritsin (Stalingrado) e Astracã (Mar Cáspio).
No sul de Moscou ainda pode ser encontrado a nascente do Rio Don. Esse rio corre sempre para o sul, passando por Voronej, Rostov, até desaguar no Mar de Azov. Havia ainda o Rio Dnieper, que também estava a sul de Moscou, igualmente correndo sempre na direção sul, até desaguar no Mar Negro.
Ao Norte/Nordeste de Moscou, temos o rio Duína, que corre em direção ao Mar Branco, em Arcangel. Na época, era o único porto russo, que ficava a maior parte do tempo congelado. Dele,  quando não estava congelado, partia-se para o Mar Báltico, passando pelo círculo polar.

RÚSSIA: O GIGANTE SEM SAÍDA VIÁVEL PARA O MAR:

A Rússia já se estendia profundamente para o leste, passando por Kazan (Cazã), indo ainda mais longe, passando pelos Montes Urais, alcançando a Sibéria e chegando no Pacífico. Ao sul dessa área, a fronteira era delimitada com a China pelo Rio Amur.
A Oeste de Moscou encontrava-se o Reino da Comunidade Polônia/Lituânia. No norte dessa fronteira, ficava a cidade russa de Smolensk. Ao sul dela, ficava Kiev.
Mais a norte e noroeste de Moscou ficava a fronteira com a Suécia. A Suécia ocupava a Livônia (atuais Letônia e Estônia), a Ingria (costa do Mar Báltico) e a Carélia (Golfo da Finlândia). A presença sueca nessa área obstava a passagem russa para o Mar Báltico. O gigante russo se via cercado, sem acesso ao mar, exceto pela cidade de Arcangel, no Mar Branco. Outra opção seria o Pacífico, percorrendo milhares de quilômetros, passando pelos Montes Urais, pela Sibéria, sem estradas, passando por uma região hostil, tornava-se totalmente inviável de ser explorado durante os séculos XVII e XVIII.

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "PEDRO, O GRANDE, SUA VIDA E SEU MUNDO, ROBERT K. MASSIE, EDITORA AMARILYS, capítulo 1, Moscóvia Antiga, páginas 2/18.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

O Rebento de Deus Eduardo Herdeiro de Henrique VIII Catarina Parr Regente



FINALMENTE HENRIQUE VIII TEM UM FILHO VARÃO:

Em 12 de outubro de 1537, nasce Eduardo, filho de Henrique VIII com Jane Seymour

"um herdeiro legítimo e incontestado para herdar uma Inglaterra Tudor sólida."
(página 66)

Alguns dias depois, a rainha Jane Seymour morreria. O Parto tinha sido um verdadeiro ordálio. A falta de higiene médica no século XVI fez o resto do serviço.

EDUARDO E AS FILHAS:

Além do herdeiro Eduardo, Henrique VIII tinha ainda duas filhas: Maria (com Catarina de Aragão) e Isabel (com Ana Bolena). Mas por segurança era necessário ter mais um herdeiro, que se tornaria duque de York, no caso de Eduardo morrer. E por esse motivo, Henrique teria que se casar mais uma vez.

"A principal preocupação de Henrique era agora a segurança futura da dinastia real Tudor, que teria de ser protegida tanto de seus inimigos como do adversário igualmente fatal, a doença."
(página 69)

Henrique VIII temia que seu herdeiro Eduardo viesse a falecer em razão de alguma febre (epidemia) , comum naquela época. Henrique VIII também temia inimigos humanos, daí a necessidade de provar a comida de Eduardo antes que ele a comesse, para evitar alguma tentativa de envenenamento. Eduardo era a joia mais preciosa do Reino.

OS PLANOS PARA EDUARDO:

Um dos principais papeis exercidos pelo herdeiro de uma coroa:

- conseguir um casamento diplomaticamente vantajoso. O plano de Henrique para Eduardo era fazê-lo casar com Maria, filha recém-nascida do Rei escocês James V. A vitória inglesa contra os escoceses em Solway Mass (novembro de 1542) abria um caminho para o domínio da Escócia. Mas os planos de Henrique foram obstados pelo Conde de Arras, que fora nomeado Governador enquanto Maria fosse menor.
Mas um acordo de paz assinado entre Escócia e Inglaterra, em julho de 1543, acertou que os filhos reais (Eduardo e Maria) das duas nações tinham sido prometidos em casamento. Assim, acertou-se que, Maria, filha do falecido rei escocês James V, iria para a Inglaterra assim que completasse 10 anos. Esse tratado acabou por ser abandonado, de forma que Maria foi levada para a França, em 1548.

ISABEL E MARIA NA LINHA SUCESSÓRIA DE EDUARDO:

"Foi reabilitada para a vida familiar em parte graças à reentrada de ambas as princesas na linha sucessória da coroa, depois de Eduardo e seus herdeiros, consagrada em Acto aprovado no Parlamento em 1544."
(página 79)

Catarina Parr, sexta e última esposa de Henrique VIII, era mais próxima de Isabel do que de Maria:

"Catarina, arraigada ao pensamento humanista moderno, não era tão chegada da Princesa Maria, católica resoluta, embora a cobrisse de presentes..."
(página 80)

JULHO DE 1544: HENRIQUE VIII PARTE PARA SUA ÚLTIMA CAMPANHA MILITAR:

Em julho de 1544 Henrique VIII parte para a França, em sua última campanha militar. Catarina Parr, sua esposa, de seu sexto e último casamento, fica como regente.
Catarina, além de regente enquanto Henrique VIII estava na França, escrevia livros. Exemplo: "Lamentações de uma Pecadora" (Lamentations of a Sinner): "...retratando o rei (Henrique VIII) como um Moisés que subtraíra a Inglaterra à servidão de Roma." (página 80)
As crenças de Catarina quase a levaram à morte:

"As crenças e opiniões da rainha (Catarina Parr) arrastá-la-iam para águas muito perigosas de fato: o turbilhão provocado pelo permanente conflito que alimentou dentro do Conselho Privado de Henrique, por causa da reforma religiosa. Quase lhe custou a vida."
(página 81)

ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "OS ÚLTIMOS DIAS DE HENRIQUE VIII, CONSPIRAÇÕES, TRAIÇÕES E HERESIAS NA CORTE DO REI TIRANO, ROBERT HUTCHINSON, EDITORA CASA DAS LETRAS, CAPÍTULO 2, PÁGINAS 63/81, REBENTO DE DEUS.

Cristianismo versus Paganismo Inovações do Cristianismo para o Mundo Romano



FINAL DA DÉCADA DE 460 d.C. REQUISITOS PARA A ESCOLHA DE BISPOS NUMA LOCALIDADE DA GÁLIA (IMPÉRIO ROMANO):

O que os candidatos a Bispo diziam a favor de si, para conseguirem votos?

- um dizia que deveria ser o escolhido porque a sua família era antiga;
- outro dizia que tinha ajudado a localidade/cidade, alimentando-a;
- um terceiro candidato a Bispo dizia que daria terras da Igreja para quem o apoiasse;
- outro dizia que deveria ser escolhido por ser um notável local (aristocrata) e oriundo de uma família senatorial
- outro candidato dizia que deveria ser escolhido porque sua família é repleta de prefeitos e bispos e que ela (a família dele) tinha defendido a cidade perante os chefes romanos e bárbaros.

Naquela época, mesmo uma pessoa casada poderia ser eleito Bispo. O ofício de Bispo era atraente.

"...a hierarquia tradicional do mundo romano tinha efetivamente absorvido as novas estruturas de poder do cristianismo."
(página 98)

Apesar disso, poderia haver exceções, como no exemplo de alguém ser escolhido Bispo sem ser um notável local, que tenha por mérito próprio, e não por nascimento, galgado posições na estrutura da Igreja em razão de seu talento. Isso aconteceu com João, escolhido bispo em Chalon-Sur-Saône, em 460 d.C. .

CRISTIANISMO VERSUS PAGANISMO:

Pagão: A religião Greco-Romana tradicional não tinha nenhuma palavra para denominar seus praticantes. Mas no século III, "paganus" (rústico) era utilizado para designar um sujeito que não era cristão (ou judeu). > (notas, página 127)

"O Império Romano não era, em absoluto, totalmente cristão, em 400 d.C.. Havia ainda aristocratas pagãos em Roma, embora talvez, já não existissem em 450; em Constantinopla, havia alguns ainda um século mais tarde."
(página 99)

A existência ainda do paganismo em terras romanas demandava atividade missionária. Além dos pagãos, havia comunidades judaicas. A cristianização do Império Romano não tinha acontecido do dia para a noite, resultado de uma decisão de cima para baixo, tomada por Constantino. Havia trabalho missionário ainda a ser feito para que o cristianismo realmente tomasse conta do Império.
No século V, visando extirpar de vez o paganismo, o Imperador Justiniano impôs "o batismo sob pena de confisco e, às vezes, de execução." (página 108)

TIPO DE CRISTIANISMO EXISTENTE NO IMPÉRIO ROMANO TARDIO:

Um Bispo poderia até, intimamente, guardando o pensamento para si, não concordar com a opinião da maioria das pessoas sobre a ressurreição. Ele ainda poderia não renunciar à sua mulher nem ao projeto de ter filhos. Esse era o caso de Sinésio de Cirene, feito Bispo no norte da África, pelo Patriarca de Alexandria, Teófilo, em 411 d.C. . Sinésio era secular, casado e filósofo. Era um aristocrata local, que intercedia junto a Constantinopla para conseguir menos impostos para a sua região, a Cirenaica, atual leste da Líbia. Sinésio ainda organizava sua defesa militar contra invasões de tribos berberes.

"O cristianismo, em 400, estava definido de forma simples, em certo nível, como a religião do Novo Testamento; se alguém acreditava na Trindade Divina do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e admitia que Jesus Cristo, crucifixado por volta de 33 d.C., era filho de Deus, e que não existiam outros deuses, logo, era cristão."
(página 100)

E havia ainda alguns cristãos que iam mais além, os ascetas:

"Essas crenças geralmente iam acompanhadas de uma exaltação da pobreza - já que o bom cristão deve dar tudo aos pobres - e do pressuposto de que este mundo é apenas um breve campo de prova antes das alegrias eternas do céu ou das torturas eternas do inferno, o que significava que o prazer era arriscado e que o ascetismo - às vezes, a auto-mortificação - era cada vez mais visto como virtuoso."
(página 100)

Nos séculos IV a VI, você tinha de um lado autores que se colocavam como críticos de um "mundo descontraído" (página 101), que desejavam reformar (Agostinho, Jerônimo, Salviano e narrativas hagiográficas de santos ascéticos como Antão ou Simeão Estilita). De outro lado você tinha a absorção das estruturas de poder do cristianismo pela hierarquia romana, quando por exemplo aristocratas casados se tornavam bispos. Entre esses dois lados, "havia um oceano de diferentes tipos de práticas religiosas realizadas por todos os outros, cujo significado deve adivinhar-se através de relatos de observadores hostis." (página 101)

FESTIVIDADES:

O Natal cristão era ironicamente o substituto de um festival pagão, o Solstício de inverno. Já o 1º de Janeiro da religião greco-romana (pagã), comemorado por 3 dias com a realização de sacrifícios, teve de ser  modificado, com a retirada dos sacrifícios, tornando-o um evento religiosamente neutro.
O Calendário do Cristianismo ia basicamente de dezembro a maio (Natal, Quaresma, Páscoa, Pentecostes). No resto do ano havia celebrações de santos locais.

"...o tempo cristão substituiu o tempo pagão."
(página 102)

Escritores como Agostinho criticavam que as festas cristãs fossem comemoradas como as festas pagãs, com bebedeiras e diversões. Agostinho defendia que as pessoas cantassem salmos na Igreja. O problema era combinar isso com o povo, que poderia não ver incompatibilidade entre festejar e beber ao mesmo tempo em que celebrava um santo local.

"...essa visão dupla iria permanecer por muito tempo."
(página 102)

Havia dentro da Igreja dois entendimentos sobre ela deveria guiar seus fiéis. Uma parte aprovava o ritual coletivo na Igreja, que trazia solidariedade moral e social. Esse entendimento aprovava as festas religiosas e as peregrinações. Um outro grupo de religiosos entendia que o foco deveria estar na valorização da crença, alcançada por meio da disciplina mental das pessoas para se atingir a salvação individual.

A CRISTIANIZAÇÃO DO ESPAÇO GEOGRÁFICO:

"...enquanto aos olhos pagãos, toda paisagem podia ser luminosa, aos olhos cristãos, apenas os locais de culto específicos eram pontos de luz em um espaço, de outro modo secular."
(página 103)

"Estes eram sempre ou logo se tornavam, as igrejas, já que eram muito visíveis."
(página 103)

As Igrejas, num primeiro momento, ficavam fora das cidades, pois, estas, eram associadas ao paganismo, com templos pagãos localizados nos centros das cidades do Império, próximos ao Fórum local. Mas com o passar do tempo, as igrejas começaram a ser construídas dentro das cidades. Ao mesmo tempo, era costume cristão enterrar seus santos perto das igrejas ou em seu interior. As igrejas ainda mantinham relíquias de santos (geralmente, parte de seus corpos). Esse costume cristão derrubou o preconceito existente na comunidade grego-romana, que não admitia que as pessoas mortas fossem enterradas dentro das cidades:

"A tradicional religião greco-romana considerava as pessoas falecidas perigosas e poluentes."
(página 103)

As pessoas agora queriam ser enterradas perto dos santos, de forma que os enterros passaram a ser realizados no interior das cidades, onde ficavam as igrejas.

"Os primeiros enterros de pessoas não santas dentro das cidades datam do fim do século V e começo do VI, na maior parte do Império Romano; primeiro foram os bispos e aristocratas locais, depois os cidadãos comuns. No século VII, os cemitérios urbanos eram cada vez mais frequentes."
(página 104)

MUNDO INVISÍVEL:

"O mundo invisível também mudou. Para a maioria dos pagãos, o ar estaria repleto de poderosos seres espirituais, 'daimones' em grego, que às vezes eram benéficos, às vezes, não, por vezes controláveis por magia, mas acima de tudo bastante neutros para a raça humana. Para vários cristãos - incluindo os autores das nossas fontes, certamente, mas também as pessoas comuns que aparecem nas hagiografias -, esse mundo invisível passou como claramente dividido em dois, os anjos bons e demônios maus. E a palavra daimones ainda era utilizada; o cristianismo herdou esse dualismo do judaísmo que, por sua vez, pode ter sido influenciado por crenças paralelas do zoroastrismo."
(página 104)

"Além disso, começamos a ouvir mais sobre demônios, que passaram a intervir com mais frequência na vida diária. A cristianização, portanto, desenvolveu a sensação de que esse mundo invisível estava mais repleto de perigo do que previamente tinha sido (isso afetou a vida após a morte, já que o inferno cristão podia conter muitos mais pecados do que o tártaro grego ou a geena judaica). Os demônios, aos olhos cristãos, causavam doenças, má sorte e todo tipo de estragos; a possessão demoníaca era comumente vista como uma causa de distúrbios mentais. Os demônios viviam, entre outros lugares, em santuários e ídolos pagãos, em áreas não cultivadas, como os desertos, e também em túmulos (tal crença era, em parte, uma herança das crenças tradicionais sobre a contaminação dos mortos). Eles podiam ser derrotados por exorcismo clerical."
(página 104)

A CARIDADE:

Ao contrário dos pagãos, os cristãos criaram organizações para ajudar os pobres. Ajudar os pobres também seria uma forma de justificar o aumento da riqueza das Igrejas.

"Esse acento na caridade viria a ser herdado pelo islã também."
(página 106)

PROCISSÕES:

Procissões eram comuns para o recebimento, por exemplo, de um Imperador (adventus). Com o passar do tempo, os cristãos passaram a adotá-las.



INOVAÇÕES TRAZIDAS PELO CRISTIANISMO AO MUNDO ROMANO:

👉Igreja como Instituição
👉Importância Política daquilo que seria considerada a crença correta
👉Novos espaços sociais para rigoristas religiosos e ascetas

👉IGREJA COMO INSTITUIÇÃO:

Judeus e Pagãos tinham como marca a descentralização. Com o Cristianismo seria diferente.

O cristianismo, no entanto, teve uma hierarquia complexa, coincidindo, em parte, com a do Estado. Em 400, havia quatro Patriarcas: em Roma, em Constantinopla (desde 381), em Antioquia e em Alexandria. Um 5º Patriarca foi adicionado para Jerusalém, em 451.
A riqueza da Igreja crescia como resultado de doação de crentes. A Igreja não era parte do Estado mas colaborava com ele. Tratava-se de uma parceria inevitável para os governantes seculares (reis, Imperador). A Igreja ainda exercia uma autoridade informal nas cidades. A Igreja ainda era grande proprietária de terras. Havia estabilidade porque os bens da Igreja não podiam ser alienados. Todo esse poder atraia a atenção da elite, cujos membros queriam se tornar bispos, arcebispos. E como a Igreja Cristã não dependia financeiramente do Império Romano, ela sobreviveu a ele.


BISPOS:

Havia dois níveis de Bispos:

- Arcebispos: supervisionavam e consagravam Bispos de cada Província secular
- Bispos: sua diocese correspondia ao território secular de sua cidade

👉A IMPORTÂNCIA POLÍTICA NA ADOÇÃO DE UMA CRENÇA CORRETA:

A Heresia, a crença desviante, era um assunto de Estado. No paganismo não havia essa preocupação na uniformização da crença, de forma que comportava várias divisões, sem maiores consequências, ao contrário do que iria acontecer com o cristianismo, que queria a uniformidade de pensamento, com todos os cristãos marchando juntos com a mesma crença. O Imperador Constantino tentou buscar essa uniformização, mas não conseguiu obter um consenso. Era importante uniformizar a crença cristã pois isso iria ajudar o Império Romano enquanto coletividade. Dissensões, divisões e desacordos nunca ajudam. O melhor é que as pessoas pensem da mesma forma.

Exemplos de dissensões no cristianismo:

- Donatistas versus Cecilianistas.

Local da desavença: África (norte). Não era um dissensão causada por diferenças de fé. Era mais um cisma. A discussão era em torno da legitimidade de determinado Bispo em consagrar outros bispos. Se houvesse um problema com o primeiro, os bispos consagrados por ele perderiam a função? Em 411 d.C. essa dissensão perdeu força.

- Pelagianismo:

Foi declarada heresia (crença desviante) pelo Imperador Honório, em 418 d.C..

"Pelágio argumentava que um cristão convicto podia evitar o pecado através do livre-arbítrio dado por Deus, o que Agostinho considerava impossível."
(página 109)

Pelágio não criou maiores problemas. Serviu apenas para que Agostinho criasse a sua teoria da Predestinação à salvação por meio da graça de Deus.

- A Natureza de Jesus Cristo:

Prevaleceu a ideia segundo a qual o Filho era idêntico ou igual em substância com o Pai, na Trindade. Essa posição foi chancelada pelo Concílio de Niceia (atual Turquia), em 325 d.C., o qual foi presidido pelo Imperador romano da época, Constantino. Daí o credo de Niceia, que usado até hoje, na fórmula Em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Os membros dessa Trindade são iguais. Nem todos concordavam com isso, como exemplo o Presbítero Ário, de Alexandria, que dizia que Jesus Cristo não tinha dimensão divina. Ele era humano como nós e só (arianismo). O arianismo foi um tipo de cristianismo adotado por tribos bárbaras: godos, lombardos, vândalos.
A vitória do Credo Niceno significava que Jesus Cristo, apesar de humano e passível de sofrimento, era visto completamente como divino também. Um problema resolvido (natureza de Jesus Cristo) e surge uma nova pergunta: como essa combinação humana e divina acontecia em Jesus Cristo?

- A forma pela qual se dava a combinação humana e divina em Jesus Cristo:

Havia duas posições. Uma via essas duas naturezas de Jesus Cristo, humana e divina, separadas como se você olhasse para um copo em cujo interior fossem despejados água e óleo. A separação fica visível. Havia, portanto, para essa primeira corrente, uma separação visível entre as naturezas divina e humana de Jesus Cristo. A segunda linha de pensamento dizia que as naturezas humana e divina de Jesus Cristo deveriam ser vistas como um copo no qual fossem despejados água e vinho. Nesse caso, a mistura seria perfeita, de forma a não ser possível ver nenhuma separação. E assim era com Jesus Cristo, suas partes divina e humana coexistiam de forma a não deixar nenhuma linha de separação visível.
A primeira posição era defendida pelo Patriarca de Constantinopla Nestório. A segunda posição era defendida por Cirilo, Patriarca de Alexandria.

"O patriarca Cirilo de Alexandria (412-444) argumentava que os elementos humano e divino, na natureza de Cristo, não podiam ser separados; antioquenos (Antioquia, atual Turquia), como Nestório, patriarca de Constantinopla (428/431), via-os como distintos."
(página 111)

As duas formas de pensar, a de Cirilo e a de Nestório, comportavam riscos. O monofisista Cirilo corria o risco de tirar a humanidade de Jesus Cristo. Já em Nestório o perigo residia em ver Jesus Cristo como se ele fosse duas pessoas.
Essa briga foi resolvida no Concílio da Calcedônia, quando ficou acertado que "Cristo existiu em duas naturezas, divina e humana, porém em uma só pessoa." (página 111)
Calcedônia rejeitou, portanto, a posição monofisista e, ao mesmo tempo, manteve a rejeição a Nestório.

👉Desenvolvimento de novas esferas de comportamento social:

Para se aproximar de Deus era necessário adotar novas formas de comportamento: isolamento social; auto-privação de alimentos e conforto. Esse era o ascetismo de Antão, um eremita que se isolou da sociedade indo morar no deserto do Egito (357 d.C.). Havia ainda outras ascetas notáveis, como Simeão, o velho (m. 459 d.C), que ficavam no alto de Colunas, fazendo daquele lugar uma espécie de deserto pessoal. Ao mesmo tempo, ficavam visíveis para o público que ia visitá-los e se aconselhar com eles.

"Um estilita influente, Daniel (m. 493), tinha sua coluna ao lado de um dos principais portos do Bósforo, ao leste de Constantinopla - ele, certamente, estaria no centro das atenções (alguém até perguntou-lhe como ele defecava: de forma seca, como uma ovelha, ele respondeu."
(página 114)

"A influência desses ascetas quebrou todas as regras sociais romanas: poucos eram aristocratas, poucos eram educados, mas as pessoas procuravam seu conselho, persistentemente."
(página 115)

Na sequência dos ascetas vieram os monges (monasticismo). Comunidades monásticas surgiram em grande número, primeiro, no Egito. Os monges não chegavam ao extremo dos ascetas, mas eram grupos de celibatários que viviam isolados no deserto. Deviam obediência absoluta a um abade e seguiam uma rotina estabelecida.

CULTURA:

Jogos: Estádios onde se realizavam corridas de carros puxados por cavalos atraiam a atenção dos romanos. Mas além das corridas, ocorriam ali manifestações políticas. Essas aglomerações populares serviam como canais de comunicação com a autoridade que também se fazia presente, em seu camarote. 

"Em certas ocasiões, as coisas saíam de controle, como ocorreu com os distúrbios de Nika, que..., em 532, durante as quais grande parte da cidade foi saqueada e Justiniano quase foi derrubado; mas os tumultos de circo, nas principais cidades, tenderam a ser mais uma válvula de segurança, uma advertência de descontentamento, que os imperadores eventualmente levavam em consideração."
(página 118)

PARTICIPAÇÃO POLÍTICA:

O público tinha participação nas decisões políticas. E quando se diz 'público', leia-se Elite.

"A comunidade política significava a elite, claro, e não havia nada nem remotamente democrático nos procedimentos políticos romanos; mas seus resultados eram comunicados verbalmente em público, muitas vezes com bastante rapidez, ao menos nas cidades. As leis imperiais também eram proclamadas; quando Anastácio aboliu o impopular imposto sobre comerciantes e artesãos, em 498, o decreto foi lido em voz alta em Edessa - um importante entreposto comercial, mas muito distante  de Constantinopla - no mesmo ano e ocasionou uma comemoração espontânea."
(página 119)

"O Imperador tinha uma relação ambígua com o mundo público. O Império Romano tardio foi um período no qual o cerimonial imperial tornou-se cada vez mais elaborado, em parte para distanciar o Imperador de outras pessoas, 'presas dentro dos limites do Palácio', segundo uma expressão de Sidônio. No Palácio, a etiqueta também era muito elaborada. Comer com o Imperador - uma grande honra - era um ato cuidadosamente controlado."
(página 119)

De toda forma, o Império buscava passar a impressão de que o Imperador era acessível, na medida que se podia peticionar para ele.

"...de fato, as leis dos códigos imperiais são muitas vezes respostas explícitas a petições."
(página 119)

"Os peticionários raramente se encontravam com o Imperador em pessoa, e, obviamente, quem realmente lidava com os seus pedidos (ou então os ignorava) era a burocracia, mas o princípio da resposta direta era preservado. Em 475, Daniel, o Estilita, deixou momentaneamente sua coluna para protestar contra o apoio de Basilisco, imperador usurpador, ao monofisismo, dirigindo-lhe cartas críticas, e, finalmente, conseguiu que este se retratasse publicamente na própria Catedral de Constantinopla."
(página 119)

CARÁTER DIVINO DO IMPERADOR:

"Os enviados romanos à corte de Átila, em 449, ofenderam muito os hunos quando disseram que, embora Átila fosse um homem, Teodósio II era um deus; essa era uma afirmação evidente aos olhos romanos, embora esses enviados fossem, sem dúvida, em sua grande maioria cristãos. Os deuses tinham desaparecido, mas o status imperial mantivera-se inalterado - 'divinus' - permanecera um termo técnico que significava 'imperial'." 
(página 120)

CASA EM ROMA:

A casa era a unidade básica. Era chamada de 'domus' quando fazia referência à sua localização física. Era chamada 'familia' quando se fazia referência às pessoas que nela viviam. A família nuclear era composta pelo homem, pela esposa, filhos.

"...outros parentes eram, normalmente, mais distantes, partes de alianças políticas mais do que parte da estrutura familiar."
(página 120)

O PÚBLICO E O PRIVADO:

A política (sentido formal) ocorria fora da habitação privada. A casa do romano era separada da atividade pública.

"...e, exceto no caso de crimes extremos, o comportamento dos membros da família dentro das paredes de uma casa era de responsabilidade do paterfamilias, o chefe masculino da casa, e estava fora da competência do direito público."
(página 120)

Escravos também faziam parte da família, na forma de trabalhadores domésticos não livres.
A família era hierárquica. O chefe inconteste era o paterfamilias, Ele podia bater nas crianças e nos escravos. Um homem deveria proteger a sua mulher e esta deveria ser servil ao seu marido. Nem o cristianismo conseguiu mexer nesses costumes familiares.

MULHERES:

"Legalmente, as mulheres estavam sujeitas aos pais, e, efetivamente, a seus maridos."
(página 122)

Mulheres não podiam ocupar cargos públicos. Uma exceção à essa regra foi Patrícia, governadora da cidade egípcia de Antaiópolis (553). Ainda nos séculos V e VI haveria imperatrizes poderosas.
As mulheres, apesar de serem vistas como "fracas e ignorantes" (página 123), havia mulheres que conseguiam destaque no debate público, como por exemplo Hipátia de Alexandria. As mulheres ainda tinham direitos na área de herança.
O ocidente da Alta Idade Média impôs, frequentemente, restrições legais e sociais muito mais intransigentes sobre o agir feminino do que o Império Romano Tardio.

O QUE SOBROU DA RUÍNA DO IMPÉRIO ROMANO?:

- estruturas da Igreja
- espaço público para a prática política
- senso de poder público
- instituições públicas do Império Romano sobreviveram como um modelo político fundamental tanto para Bizâncio quanto para o Califado árabe; e mesmo com a fragmentação dessas instituições, o que sobrava ainda podia fornecer um sistema governamental básico, de estilo romano, para os reinos romano-germânicos (Francos na Gália, Visigodos da Hispânia, Lombardos na Itália).

"...estava o peso do passado romano que, por mais fragmentado que se encontrasse, criou os elementos constitutivos para a prática política, cultural e social de todas as sociedades pós-romanas nos séculos vindouros."
(página 126)



ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DO LIVRO "O LEGADO DE ROMA, ILUMINANDO A IDADE DAS TREVAS, 400-1000, CHRIS WICKHAM, EDITORA UNICAMP, IMPRENSA OFICIAL, GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, Capítulo 2, Cultura e Crença no Mundo Romano, página 97/130.

domingo, 5 de abril de 2020

Império Romano tardio Século IV Violência Estatal Patronato Mar Mediterrâneo Roma Constantinopla Annona Curia Civilitas Senado Coloni Servi Bárbaros


IMPÉRIO ROMANO TARDIO. INÍCIO DO SÉCULO IV:

⏩ VIOLÊNCIA:

"O mundo romano era habituado à violência e à injustiça."
(página 61)

Exemplos dessa violência que estava entranhada na sociedade romana:

Na administração da Justiça havia o emprego da tortura.

"A violência judicial era corriqueira, certamente merecida (de fato, mesmo testemunhas eram rotineiramente torturadas, a menos que pertencessem às elites), e os ricos escapavam."
(página 61)

"Fazem entrar o ladrão a quem acusam e interrogam-no da maneira que merece. Tortura-se-o. Com os golpes, seu peito fica todo machucado; dependuram-no...espancam-no com varas, açoitam-no; enfrenta todo tipo de torturas, e ele nega. Mas ele tem de ser punido, levam-no à espada. Então fazem entrar outro homem, desta vez inocente, que vem acompanhado por uma vasta rede de padrinhos, todos homens influentes. Este tem boa sorte. Absolvem-no." (Excerto de uma Cartilha Grego-Romana para crianças - início do século IV)
(página 61)

Eventualmente ricos e poderosos também podiam se ver em apuros, vítimas da violência e da injustiça estatal romana. Mas era algo raro, pois suas redes clientelares poderiam vir em seu socorro.
Um exemplo de um poderoso alcançado pela violência estatal romana é extraída de uma história contada pelo Bispo Sinésio, que morava em Ptolemais, na Cirenaica, atual leste da Líbia. De acordo com Sinésio, o governador local, um sujeito chamado Andronikos, era brutal e violento até com os Senadores locais, chegando inclusiva a provocar a morte de um deles por supostas infrações fiscais. 
Sinésio conseguiu que ele fosse demitido, o que mostra que somente um bispo com boas conexões em Constantinopla poderia confrontar o abuso de poder. Nesse relato de Sinésio, além da violência estatal, entra uma outra característica do Império romano, que será vista em seguida: o Patronato.

Gladiadores: Apesar de proibido  pelo Imperador Constantino em 326 d.C., a barbárie representada pelas lutas de gladiadores ainda permanecia na parte ocidental do Império Romano.

"Agostinho (Agostinho de Hipona) um homem intransigente, mas não ingênuo, tinha por certo que essa sede de sangue era normal, porém pecaminosa aos olhos cristãos."
(página 62)

Agostinho nasceu em Tagaste, atual Souk Ahras, no Leste da Argélia. Tornar-se-ia uma figura de destaque na Igreja Católica.

A Sociedade Romana emprestava legitimidade pública à crueldade:
👇
De fato a violência não era, não foi e não é exclusividade da sociedade romana, mas nela "A CRUELDADE TINHA LEGITIMIDADE PÚBLICA."
(página 61)

Depois que os jogos de Gladiadores finalmente foram encerrados, a sede por violência romana os substituiu por espetáculos com animais selvagens. Havia nessa violência legitimada publicamente "algo de visceral para o poderio romano."
(página 61)

"Na verdade, todas as sociedades pós-romanas, pagãs, cristãs ou muçulmanas, eram igualmente habituadas à violência, principalmente os poderosos; entretanto, no Império Romano, a crueldade tinha legitimidade pública, um elemento do espetáculo semanal, que superava até mesmo a cultura de execução pública na Europa do século XVIII."
(página 62)

"Havia nisso algo de visceral para o poderio romano, pois ainda que os espetáculos de gladiadores tenham terminado no início do século V, a matança pública de animais selvagens prosseguiu por cem anos ou mais."
(página 62)

⏩ PATRONATO:

Os ricos romanos usavam de seu poder para criar uma rede de clientes (apaniguados/clientela). Um rico não existia sozinho; em torno dele uma rede de pessoas se reunia, com boas conexões governamentais ou eclesiásticas. Era preciso ter conexões para sobreviver em Roma. Num mundo injusto, violento e corrupto, como era em Roma, não se poderia viver sem um Patrono.

"não se podia ser bem-sucedido sem patrono. O mundo romano era realmente corrupto e muito violento. O, que para nós, parece ser corrupção nem sempre era assim considerado pelos romanos, a menos para aqueles que compunham a elite; esta tinha suas próprias regras, justificativas e etiquetas. Mas a corrupção e seus análogos privilegiavam os privilegiados,..."
(página 62)

Patronato é o nome que se dava à relação existente entre um Patrono e um Cliente. Na Idade Média esse tipo de relacionamento era visto no liame entre o Senhor e o seu Vassalo.

"Era normal buscar ajuda de um patrono junto aos canais oficiais. Isso podia ser estigmatizado como corrupção, como pensavam frequentemente os moralistas extremos, ou, então, as vítimas; a maioria das pessoas, no entanto, aceitava sua lógica cotidiana. Na verdade, mesmo os canais oficiais eram muitas vezes expressos em termos de patrono-cliente, na forma de apelos pessoais ou coletivos ao Imperador, coisa corriqueira, ou com intermináveis, e legais, pagamentos pessoais (sportulae), que eram esperados pelos burocratas de baixo e médio escalão, que podiam tanto facilitar quanto obstruir um registro fiscal ou um processo judicial. A questão que se punha em um sistema de patronato desse tipo é que, no final, ele envolvia todos, e todos podiam sentir que, de alguma forma, tinham uma participação no sistema social. Eles, muitas vezes, não ganhavam nada com isso, como acontecia com o camponês comum, mas sentiam que podiam auferir alguma proteção dos patronos, - se não fosse daquela vez, seria, então, da próxima. Todas, exceto o Imperador e seus mais poderosos subordinados, precisavam de um patrono, ou, algumas vezes, de vários."
(páginas 84/85)

Para você ser um patrono, bastava usufruir de algum tipo de poder. Até um soldado poderia ter clientes. Exemplo:

"Abinnaios, um soldado de nível médio, destacado no sul do Egito, na década de 340 d.C., cujos arquivos também sobrevivem, preservou pedidos por favores especiais de seus subordinados, mas também de amigos e clientes que eram conselheiros citadinos, padres, artesãos ou camponeses. Ele era solicitado a arbitrar disputas e prender ladrões; pouco disso estava em suas competências oficiais, mas era totalmente normal."
(página 85)

Segundo escreve o autor desse livro, era essa rede de favores que fazia o Império Romano funcionar.

"Os problemas tiveram início quando o patronato começou a não dar mais certo. Quando os camponeses, na África, sentiam que o patronato da Igreja Católica na estava disponível para eles, podiam se voltar para o donatismo."
(página 86)

"Acima de tudo, talvez, quando as elites locais no Ocidente do século V deixaram de acreditar que seus tradicionais patronos nos governos central e provincial eram capazes de ajudá-las, elas podiam, em vez disso, voltar-se para novos líderes militares de tribos 'bárbaras' em suas localidades, e disso resultou uma importante mudança política."
(página 86)

⏩ MAR MEDITERRÂNEO - O NOSSO MAR:

O Império Romano gravitava em torno do Mar Mediterrâneo, que era chamado de 'o nosso mar'.

"...eles (romanos) são o único poder na história que dominou todo o seu litoral (do Mediterrâneo)"
(página 63)

O Mar Mediterrâneo conectava as Províncias Romanas por meio do transporte marítimo.

⏩ ROMA E CONSTANTINOPLA:

Roma, no seu auge (início do Império), tinha um milhão de habitantes. Já no ano 400, sua população caiu para metade. Já não era a capital administrativa do Império, pois tinha sido substituída no século IV por Trier, no norte da Gália, e em 402, por Ravena, no norte da Itália.
Constantinopla tinha 500 mil habitantes no final do século V.

"Cidades desse tamanho, no mundo antigo e medieval, eram mantidas assim tão grandes pelos governos, que desejavam uma grande cidade como seu coração político ou simbólico, por razões ideológicas."
(página 64)

"A importância simbólica dessas cidades era tanta que quando os visigodos saquearam Roma em 410, os   atingiram todo o Império..."
(página 64)

Para facilitar a administração do Império, a partir de 324, havia

"duas capitais permanentes, Roma e Constantinopla."
(página 63)

"O Império teve, desde então, na maior do tempo, uma metade oriental (majoritariamente de língua grega) e uma ocidental (majoritariamente de língua latina), cada uma com seu próprio Imperador e sua própria administração. Mas as duas metades mantiveram-se intimamente conectadas e o latim continuou sendo a língua oficial legal e militar do Oriente até meados do século VI."
(página 63)

Os pobres dessas cidades eram mantidos por meio de subsídios bancados pelo Estado. Dessa forma, Roma e Constantinopla forneciam subsídios para os pobres urbanos que as habitavam. Assim as cidades eram mantidas artificialmente populosas. Eram subsidiados grãos e azeite de oliva, importados da Tunísia, Egito e Síria.

Annona: palavra latina que significava suprimentos alimentares gratuitos. Constituía uma despesa par ao Estado, na ordem de 1/4 ou mais de seu orçamento.

Como dito acima, o uso desses subsídios mantinha as cidades artificialmente grandes, e sua população obviamente aprovava isso, tendo o seu pão e o seu circo, embora no caso do circo, este entretenimento era na maioria dos casos pago com dinheiro privado.

"África e Egito eram as maiores regiões exportadoras de todo o Império."
(página 64)

VIDA NAS CIDADES DO IMPÉRIO ROMANO:

O Império Romano promovia as cidades, a vida nas cidades. As cidades tinham um poder simbólico para o detentor do poder imperial.

"O conjunto do mundo da cultura era associado à civilidade, civilitas em latim - de onde vieram nossas palavras 'civilizado' e 'civilização' -, que precisamente implicava a habitação citadina para os romanos. O Império era, em um sentido, a união de todas as suas cidades.."
(página 64)

Uma cidade romana deveria ter:
-uma assembleia citadina: Curia, em latim. Era autônoma.
-edifícios urbanos (fórum, teatro, termas, templos e, depois do século IV, catedrais e igrejas).
-em algumas cidades havia muralhas.
👇
"Essas eram as marcas da civilidade."
(página 64)

Civilização para os romanos significava viver nas cidades que continham todos os elementos elencados acima (fórum, teatro, igrejas, etc).

"É possível ver a rede de cidades como o maior elemento da sociedade romana, mais importante ainda que o governo imperial central."
(página 66)

As cidades romanas com suas edificações faziam parte do imagético romano. O poeta gaulês (350 d.C.) Ausônio escrevia sobre as cidades romanas que ele via como ilustres, começando por Roma e chegando à sua cidade natal, Bordeaux. A ligação afetiva pelas cidades era tal que Ausônio usava a palavra pátria, significando terra natal, lugar onde você nasceu, para se referir não só a Bordeaux, onde ele efetivamente havia nascido, mas também a Roma.

A sociedade política no Império Romano tinha suas bases nas cidades. Elas eram, num primeiro momento, autônomas e ser um Conselheiro (curialis) numa delas "era o máximo da ambição local." (página 65)
Mas com a centralização cada vez maior do poder (século IV) imperial, as decisões (maioria delas) saiam do âmbito local e iam para o topo da administração imperial.Com essa centralização do poder, as pessoas importantes localmente não ambicionavam mais a posição de curialis (conselheiros municipais). Agora elas queriam posições de destaque no centro do poder imperial. 

"Os conselheiros municipais tornaram-se, acima de tudo, responsáveis por aumentar e subscrever os impostos, uma função remunerada, mas arriscada. Lentamente, as estruturas formais de tais conselhos enfraqueceram, sobretudo no século V, e, já pelo século VI, a arrecadação de impostos passou a ser responsabilidade dos funcionários do governo central."
(página 65)

Ademais, os curialis, eles mesmos, já se sentiam incomodados com seus encargos fiscais, e que, os mais pobres entre eles, tentavam fugir da função, sendo impedidos pela ação do Estado, que os mantinha na posição. No fim, essa fuga ia acontecendo de qualquer forma, levando-os a abandonar as cidades. 
Com o passar do tempo, a governação das cidades tornou-se mais informal. não suportadas por instituições específicas. As pessoas importantes dessas cidades, como exemplo, senadores e bispos, tomavam para si a responsabilidade pela administração local, formando um grupo ad hoc de elite, "geralmente chamado de proteuontes (os dirigentes). Esses homens patrocinavam as igrejas citadinas, tomavam decisões sobre o reparo de edifícios, festivais e, se necessário, organizavam a defesa do local, sem a necessidade de um papel formal. As cidades tampouco perderam com isso; os séculos V e VI viram os mais grandiosos edifícios construídos em várias cidades  orientais. Depois de depararmos com essa estabilidade pós-curial no Oriente, torna-se mais fácil também encontrá-la no Ocidente. Sidônio Apolinário (viveu c. 430-485),...era de uma das famílias mais ricas de Clermont, na Gália, filho e neto de prefeitos do Pretório e genro do Imperador Epárcio Ávito (455-456). Ele não precisava ser um curiali e dedicou-se principalmente a uma carreira no governo central. Entretanto, acabou por se tornar Bispo de Clermont, prestando entusiástico apoio, em suas cartas, às lealdades locais, inclusive às que residiam na cidade; e seu cunhado, Ecdício, filho de Ávito, defendeu a cidade com um exército particular. Portanto, esse tipo de comprometimento com políticas urbanas não dependia da estrutura tradicional da cúria citadina. Essencialmente, isso continuou enquanto os valores romanos sobreviveram; essas coisas podiam variar, mas, em diversas partes do Império, se mantiveram por um longo tempo, mesmo depois que o próprio Império caiu. Os pressupostos da civilitas alcançaram isso por si mesmos."
(página 65/66)

Civilitas: Era o conjunto do mundo da cultura, encontrada somente nas cidades, com tudo que se relacionava a elas (os edifícios, os jogos)

ADMINISTRAÇÃO DO IMPÉRIO ROMANO:

Mesmo com poucos funcionários para cuidar de todo o Império, ele se manteve unido por vários séculos.

"Segundo os padrões modernos, de fato, o Império Romano era governado superficialmente, com cerca de 30 mil funcionários civis no governo central, que se concentravam nas capitais imperiais e provinciais."
(página 66)

Apesar dessa deficiência, o Império Romano se manteve íntegro, graças ao seu sistema fiscal conseguindo manter um:
-exército
-um Senado
-uma administração civil
-um sistema legal

Havia ainda valores e rituais que davam a sustentação ideológica a tudo isso, e no futuro viria a estrutura da Igreja (cristianismo), que ajudaria a manter o Império.
Ao Imperador, como autocrata que era, cabia administrar cada metade do Império.

"O Império, em certo sentido, era regido por amadores.Mas ao menos o grupo de amadores tinha valores compartilhados e, em muitos casos, também experiências familiares  particularmente no Ocidente, onde havia mais famílias senatoriais antigas e ricas, que eram frequentemente ativas na política nos séculos IV e V. Os seus subordinados eram verdadeiros funcionários de carreira, que se comprometiam com a administração pela vida toda. É essa rede de detentores de cargos que deu coerência ao governo"
(página 68)

Imperadores que podiam apenas viver suas vidas, cumprindo formalmente suas funções públicas. Políticos e burocratas que cumpriam suas funções em caráter intermitente. Mesmo imperadores que se mostrassem ativos poderiam ver suas ações obstadas pela burocracia incompetente e pela ausência de dados. Abaixo desses amadores, vindos de ricas famílias senatoriais, havia aqueles que efetivamente trabalhavam pelo Império (os funcionários de carreira).

Alguns imperadores do Império Romano Tardio dignos de nota:

- Constantino (306-337)
- Valentiniano I ( 364-375- no Ocidente)
- Juliano (360-363): Foi malsucedido em sua tentativa de reverter a cristianização de Constantino.
- Justiniano (Século VI) - 527-565 no Oriente.

"O estado romano não era particularmente esclarecido, nem tampouco estava condenado ao colapso por volta do ano 400. Sua violência (seja publica ou privada), sua corrupção e sua injustiça eram partes de uma estrutura muito estável, que perdurara por séculos, e que possuía algumas óbvias falhas internas. A metade ocidental do Império colapsou no século V, como resultado de uma má condução de eventos imprevistos; o Império, contudo, sobreviveu sem dificuldades no Oriente e provavelmente atingiu seu auge no início do século VI."
(página 62/63)

SENADO ROMANO:

Senadores "viam-se como a melhor parte da raça humano." (página 70)

"O nascimento era importante (Sidônio pôde desdenhar de um rival poderoso, Peônio, o prefeito do Pretório da Gália, porque ele era de origem municipal, ou seja, de uma família curial, não senatorial),.."
(página 70)

"O Senado tinha sua própria identidade, parcialmente separada da burocracia imperial; de fato, no Ocidente, a separação era até mesmo física, uma vez que o governo não estava mais em Roma. Teoricamente, o Senado era o órgão governante do Império, assim como havia sido na época da República Romana, quatro séculos antes, e, mesmo que, pouco tempo depois, o Senado tenha deixado de ser uma realidade, naquele momento ele ainda representava o ápice da aspiração para qualquer cidadão."
(página 69)

Um Senador tinha vários privilégios. Mas era caro entrar no Senado e depois se manter nele, tendo que pagar por cerimônias, jogos, etc. O Senado estava ligado ao governo, mas tinha suas próprias hierarquias e rituais. O Senado era quase uma aristocracia hereditária. A depender do poder de um Senador (illustris), seu filho já teria garantido um lugar ali.

"A existência dessa aristocracia hereditária, de fato, foi uma característica-chave do Império."
(página 70)

O Senado não tinha uma função governamental formal, mas ele controlava o tom do governo. A maioria era de civis. Sua preeminência não vinha de feitos militares, mas da riqueza pessoal, da cultura (compartilhada) e do nascimento.

"Precisava-se de riqueza para ir a qualquer lugar na administração civil, visto que os subornos para nomeações e a manutenção de uma rede custavam dinheiro."
(página 70)

"O Império Romano foi pouco usual na história antiga e medieval visto que sua classe dirigente  era composta por civis, e não (ou não apenas) por figuras militares."
(página 70)

O EXÉRCITO ROMANO:

O Exército romano era muito maior do que a administração civil. O exército sempre foi a maior despesa do Império Romano. Os exércitos eram normalmente mandados para as fronteiras dos Rios Reno e Danúbio, e na fronteira com a Pérsia. Um Imperador vivia mais perto dos militares do que dos administradores civis

MANUTENÇÃO DO IMPÉRIO ROMANO: ARRECADAÇÃO DE TRIBUTOS:

Para manter a máquina do Império Romano funcionando era necessário arrecadar tributos para sustentá-la. O principal desses tributos era um imposto que incidia sobre a propriedade da terra. Algumas fontes falam de 1/4 dos rendimentos da terra recolhidas na forma de impostos.

"Esse é um valor elevado para uma sociedade pré-capitalista  e agrária, com tecnologia relativamente simples."
(página 76)

Cobrar impostos sobre a terra não era uma atividade simples, pois demandava a existência de uma burocracia que iria verificar os registros de propriedade. Os registros deviam ser atualizados, mantê-los organizados para consultas, etc.

"demanda um considerável número de funcionários e intrusiva coleta de informações."
(página 76)

Quem mais sofria com a carga tributária eram os pobres, o campesinato. Por esse motivo, alguns camponeses, para dificultar o trabalha dos coletores de impostos, saiam de suas terras e iam para outros lugares.

"Eles reagiam fugindo das terras. E daí as leis para detê-los."
(página 77)

Para impedir isso, Roma, após o século IV, emitiu leis para reter o campesinato em seu lugar de origem, determinando que os camponeses não poderiam abandonar a terra ou se mudarem dela. Essa lei vinha para facilitar a cobrança dos impostos sobre o campesinato. E esse tipo de lei pegava outras categorias profissionais, para também melhorar a organização do aparato estatal de arrecadação de impostos. Esses outros trabalhadores também teriam que ficar em seu local de origem.

"Os curiales eram presos aos seus cargos, como já vimos, do mesmo modo que os soldados, os trabalhadores das fábricas estatais, os armadores, os padeiros, os açougueiros de Roma, que eram necessários para a annona da capital."
(página 76)

Essas leis serviam para estabilizar a estrutura fiscal do império.

"Some-se a isso a própria coleta de impostos - que poderia ser uma tensa e violenta ação certamente realizada por homens armados - e vemos que o impacto do sistema fiscal imperial era continuo, capital e potencialmente coercitivo para quase todas as pessoas do Império."
(página 77)



"A Tributação, dessa forma, sustentava a própria unidade imperial, pois era o mais evidente elemento de impacto do Estado sobre a população em geral, assim como o alicerce do exército, da administração, do sistema legal e do transporte de bens através do Mediterrâneo e por outros lugares - todos os elementos que mantinham integrado o vasto território. Se falhasse, o Império simplesmente quebraria."
(página 77)

E havia igualmente corrupção no sistema fiscal romana:

"Os ricos podiam comprar imunidade mediante corrupção; assessores e coletores, se dúvida, tornavam-se ricos através da corrupção. As vítimas eram quase sempre os pobres. Eles reagiam fugindo das terras (daí a lei para detê-los), ou procurando proteção (patronato) junto aos poderosos para não pagar impostos ao Estado."
(página 77)

POPULAÇÃO DO IMPÉRIO:

Maioria composta por campesinos. Podiam ter sua terra ou arrendavam uma área para nela trabalharem. Viviam dos alimentos que produziam; excedente, quando havia, ia para os senhores de terras (caso houvesse), para pagar o aluguel do arrendamento e como tributo para o Estado.

"Vários deles eram servi, não livres, sem direitos legais, particularmente em algumas partes do Ocidente, mas a escravidão nas plantações das antigas Itália e Grécia Imperiais tinha quase desaparecido ao final do Império, e campesinos livres e não livres viviam, agora, suas vidas de maneiras semelhantes (este livro, em consequência, não usa a palavra 'escravo' para camponeses não livres, pois o termo comporta mal-entendidos; essa palavra será usada somente para os servos domésticos não livres, que eram alimentados e mantidos por seus senhores, como haviam sido os escravos de plantações). No início da Idade Média, os camponeses constituíam 90% ou mais da população; a proporção deve ter sido menor ao final do Império, uma vez que mais pessoas viviam nas cidades - no Egito, excepcionalmente, até um terço do total da população -, mas poderia ter atingido 80%, uma proporção ainda muito alta."
(página 78)

ARRENDAMENTO DAS TERRAS:

Os camponeses que arrendavam terras eram em maior número. O 'coloni" era o arrendatário. Do lado de quem arrendava a terra, estavam os Proprietários de Terras: o Imperador; os Senadores; as elites Provinciais e Curiais. Havia portante milhares de arrendatários (coloni) que pagavam aluguel aos grandes proprietários pelo uso da terra.
Havia poucos casos nos quais os camponeses eram donos de suas próprias terras. Exemplo: Aldeia de Aphrodite, atual Kom Ishqaw, no Egito. Com efeito, havia mais camponeses proprietários no Oriente do que no Ocidente. No Ocidente, os proprietários de terra tinham grandes quantidades de terra, nada comparado com o que acontece hoje. A diferença entre ricos e pobres era maior no Ocidente do que no Oriente romanos. E quanto maior o distanciamento entre ricos e pobres, maior era a hostilidade reinante.

PRODUÇÃO ARTESANAL E COMÉRCIO:

Tecidos: Itália, Gália, Egito e Síria se destacavam nesse segmento, sendo os maiores exportadores. Escavações arqueológicas que encontram ânforas indicam a existência de comércio de vinho, azeite e molho de peixe. O azeite poderia ser oriundo de ilhas na Mar Egeu, da Síria, do sul da Itália ou Palestino.

"Navios zarpavam da África para a Itália a cada outono, levando grãos e azeites estatais para Roma como "annona"; indubitavelmente, eles também levavam bens comerciais, cerâmicas e, novamente, azeite, cujo custo de transporte era pago, assim, pelo Estado; tais produtos podiam ser vendidos do outro lado do Mediterrâneo a preços mais competitivos, quer seja em Roma ou em outros portos."
(página 83)

A DUPLA FACE DO IMPÉRIO ROMANO:

O mundo romano tardio tinha duas caras:

Uma cara Local
Uma cara Imperial

Muitas línguas eram faladas: latim, grego, Proto-Galês (na Britânia), Basco (partes da Hispânia), Berbere (África), Copta (Egito), Hebreu, árabe, aramaico/siríaco (Levante), Gaulês (Gália), Isaurio e armênio (Anatólia). E havia muito mais.
Mesmo com todas essas diferenças, Roma conseguiu impor um certo grau de homogeneização.

"As pessoas sentiam-se parte de um único mundo romano, uma consciência que se estendeu não apenas às elites citadinas, mas também às aldeias."
(página 84)

Esse sentimento de pertencimento a uma mesma comunidade era reforçado pela prática do Patronato.

OS OUTROS:

O mundo romano era cercado pelos outros.
Os romanos costumavam desprezá-los e não conseguiam ter a exata compreensão sobre eles. Mas mesmo assim havia alguma interação entre os romanos e os outros.
Quem eram esses outros que cercavam o Império Romano:

👉PERSAS: No leste, havia o Império Persa, governado pela dinastia Sassânida (220-640). Localizava-se na Eurásia Centro-Ocidental. A tensão com a Pérsia era constante. Em 363, o Imperador Juliano invadiu o que hoje é o atual Iraque e que em 363 d.C. pertencia ao Império Persa. A invasão romana foi obstada e repelida. Nos anos de 614-628, foi a vez do Império Persa passar para a ofensiva, conquistando o oriente romano, mesmo que temporariamente.

"...era quase tão grande quanto o Império Romano, estendendo-se a leste para a Ásia Central e para o atual Afeganistão."
(página 86).

A religião do Império Persa era o Zoroastrismo. Tinha ainda minorias cristãs e judaicas.

👉 BERBERES: Os outros 'barbari' (bárbaros) estavam no sul do Império Romano, na África. Eram tribos nômades e seminômades que falavam a língua berbere.

👉BRITÂNIA: Na Bretanha, os romanos se viam cercados pelos Pictos no Norte e pelos irlandeses no Oeste

👉GERMANI: Os romanos viam os povos que ficavam nas fronteiras dos rios Reno e Danúbio como um bloco único, denominando-os de Germani. Mas não eram um bloco único. Os povos que ficavam nas fronteiras dos rios Reno e Danúbio eram:

- Francos: baixo Reno (século IV)
- Alamanos: centro e baixo Reno (século IV)
- Godos: baixo Danúbio e noroeste das estepes do que hoje é a Ucrânia (século IV)
- Frísios: moderna Holanda
- Saxões: norte da Moderna Alemanha
- Vândalos ou Lombardos: leste
- Quados: viviam no que hoje são Eslováquia e Hungria. Prováveis descendentes: Suevos e Rúgios

"A transformação dos Quados é apenas um exemplo, dentre vários, de uma característica crucial de todas essas comunidades tribais: elas eram muito mutáveis."
(página 88)

nenhuma delas era constituída de grupos étnicos unidos, todas consistiam em tribos menores, cada uma com um líder específico
numa guerra, esses líderes podiam unir suas forças, criando uma confederação

"Isso encaixa na descrição dos alamanos das décadas de 350 a 370, segundo Amiano, cujos 7 reis (reges) se uniram para combater Juliano, em 357, sob o comando de Conodomário e seu sobrinho Serápio, os quais também eram apoiados por 10 líderes menores, 'regales', além de aristocratas de várias 'nationes'. Será que todas essas 'nationes' sequer pensavam em si como alamanos, ou será esse, assim como germânicos, apenas um termo romano para uma realidade muito mais incipiente?"
(página )

Esses 'outros' formavam sociedades de camponeses, vivendo da agricultura, exceto os nômades Berberes do Saara), vivendo em Vilas, com a elite geralmente vivendo ao lado dos agricultores. Eram sociedades assentadas e estáveis; normalmente não se deslocavam. O contato dessas tribos com os romanos pode ter levado ao enriquecimento de seus líderes. Achados arqueológicos encontraram líderes bárbaros enterrados ricamente, ao lado de manufaturas romanas. Os ricos entre os bárbaros estavam se tornando mais ricos.

"Os romanos comercializavam para além das fronteiras; também empregavam 'bárbaros' como soldados pagos, em todos os séculos."
(página 89)

FRONTEIRAS MAIS CRÍTICAS PARA OS ROMANOS:

As fronteiras mais criticas estavam no norte da Gália e nos Balcãs. Tornaram-se regiões militarizadas. Bárbaros, como anotamos, eram usados no exército romano. Bárbaros eventualmente também podiam ser assentados no lado romano. Do outro lado da fronteira, os bárbaros começaram a emular a hierarquia romana em seus territórios. Lentamente, as sociedades romana e 'bárbara' tornavam-se semelhantes.

"Esse tipo de observação tem sido utilizado por alguns historiadores recentes  como base para o argumentos de que nada realmente mudou quando os 'bárbaros' entraram no Império Romano nos século V, e substituíram a metade ocidental com seus próprios reinos. Havia muito tempo que os imperadores se originavam, em grande parte de famílias militares das fronteiras; os estados sucessores tinham reis de um tipo similar, apenas vinham de mais além da fronteira."
(página 90)

"Esse é um argumento melhor do que o tradicional, que apela para ondas de germanos migrantes que foram dominando os enfraquecidos (porque barbarizados) exército e estado romano, mas também vai longe demais."
(página 90)

HUNOS:

Povo nômade da Ásia Central. Ancestrais dos mongóis. Dizia-se que comiam carne crua, viviam no lombo de cavalos. Eram grandes guerreiros. Em seu avanço para o oeste, os hunos empurraram outras tribos para a fronteira romana. Os Tervíngios, uma tribo gótica, empurrados pelo avanço huno, tentou entrar no Império Romano, em 376. Outras tribos ficaram ao norte do Rio Danúbio, aceitando o domínio huno.

FRONTEIRAS ROMANAS FORÇADAS POR MIGRANTES:

Dois séculos antes dos Hunos, as fronteiras romanas já eram forçadas por migrantes. Essa situação podia resultar em:
- as tribos eram derrotadas e escravizadas
- absorvidas pelo Império
- repatriadas/conduzidas de volta

Havia casos de Tribos que realmente pediam asilo aos romanos. Num caso, os Godos foram aceitos nos Balcãs. Mas eles foram maltratados pelos romanos, de forma que se revoltaram e depois derrotaram um exército romano em Edirne (Adrianópolis, atual Turquia) em 378. Valente, Imperador Oriental (364/378), comandava o exército romano que foi derrotado. Na sequência, Godos e Romanos fizeram as pazes.

Os Godos
 "Por volta de 394, estavam lutando no exército romano do Oriente, contra um usurpador ocidental colocado por Arbogasto. Todavia, eles não se tornaram romanos, e permaneceram como um agrupamento étnico separado, o primeiro grupo dentro do Império Romano a fazê-lo."
(página 92)

INTERPENETRAÇÃO:

Os romanos não souberam usar essa interpenetração a seu favor. Em 405/406, mais bárbaros empurrados pelos Hunos forçavam as fronteiras do Império Romano. Alguns conseguiam entrar. Mas os romanos não souberam lidar com esses migrantes; não conseguiram cooptá-los para a sua causa. A entrada desses elementos não tinha "que ir, de forma alguma, contra as estruturas romanas de poder e, no Oriente, não ia." (página 92)

Mas erros políticos foram cometidos pelos romanos ao lidar com essas ondas migratórias. "a inaptidão estratégica diante de uma situação política em constante mudança, por fim, contribuiu para afundar a metade Ocidental do Império Romano." (página 92)


ANOTAÇÕES EXTRAÍDAS DA LEITURA DO LIVRO "O LEGADO DE ROMA, ILUMINANDO A IDADE DAS TREVAS, 400-1000, CHRIS WICKHAM, EDITORA UNICAMP, imprensa oficial Governo do Estado de São Paulo, capítulo 1, o Peso do Império.